Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 709/2018-T
Data da decisão: 2019-07-11  IRS  
Valor do pedido: € 265.352,61
Tema: IRS – mais-valias – art. 10.º, n.º 5 do CIRS – requisitos de exclusão de tributação – alteração do domicílio fiscal – ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Dr. João Marques Pinto (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 7 de Março de 2019, acordam no seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, no dia 31 de Dezembro de 2018, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (“RJAT”), sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada por “Requerida” ou “AT”.

 

1.2.        Segundo a Requerente, o “pedido de pronúncia arbitral tem em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao período de tributação de 2016, que foi reclamada, e cuja Reclamação Graciosa (…) foi objecto do despacho de indeferimento (…)”.

 

1.3.        Neste âmbito, peticiona a Requerente:

“– a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa REC ..., proferida no processo nº ...2018...;

– a anulação da liquidação de IRS nº 2017... respeitante ao período de tributação de 2016 e a inerente liquidação de juros compensatórios, liquidação 2017...;

– a restituição à Requerente do montante de € 265.352,61, pago indevidamente, acrescido de juros compensatórios à taxa legal”.

 

1.4.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 31 de Dezembro de 2018 e seguidamente notificado à Requerida.

 

1.5.        O Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, em 15 de Fevereiro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e condições legalmente previstas.

 

1.6.        Na mesma data foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não se tendo oposto, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.7.        Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) e n.º 7 do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de Março de 2019, notificando-se a Requerida, por despacho arbitral de 8 de Março de 2019, para apresentar Resposta e juntar o processo administrativo (“PA”) no prazo de 30 dias, de acordo com o preceituado n.º 1 do artigo 17.º do RJAT.

 

1.8.        Em 8 de Abril de 2019, a Requerida juntou aos autos cópia do PA e apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação e conclui pela total improcedência do pedido por falta de apoio legal.

 

1.9.        Na sua Resposta, a Requerida vem requerer diligências instrutórias adicionais para comprovação: (i) da residência do agregado familiar da Requerente no imóvel alienado, gerador das mais-valias em discussão nos autos, com referência aos anos 2015 e 2016; (ii) da idade dos dependentes e (iii) do estabelecimento de ensino por estes frequentado.

 

1.10.      Considera, todavia, despicienda a prova testemunhal, por entender que a mesma deve ser realizada através de documentos, pelo que solicitou a dispensa daquela, indicando, ad cautelem, uma testemunha.

 

1.11.      Por despacho de 16 de Abril de 2019, o Tribunal Arbitral determinou a realização, no dia 20 de Maio de 2019, da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de inquirição de testemunhas, atento o eventual contributo para o apuramento dos factos, indeferindo o pedido de dispensa formulado pela Requerida na sua Resposta. 

 

1.12.      A Requerida apresentou requerimento, em 22 de Abril de 2019, para que a testemunha por si arrolada fosse notificada pelo Tribunal Arbitral, o que foi deferido.

 

1.13.      A Requerente apresentou requerimento, em 6 de Maio de 2019, no sentido de indicar os factos relativamente aos quais pretendia que as testemunhas que apresentou fossem inquiridas.

 

1.14.      Em 16 de Maio do 2019, a testemunha arrolada pela Requerida informou o Tribunal Arbitral de que, por motivos profissionais, não poderia comparecer na data agendada. O Tribunal manteve a diligência, notificando-se as partes de que, caso necessário, seria marcada nova data especificamente para a inquirição da testemunha arrolada pela Requerida.

 

1.15.      Em 20 de Maio de 2019, realizou-se no CAAD a reunião arbitral, na qual foram ouvidas três testemunhas, com reprodução sonora dos depoimentos prestados, da qual foi lavrada a correspondente acta, que faz parte integrante do presente processo.

 

1.16.      No âmbito da referida reunião, a representante da Requerida declarou prescindir da testemunha por si arrolada na Resposta e da prova adicional aí requerida.

 

1.17.      O Tribunal notificou as Partes para apresentarem, de modo sucessivo, alegações escritas, a começar pela Requerente, no prazo de 10 dias. Por fim, determinou como prazo limite para a decisão o previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT e advertiu a Requerente para, até ao termo do prazo, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.18.      Em 31 de Maio de 2019 a Requerente apresentou as suas alegacões escritas, concluindo como no pedido.

