Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 650/2017-T
Data da decisão: 2018-06-25  Selo  
Valor do pedido: € 45.789,20
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Competência do Tribunal Arbitral - revisão do ato tributário - - terreno para construção - Inconstitucionalidade da verba 28.1.
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1.  
  1. Relatório

A..., S.A., (doravante, "Requerente") com o número de identificação fiscal..., com sede em ..., requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 14 de Dezembro de 2017, a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Tributaria ou "RJAT") e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (1) proferido em 11 de Novembro de 2017, pela Direcção de Finanças de Faro, Divisão de Tributação e Cobrança, e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo ("IS"), referente aos anos de 2014 e 2015, no valor total de €45.789,20 (quarenta e cinco mil, setecentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos), liquidações números 2015..., ... e ..., duas com o valor unitário de 7.631,53€ e uma com o valor unitário de 7.631,54€ e liquidações 2016..., ... e ..., duas com o valor unitário de 7.631,53€ e uma com o valor unitário de 7.631,54€, emitidas com referência ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de..., distrito de Faro, sob o número..., correspondente a um terreno para construção.

A Requerente optou por não designar árbitro.

O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 15 de Dezembro de 2017 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de Tribunal Arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo no prazo legal, de acordo com o artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

As Partes foram notificadas da designação do Signatário, em 1 de Fevereiro de 2018, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

O Tribunal Arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 21 de Fevereiro de 2018, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

A AT foi notificada do despacho arbitral de 21 de Fevereiro de 2018, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias, tendo-a apresentado em 2 de Abril de 2018 a qual foi imediatamente notificada à Requerente.

Por despacho arbitral de 2 de Abril de 2018, foi ordenada a notificação da Requerente, para querendo, se pronunciar sobre as alegadas excepções de extemporaneidade e incompetência absoluta deduzidas pela AT.

Por requerimento entregue em 13 de Abril de 2018, foram respondidas as excepções, o qual foi imediatamente notificado à AT.

Por despacho arbitral de 18 de Abril de 2018, foi relegado o conhecimento das excepções invocadas para a prolacção da decisão arbitral, tendo o Tribunal Arbitral também considerado, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais, (art.ºs 19.º n.º 2 e 29.º n.º 2 do RJAT).

Foi também dispensada a produção de alegações escritas, pela aplicação dos mesmos princípios.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

  1. Pedido da Requerente

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IS referentes aos anos de 2014 e 2015, após indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto tributário, que também pretende ver considerada ilegal.

A Requerente apresentou o presente pedido, de acordo com a fundamentação que sucintamente se indica:

  1. As liquidações de IS referem-se ao prédio urbano terreno para construção, correspondente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de..., distrito de Faro, sob o número ... .
  2. A verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014, prevê a tributação de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação" cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a 1.000.000,00€.
  3. O facto tributário previsto na verba 28.1. será aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efectiva edificação do "terreno" no caso concreto e que tal edificação se destine a “habitação”, não sendo suficiente a mera inscrição matricial do prédio como “terreno para construção".
  4. O facto de um "terreno para construção" estar inserido numa área em que, de acordo com o respectivo Plano Director Municipal - é possível construir e que tais construções (permitidas) podem ser destinadas a habitação, não pode gerar, só por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS.
  5. “In casu”, o prédio em causa nos autos não tinha, em 2014 e 2015, uma "edificação, autorizada ou prevista" para "habitação", conforme exigido pela verba 28.1 da TGIS.
  6. A título subsidiário, entende a Requerente que a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a "terrenos para construção", é contrária ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em paralelo, contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.
  7. Em suma, peticiona a Requerente a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS), referente aos anos de 2014 e 2015, da verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no valor total de € 45.789,20 relativa ao imóvel, terreno para construção, constante da matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lagoa.

