Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 45/2023-T
Data da decisão: 2023-06-05  IRS  
Valor do pedido: € 75.882,21
Tema: IRS- Indemnização por cessação da relação laboral. Condição resolutiva. Sociedades coligadas.
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Sumário:

I - O n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, ao estabelecer, para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 4, alínea b), a equiparação entre a entidade patronal que pague ou coloque à disposição remunerações de trabalho dependente e as sociedades que se encontrem em relação de grupo, domínio ou simples participação, está a remeter para o conceito de sociedades coligadas a que se referem os artigos 482.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais.

II - O afastamento da exclusão da tributação da indemnização por cessação de contrato de trabalho, a que se refere a segunda parte da alínea b) do n.º 4 do CIRS, apenas opera quando o beneficiário, nos 24 meses seguintes, tenha constituído novo vínculo profissional ou empresarial com a mesma entidade, entendendo-se como tal a entidade patronal que tiver pago a indemnização ou uma outra entidade a ela equiparada por se encontrar em relação de grupo, domínio ou simples participação. 

III - A existência de um conselho de administração comum e de acionistas comuns entre duas sociedades não preenche o conceito de sociedade coligada em qualquer dos tipos específicos a que se reconduz a situação de coligação, quando cada uma das sociedades não participa no capital social da outra.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... e B..., titulares dos números de identificação fiscal ... e..., residentes na Rua..., ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., no montante total de € 75.822,21, bem como dos correspondentes atos de liquidação de juros e acerto de contas, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

A segunda Requerente mantinha uma relação laboral com a sociedade C..., S.A. desde junho de 2008, que cessou por mútuo acordo em 31 de agosto de 2019, de que resultou o pagamento da quantia de € 150.000,00 a título de compensação pecuniária.

 

Após cessação do vínculo laboral, iniciou no dia 1 de setembro de 2019 uma nova relação laboral com a sociedade D..., S.A.

 

Na sequência de um procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária concluiu que o montante recebido a título de cessação do contrato de trabalho deveria ter sido englobado na declaração de rendimentos como rendimento de trabalho dependente, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b), e n.º 10, do CIRS, na medida em que tinha sido assinado um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora.

 

Os Requerentes entendem que, apesar da administração ser em parte comum, as entidades são independentes entre si e não têm qualquer relação de grupo, pelo que a importância auferida na sequência da cessação de contrato de trabalho encontra-se excluída de tributação por não se verificarem os requisitos previstos naquelas disposições legais.

 

Com efeito, nos termos da referida disposição do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, o conceito de entidade patronal é extensível a uma outra entidade que esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação com a entidade empregadora do contribuinte, havendo de recorrer às disposições dos artigos 482.º e seguintes do Código das Sociedade Comerciais (CSC) para definir essas diferentes tipologias de relação entre duas sociedades.

 

Ora, as duas sociedades são independentes entre si, não havendo qualquer influência de uma sobre a outra, uma vez que não participam reciprocamente no capital da outra em montante igual ou superior a 10%, nem existe uma relação de domínio de uma sobre a outra, não se verificando qualquer das condições definidas no artigo 482.º do CSC para caracterizar a coligação de sociedades.

 

Conclui no sentido de que a D..., S.A. não preenche os requisitos legais para ser considerada como sendo a mesma entidade patronal, nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 10, do CIRS, pelo que a compensação pecuniária auferida não se encontra sujeita a tributação por efeito do disposto no artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do mesmo diploma.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a entidade patronal com quem tinha sido celebrado o novo vínculo contratual e a entidade com quem tinha cessado a anterior relação de trabalho apresentam uma estrutura acionista semelhante, um conselho de administração comum e uma direção económica unitária.

 

A sede da D..., S.A. coincide com a da C..., S.A. e o seu capital social é composto, em quase 70%, por quatro sociedades, cujos administradores e acionistas dominantes integram o conselho de administração da nova entidade patronal e em simultâneo a administração da sociedade cessante.

 

Os Requerentes limitam-se a referir que as duas sociedades não participam diretamente no capital uma da outra, pelo que são independentes e não têm mútua influência decisória, nem mantêm uma relação de subordinação ou de grupo ou de simples participação nos termos definidos no Código das Sociedades Comerciais, não podendo considerar-se como constituindo uma mesma entidade para efeitos do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS.