 

1.19.      A Requerida apresentou alegações escritas em 14 de Junho de 2019, mantendo o teor da Resposta.

 

2.            CAUSA DE PEDIR – POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes argumentos:

 

2.1.        Mudou a sua residência, em Janeiro de 2015, da ..., em Lisboa, para a casa da ..., no ... (“...”), que ela e a sua irmã haviam herdado do pai em 2010.

 

2.2.        Por lapso, não comunicou esta alteração de domicílio fiscal à Autoridade Tributária.

 

2.3.        O apartamento da ... foi logo dado de arrendamento em 13 de Março de 2015.

 

2.4.        Adquiriu de seguida, em 15 de Abril de 2015, para habitação própria e permanente, o imóvel sito na Rua ... (“...”), n.º..., fracção M, em Lisboa, onde reside actualmente, pelo montante de € 1.950.000,00.

 

2.5.        Declara que residiu na casa do ... desde Janeiro de 2015 até ao início de 2016, conforme atestado pela Junta de Freguesia de ... e ..., tendo a mesma sido vendida em 11 de Fevereiro de 2016, pelo valor de € 2.250.000,00, do qual lhe coube a correspondente quota parte de 50%, € 1.125.000,00, a título de valor de realização. Nessa data – 11 de Fevereiro – mudou a sua habitação para a Rua ..., tendo contratado para o efeito uma empresa especializada em mudanças.

 

2.6.        Assim, afirma que quando vendeu a casa ..., esta era efectivamente a sua habitação própria e permanente, apesar de não ter comunicado à AT a alteração do seu domicílio fiscal.

 

2.7.        Pelo que considera correcta a declaração Modelo 3 de IRS que entregou em 29 de Maio de 2017, relativa aos rendimentos de 2016, na qual indicou ter reinvestido o valor de realização (da sua quota parte de 50%) do imóvel que era a sua habitação própria e permanente [Casa ...] na aquisição de um novo imóvel, também destinado à habitação própria e permanente [Casa ...], preenchendo o Quadro 5 A do Anexo G.

 

2.8.        Qualifica de ilegal e inconstitucional a posição da AT de que a exclusão de tributação das mais-valias prevista no Código do IRS não é aplicável, quer em razão da omissão de alteração do domicílio fiscal, quer pelo facto de o imóvel alienado fazer parte da herança indivisa aberta por óbito do pai, não podendo ser considerado habitação própria da Requerente.

 

2.9.        Conclui terem sido apresentados meios de prova que demonstram que o imóvel do ... era a sua habitação própria e permanente, desde Janeiro de 2015 até à data em que foi vendido, pelo que competia à AT, de acordo com as regras do ónus da prova, demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados, ou das informações neles constantes, o que não aconteceu.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        Para a Requerida, está em causa a aceitação, ou não, como reinvestimento, do produto de mais-valias realizadas com a alienação de um bem imóvel.

 

3.2.        Neste âmbito, começa por referir que a situação dos autos não configura uma transmissão onerosa de imóvel do próprio sujeito passivo, em virtude de o prédio alienado pertencer ao acervo hereditário de B..., pai da Requerente, pelo que entende não ser aplicável a exclusão de tributação dos ganhos obtidos com a respetiva alienação prevista no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.

 

3.3.        Segundo a Requerida, a transferência do direito de propriedade dos bens da herança indivisa só ocorre com a partilha e não com a mera aceitação da herança, que apenas confere ao herdeiro posse e domínio sobre os bens da herança. Assim, não colhe a tese da Requerente de que detinha a propriedade [parcial] do bem.

 

3.4.        Por outro lado, alega a Requerida que ficou também por demonstrar que o imóvel alienado foi local de habitação permanente da Requerente. O domicílio da Requerente, até 20 de Maio de 2015, esteve fixado em Lisboa e depois foi alterado nessa data para um imóvel sito em ... e não para a ..., para onde a Requerente alega ter mudado residência em Janeiro de 2015.

 

3.5. A adjudicação de um serviço de mudança a uma empresa de transportes, não demonstra que o local de onde os objectos mudados saíram era aquele onde estava fixada a habitação própria permanente da Requerente.

 

3.6.        Entende a Requerida que a Requerente não faz qualquer prova do que alega, designadamente de que a morada em apreço era o seu centro de vida, pelo que não lhe assiste razão quando refere que competia à AT demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados.