 

  1. – Resposta da Requerida

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, que fundamenta nos termos seguintes:

 

  1. Da excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
  1. Estando em causa um pedido de revisão oficiosa de liquidação de Imposto de Selo de 2014 e 2015, o prazo disponível para o apresentar seria, no máximo, o da reclamação graciosa, isto é, 120 dias após o terminus do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos do art. 70.º e al. a) do n.º 1 do art. 102.º CPPT. 
  2. Não pode a Requerente fundamentar a tempestividade do recurso ao Tribunal Arbitral com base na apresentação de uma petição de revisão de ato tributário extemporâneo.
  3. Na situação em apreço, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente deu entrada em 2017-12-14, pelo que é extemporâneo.
  4. A extemporaneidade constitui excepção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente

 

  1.  Da excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba n.º 28 da TGIS;
  1. A competência do foro jurisdicional arbitral não compreende a apreciação da conformidade constitucional de actos legislativos ou das suas normas, ex vi artigo 2.º, n.º 1 do RJAT.
  2. Pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP, conforme pretende a Requerente.
  3. A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.

 

  1.  Por impugnação;
  1. À data do nascimento da obrigação tributária, a Requerente era a proprietária do prédio supra identificado, afeto à habitação, cujo VPT era de € 2.289.460,00, verificando-se pela caderneta predial urbana que o terreno para construção está afecto à habitação.
  2.  Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.
  3. O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afectação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afectação, cf. artigo 41 do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
  4. Pois, nada há de mais lógico que, pela necessidade de corrigir o défice orçamental, sem descurar a justiça do sistema fiscal, «…promover o alargamento da base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados…», não devendo o Tribunal discutir da bondade da norma.
  5. Pelo que não existe qualquer violação do princípio da igualdade em qualquer das suas vertentes.

 

  1. Matéria de factos
  1.  Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Faro, sob o número..., correspondente a um terreno para construção.
  2. O prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana como terreno para construção, com inscrição desde 1998.
  3. Consta da caderneta predial urbana que o prédio é um Lote de terreno para construção urbana, com área total do terreno 28.080,0000 m2, área de implantação do edifício 8.000,0000 m2, igual área Bruta de Construção, com percentagem para o cálculo da área de implantação de 25% e Tipo de coeficiente de localização Habitação.
  4. O valor patrimonial tributário atribuído ao prédio inscrito sob o artigo ..., é de 2.289.460,00€.
  5. A avaliação indicada não foi objecto de contestação pela Requerente.
  6. A AT procedeu à liquidação de IS referente aos anos de 2014 e 2015, baseada na afectação matricial do mesmo, com coeficiente de localização como de Habitação e no valor patrimonial tributário do prédio, no valor total de €45.789,20 (quarenta e cinco mil, setecentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos), liquidações números 2015..., ... e ..., duas com o valor unitário de 7.631,53€ e uma com o valor unitário de 7.631,54€ e liquidações 2016..., ... e ..., duas com o valor unitário de 7.631,53€ e uma com o valor unitário de 7.631,54€.
  7. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa daqueles actos de liquidação em 18.04.2017.
  8. Por decisão da Direcção de Finanças de Lisboa notificada à requerente em 17/11/2017, foi rejeitada liminarmente a revisão oficiosa deduzida, fundamentando que, “Pelo exposto, conclui-se que o presente pedido de revisão não cabe nos pressupostos dos requisitos do art. 78° da LGT, propondo-se a sua rejeição liminar, de acordo com as instruções n.º .../DSJT/2013 e n.º .../DSJT/2014.

Propõe-se a dispensa do direito de audição previa, face as instruções vertidas na alínea a) do ponto 3 da circular n.º 13/1999 da DSJT.

De acordo com as competências delegadas pela Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributaria do Património no Despacho n.º 9007/2016 de 14 de julho, sendo a DSIMT competente para decisão em termos de área funcional. De acordo com o ponto II “desde que não esteja em causa a interpretação de normas legais ainda não sancionada”, nos termos da alínea a) e delegado nos diretores de finanças a competência para “Apreciar e decidir os pedidos de revisão previstos no artigo 78.° da Lei Geral Tributaria, ate ao montante de 50.000,00 EUR.”

  1. A Requerente deu entrada da presente acção arbitral, no dia 14.12.2017.

 

  1.  Factos dados como não provados

Nenhum com interesse relevante para a decisão da causa.