 

No entanto, esses argumentos assentam na literalidade dos textos legais que estabelecem a delimitação conceitual de relação de domínio, grupo ou simples participação, ignorando a materialidade económica da relação entre as sociedades.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. Por requerimento apresentado em 10 de maio de 2023, os Requerentes prescindiram da produção da prova testemunhal arrolada no pedido arbitral. Por despacho arbitral do dia imediato, o tribunal determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, por não existirem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30 de abril de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades.

 

III - Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

            

A)      A Requerente B... iniciou uma relação laboral com a sociedade E..., S.A em 1 de outubro de 1990, tendo passado a ser trabalhadora da sociedade F... a partir de 2004, e da sociedade C..., S.A. a partir de 2008.

B)      A sociedade C..., S.A. e a Requerente B... celebraram um acordo de revogação de contrato de trabalho, com efeitos a partir de 31 de agosto de 2019, pelo qual acordaram no pagamento pela entidade patronal à segunda outorgante da quantia ilíquida de € 150.000,00 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.

C)      Na cláusula quinta do mesmo acordo consta o seguinte:

[…]

2. O Segundo Outorgante expressamente reconhece e declara ter sido informado e estar ciente de que a não sujeição a tributação da compensação é suscetível de ficar prejudicada se, nos 24 (vinte e quatro) meses seguintes à presente revogação, o Segundo Outorgante. individualmente, ou através de sociedade estabelecer novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com C... ou outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto nos números 4, 5 e 10 do artigo 2.ºdo Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

3. O Segundo Outorgante expressamente reconhece e declara que, a verificar-se a criação de novo vínculo nos termos previstos no número anterior, se compromete a, no prazo máximo de 30 (tinta) dias, apresentar a respetiva declaração de para efeitos de tributação da compensação referida na Cláusula Segunda do presente Acordo, nos termos previstos no número 2 do artigo 60.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

[…]

D)   A Requerente B... apresentou, em 2020, a declaração dos rendimentos auferidos durante o ano de 2019, não tendo declarado a compensação pecuniária a que se refere a antecedente alínea A).

E)    A Requerente, após a cessação do vínculo laboral com a sociedade C..., S.A., celebrou no dia 1 de setembro de 2019 um vínculo laboral com a sociedade D..., S.A.

F)    Os Requerentes foram objeto de um procedimento inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço OI2022... tendo em vista apurar se havia lugar a tributação em IRS relativamente à compensação pecuniária auferida por cessação do contrato de trabalho.

G)   O Relatório de Inspeção Tributária, que consta do processo administrativo junto com a resposta, e aqui se dá como reproduzido, refere, além do mais, o seguinte:

 

IV.2 Relação entre as entidades patronais de B…

A contribuinte B... cessou o seu contrato de trabalho dependente com a empresa C... em 2019-08-31 e passou a exercer funções também de trabalho dependente na empresa D..., S. A., em 2019-09-01 entidade relacionada com a C... .

À data dos factos, as empresas em questão partilhavam os mesmos administradores e os participantes no seu capital eram maioritariamente os mesmos

De acordo com as certidões permanentes da C... e da D..., em 2019, o conselho de administração e a sede de ambas as entidades coincidam.

                        

Conselho de Administração

 

C..., S.A. (NIPC...)

 

D..., S.A. (NIPC...)

Administrador

NIF

 

Administrador

NIF

G...

...

 

G...

...

H...

...

 

H...

...

I...

...

 

I...

...

J...

...

 

J...

...

K...

...

 

K...

...

 

 

Sede: Rua..., n.º ... – Porto (inscrição de 2019-04-12)

 

Sede: Rua..., n.º ...– Porto (inscrição de 2019-04-12)

 

 

Quanto aos participantes no capital na C... e D..., S.A. verifica-se a seguinte coincidência quanto às entidades detentoras de capital:

De acordo com o Relatório e Contas da C... referente a 2019(disponívelemhttp://www.....pt/pt/investidores_1/2019_1_1.html):

  - G... é administrador e acionista dominante da empresa L...;

   - I... é administrador e acionista dominante da M..., S. A.;

   - J... é administrador e acionista dominante da sociedade N..., S .A.;

   - K... é administradora e acionista dominante da O... S. A.

Conclui-se assim que a C... e a D..., S. A partilhavam na totalidade o conselho de administração, com sede no mesmo endereço, e são participadas pelos mesmos acionistas em, pelo menos, 67/73%, atendendo apenas às participações diretas.

Acrescenta-se ainda quo B... sempre exerceu funções em empresas relacionadas designadamente:

 

C..., S.A.

