Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 203/2014-T
Data da decisão: 2014-08-25  Selo  
Valor do pedido: € 5.327,55
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Prédio urbano em propriedade vertical
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AS PARTES

 

Requerente: A..., NF ..., com domicílio na Avenida ..., Estoril.

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

DECISÃO

 

  1. RELATÓRIO

 

a)      Em 28-02-2014, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

b)      O pedido está assinado por advogada cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

c)      A Requerente peticiona a anulação de 18 actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) com referência ao ano de 2012 – identificação de documentos nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., -, geradores de uma colecta global de 5 327,55 euros, com datas de 2013-07-17 e relativas ao prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito em …, na …, nº …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo U-...º - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E, (anterior artigo 305º 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E – freguesia de … (extinta), mas contando dos documentos de liquidação como prédio descrito no Município/Freguesia … … – U – ... - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E).

d)     Invoca que os actos de liquidação são ilegais por violação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, na medida em que a AT somou os valores patrimoniais dos andares em propriedade total e nenhum deles por si só tem um VPT igual ou superior a 1 000 000,00 de euros.

e)      E que a norma de incidência, na interpretação levada à prática pela AT, é inconstitucional e arbitrária por violação, nomeadamente, do princípio da equidade e legalidade fiscal previsto no nº 2 do artigo 103º da CRP bem como dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal previstos na Lei Fundamental.

f)       Terminam peticionando a anulação dos 18 actos tributários identificados em c), com todas as consequências legais.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

g)      O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 04-03-2014 e automaticamente notificado à AT no dia 05.03.2014.

h)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 21.04.2014.

i)        Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 08.05.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

j)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 08.05.2014 que aqui se dá por reproduzida.

k)      Uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS, por despacho de 06.06.2014, decidiu dispensar-se da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, na sequência de pedido da AT por requerimento apresentado também em 06.06.2014, se a Requerente a isso nada viesse a obstar.

l)        Tendo em conta as finalidades da reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT, no despacho do TAS de 06.06.2014, foi solicitado às partes que se pronunciassem sobre se também prescindiam de alegações e que o seu silêncio seria entendido como assentimento à sua não realização.

m)    Notificadas as partes da promoção referida nos dois incisos anteriores, nenhuma se manifestou no sentido da realização de alegações complementares, nem pela necessidade de realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT.

n)      Pelo que não se realizou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT nem se produziram alegações das partes.

 

 

 

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

o)      Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

p)      Contraditório - a AT juntou ao processo, em 03.06.2014, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pelos Requerentes.

q)      Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

Quanto à desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

r)       Entende a Requerente que o valor patrimonial tributário (VPT) no caso em discussão, relevante para a incidência da taxa de tributação, posto que se trata de um prédio em propriedade total que integra andares ou divisões com utilização independente, não é a soma de todos esses andares ou divisões, mas o VPT de cada um dos andares ou divisões.

s)       Posto que a sujeição a imposto do selo verba 28.1 da TGIS não pode resultar da “concentração de divisões independentes num mesmo prédio” nem na “falta de constituição em regime de propriedade horizontal”.

t)       Propugnando-se por uma leitura da lei de acordo com o já decidido no Processo CAAD 50/2013-T e no Processo CAAD 132/2013-T, aderindo a algumas passagens destas decisões que transcreve.

u)      Aduz ainda que a tributação em 2012 a ser devida, deveria ser efectuada à taxa de 0,5% e não 1% como ocorreu no caso em discussão.

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma ínsita na verba 28.1 da TGIS, na leitura implícita levada à prática pela AT

 

v)      Defende que a interpretação levada à prática pela AT, das verbas 28 e 28.1 da TGIS, nas liquidações ora em causa, violam o princípio da equidade, princípio da legalidade fiscal previsto no nº 2 do artigo 103º da Lei Fundamental, bem como os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal também previstos na CRP.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto à desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

w)    A AT propugna no sentido de que “muito embora a liquidação de IS, nas condições previstas na verba 28.1 da TGIS se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações”. (sublinhado nosso)

x)      “Como vem a ser o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente”,

y)      “para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme artigo 2º-4 do CIMI”

 

Quanto à inconstitucionalidade da norma ínsita na verba 28.1 da TGIS, na leitura implícita levada à prática pela AT

 

z)      Não existe violação do princípio da igualdade porque não existe discriminação entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

aa)   Posto que a verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta aos casos nela previstos.

bb)  A diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

cc)   Trata-se de realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.