 

  1. Questões Prévias

Em cumprimento do disposto no artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 608.º n.º 1, do Código de processo Civil, o Tribunal Arbitral apreciará as excepções invocadas pela AT:

a)         Da excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

A dedução de excepção é uma faculdade de defesa atribuída às partes num processo.

“A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e por excepção (art.º 571.º do C.P.C.).

A defesa por excepção consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, importam a improcedência total ou parcial do pedido (art.º 571.º, n.º 2, 2ª parte). No primeiro caso o Réu alega a falta de um pressuposto processual e invoca uma excepção dilatória (cfr. art.ºs 576.º, n.º 2 e  577.º); no segundo o Réu opõe uma excepção peremptória ( cfr. art.ºs 576.º, n.º 3).(2)

Como se sabe, em regra as excepções peremptórias devem ser arguidas pela parte a quem aproveitam (art.º 579.º).

O que a Requerida vem invocar é a (in)tempestividade da dedução da revisão de acto tributário, colando-a de seguida à intempestividade da dedução da presente pronúncia arbitral.

No entanto, o presente Tribunal Arbitral, pode e deve apreciar, é da in(tempestividade) do pedido de pronúncia arbitral. Foi dado como provado que a Requerente foi notificada a 17/11/2017 da decisão que recaiu sobre o procedimento de revisão de acto tributário, tendo também sido dado como provado que a Requerente deu entrada da presente acção arbitral, no dia 14.12.2017.

Dispõe o art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT,(3) que “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do Código do Procedimento e do Processo Tributário…”, nos quais se enquadram as decisões proferidas sobre revisões de actos tributários.(4)

Sendo a presente pronúncia arbitral tempestiva.

Mas mesmo que se pudesse (ou devesse), apreciar a questão da dedução intempestiva, não já da pronúncia arbitral, mas do pedido de revisão oficiosa, tal matéria é perfeitamente pacífica nos nossos Tribunais, pelo que por mera economia processual, transcreveremos de seguida apenas um Acórdão:

         Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo:       00558/12.1BECBR, 2ª Secção - Contencioso Tributário, de 30-04-2015, TAF de Coimbra, Paula Moura Teixeira

Descritores:    IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

Sumário:         I. Da interpretação da alínea a) do art.º 102.º do CPPT o prazo de impugnação é de 90 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

II. Decorre do n.º 1 do art.º 78º da LGT que o contribuinte pode requerer à administração a revisão dos atos tributários, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade.

III. É jurisprudência reiterada e pacífica do STA, tal como a administração tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art.º 78º da Lei Geral Tributária) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aqueles fundamentos. (5)

Assim, também por aqui faleceria a invocada excepção.

 

  1. Da excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba n.º 28 da TGIS;

Veio depois a Requerida invocar o que designou por excepção dilatória deste Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de eventual declaração de inconstitucionalidade material da verba n.º 28.1 da TGIS.

A jeito de prelúdio, diga-se desde já que, a invocação desta excepção pressupõe como adquirida pela Requerida que não existe qualquer intempestividade quanto à dedução do que quer que seja, no entanto, consideramos que a mesma é arguida à cautela e por mera precaução de patrocínio, apesar de omissa quanto a essa invocação.

Invocou a Requerida que a” competência do foro jurisdicional arbitral não compreende a apreciação da conformidade constitucional de actos legislativos ou das suas normas, ex vi artigo 2.º, n.º 1 do RJAT”, acrescentando que “Pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP, conforme pretende a Requerente.”

Analisando pelo prisma dos pedidos enquanto conclusões tendentes a “definir a forma de tutela jurídica que pretende para a situação jurídica alegada”, terminou a sua petição a Requerente por:

A título subsidiário, e sem prescindir, requer

d) Seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. Artigo 204.º da CRP) e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo subjudice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.”

Por sua vez no requerimento de exercício do contraditório da resposta à excepção deduzida pela AT, veio também a Requerente a formular o seguinte pedido:

“Seja decidido, por este Tribunal Arbitral, que as normas em analise são inconstitucionais quando aplicadas no caso concreto e, por conseguinte, sejam tais normas desaplicadas in casu e, como tal, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação) de Imposto do Selo sub judice porquanto assentes naquelas normas, com todos os efeitos legais.”