 

D..., S.A. 

 

 

Acionista

NIPC

Detenção

 

Acionista

NIPC

% Detenção

O..., S.A.

...

18,90%

 

O..., S.A.

...

33,33%

L..., S.A.

...

20,67%

 

L..., S.A.

...

22,22%

N..., S.A.

...

12,16%

 

N..., S.A.

...

16,67%

M..., S.A.

...

15,64%

 

M..., S.A.

...

16,67%

 

 

67,37%

 

 

 

88,98%

P..., S.A. *

...

10,00%

 

Q..., S.A.

...

11,11%

 

 

77,37%

 

 

 

100,00%

 

 

A partir de 2022, B... passou a ter como entidade patronal a R..., S. A., sociedade que faz parte de um grupo económico em que a sociedade dominante é a C..., participando esta última indireta e maioritariamente no capital da primeira através da E..., SA.

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V.I. Análise sobre se a C... e a D... a mesma entidade patronal para efeitos de IRS

Conforme já descrito, nos termos da alínea b) do 4 do art. 2.º do Código do IRS, as importâncias auferidas na sequência da cessação de contrato de trabalho dependente ficam sujeitas a tributação pela sua totalidade quando nos 24 mesos seguintes seja criado novo vínculo profissional com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade. Para efeitos de sujeição a IRS, o n.º 10 do mesmo art.2.º do respetivo Código estabelece que o conceito da entidade patronal não se cinge àquela que pagou ou colocou à disposição rendimentos de trabalho dependente (e a correspondente compensação pela cessação de contrato de trabalho). mas também qualquer outra.

Nesta situação concreta, a compensação por rescisão de contrato de trabalho será ou não tributável consoante a C... e a D... S.A, forem, ou não, consideradas a mesma entidade patronal para efeitos de IRS.

Isto é, se existir entre essas sociedades uma relação de grupo, domínio ou simples participação, então as mesmas são a mesma entidade patronal.

Dado que em sede de IRS não estão definidos os conceitos concretos de simples participação, domínio ou grupo, que são termos próprios do Código das Sociedades Comerciais (CSC) devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm; persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos atos tributários (conforme nº 2 e n.º 3 do art. 11.º da Lei Geral Tributária).

O regime das sociedades colgadas está previsto no Título VI do Código das Sociedades Comerciais (art. 481.º a 508.º-E), que procede à classificação das sociedades coligadas como:

•          Sociedades em relação de simples participação.

•          Sociedades em relação de participações recíprocas;

•          Sociedades em relação de domínio;

•          Sociedades em relação de grupo.

Este regime assenta sobretudo em critérios de participação social entre as sociedades, bastando que ume detenha 10% do capital da outra para que haja urna relação de simples participação. Deste modo, a existir coligação entre a C... e a D... S. A., a mesma não é direta dado que as mesmas; não participam no capital de uma na outra.

Não obstante, ambas as Entidades são controladas pela mesma administração e detidas maioritariamente pelas mesmas entidades configurando um grupo de facto, dado que têm direção económica unitária.

Interpretando-se o regime de coligação de forma estrita, o mesmo apresenta-se limitativo do ponto de vista do efeito económico do conjunto dos fatores envolvidos na forma de organização do capital, que será contrário ao que se pretende com o disposto no n.10 do art.do Código do IRS.

Como esclarece Rui Duarte Moras (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 3.ª ed. Almedina, pág. 54/55), a intenção do legislador será a da introdução de uma norma anti-abuso, dado que o recebimento das compensações por rescisão de contrato de trabalho é suscetível de fraude através da manipulação das formas jurídicas pelos contribuintes (rescisão de contratos por trabalhadores a troco de uma indemnização, não tributável, que depois passavam a ser prestadores de serviços da sua antiga entidade patronal, ou, por exemplo, despedimento, recebendo indemnização não tributável e posterior celebração de novo contrato com outra sociedade do mesmo grupo).