 

***

 

dd) Propugnando pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos e não padecem de qualquer desconformidade com a “grundsnorm”.

 

A AT não juntou o PA, aceitando implicitamente que a caderneta predial urbana e as notas de liquidação de IS juntas pela Requerente integram o que seria o seu normal conteúdo.

 

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão (e uma estatuição), a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (propriedade de prédios urbanos … com afectação habitacional … cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI), comporta ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal.

 

No fundo o que estará em causa será a adopção de uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência contida nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o nº 7 do artigo 23º do CIS refere quanto à determinação da matéria colectável e sequente operação de liquidação do imposto:

 

“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

Como já temos referido noutras decisões, quanto à interpretação das normas tributárias existe uma regra, ainda que possa considerar-se residual, muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

 

Não estamos a propugnar por uma “interpretação económica” das normas de direito tributário.

 

Também aqui se poderá fazer apelo à análise da “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI” tendo em vista resolver da forma mais equilibrada a questão que se coloca.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na previsão da norma de incidência deste novo tributo e que resultará da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS e neste caso o que deve ter-se por aceitável ao nível das “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, seguindo o comando do nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

A questão da conformidade da previsão da norma de incidência, face ao texto constitucional, só se colocará se o intérprete chegar à conclusão que determinada e inequívoca leitura da lei – aplicada correctamente a um caso concreto - fere um ou vários princípios constitucionais com tal intensidade que a opção legislativa adoptada não podia tê-lo sido, tendo ainda em atenção que a AT não deve, com base em eventuais inconstitucionalidades de normas, não declaradas pelos tribunais, deixar de aplicar a lei, na acepção que entender mais assertiva.

 

O que cumpre ao TAS apurar é, em primeiro lugar, se o acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de qualquer ilegalidade, qualquer desconformidade com a lei, nomeadamente “erro na qualificação do facto tributário” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária.

 

O outro fundamento aduzido pela Requerente, que poderia conduzir à sanção de anulação (desconformidade com os princípios constitucionais), sendo apresentado da forma como o foi, só deve ser apreciado caso se conclua pela inexistência de qualquer desconformidade do acto tributário impugnado com a lei ordinária em si mesma, que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária.

 

É esta a questão que ao TAS cumpre solucionar, em primeiro lugar, tendo por base os dois fundamentos ou argumentos (apresentados de forma encadeada e separada) que a Requerente aduz no pedido de pronúncia arbitral:

 

ü  As verbas 28 e 28-1 da TGIS enquanto normas de incidência tributária, tal como se encontram redigidas – na sua previsão - (propriedade de prédios urbanos … com afectação habitacional … cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI), comportam ou não o entendimento de que quanto aos prédios urbanos “com afectação habitacional” em regime de propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios urbanos em regime de propriedade horizontal?

 

Refira-se que o referido no inciso u) do Relatório pela Requerente resultará de leitura menos atenta do nº 1 do artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29.10. Nesta disposição legal expressa-se: em 2012 e não em 2013 como se alude no nº 2 do mesmo artigo.

 

As liquidações que estão em causa neste processo foram levadas a efeito ao abrigo do nº 2 do artigo 6º da Lei 55-A/2012, de 29.10, em 2013, pelo que não existe qualquer desconformidade com a lei das liquidações ora em escrutínio, neste aspecto em concreto.

 

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDA-MENTAÇÃO

 

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) e/ou os artigos do pedido dos Requerentes e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

1)      A Requerente A..., NF ..., é titular de ½ do direito de propriedade do prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito em …, na …, nº …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo U-...º - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E, (anterior artigo 305º 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E – freguesia de … (extinta), mas contando dos documentos de liquidação como prédio descrito no Município/Freguesia … … – U – ... - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E) – Exórdio e artigo 2º do pedido de pronúncia e documento nº 19 junto com o pedido de pronúncia.

2)      A afectação dos andares ou divisões do prédio urbano em propriedade total referidos em 1) é a “habitação” – Artigo 5º do pedido de pronúncia e Documento nº 19 junto com o pedido de pronúncia.

