Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 289/2014-T
Data da decisão: 2014-11-30  IMT  
Valor do pedido: € 67.101,32
Tema: IMT – Caducidade da isenção - Artigo 11.º, n.º 5, do CIMT
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Processo 289/2014-T

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Guilherme d’Oliveira Martins e Nina Aguiar (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 02 de junho de 2014, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

1. No dia 26 de março de 2014 a sociedade A, S.A., NIF ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28.03.2014 e automaticamente notificado à AT em 31.03.2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 16.05.2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 02.06.2014.

6. No dia 13.07.2014, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Atendendo a que:

- não existe necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos;

- não existe matéria de exceção sobre as quais as partes careçam de se pronunciar;

- no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis;

Auscultados os restantes árbitros, que manifestaram a sua concordância com o presente despacho, notifique as partes para em 10 dias informarem nos autos:

- se prescindem da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT;

- em caso de resposta afirmativa, se prescindem da apresentação de alegações ou se as pretendem apresentar por escrito.

7. Em 22.09.2014, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Atendendo a que, no caso, não se verifica qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º/c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ouvidos os colegas árbitros que manifestaram a sua concordância com o presente despacho, dispensa-se a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT;

Pretende a AT que não seja facultada às Partes a faculdade de apresentar alegações.

Tendo em conta que o RJAT prevê expressamente essa faculdade (art. 18.º/2), que o Requerente não prescindiu das mesmas, bem como o princípio da livre condução do processo arbitral pelo Tribunal, entendem os árbitros que constituem este tribunal não ser de atender à referida pretensão da AT.

Assim, notifique o Requerente para, querendo, apresentar no prazo de 10 dias as alegações escritas que, ao caso, tiver por pertinentes.

Apresentadas aquelas alegações ou terminado o prazo concedido para o efeito, sem que as mesmas tenham sido apresentadas, disporá a Requerida do prazo de 10 dias para, também querendo, apresentar as alegações escritas que, ao caso, tiver por pertinentes.

A decisão final será proferida até 30 dias após a apresentação das alegações escritas da Requerida, ou do termo do prazo concedido para o efeito.

8. No dia 07.10.2014 o Requerente apresentou as suas alegações escritas e, no dia 15.10.2014, a Requerida apresentou as suas.

9. No presente processo arbitral, pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), sendo o mesmo anulado e consequentemente restituído à Requerente o imposto já pago acrescido de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.

 I.A. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

1.    O Requerente é a sociedade incorporante da B, Lda., sobre a qual foi emitido o ato tributário que constitui objeto do pedido de pronúncia arbitral.

2.    A B era uma sociedade por quotas cujo objeto consistia na detenção e gestão de imóveis e, ainda, na promoção de loteamentos, urbanizações e empreendimentos imobiliários, bem como na aquisição de imóveis para revenda.

3.    A B cessou a sua atividade no dia 30.12.2011, momento em que foi incorporada no Requerente.

4.    Em 28.06.2007, a B adquiriu à sociedade C, Lda., 10 imóveis sitos na extinta freguesia de ..., concelho da ....

5.    A aquisição beneficiou da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, por os prédios se destinarem a revenda.

6.    Em 08.04.2010, os referidos imóveis foram vendidos ao fundo D.

7.    As partes acordaram o preço devido pelos imóveis em causa e por outros vendidos na mesma data - € 888.000,00 - e que o mesmo deveria ser pago pelo Fundo através da entrega de unidades de participação próprias, tendo o Fundo entregue à B 83.725 unidades de participação no valor nominal de € 10.6062 cada, perfazendo aquele valor total.

8.    A transmissão dos imóveis foi efetuada mediante uma escritura pública de permuta, a qual foi posteriormente retificada para escritura de compra e venda.

9.    Na sequência de uma ação de inspeção realizada à B, foram efetuadas correções pela AT, entre as quais a que resulta da caducidade da isenção em sede de IMT de que beneficiou a B, por entender a AT que a operação em causa não se tratou de uma revenda, mas sim de uma permuta, o que determinaria a caducidade da isenção nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do CIMT.