Também Paulo Olavo Cunha (Direito das Sociedades Comerciais 7 edição página 132) considera que “Por sociedades coligadas devemos entender a junção de duas ou mais sociedades que estejam sujeitas a uma influência comum, porque uma participa na outra, ou nas demais, ou porque todas se subordinam à orientação de uma delas ou de uma terceira entidade. Quer isto dizer, pode haver uma terceira entidade que não participa nas sociedades, mas que as controla, que exerce uma influência determinante na atividade de uma ou mais ou pode haver uma terceira entidade que participa no próprio capital dessa(s) sociedade(s) e, deste modo, a lei configura a relação de sociedades coligadas'

Note-se que numa coligação em que ambas as sociedades são detidas maioritariamente pelo mesmo conjunto de acionistas e partilham a administração, a sua ligação é intrinsecamente mais forte do que entre sociedades em relação de simples participação. Isto é, bastando que uma detenha 10% do capital da outra (art. 482.º do CSC).

Por outro lado, quanto a uma eventual relação de domínio está implícita a detenção de participação maioritária no capital e de mais de metade dos votos ou dos membros do órgão de administração (art. 486.º do Código das Sociedades Comerciais), que no caso em apreço não se aplica de uma sobre a outra, mas de uma terceira(s) sobre ambas.

Posto isto, atenta a factualidade provada e o enquadramento normativo acima exposto, em consonância com a substância económica dos factos tributários, nos termos do Código do IRS, considera-se que a C... e a D..., S. A. estão sob a mesma relação de domínio quer em termos de participação acionista quer de gestão, conforme explanado no ponto c) deste Relatório, pelo que devem ser consideradas a mesma entidade patronal, nos termos do n.º 10 do art. do Código do IRS.

Este entendimento vai ao encontro do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-03-2016, referente ao processo n.º 0449/15) que conclui que “Resultando do probatório que o recorrente era, no ano de 2007, colaborador da B… Comunicações, detida a 100% pela B… SGPS SA, tendo cessado esse vinculo laboral em 21.09.2007, recebendo por tal facto uma indemnização de 15.810,00€, e tendo, ainda nesse mesmo dia 21.09.2007, iniciado novo vinculo profissional com a B … Multimédia, SGPS cujo capital era, nessa mesma data, também detido, em mais de 50% pela B… SGPS, SA, tanto basta para concluir que se mostram preenchidos todos os pressupostos legais necessários para a aplicação das normas anti-abuso constantes dos nºs 4 e 10 do art.  2.º do CIRS."

Também na decisão do CAAD resultante do Processo n.º 290/2020-T de 05-11-2020, sobre o conceito de entidade patronal na contagem da antiguidade de serviço na entidade devedora, foi entendido que deveria ser incluído o tempo de trabalho verificado em qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação com a entidade devedora, designadamente "entende que a empresa D…SLU e a empresa E... Lda." estão, entre si, em relação de grupo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 10 do Código de IRS, uma vez que, conjuntamente com outras, estão integradas num grupo económico/societário, estando ambas sujeitas/subordinadas a um centro de decisão comum (a sociedade dominante F…Inc) e um interesse económico comum…”

V.2 Conclusão

Face ao exposto, B... auferiu a quantia de € 150.000,00 da C... a título de compensação por cessação de contrato de trabalho, montante esse que indevidamente não englobou na sua declaração de rendimentos como rendimento de trabalho dependente, dado que a mesma está sujeita a IRS, nos termos da al. b) do n.º 4 do art.2.º do Código do IRS, pois a contribuinte criou novo vinculo profissional com a mesma entidade, com início no dia seguinte ao do fim do contrato anterior.

 

H)    O Relatório de Inspeção Tributária originou a emissão da liquidação de IRS n.º 2022..., liquidação de juros n.ºs2022 ... e 2022... e demonstração de acerto de contas n.º 2022..., com um valor a pagar de € 75.822,21 e com data limite de pagamento em 26 de outubro de 2022.

I)       Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto devido.

J)     O pedido arbitral deu entrada em 23 de janeiro de 2023. 

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que revelem para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

5. A questão em debate refere-se ao regime jurídico de afastamento da exclusão da tributação quanto à indemnização auferida por cessação de contrato de trabalho quando, nos 24 meses seguintes, seja criado um novo um vínculo contratual com a mesma entidade ou entidade equiparada.

  A situação em análise reporta-se à cessação do contrato de trabalho, por mútuo acordo, com a sociedade C..., S.A. de que resultou o pagamento da quantia de € 150.000,00 a título de compensação pecuniária, a que seguiu a constituição de novo vínculo laboral, no dia imediato, com a sociedade D..., S.A.

 

Na sequência de um procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária concluiu que o montante recebido a título de cessação do contrato de trabalho deveria ter sido englobado na declaração de rendimentos como rendimento de trabalho dependente, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b), e n.º 10, do CIRS, na medida em que tinha sido outorgado um novo contrato de trabalho com a mesma entidade empregadora.