Antes de mais cabe fixar que o que está em causa é a verba 28.1. da TGIS, apesar de nas suas peças, tanto Requerente como Requerida, mencionarem a verba 28. O que está em crise, é o aditamento realizado pela Lei 83-C/2013, de 31/12 à verba 28.1.

Efectuada esta clarificação, a Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo das modernas relações jurídicas com legislação de âmbito internacional que consagram no art.º 8.º a designada clausula de recepção automática do direito Internacional e com especificidade acrescida da União Europeia, configura-se ainda como o ordenamento jurídico-normativo principal, onde se encontram plasmados os princípios de um Estado de Direito e Democrático traduzidos em princípios jurídico constitucionais.

“Desde logo, e em primeira instância, princípio do Estado de Direito significa e exige, como dissemos, garantia e promoção dos direitos fundamentais, pois é em função desses objectivos que o Estado adopta a particular estruturação e vinculação ao Direito que o identificam como tipo histórico do Estado. Como se dizia no advento do Estado de Direito. Constituição significa, nesse sentido liberdades fundamentais e separação de poderes.” (6) Assim alcançado o primado do Estado e da sua “Magna Carta” de comportamento social de Direito, o Árbitro tem a obrigação de interpretar e aplicar normas constitucionais.

Mas o RJAT, como se sabe, foi mais longe que os artigos 39.º, n.º 4 e 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária. O mesmo artigo consagra a possibilidade de recurso directo para o Tribunal Constitucional nos termos do n.º 1 do art.º 25.º, na parte em que “

1 — A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de

qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.”

Só por aqui deduz-se imediatamente que cabe na competência da CAAD, recusar a aplicação de qualquer norma que repute de inconstitucional, bem como, aplicar norma cuja inconstitucionalidade tiver sido suscitada, caso contrário não teria qualquer utilidade o que consta do citado artigo.

Descendo ao caso concreto, apreciando a invocada incompetência da jurisdição arbitral para “Pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP, conforme pretende a Requerente” temos por assente que, de acordo com o nº 1 do artigo 2º do RJAT, a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a “ilegalidade dos actos de liquidação de tributos”.

São ilegais os atos que apliquem normas desconformes com a lei fundamental, o que desde logo resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Portanto, quando um cidadão, ou empresa, recorrem ao Tribunal Arbitral para obter a declaração de ilegalidade de um ato tributário de liquidação, acusando-o de se ter baseado em lei, melhor, norma jurídica inconstitucional, esse Tribunal é competente.

Não é, bem se vê, para declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral, pois isso só ao Tribunal Constitucional compete (artigo 281º nº 2 da CRP), mas para censurar o ato assente em norma inconstitucional, eliminando-o da ordem jurídica, conforme é obrigação sua, imposta pelo artigo 204º da CRP: não podendo os Tribunais aplicar normas inconstitucionais, não podem também manter os atos administrativos que lhes são submetidos e que tenham por base normas violadoras da Constituição.(7)

Afinal, o que a Requerente vem pedir é a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo subjudice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

Ou seja, o objeto do processo não é a declaração de inconstitucionalidade material de nenhuma norma jurídica, mas a verificação da legalidade, face à CRP, dos atos de liquidação de um tributo.

É notória então a competência do presente Tribunal, pelo que, também é considerada improcedente a presente excepção.

 

  1.  

Além de competente, o Tribunal está regularmente constituído, apresentando-se as partes com personalidade, capacidade, legitimidade e representação, não havendo nulidades nem outras exceções ou questões prévias que impeçam a apreciação do mérito da causa.

 

  1. Matéria de Direito

 

Questões a decidir:

  1. O Requerente entende que a verba 28.1 da TGIS, aplicada pelos referidos actos, sofre, no segmento que ao caso importa, de inconstitucionalidade, por violação do:
  1. Princípio da igualdade tributária alicerçado no princípio da capacidade contributiva; (cfr. artigos 61 a 109 da petição inicial do Requerente);

 

  1. Se o imóvel dos autos que foi objecto de tributação em sede da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, constitui um facto tributário para efeitos dessa norma.