10.              Tem sido entendimento da jurisprudência e da doutrina que o conceito de “revenda” consagrado no CIMT deve ser entendido no sentido técnico-jurídico, devendo ser excluídas todas as realidades que não possam ser associadas ao “conceito civilístico de venda” – veja-se o acórdão do STA em que este tribunal clarifica o entendimento de que “o conceito de revenda a que se referia o art. 11.º, n.º 3, do CIMSISSD enquadra-se apenas a transmissão do direito de propriedade efetuada por contrato de compra e venda tal como este é definido no art. 874.º do Código Civil, realizada pelo adquirente que exercesse a atividade de compra de imóveis para revenda” e que, consequentemente, “fica excluída da referida isenção a transmissão (aquisição) de propriedade por qualquer das outras formas previstas no art., 1316.º do Código Civil”  (cf. Acórdão de 20.02.2013, processo 01205/12). Noutro acórdão, de 28.01.2009, processo 0642/08, o mesmo Tribunal afirma que “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda.”

11.              Nos termos do artigo 874.º do Código Civil, o contrato de compra e venda é “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. Assim, o negócio jurídico de compra e venda inclui sempre dois elementos essenciais: (i) a transmissão da propriedade sobre algo; (ii) o pagamento de um preço – os quais, no entender do Requerente estão reunidos no caso concreto porque foi transmitido o direito de propriedade sobre um conjunto de imóveis e porque foi definido um preço – o valor de € 888.000,00 – o qual foi pago através de unidades de participação no Fundo comprador.

12.              Citando Baptista Lopes, na sua obra “Do Contrato de Compra e Venda”, Almedina, 1971, p. 111, o Requerente avança que “quando o artigo [889.º do Código Civil] se refere a preço refere-se a dinheiro, mas a forma desse pagamento pode não ser em numerário – o pagamento pode ser em mercadorias, em prestações de serviços, etc. – desde que haja consentimento do vendedor.” – assim, o facto de o preço ser pago noutros valores que não o dinheiro não obstaria à qualificação do contrato em causa como de compra e venda. Citando ainda o mesmo autor, o Requerente aduz que “Se, no próprio contrato, tiver sido determinado o preço em dinheiro e, contemporaneamente, o vendedor autorizar o comprador a entregar, em vez de dinheiro, uma outra coisa determinada, há uma venda com faculdade alternativa por parte do comprador”. Assim, entende o Requerente que a entrega das unidades de participação configurou o pagamento de um preço pela aquisição da propriedade sobre os imóveis em causa.

13.              Acrescenta que as unidades de participação assumem-se como verdadeiros instrumentos financeiros líquidos; têm um efetivo valor económico com liquidez; são um ativo monetário.

14.              Sobre o facto de a B ter recebido, em contrapartida da transmissão dos imóveis, unidades de participação no Fundo comprador, entende o Requerente que tal não é suficiente para se dizer que a B continuou a ser titular dos imóveis em causa, na medida em que a relação de participação no Fundo assumida pela B lhe confere apenas uma participação passiva na gestão ou disposição de todos os ativos, sem qualquer intervenção na gestão dos mesmos, a qual, por imposição legal, está atribuída à sociedade gestora do Fundo.