 

Os Requerentes entendem que, apesar da administração ser em parte comum, as entidades são independentes entre si e não têm qualquer em relação de grupo, domínio ou simples participação, pelo que a importância auferida na sequência da cessação de contrato de trabalho encontra-se excluída de tributação por não se verificarem os requisitos previstos naquelas disposições legais.

 

A Autoridade Tributária contrapõe que as sociedades em causa apresentam uma estrutura acionista semelhante, um conselho de administração comum e uma direção económica única e constituem no plano da materialidade económica a mesma entidade.

 

É esta a questão que cabe dilucidar.

 

O 2.º do CIRS, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria A”, na parte que interessa considerar, estabelece o seguinte:

 

[…] 

4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação: 

[…]

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

[…] 

10 - Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica. 

 

Segundo o regime legal, há lugar à exclusão da tributação, como rendimento do trabalho, da indemnização atribuída por cessação do contrato de trabalho, com o limite máximo correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição auferidas nos últimos doze meses. A segunda parte da alínea b) prevê, no entanto, o afastamento da exclusão da tributação, com a consequente sujeição a imposto pela totalidade das importâncias recebidas, quando nos 24 meses seguintes o beneficiário tenha constituído novo vínculo profissional ou empresarial com a mesma entidade. O n.º 10 do mesmo artigo 2.º explicita o que se entende por entidade patronal e por entidade a ela equiparada, reconduzindo a equiparação às situações em que sociedades envolvidas se encontrem em relação de grupo, domínio ou simples participação. 

Como sublinha Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, 3.ª edição, Coimbra, págs. 54-55), a intenção do legislador revela aqui uma dupla motivação: em primeiro lugar, atender ao facto de que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá; por outro lado, terá em conta que o recebimento da indemnização, em geral relativamente avultada, terá um efeito de agravamento fiscal por virtude da progressividade da taxa do imposto em função dos maiores rendimentos auferidos. As normas em causa terão ainda a natureza de normas anti-abuso, tendo em vista evitar a realização de pagamentos de carácter remuneratório, com exclusão da tributação, a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho quando o vínculo laboral pudesse ser renovado com a mesma empresa ou outra empresa do grupo (ainda neste sentido, Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, 2.ª edição, Almedina, pág. 93).   

Por outro lado, o n.º 10 do artigo 2.º, há pouco transcrito, ao estabelecer, para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 4, alínea b), o n.º 10, a equiparação entre a entidade patronal que pague ou coloque à disposição remunerações de trabalho dependente e as sociedades se encontrem em relação de grupo, domínio ou simples participação, está a remeter para o conceito de sociedades coligadas a que se referem os artigos 482.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

 

Como resulta do disposto no artigo 11.º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (n.º 1) e “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei (n.º 2).  

 

Isso significa que a interpretação da lei fiscal não se reveste de qualquer especificidade, sendo aplicáveis os critérios gerais de hermenêutica jurídica que constam do artigo 9.º do Código Civil, e o princípio de que os termos próprios de outros ramos do direito devem manter o seu sentido originário é uma necessária decorrência de que a interpretação deve ter em conta  a unidade do sistema jurídico, só podendo atribuir-se à norma fiscal uma interpretação diferente da que resulta da remissão intra-sistemática quando o sentido literal da norma ou razões de direito fiscal imponham uma outra solução (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, Coimbra, págs. 360-361).   

 

Na hipótese em análise, a norma do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS tem uma típica função integradora, nada permitindo concluir que o legislador, para efeito da equiparação à entidade patronal, tenha pretendido recorrer a formas jurídicas diversas das que se encontram reguladas no Código das Sociedades Comerciais. 

 

A problemática dos grupos societários veio a ser regulada nos artigos 481.º e segs. do CSC, sob a designação genérica de “Sociedades Coligadas”.

 

O conceito de sociedade coligada engloba todas aquelas situações de coligação intersocietária que sejam reconduzíveis a um dos quatro tipos de relações taxativamente previstas no artigo 482.º, isto é, relação de simples participação (artigos 482.º, alínea a), 483.º e 484.º), relação de participações recíprocas (artigos 482.º, alínea b), e 485.º), relação de domínio (artigos. 482.º, alínea c), 486.º e 487.º) e relação de grupo - artigos. 482.º, alínea d), 488.º a 508.º (cfr. José A. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, Coimbra, 1993, pág. 213).

