Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 330/2014-T
Data da decisão: 2015-01-08  IUC  
Valor do pedido: € 844,77
Tema: IUC - incidência subjetiva; presunção legal
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 330/2014 – T

Tema: IUC – incidência subjetiva; presunção legal.

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A, LDA, pessoa colectiva n.º …, com sede no Parque Industrial …, …, …, …-… …, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, mais concretamente as liquidações n.º …603, …403, …903, …103, …003, …603 e …903, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”)..

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 23-06-2014.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

4.    Realizada a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, foram aí feitas alegações orais pelas partes.

 

* * *

 

5.    Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, alegando em síntese:

 

       a)  Recepcionou as liquidações de IUC objecto dos autos, relativamente às viaturas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-….

       b)  Ter vendido todos os veículos automóveis, com excepção do que tinha a matrícula …-…-…, que foi abatido, a que respeitam as liquidações, em datas anteriores às das respectivas emissões.

       c)  Apresentou reclamação graciosa das referidas liquidações, a qual foi indeferida.

       d) As liquidações só terão ocorrido por motivos alheios ao sujeito passivo e que não o poderão onerar, nomeadamente porque quem adquiriu a propriedade desses veículos não os tinha registado convenientemente, como é sua obrigação.

       e)  A Administração Fiscal só deverá imputar a sujeição passiva do IUC aos efectivos proprietários do veículo sob o quais recai a incidência objectiva do imposto.

       f)  Nos anos de 2010, 2011 e 2012, a propriedade e a posse dos referidos veículos já não eram direitos ao dispor do sujeito passivo e, nessa medida, os deveres inerentes ao direito de propriedade dos mesmos também não poderão ser imputados ao sujeito passivo.

       g)  Apesar de ter conhecimento, pelos elementos juntos à reclamação graciosa, que a propriedade dos referidos veículos foi transmitida em data precedente à da obrigatoriedade dos impostos em apreço, a AT optou por indeferir a reclamação graciosa que apresentou.

       h)  O legislador apenas pretende, no n.º 1 do art. 3º do CIUC, introduzir um elemento enunciativo de quem detém a propriedade, consagrando uma presunção legal.

       i)   O contrato de compra e venda de veículo automóvel é meramente consensual, sendo a obrigatoriedade do registo declarativa ou funcional.

       j)   A presunção do art. 7º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel, sendo juris tantum, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

       k)  O sujeito passivo, ao lograr prova da transferência da propriedade dos referidos veículos automóveis, em data precedente à da exigibilidade do imposto, afastou essa presunção proveniente do registo.

       l)   A propriedade, por mero efeito dos correspondentes contratos de compra e venda, transferiu-se em data anterior àquelas em que o IUC era exigível e a requerente não se configura como sujeito passivo do imposto.

 

6.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  O entendimento da requerente decorre da uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e, por último, decorre de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

       b)  O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

       c)  Realça que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

       d) O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

       e)  O legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados.

       f)  À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.

       g)  A interpretação veiculada pela requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

       h)  Além de ser ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português.

       i)   Uma factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de contade (i.e. a aceitação) por parte do pretenso adquirente.

       j)   Relativamente à factura constante do documento n.º 2 a menção da viatura constante no ponto n.º 5 do pedido de pronúncia (…-…-…) não coincide com a matrícula da factura corporizada no documento 2 (…-…-…).

       k)  Sustenta que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.

       l)   Não foi a requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria requerente que, aliás, só agora subministrou prova documental relativa à pretensa transmissão da propriedade, o que não ocorreu em sede do prévio procedimento administrativo.

       m) Consequentemente, deverá a requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT e o mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela requerente.