15.              Sobre o conceito de permuta, o Requerente invoca o disposto no artigo 4.º, alínea c) do CIMT, nos termos do qual “nos contratos de compra ou permuta de bens imóveis, qualquer que seja o título por que se opere, o imposto é devido pelo permutante que receber os bens de maior valor, entendendo-se como de troca ou permuta o contrato em que as prestações de ambos os permutantes compreendem bens imóveis, ainda que futuros.”, defendendo que “para efeitos de IMT, o conceito de permuta inclui unicamente a troca de bens imóveis por outros bens imóveis – o que não sucedeu no caso concreto – não podendo incluir a troca de imóveis por bens móveis.” Sobre este conceito, o Requerente faz ainda apelo à jurisprudência do STA, nomeadamente ao acórdão de 28.11.2012, proferido no processo 0529/12, em que o Tribunal decidiu que “constitui troca ou permuta o contrato cujo núcleo essencial consiste na prestação de um imóvel por outro.” Além da jurisprudência do STA, o Requerente alude ainda à jurisprudência do STJ (acórdão de 25.03.2010, recurso 2688/07), onde se pode ler que o elemento caraterístico do contrato de permuta ou troca é exatamente “a ausência de qualquer objeto monetário que no contrato desempenhe a função de meio pagamento, isto é, na ausência de qualquer objeto que possa ser qualificado como preço”.

16.              Por fim, o Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT e nos artigos 43.º e 100.º da LGT.

I.B Na sua Resposta, a AT veio dizer o seguinte:

 

1.    Os contratos em causa não foram configurados como contratos de permuta para efeitos fiscais porque compreendem a troca de bens imóveis por participações num Fundo.

2.    A situação em causa constitui, no entender da AT, uma entrada em espécie no Fundo D, sendo que, tendo existido três aumentos de capital deste, verifica-se que, relativamente ao segundo e terceiro aumentos, estes se verificaram em 26.02.2010 e 08.04.2010, sendo estas datas coincidentes com a celebração das escrituras de permuta e sendo que as unidades de participação entretanto aumentadas correspondem exatamente às que serviram de contrapartida aos imóveis transmitidos pela B.

3.    Assim, verifica-se no caso concreto que o destino dos imóveis em questão não foi a revenda, mas sim a entrada em espécie no capital do Fundo (operação que não se integra no conceito de revenda).

4.    Considera ainda a AT que os imóveis alienados continuaram, ainda que indiretamente, a pertencer à própria B: ainda que se conceda que, formalmente, o direito de propriedade não pertença à B, o que se verifica é que esta continua a auferir, por via da titularidade das unidades de participação detidas por força do contrato, de rendimento subjacentes à gestão dos mesmos imóveis, sendo que se tivesse procedido à efetiva revenda dos mesmos, o proveito associado seria, diferentemente, apenas o preço da sua alienação.

5.    Refere ainda a AT que o Fundo D, solicitou, em 2012, a suspensão de tributação em sede de IMI de todos os imóveis que compõem o seu património, incluindo os transmitidos pela B, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI, isto é, por os mesmos se destinarem a revenda, verificando-se, assim, que a finalidade dos imóveis seria sempre a revenda, implicando por essa via e com outros fundamentos, nova caducidade da isenção do IMT na esfera da B, pela aplicação do artigo 11.º, n.º 5 do CIMT, na medida em que os imóveis foram vendidos sendo novamente qualificados como para revenda.

 

I.C Alegações

 

Nas alegações, as Partes repetiram, no essencial, o argumentário já apresentado. Com relevância inovatória destaca-se apenas a resposta do Requerente ao argumento da Requerida de que os imóveis foram adquiridos para se proceder a nova revenda. A esse propósito, vem a Requerente dizer que:

(i)     O Fundo adquirente, no âmbito da sua atividade, tinha a intenção de proceder à construção de edifícios sobre os imóveis adquiridos (terrenos para construção urbana). Não tinha a intenção de (re)vender os terrenos adquiridos;

(ii)   O Fundo classificou contabilisticamente os imóveis adquiridos como “terrenos para construção”;

(iii) Porém, em 2012, decorridos dois anos da data da aquisição, o Fundo, perante a conjuntura económica e atenta a necessidade de liquidez, alterou o destino inicialmente dado aos terrenos adquiridos, deixando de ter como intenção proceder à construção de edifícios para habitação sobre os mesmos, pretendendo então proceder à venda dos mesmos;

(iv) Em 2012, o Fundo atualizou a classificação contabilística dos imóveis e requereu a suspensão da liquidação de IMI, prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI.