 

Considera-se que uma sociedade está em relação de simples participação com outra quando uma delas é titular de quotas ou ações da outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta, mas entre ambas não existe nenhuma das outras relações previstas no artigo 482.º (artigo 483.º, n.º 1). 

 

relação de participações recíprocas ocorre quando duas sociedades participam reciprocamente dos respetivos capitais desde que ambas as participações atinjam 10% do capital da participada (artigo 486.º, n.º 1). 

 

A relação de domínio verifica-se quando uma sociedade, dita dominante, pode exercer sobre a outra, direta ou indiretamente, uma influência dominante, presumindo-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta detém uma participação maioritária no capital, dispõe de mais de metade dos votos ou tiver a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (artigo 486.º, n.ºs 1 e 2).

 

Por sua vez, a relação de grupo pode formar-se na modalidade de domínio total inicial, quando uma sociedade constitui, mediante escritura, uma sociedade anónima de cujas ações ela seja inicialmente a única titular (artigo 488.º, n.º 1), de domínio total subsequente, quando uma sociedade, direta ou indiretamente, passe a dominar uma outra sociedade por não haver outros sócios  (artigo 489.º, n.º 1), de grupo paritário, quando duas ou mais sociedades, mediante contrato, constituam um grupo que aceite submeter-se a uma direção unitária e comum (artigo 492.º, n.º 1) e de subordinação, quando uma sociedade subordina a sua própria atividade à direção de uma outra sociedade, independentemente de esta ser ou não dominante (artigo 493.º, n.º 1).

 

6. Revertendo ao caso concreto, torna-se claro que não se verifica o condicionalismo que permita considerar, para efeitos do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, que a sociedade com quem foi formalizado um novo vínculo laboral (D..., S.A.) é equiparada à entidade patronal que processou o pagamento de indemnização por cessação da relação de trabalho ( C..., S.A.).

 

O que resulta da matéria de facto dada como assente e consta do Relatório de Inspeção Tributária, é que as empresas em questão partilhavam o mesmo conselho de administração e os acionistas de ambas as sociedades eram, em parte, os mesmos, detendo 67,37% do capital social da C..., S.A. e 88,89% do capital social da D... .

 

Acrescenta-se ainda que a Requerente B... sempre exerceu funções em empresas relacionadas e as sociedades C..., S.A. e D..., S.A. têm a sede no mesmo local (alínea G) da matéria de facto e, em especial, ponto IV.2 do Relatório).

 

 No entanto, nenhuma dessas circunstâncias preenche o conceito de sociedade coligada em qualquer dos tipos específicos a que se reconduz a situação de coligação, sendo certo que o legislador optou por uma enumeração taxativa e uma descrição do tipo através de conceitos de conteúdo determinado e preciso, de tal modo que só as relações intersocietárias que estão referidas na lei podem considerar-se juridicamente relevantes para efeito da equiparação a entidade patronal nos temos do artigo 2.º, n.º 10, do CIRS (cfr. José A. Engrácia Antunes, ob. cit., págs. 213-214).

 

Ora, cada uma das sociedades não participa no capital social da outra, pelo que não se verifica uma relação de simples participação ou de participações recíprocas, nem ocorre qualquer dos fatores que permitam caracterizar a existência de uma relação de domínio ou de grupo.

 

E, sendo assim, não é aplicável o regime da segunda parte da alínea b) do n.º 4 do CIRS, nem há lugar à sujeição a tributação da indemnização auferida a título de compensação pecuniária pela cessação do contrato de trabalho.

 

Resta acrescentar que não tem aplicação ao caso o acórdão do STA de 9 de março de 2016 (Processo n.º 0449/15), citado no Relatório de Inspeção Tributária, visto que na situação aí analisada havia cessado a relação laboral com uma sociedade que detinha mais de 50% do capital  de uma outra sociedade com a qual foi constituído um novo vínculo profissional, pelo que as sociedades se encontravam em relação de domínio, conforme o previsto no artigo 486.º do CSC, e verificava-se a equipação a que se refere o artigo 2.º, n.º 10, do CIRS.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

a)    Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., no montante total de € 75.822,21, bem como os correspondentes atos de liquidação de juros e acerto de contas;

b)    Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 75.822,21, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 5 de junho de 2023   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Jorge Bacelar Gouveia

 

A Árbitro vogal

 

Clotilde Celorico Palma