 

* * *

 

7.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A AT emitiu as liquidações de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, n.º …603, …403, …903, …103, …003, …603 e …903, referentes às viaturas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-….

b)    A requerente emitiu facturas de venda relativamente às viaturas com as matrículas …-…-…, …-…-… e …-…-….

c)    A requerente emitiu factura de venda onde consta a matrícula …-…-…;

d)    A adquirente das viaturas automóveis …-…-…, …-…-… e …-...-… subscreveu declaração de assumpção de responsabilidade decorrente da sua aquisição.

e)    Os compradores dos veículos automóveis não registaram a sua propriedade.

f)    A requerente requereu, junto do IMTT, apreensão do veículo com a matrícula …-…-….

g)    O veículo com a matrícula …-…-… foi abatido em 05-07-2010.

h     A requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações objecto dos presentes autos, na qual veio a ser proferido, em 27-03-2014, despacho de indeferimento.

i)     A requerente apresentou, em 10-04-2104, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pela requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela requerida.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.4  O DIREITO

 

A questão de fundo a apreciar reside na interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Com base na redacção deste preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Aduz em abono da sua tese, razões hermenêuticas de interpretação da lei, com apelo não só à sua literalidade, como aos elementos sistemático e teleológico.

 

Invocação plena de sentido, na medida em que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado.

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Como ponto de partida, a resposta parece-nos ser negativa.

 

Parece ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11º da LGT - que um indivíduo venha a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tenha de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

Ao que acresce o facto de a AT dever nortear a sua actividade pela observância dos princípios da legalidade, do inquisitório e descoberta da verdade material, insíto ao ditame constitucional da capacidade contributiva.

 

Seja como for, parece evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso que o art. 3º, n.º 1 do CIUC contempla: uma presunção implícita. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Por outro lado, em cumprimento dos princípios - com consagração no nosso ordenamento comunitário - do poluidor-pagador e da equivalência, o CIUC importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários).

 

É, pois, forçoso concluir que o art. 3º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

Dos elementos probatórios trazidos aos autos pela requerente, resulta que esta já não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.

 

Não foi suscitada a veracidade de tais documentos.

 

Apenas foi questionado pela requerida o facto de uma das facturas de venda juntas pela requerente se mencionar a matrícula …-…-…, que pretensamente pretendia provar a transmissão do veículo com a matrícula …-…-….

 

Tendo sido suscitada tal incongruência pela requerida, nada veio dizer a requerente, não tendo, por isso, o tribunal arbitral elementos que possam, de forma plena, concluir que a questionada factura se reporta efectivamente à matrícula …-…-….

 

Donde não pode dar-se como provado que aquele veículo automóvel tenha sido vendido pela requerente.

 

Quanto aos demais veículos, temos como assente não ter sido colocado em causa que os negócios de venda dos veículos automóveis tenham sido concretizados, sendo certo que o contrato de compra e venda é consensual, não se lhe exigindo qualquer forma especial.

 

Provada a transmissão de propriedade e uma vez que a AT não tem legitimidade para opor a ausência de registo, por não ser para tais efeitos tida como terceiro, impõe-se a anulação das liquidações de IUC objecto do presente pedido arbitral.

 

As considerações constantes na resposta a propósito de juros indemnizatórios assentam em manifesto lapso, na medida em que não foi formulado tal pedido, nem a requerente abordou tal questão.

 

No que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas.

 

Para ilidir as presunções previstas em normas de incidência tributária, pode o interessado socorrer-se do procedimento administrativo próprio previsto art. 64º do CPPT, como forma alternativa à reclamação graciosa ou impugnação judicial.

 

Contrariamente ao que a requerida alega na resposta, já em sede de reclamação graciosa a requerente havia apresentado os mesmos documentos que juntou ao pedido de pronúncia arbitral o que, não obstante, levou a que aquela fosse indeferida.

 

Foi, por isso, a AT que deu origem à presente causa.

 

 

***

 

 

3. DECISÃO

 

 

Face ao exposto, decide-se:

                                             a)  julgar parcialmente procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral, devendo, em consequência, ser anuladas as liquidações de IUC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, relativas aos veículos com as matrículas …-…-.., …-…-..., …-…-… e …-…-…;

 

                                             b) condenar a requerente e a requerida nas custas do presente processo na proporção do respectivo vencimento.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 844,77 € (oitocentos e quarenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos).

 

 

CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 306,00 € (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 244,80 € a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e 61,20 € a cargo da requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Janeiro de 2015

 

 

 

                                                                    O árbitro

 

 

                                                       (António Alberto Franco)

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.