 

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. Não há quaisquer questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

 

4. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se a operação realizada cumpre, ou não, os pressupostos legais de que depende a aplicação da isenção para revenda prevista no artigo 7.º do CIMT.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. O Requerente é a sociedade incorporante da B, Lda., sobre a qual foi emitido o ato tributário que constitui objeto do pedido de pronúncia arbitral.
  2. A B era uma sociedade por quotas cujo objeto consistia na detenção e gestão de imóveis e, ainda, na promoção de loteamentos, urbanizações e empreendimentos imobiliários, bem como na aquisição de imóveis para revenda.
  3. A B cessou a sua atividade no dia 30.12.2011, momento em que foi incorporada no Requerente.
  4. Em 28.06.2007, a B adquiriu à sociedade C, Lda., 10 imóveis sitos na extinta freguesia de ..., concelho da ..., no valor de € 4.992.067,00, tendo esta aquisição beneficiado de isenção de IMT, nos termos do artigo 7.º do CIMT.
  5. Em 08.04.2010, os referidos imóveis foram objeto de um contrato qualificado como de “permuta” (conforme a respectiva escritura que integra o anexo 2 do RIT e que aqui se dá por integralmente reproduzida[1]) e mais tarde retificado para “contrato de compra e venda” em 01.10.2013 (conforme a respectiva escritura que integra o anexo 4 do RIT e que aqui se dá por integralmente reproduzida[2]), ao Fundo D.
  6. No contrato celebrado em 08.04.2010 e mais tarde retificado quanto ao respetivo nomen iuris, foi acordado que a contrapartida devida pela transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis era a entrega de unidades de participação no próprio Fundo adquirente, no valor de € 888.000,00 (no total, 83.725 unidades de participação, no valor nominal unitário de € 10,6062).
  7. Tendo a extinta B, no ano de 2013, sido objeto de uma ação de inspeção referente ao exercício do ano de 2010, foi notificada do respetivo Projeto de Relatório, no qual, entre outras, se propunha a correção em sede de matéria coletável de IMT, a qual resultaria da caducidade da isenção de IMT de que a B tinha beneficiou no passado (2007), aquando da aquisição dos imóveis em causa, e consequente liquidação do imposto em falta.
  8. Em 2012, o Fundo alterou o destino inicialmente dado aos terrenos adquiridos, deixando de ter como intenção proceder à construção de edifícios para habitação sobre os mesmos, pretendendo então proceder à venda dos mesmos, tendo atualizado a classificação contabilística dos imóveis e requerido a suspensão da liquidação de IMI, prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI.

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

i.                    Que a designação de “Permuta”, utilizada na escritura a que se reporta o ponto v. dos factos dados como provados supra, haja sido empregue por mero lapso.

 

IV.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial e em afirmações do Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O facto dado como não provado deve-se à completa ausência de prova a seu respeito, sendo que a prova existente aponta, precisamente, no sentido da não prova, na medida em que a escritura original, por exemplo, reitera várias vezes que se trata de uma permuta, e não refere, em parte alguma, um preço, uma compra ou uma venda, indiciando, portanto, que as partes disseram, naquela escritura, efectivamente, o que quiseram dizer, como, de resto, lhes deverá ter sido explicado pelo Notário, no que era uma das principais justificações da exigência legal da sua intervenção.

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

Nos termos do artigo 7.º do CIMT:

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação.

 

Por outro lado, nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do CIMT (caducidade das isenções), “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”

 

O regime descrito já se encontrava previsto com idênticos contornos no artigo 11.º, ponto 3.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (“Código da Sisa”), segundo o qual: “Ficam isentas de sisa: (…) 3.º As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”. Previa também o Código da Sisa (artigo 16.º, ponto 1.º) a isenção caducava logo que se verificasse que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.

 

Posto o direito, cumpre encarar agora os factos que relevam para a apreciação da questão da qualificação da operação realizada entre a B e o Fundo D, que são os seguintes:

- Em 28.06.2007, a B adquiriu à sociedade C, Lda., 10 imóveis sitos na extinta freguesia de ..., concelho da ....