 

Comecemos por analisar a questão da desaplicação de norma constante da 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aos terrenos para construção, nas suas várias vertentes, por ser prejudicial de todas as outras.

É sabido que os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a imposto do selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, nos seguintes termos:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:

“por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Ficou resolvida, deste modo, a controvérsia sobre se cabiam ou não na dita verba os terrenos para construção com afectação habitacional.

Apesar de ser seguro, desde 2014, que os terrenos para construção são considerados prédios com afectação habitacional, sujeitos a imposto do selo, suscitam-se dúvidas relativas à constitucionalidade da referida norma, tal como assinalado pelo Requerente.

Algumas dessas dúvidas foram já suscitadas e decididas, em inúmeras vezes, por diversos Tribunais, ainda que alcançando conclusões distintas.

Pronunciaram-se pela inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS à luz do princípio da igualdade tributária – as decisões constantes nos processos do CAAD 218/2013-T; 247/2013-T; 292/2013-T; 507/2015-T e 114/2016-T (este na vertente que a “verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não contém, porém, qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno.”)

Exemplificativamente decidiu-se, no passado, pela inconstitucionalidade da verba 28.1. no processo nº 507/2015-T do CAAD, no qual se afirmou “que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”.

No entanto, este Acórdão não considerou inaplicável a norma em referência na vertente de que a mesma violaria o princípio da igualdade por tributar (somente) prédios afectos a habitação em face da não tributação de prédios com diversa afectação,

Outros Tribunais Arbitrais, também no seio do CAAD, pronunciaram-se em sentido oposto – isto é, concluindo pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. – destacando-se, entre outros, os acórdãos do CAAD que resultaram dos processos n.ºs 219/2013-T; 4/2014-T; 366/2014-T; 517/2014-T; 577/2014-T; 485/2015-T 495/2015-T; 515/2015-T; 509/2015-T e 516/2015-T.

É verdade que efectuando uma leitura mais atenta dos Acórdãos e das decisões conclui-se que a matéria em análise não é exactamente a mesma, pelo que carece de uma análise perfunctória cada Acórdão.

Quanto ao próprio Tribunal Constitucional, a quem compete a declaração, ou não, de inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, tivemos sempre como referência a decisão adoptada no Acórdão n.º 590/2015, que concluiu pela não-inconstitucionalidade da verba 28.1. à luz do princípio da igualdade tributária.

No referido acórdão n.º 590/2015, e a propósito do princípio da igualdade tributária, o Tribunal Constitucional considerou o seguinte:

“O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

No entanto, não podemos deixar de olvidar o que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017, proferido no dia 24 de Maio no âmbito do processo 156/2016, lapidou: e essencialmente pela razão de que se debruçou especificamente sobre os terrenos para construção.

Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional vem, em consonância com Decisões Arbitrais anteriores, pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

O que foi discutido no âmbito do citado Acórdão respeita à análise exegética do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade tributária que, “ao impor que

cada um pague impostos na medida das suas possibilidades, (…) não impõe apenas que se verifique que essa exigência respeita a força económica de cada contribuinte, e que traduz uma justa repartição da carga fiscal, mas também que se avalie se essa carga não é excessiva, pelo que é necessário avaliar a legitimidade do aditamento dos terrenos para construção à previsão normativa da verba 28.1 da TGIS, ponderando a admissibilidade do alargamento da sua base de incidência à luz dos princípios fundamentais que regem o sistema fiscal, mas confrontando-a também com as próprias razões que presidiram originariamente à criação deste imposto”. (8)

Continua o citado Acórdão que “Não está em causa a inserção sistemática de um mecanismo de tributação do património imobiliário no âmbito do Imposto de Selo, que tem sido utilizado pelo legislador como um imposto residual, ou complementar, onde se inserem diferentes manifestações de riqueza não abrangidas por outros impostos, sem que daí advenha, por si só, qualquer desvio constitucional.”, pois essa tributação com objectivos de angariação de receita, não se integra num compêndio fiscal – normativo homogéneo.