3)      A Requerente foi notificada em data não concretamente determinada de 18 actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) – identificação de documentos nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., geradores de uma colecta global de 5 327,55 euros, com datas de 2013-07-17, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS – Exórdio do pedido de pronúncia, Documentos nºs 1 a 18 juntos com o pedido de pronúncia e artigos 1º e 2º da resposta da AT.

4)       Os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto de tributação, têm VPT compreendidos entre 54 180.00 euros (4º D e 4º E) e 75 240,00,00 euros (o 2º andar), num total de 1 065 510,00 euros; – Artigo 6 do pedido de pronúncia e Documento nº 19 junto com o pedido de pronúncia.

5)      Em todas as notas de liquidação a AT fez constar “Valor Patrimonial do prédio-total sujeito a imposto: 1 065 510,00 euros” - Documentos nºs 1 a 18 juntos com o pedido de pronúncia.

6)      No documento nº 19 junto com o pedido de pronúncia – caderneta predial urbana – consta que o prédio identificado em c) do Relatório tem 20 andares ou divisões com utilização independente e um valor patrimonial total de 1 259 100,00 euros.

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

A matéria assente resulta de confissão ou dos documentos juntos pelas partes cujos conteúdos e valorações probatórias não mereceram qualquer tipo de dissonância.

 

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento das verbas 28, 28-1 e 28-2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional - 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

Com relevância para o caso referem:

 

·         O nº 7 do artigo 23º do CIS quanto à liquidação do imposto: “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

·         O nº 4 do artigo 2º do CIMI: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

·         O nº 3 do artigo 12º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

 

Afigura-se-nos que a resposta à questão colocada neste pedido de pronúncia tem a ver com a leitura que é feita pela AT do nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

Com efeito, afigura-se-nos que o fulcro do dissídio terá a ver com o facto da AT considerar que quanto aos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, porque os andares ou divisões não são por definição jurídica formal considerados prédios urbanos (mas serão “partes de prédio” segundo o nº 3 do artigo 12º do CIMI), ter procedido à soma dos seus VPT para determinar se é atingível, por cada prédio, o VPT mínimo de 1 000 000,00 de euros, valor sobre o qual, se igual ou superior a este limiar, faz incidir a taxa ad valorem de 1% do IS da verba 28.1 da TGIS, ainda que depois, formalmente, a nota de liquidação venha subdividida em tantas liquidações quanto aos andares ou partes de prédio em propriedade vertical, tal como ocorre ao nível da liquidação do IMI.

 

E considera que isso é permitido porque a lei refere que se deve proceder “às necessárias adaptações” das “regras do CIMI” (nº 7 do artigo 23º do CIS).

 

É o que resulta do que é alegado na resposta da AT no artigo 6º quando indica a norma legal específica em que coloca o fulcro para ter optado pela adição dos VPT dos andares: “… o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações”.

 

Mas será que esta leitura da lei se configura adequada face ao ordenamento jurídico vigente?

 

Na verdade, muito embora as verbas 28 e 28.1 falem em “prédios urbanos” e “por prédio” e o nº 7 do artigo 23º do CIS refira que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano”, o que nos parece ser relevante é que, ao nível da determinação da matéria colectável elegível e ao nível da operação de liquidação deste imposto, se apliquem “… com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” como o refere o aludido nº 7 do artigo 23º do CIS. Mas, obviamente, “adaptações” desde que necessárias e respeitando-se a harmonia do sistema jurídico-fiscal.

 

Ora o que aconteceu - quanto aos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente - foi que a AT a “adaptação” que fez, nas operações de apuramento da matéria tributável e sequente liquidação do IS, foi somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros, criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afectação habitacional.

 

Essa operação do iter tributário (incidência – determinação da matéria colectável – liquidação – pagamento) atentará contra o elemento literal da norma de incidência, a verba 28 da TGIS, que refere que este imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

 

É que a AT, na operação de determinação da matéria colectável e sequente liquidação do IS da verba 28 e 28.1 da TGIS (operação de aplicação de um taxa à matéria colectável), quanto aos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não deveria considerar outro valor patrimonial tributário (sobre o qual incide a taxa ad valorem do imposto) que não fosse o que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer quanto ao IMI, quer quanto ao IS.

 

E pela razão de que os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, não têm VPT. A lei determina nestes casos que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte do prédio separadamente.