- A aquisição beneficiou da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, por os prédios se destinarem a revenda.

- Em 08.04.2010, os referidos imóveis foram transmitidos para o fundo D.

- As partes acordaram que a contrapartida devida pela transmissão dos imóveis em causa e por outros transmitidos na mesma altura, seria a entrega pelo Fundo de unidades de participação próprias, tendo o Fundo entregue à B 83.725 unidades de participação no valor nominal de € 10.6062 cada, perfazendo o valor total de €880.000,00.

- A transmissão dos imóveis foi efetuada mediante uma escritura pública de permuta, a qual foi posteriormente retificada para escritura de compra e venda.

 

O Requerente dedica uma parte significativa do pedido a demonstrar que o contrato celebrado entre a B e o Fundo D não deve ser qualificado como contrato de permuta, pretendendo a AT, na Resposta apresentada, que o mesmo se tratou de uma troca de bens imóveis por participações num Fundo.

Ponto particularmente importante na apreciação da matéria que nos ocupa é a questão do ónus da prova.

Pretendendo o Requerente prevalecer-se de uma norma de isenção – que o isenta do pagamento de um tributo (o IMT) – incumbir-lhe-á, nos termos da norma do artigo 74.º/1 da LGT fazer prova dos requisito a que a lei condiciona a sua atribuição.

No caso, e para o que ora importa, está em causa a imposição legal de que o prédio seja revendido no prazo de 3 anos. Entende-se aqui que, ao contrário do que a norma do artigo 11.º do CIMT possa eventualmente sugerir, a causa de caducidade do benefício é, meramente, o decurso do prazo de 3 anos fixado no n.º 5 daquele, sendo a revenda efetuada dentro desse prazo, um facto impeditivo da caducidade, cuja prova competirá, como tal, ao interessado em obstar a tal caducidade.

Posto isto cumpre apreciar se, face aos factos provados e não provados, se pode concluir pela ocorrência de uma (re)venda dos prédios em questão, dentro do prazo de 3 anos contados da respectiva aquisição pelo Requerente.

Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não. Com efeito, concordando com o Requerente quando se louva em jurisprudência do STA, entende-se que “no conceito de "revenda" a que se referia o arto 11º, nº 3 do CIMSISSD enquadra-se apenas a transmissão do direito de propriedade efetuada por contrato de compra e venda tal como este é definido no artº 874º do Código Civil”.

Ora, o contrato de compra e venda, conforme resulta do artigo 874.º do Código Civil, de resto citado pelo Requerente, traduz-se na transmissão da propriedade sobre um objecto ou direito, contra o pagamento de um preço, sendo que este, como é secularmente pacífico, deverá ser fixado em dinheiro.

Compulsada a escritura de 08.04.2010, verifica-se que em parte alguma é fixado um preço, antes é dito, recorrentemente, que se trata de uma permuta ou troca dos imóveis, por um lado, contra unidades de participação do fundo D, por outro.

Ou seja, não se encontra demonstrado que, efectivamente, a 08.04.2010 haja ocorrido uma (re)venda dos imóveis em questão nos autos.

A tal conclusão não obsta a escritura de 01.10.2013, já que a mesma não tem a virtualidade de fazer acontecer um facto que não aconteceu.

É certo que se – materialmente – estivesse demonstrado que o que ocorreu em 08.04.2010 foi uma venda, e que as inúmeras referências a permuta se deveram a um (improvável) lapso, não se trataria de estar a transmutar um acto passado em outro que não ocorreu, mas unicamente a conformar o documento eivado de lapso à realidade ocorrida. Mas, repete-se, era necessária a demonstração desta realidade que, naturalmente, não passa pela própria declaração (interessada) das partes, passados mais de três anos, ainda que sob forma pública.