“Mas se a verba 28.1 da TGIS se assumiu como uma “taxa complementar de IMI”, dirigida “a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes”, como sugere José Maria Fernandes Pires (cfr. Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3.ª edição, Almedina Editora, Coimbra, 2015, p. 504), a mesma deveria englobar, ou pelo menos considerar, o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, sob pena de atingir os diferentes contribuintes de forma excessivamente desigual.”, o que com “roupagem” totalmente diferente e tendo como critério o valor de património imobiliário do sujeito passivo e do seu cônjuge, acabou por ser criado no adicional ao IMI, com características de pessoalidade, não do património imobiliário por via indirecta, mas tributando essas manifestações por via directa.(9)

O actual modelo de tributação distingue-se claramente do que estava contido na verba 28 do CIS, sendo que este não sendo progressivo nem tendo como critério a globalidade do património imobiliário, permite que bastasse “…por isso que o valor patrimonial tributário de um prédio seja inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba para que o respetivo proprietário nada tenha a pagar, mesmo que seja proprietário de vários prédios desse valor.”, rematando o citado Acórdão “Há, de facto, um pecado original na verba 28.1 da TGIS, tal como ela foi concebida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e que, como veremos adiante, a Lei n.º 83-C/2013 agravou com o aditamento dos terrenos para construção à mencionada previsão normativa. É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.”

O aditamento efectuado à verba 28.1, na redacção do art.º 194.º da Lei 83-C/2013, de 31/12, reuniu na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, partindo do pressuposto que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário e com isso “…confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.”

“Tem sido salientado pela doutrina fiscal que, enquanto critério de igualdade tributária, o princípio da capacidade contributiva “exige, antes de mais, a personalização do imposto, que quando se tribute uma qualquer manifestação de riqueza se pergunte pela pessoa que está por trás dela e pelas condições em que se encontra” (cfr. Sérgio Vasques, Capacidade contributiva, rendimento e património, in Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 19).

Ora, se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.

O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção.”

Prossegue o Tribunal Constitucional a sua análise no citado Acórdão noutro plano de argumentação, afirmando que a alteração que resultou da citada Lei n.º 83-C/2013, à verba n.º 28.1 da TGIS, afastou-se da ratio iuris da sua previsão inicial, “…na medida em que alarga a previsão normativa a realidades distintas, tanto no plano físico como jurídico, que correspondem por isso a factos tributários igualmente distintos.”

Na verdade, os prédios habitacionais distinguem-se dos terrenos para construção, constituindo aquela primeira categoria edifícios ou construções já existentes e destinadas a habitação, “enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.”

Esta argumentação é indiscutivelmente mais sólida quando, como no caso dos autos, estamos perante uma afectação meramente matricial, com a aplicação de parâmetros de cálculo automático da área bruta de construção e à área da edificabilidade, meramente potenciais, futuras e incertas, sabendo-se como se sabe, que a mera qualificação de terreno para construção – que não de terreno para construção habitacional, resulta da mera declaração no acto aquisitivo. É exactamente nesta linha que o Acórdão continua:

“Assim, enquanto que os edifícios habitacionais correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.

Ou seja, a tributação de prédios habitacionais incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais.”

Apesar de ambos serem aptos a terem uma finalidade habitacional, eles possuem uma diferente natureza não permitindo que se projecte uma equivalência da capacidade contributiva dos respetivos proprietários, atuais ou futuros, apenas com base na sua afetação e no seu valor patrimonial tributário (VPT).

Conclui assim o Acórdão que “Se os terrenos para construção valem essencialmente pelo conteúdo do seu aproveitamento urbanístico futuro, não é possível integrá-los na previsão normativa de um imposto que visa tributar casas de luxo, sem considerar, quer a tipologia edificatória, quer a estrutura jurídica dos edifícios que nele irão ser construídos. Tributando-os em função daquilo que aqueles terrenos virão a ser depois de materializada a construção, como sucede no IMI, e não em função daquilo que são antes de se desenvolver essa atividade.”

E em jeito de síntese final diz-nos ainda o citado Acórdão que “Do que fica dito resulta evidente que, se o aditamento dos terrenos para construção feito pela Lei n.º 83-C/2013 à verba n.º 28.1 da TGIS não é arbitrário, ele é, em qualquer caso, violador do princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, quer porque não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade”.

