Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 80/2019-T
Data da decisão: 2019-06-25  IUC  
Valor do pedido: € 5.000,01
Tema: IUC – Incidência; Intempestividade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO    

1. No dia 8 de Fevereiro de 2019, A..., contribuinte n.º ..., com domicilio postal em Apartado ..., ..., em Lisboa, (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) n.º..., n.º ..., n.º ... e n.º..., respeitantes ao veículo com a matrícula ..., dos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, com a consequente anulação.

O Requerente juntou 9 (nove) documentos.

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No essencial, o Requerente invoca a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados, alegando, em síntese, não ser sujeito passivo da obrigação tributária a que se reportam os actos impugnados porquanto desde 2005 que a viatura em causa se encontrava numa oficina para reparação, tendo desaparecido em Dezembro de 2013.

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 11 de Fevereiro de 2019.

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 2 de Abril de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 23 de Abril de 2019.

5. No dia 16 de Maio de 2019, a AT pronunciou-se, por excepção, pela intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, por impugnação, no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e, em conformidade, dever o Tribunal Arbitral pronunciar-se pela absolvição da Requerida.

5.1. A Requerida não requereu a produção de prova.

6. Por despacho de 22 de Maio de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 25 de Junho de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. No dia 29 de Maio de 2019, o Requerente prescindiu da apresentação de alegações escritas.

8. No dia 30 de Maio de 2019, a AT apresentou alegações escritas, mantendo, integralmente, o teor da sua Resposta oportunamente apresentada.

 

                II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            O Requerente foi notificado das liquidações n.º..., n.º..., n.º ... e n.º..., em 17 de Outubro de 2013, cuja data limite de pagamento ocorreu em 6 de Novembro de 2013.

b)           As liquidações em causa resultaram de a AT ter verificado que o veículo com a matrícula ..., da categoria C, era propriedade do Requerente.

c)            Em 2005, o Requerente deixou o veículo em causa numa oficina de reparação, pintura e bate chapa, ao senhor B..., com domicílio na Rua ..., ..., em ..., ... .

d)           O senhor B... não transferiu a propriedade do veículo com a matrícula ... para si.

e)           O Requerente intentou, em 25 de Fevereiro de 2013, uma acção judicial sobre estes mesmos factos, sob o processo n.º .../13...YX..., no Tribunal Judicial da Comarca de ... – ... – Instância Local – Secção de Competência Genérica – Juiz ... .

f)            Por não concordar com as liquidações em causa, o Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2014...em 27 de Junho de 2014, a qual foi indeferida.

g)            O Requerente requereu, em 11 de Novembro de 2013, apoio judiciário para deduzir a reclamação graciosa em causa, tendo-lhe sido nomeado Advogado em 28 de Fevereiro de 2014, tendo terminado o prazo de 30 (trinta) dias previsto no artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em 30 de Março de 2014.

h)           Em 19 de Maio de 2015 foi proferida a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de ... – ..., sob o processo n.º .../13...YX..., ali se dando como assentes, entre outros:

a.            “No início do ano de 2005, em data que não se pode precisar, aquele veículo foi deixado na oficina de reparação, pintura e bate chapa pertencente ao R. e ao cuidado deste.”.

b.            “O veículo de matrícula ... desapareceu da sua oficina, onde se encontrava, em Dezembro de 2013.”

i)             A sentença do Tribunal Judicial da Comarca de ... – ... em causa foi objecto de recurso que transitou em julgado em 3 de Abril de 2017.

j)             O Requerente apresentou, em 28 de Fevereiro de 2019, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III.2. DE DIREITO

 

EXCEPÇÃO POR INTEMPESTIVIADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

Constitui questão prévia a decidir a da excepção arguida pela AT quanto à intempestividade do pedido de constituição e de pronúncia arbitral.

 

Assim, de harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no n.º 1 e n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Senão vejamos,

 

O artigo 16.º do Código do IUC prevê, no seu n.º 1, que é da competência da AT a liquidação do imposto.

 

Embora o n.º 2 do mesmo artigo refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, não estamos perante uma “autoliquidação” no verdadeiro sentido, uma vez que é a AT que efectua o apuramento do montante a pagar pelo sujeito passivo que se limita a proceder ao pagamento dos valores apurados pela AT e correspondentes ao IUC a pagar.

 

Tratando-se de uma liquidação de imposto, o prazo que o Requerente tinha para apresentar a reclamação graciosa é de 120 dias, após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 68.º, 70.º e 102.º do CPPT.

 

Conforme resulta da factualidade assente, a reclamação graciosa n.º ...2014... que o Requerente apresentou em 27 de Junho de 2014, incidiu sobre as liquidações de IUC referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

 

O termo do prazo para pagamento voluntário mais recente e reportado às liquidações de IUC ocorreu em 11 de Junho de 2013.

 

Com efeito, o prazo de 120 dias que o Requerente tinha para reclamar graciosamente das liquidações encontrava-se ultrapassado, sendo intempestiva a referida reclamação.

 

Daí decorre ser extemporâneo o pedido arbitral apresentado pelo Requerente referente às liquidações de IUC em apreço.

 

O artigo 10.º, n.º 1 do RJAT dispõe que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

 

“a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”

 

E os n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, sob a epígrafe “Impugnação judicial. Prazo de apresentação” estabelece que:

 

“1 - A impugnação será apresentada (...) a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.”

 

Desta forma, tendo a reclamação graciosa sido apresentada quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal para apresentação da mesma, então o prazo que vigora para a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral, são os 90 dias após a data do termo do prazo de pagamento voluntário do IUC.

 

Assim, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral apresentado pelo Requerente deu entrada em 28 de Fevereiro de 2019, pelo que é extemporâneo.

 

Nestes termos, atento o normativo legal acima exposto, procede a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a absolvição da AT.

 

Considerando-se procedente a excepção invocada, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos autos.

 

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronuncia arbitral invocada pela AT e, em consequência, absolver a Requerida da instância, julgando, ainda, prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).

 

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo do Requerente.

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Lisboa, 25 de Junho de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Hélder Faustino)