Acresce que, os demais elementos disponíveis nos autos apontam para que, na realidade, tenha existido efectivamente, não uma venda ou uma permuta, mas uma liquidação em espécie de um acto de subscrição do fundo D pelo Requerente, o que, ademais, resulta do próprio Regulamento de Gestão do Fundo, que integra o Anexo 6 do RIT, e em cujo ponto 2.2 se prevê, expressamente, a liquidação em espécie dos actos de subscrição, sendo que no último parágrafo do ponto 4.3 do mesmo Regulamento, é referido expressamente que em 08.04.2010, foram subscritas unidades de participação, cuja liquidação era susceptível de se realizar em espécie.

Independentemente disto, e retornando ao inicialmente apontado, era ao Requerente que assistia o ónus de demonstrar que no prazo de 3 anos contados da aquisição, da sua parte, dos imóveis em causa, procedeu à respectiva (re)venda. Não o tendo feito, dever-se-á considerar que, pelo decurso daquele prazo de 3 anos, caducou a isenção de que benefeciou, nada havendo a censurar, do ponto de vista da legalidade, ao acto tributário contra o qual se insurge.

 

Quanto aos juros indemnizatórios, face ao que antecede, não se verificam os pressupostos legais de que depende a sua atribuição.

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se julgar improcedente a presente impugnação, quer no que respeita à anulação da liquidação de IMT em causa, quer no que respeita ao pedido acessório de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fixa-se o valor do processo em € 67.101,32 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de novembro de 2014

 

 

Os Árbitros

 

 

José Pedro Carvalho

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins

(vencido nos termos da declaração de voto anexa)

 

 

 

Nina Aguiar

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Discordo da tese que fez vencimento pelas seguintes razões:

No presente processo, importava decidir se a operação realizada cumpre, ou não, os pressupostos legais de que depende a aplicação da isenção para revenda prevista no artigo 7.º do CIMT, o que implicava, por sua vez, determinar se (i) existiu, ou não, uma operação qualificável como de revenda dentro do prazo previsto na lei; e se (ii) tendo havido essa operação, está ou não verificada alguma causa de caducidade da isenção prevista naquele artigo 7.º do CIMT, mormente a que prevê o n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.

Embora o Requerente dedique uma parte significativa do pedido a demonstrar que o contrato celebrado entre a B e o Fundo D não deve ser qualificado como contrato de permuta, a AT manifestou, na Resposta apresentada, a sua concordância com a não qualificação do contrato em causa como contrato de permuta uma vez que se tratou de uma troca de bens imóveis por participações num Fundo. Assim, essa questão não careceria de maior aprofundamento.

No entanto, não se esgota aí a questão da qualificação do contrato celebrado, já que, no entender da Requerente, o contrato deve ser qualificado como contrato de compra e venda e, no entender da Requerida, o contrato constitui uma entrada em espécie no capital do Fundo. A AT entende que a operação em causa configurou uma entrada em espécie no Fundo D porque a B trocou bens imóveis por unidades de participação do Fundo e porque, tendo existido três aumentos de capital deste, o segundo e o terceiro se verificaram em 26.02.2010 e em 08.04.2010, sendo estas datas coincidentes com a celebração das escrituras de permuta e sendo que as unidades de participação entretanto aumentadas correspondem exatamente às que serviram de contrapartida aos imóveis transmitidos pela B. Por este motivo, entende a AT que a operação em causa não pode ser considerada como uma revenda e que, por conseguinte, não devia ter beneficiado da isenção de IMT.