O Tribunal Constitucional considera assim “Julgar inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00;”

Não aderimos à tese da inconstitucionalidade dos outros segmentos da verba 28 e suas alíneas, mas aderimos a esta fundamentação integralmente quando respeitante à aplicação da verba 28.1 a terrenos para construção com as características do caso dos presentes autos de mero critério de afectação matricial habitacional potencial.

Consequentemente, as liquidações que são objecto do presente processo enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), sendo também ilegal e não obrigatoriamente por esta ordem, por estarem integrados, a decisão vertida no pedido de revisão de acto tributário.

Fica assim prejudicada qualquer apreciação (pré) ou subsequente em termos de mérito da presente acção arbitral.

 

  1. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT “(a) decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

(…)

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;

No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que “(a) administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Assim, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, há lugar a reembolso do imposto pago na sequência do acto de liquidação ilegal que é objecto do presente processo.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “…são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

No caso sub judice, a liquidação não enferma de erro imputável à Requerida, mas sim, de vício derivado de inconstitucionalidade de norma legal, que a Requerida não podia desaplicar, salvo se estivesse em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é o caso (10).

Nestes termos, o Tribunal julga improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo do direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, que deverá ser calculada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.

 

C) DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral

 

  1.  Julgar improcedente as excepções invocadas pela Requerida;
  2.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na sua plenitude quanto ao pedido de anulação das liquidações sub judice;
  3.  Condenar a Requerida a restituir ao Requerente os montantes indevidamente pagos por força dos actos de liquidação anulados;
  4.  Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida Administração Tributária em juros indemnizatórios e absolvendo-a deste pedido;
  5.    Condenar a Requerida em 90% das custas e o Requerente em 10% delas, face ao seu parcial decaimento.

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €45.789,20 (quarenta e cinco mil, setecentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, cabendo 90% desse valor à Requerida e 10% à Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa.

 

Notifique-se, incluindo o Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 72º nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro.

 

Lisboa, 25 de junho de 2018

                                                          

O Árbitro Singular

 

António Pragal Colaço

 

 

 

  1. No presente aresto é usado com sentido idêntico de forma indistinta, quer a expressão, revisão ofíciosa, quer a expressão, revisão de acto tributário;
  2. Sobre as excepções dilatórias, cfr. SOUSA, MIGUEL TEIXEIRA DE, Introdução ao Processo Civil (Lisboa 1993), 75 e segs.; sobre as excepções peremptórias, cfr. SOUSA, MIGUEL TEIXEIRA DE, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa (Lisboa 1995), 160 e segs.
  3. Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, criado pelo decreto Lei 10/2011, de 20 de Janeiro e alterado pela Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro;
  4. Ora, são simultaneamente arbitráveis e impugnáveis

Actos de indeferimento expresso de reclamação graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa que apreciem, eles próprios (legalidade do acto de liquidação, de auto liquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta – ao abrigo de uma interpretação teleológica da alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º, do RJAT e da alínea a), do artigo 2.º, da Portaria de Vinculação, sendo certo que o objecto do processo arbitral é sempre  o acto tributário de primeiro grau cuja (i) legalidade o sujeito passivo pretende ver apreciada; In. TRINDADE, CARLA CASTELO, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 2016, p. 242;

  1. In. www.dgsi.pt; Cfr. também Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª Secção, Processo 0678/16, de 08-02-2017, CASIMIRO GONÇALVES, in. Ibidem;
  2. Cfr. NOVAIS, JORGE REIS, os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 44 e segs;
  3. Seguimos de muito perto o vertido no Acórdão da CAAD exarado no Processo n.º 468/2016-T, de 2017-03-10, in. www.caad.org.pt;
  4. FERREIRA & ASSOCIADOS, ROGÈRIO FERNANDES, Newsletter n.º 11/17, de 4/7/2017;
  5. Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pela Lei 42/2016 de 28/12 e alterado pela 85/2017, de 18/8 e Lei 114/2017, de 29/12;
  6. Cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/02/2014, proc. n.º 0481/13;