 

Esta conclusão não perde acuidade perante o facto de na caderneta predial constar – inciso 6) da parte III desta decisão – um valor patrimonial total do prédio que integra os andares, de 1 259 100,00 euros, até porque este valor engloba todos os andares, independentemente da sua afectação habitacional.

 

Criar-se uma nova realidade jurídica, tendo em vista encontrar uma nova forma de determinação da matéria colectável (um VPT para os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, de afectação habitacional) não configura ter suporte legal nas “necessárias adaptações” a que refere o nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

Ocorrerá, percute-se, ainda, desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e se assim é, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não tendo suporte legal a operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais.

 

Ou seja, não se configura conforme à lei, a criação de um VPT novo para efeitos de tributação em IS quanto à verba 28 da TGIS, como resulta da aposição em todas as notas de cobrança da seguinte expressão: “Valor Patrimonial do prédio-total sujeito a imposto: 1 065 510,00 euros” (incisos 5) da matéria dada como provada – parte III desta decisão).

 

O que quer significar que quando no nº 7 do artigo 23º se refere que “…o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, esta expressão “cada prédio urbano” pretenderá abranger, face aos princípios enunciados de interpretação e aplicação das normas, os prédios urbanos em propriedade horizontal e os andares ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afectos a fins habitacionais, mas partindo sempre de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI (parte final da verba 28 da TGIS).

 

Posto que, no cumprimento do referido no nº 7 do artigo 23º do CIS haverá que adoptar-se uma leitura adequada, “com as necessárias adaptações das regras do CIMI” que será considerar que a expressão “cada prédio urbano” comporta não só os andares em propriedade horizontal (que são prédios urbanos ope legis) como também “os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente” (nº 3 do artigo 12º do CIMI) que integrem prédios urbanos em propriedade vertical, desde que em ambos os casos exista afectação habitacional.

 

Ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

 

Ora, se para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos), por cada contribuinte, não se adicionam os VPT para determinar o limiar do valor elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios urbanos em propriedade vertical isso deve ocorrer?

 

Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis). Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas, reveladora da mesma “ability-to-pay”.

 

Da literalidade das verbas 28 e 28-1 da TGIS, especialmente da parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, retirar-se-á a conclusão, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveriam adicionar-se os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para se encontrar um novo VPT global de prédio urbano, na parte com afectação habitacional, operação de determinação de matéria colectável elegível que a lei não contempla.

 

***

 

A Requerente aduz, no fundo, a desconformidade dos actos tributários com a lei fiscal, alegando a desconformidade constante da alínea a) do artigo 99º do CPPT: “errónea qualificação …de factos tributários”.

 

De facto, com os fundamentos atrás expressos, as liquidações de IS impugnadas levadas a efeito nos termos em que o foram, estão em desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

Procedendo o primeiro fundamento do pedido formulado pela Requerente no pedido de pronúncia (inciso d) do Relatório) não se torna necessário proceder à apreciação do outro fundamento (inciso e) do Relatório), por manifesta inutilidade.

 

***

 

Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido de anulação dos actos tributários deduzido pela Requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que as liquidações de IS levadas a efeito pela AT não estão em conformidade com a lei, na leitura acima propugnada.

 

De facto, resulta dos factos provados (inciso 4) da parte III desta decisão) que nenhum dos andares ou parte de prédio tem, de per si, um VPT que seja igual ou superior ao limiar de tributação indicado na verba 28 da TGIS (VPT igual a 1 000 000,00 euros).

 

V. DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido de anulação dos 18 actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) com referência ao ano de 2012 – identificação de documentos nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., geradores de uma colecta global de 5 327,55 euros, com datas de 2013-07-17 e relativos ao prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito em …, na …, nº …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo U-...º - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E, (anterior artigo 305º 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E – freguesia de … (extinta), mas contando dos documentos de liquidação como prédio descrito no Município/Freguesia … … – U – ... - 2º, 3º, 4º D, 4º E, 5º D, 5º E, 6º D, 6º E, 7º D, 7º E, 8º D, 8º E, 9º D, 9º E, 10º D, 10º E, 11º D e 11º E), anulando-se as liquidações de Imposto de Selo.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 5 327,55 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612.00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 25 de Agosto de 2014

Tribunal Arbitral Singular,

 

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.