A este propósito, entendemos não assistir razão à AT. Efetivamente, numa entrada em espécie aquilo que se verifica é a realização da obrigação de entrada no capital de uma determinada entidade através da entrega de bens que são avaliados para esse efeito. Coisa diferente, embora a diferença possa parecer subtil, é o contrato celebrado entre duas partes através do qual uma transmite imóveis e a outra paga um preço (definido em dinheiro) pelos imóveis que adquire, simplesmente sendo esse preço pago através de participações num património autónomo. Efetivamente, não nos parece que a circunstância de o preço, definido em dinheiro, ser pago em participações em vez de o ser em capital constitua motivo suficiente para se dizer que o que está em causa é uma entrada em espécie e não um contrato de compra e venda. No caso concreto, temos um contrato oneroso, bilateral, com prestações recíprocas e dotado de eficácia real ou translativa – sendo estas precisamente as caraterísticas que denotam a existência de um contrato de compra e venda. O preço foi definido pelas partes e foi pago através de participações sociais cujo valor corresponde ao preço definido, o que não invalida a existência de um contrato de compra e venda, na medida em que a obrigação de pagar o preço devido pela coisa transmitida se mantém.

Tratando-se de um contrato de compra e venda, temos uma primeira revenda quando a sociedade B, que havia adquirido os imóveis em causa à sociedade C, Lda., os transmite ao Fundo D. Quanto a esse aspeto, entendo, pois, verificado o requisito de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.

Contudo, uma outra questão que carece de análise é a que a AT suscita relativamente ao destino que o Fundo D deu aos imóveis que havia adquirido à B. Efetivamente, a AT refere que, em 2012, o referido Fundo requereu a suspensão de tributação em sede de IMI de todos os imóveis que compunham o seu património, incluindo os transmitidos pela B, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI, isto é, por os mesmos se destinarem a revenda, verificando-se, assim, que a finalidade dos imóveis seria sempre a revenda, implicando por essa via e com outros fundamentos, nova caducidade da isenção do IMT na esfera da B, pela aplicação do artigo 11.º, n.º 5 do CIMT, na medida em que os imóveis foram vendidos sendo novamente qualificados como para revenda.

A esse propósito, veio a Requerente dizer que:

- O Fundo adquirente, no âmbito da sua atividade, tinha a intenção de proceder à construção de edifícios sobre os imóveis adquiridos (terrenos para construção urbana). Não tinha a intenção de (re)vender os terrenos adquiridos;

- O Fundo classificou contabilisticamente os imóveis adquiridos como “terrenos para construção”;

- Porém, em 2012, decorridos dois anos da data da aquisição, o Fundo, perante a conjuntura económica e atenta a necessidade de liquidez, alterou o destino inicialmente dado aos terrenos adquiridos, deixando de ter como intenção proceder à construção de edifícios para habitação sobre os mesmos, pretendendo então proceder à venda dos mesmos;

- Em 2012, o Fundo atualizou a classificação contabilística dos imóveis e requereu a suspensão da liquidação de IMI, prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI.

Ora, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 5, do CIMT, “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou que o foram novamente para revenda.” Parece ter sido justamente isso que aconteceu, na medida em que, como a própria Requerente afirma, em 2012, decorridos dois anos da data da aquisição, o Fundo decidiu proceder à venda dos prédios, atualizando a classificação contabilística dos imóveis e requerendo a suspensão da liquidação de IMI, prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea e) do CIMI. Neste sentido, não obstante se terem verificado os pressupostos da atribuição inicial da isenção, verificou-se uma condição resolutiva da isenção porque os prédios, embora tenham sido revendidos no prazo que a lei estabelece para o efeito, o foram novamente para revenda – sendo a alteração da classificação contabilística dos imóveis e o requerimento de suspensão da liquidação de IMI provas objetivas da intenção de novamente revender os imóveis, que, aliás, é confirmada pela Requerente nas suas alegações, não obstante se referir a uma “intenção inicial” contrária.

Assim, não obstante considerar verificada a primeira revenda – que dá origem à isenção de IMT nos termos do artigo 7.º -, considero que se verificou também, ulteriormente, uma condição resolutiva da mesma, por os prédios terem sido revendidos novamente para revenda.

 

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins

 

 



[1] E que deverá acompanhar todas as notificações legalmente obrigatórias da presente decisão, que não às partes, que do documento têm conhecimento pessoal.

[2] E que deverá acompanhar todas as notificações legalmente obrigatórias da presente decisão, que não às partes, que do documento têm conhecimento pessoal.