 

3.7.        Defende, por fim, que não pode ser imputado ao acto em crise nenhum vício, devendo ser declarada a total improcedência do pedido.

 

4.            SANEAMENTO

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.4.        Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer, nem identificadas nulidades processuais.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

DOS FACTOS PROVADOS

 

5.1.        A Requerente e a sua irmã, na qualidade de únicas e universais herdeiras em quotas partes ideais de ½, da herança indivisa aberta por óbito do seu pai, B..., ocorrido em 19 de Maio de 2010, receberam, entre outros bens móveis e imóveis, uma vivenda sita na Avenida ..., ... e ..., no ... (“Casa ...”), inscrita na matriz predial da união das freguesias de ... e ... sob o artigo ... [...] e descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., tendo a aquisição do imóvel sido registada em comum e sem determinação de parte ou direito – cf. fls. 31 a 36 e 98 a 102 do PA e documento 11 junto com o ppa.

5.2.        A Requerente é proprietária da fracção autónoma designada pela letra E, sita na ..., RL, ..., em Lisboa, na qual habitou, tendo, em 13 de Março 2015, celebrado contrato através do qual deu de arrendamento esta fracção a um cidadão de nacionalidade francesa, por um prazo de 3 anos, renovável automaticamente por períodos de um ano, com efeitos a partir de 15 de Julho de 2015 – cf. Documento n.º 1 – junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

5.3.        A Requerente adquiriu, em 15 de Abril de 2015, pelo valor de € 1.950.000,00, a fracção autónoma designada pela letra M, correspondente ao ..., sita na Rua ..., n.º..., em Lisboa, inscrita na matriz predial da Freguesia de ..., Concelho de Lisboa, sob o artigo ... [...], e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... (“Casa ...”), na qual reside actualmente, tendo obtido, para o efeito, financiamento do Banco C..., no valor de € 1.550.000,00, pelo prazo de trezentos e oitenta e quatro meses, ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação, regulado pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro – cf. Documento n.º 2 – contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca – junto com o ppa e PA, fls. 18-23 e 111.

5.4.        No contrato de compra e venda com hipoteca da ..., celebrado no Balcão Casa Pronta da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a Requerente declarou que “o imóvel ora adquirido se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente” – cf. Documento n.º 2 junto com o ppa e PA.

5.5.        A Requerente procedeu, em 20 de Maio de 2015, junto da Autoridade Tributária, à alteração do seu domicílio fiscal, que passou da fracção autónoma sita na ... em Lisboa para a ..., imóveis identificados respectivamente nos pontos 5.2 e 5.3 supra – cf. PA, fls. 107 a 110.

5.6.        No decurso do mês de Janeiro de 2016, a Requerente contactou a empresa de mudanças D... no sentido de obter um orçamento para um serviço de mudanças, solução “Chave na Mão”, tendo o referido orçamento sido apresentado em 25 de Janeiro de 2016 e adjudicado pela Requerente, com endereço de origem na Casa ... e endereço de destino na Casa ...– cf. documento n.º 4 junto com o ppa.

5.7.        A empresa D... procedeu ao serviço de mudanças contratado pela Requerente, da Casa do ... para a Casa ..., o qual decorreu nos dias 8 a 11 de Fevereiro de 2016, atenta a celebração do contrato de compra e venda da Casa ... sem mobiliário que estava prevista para o dia 11 de Fevereiro – cf. documento n.º 5 junto com o ppa.

5.8.        Em 11 de Fevereiro de 2016 a Requerente e a sua irmã venderam a Casa ..., identificada no ponto 5.1 supra, pelo preço global de € 2.250.000,00, correspondendo à quota parte detida pela Requerente (de 50%) o valor de realização de € 1.125.000,00 – cf. documento n.º 3 junto com o ppa e PA, fls. 31-36.

5.9.        A Requerente apresentou, em 29 de Maio de 2017, a sua declaração modelo 3 de IRS respeitante aos rendimentos do ano 2016, da qual faziam parte os Anexos A, F e G, tendo indicado no Quadro 5 A do Anexo G que reinvestiu, na aquisição de novo imóvel destinado a habitação própria e permanente (supra identificado como Casa ..., ponto 5.3), o valor de realização da sua quota parte no imóvel alienado referido no ponto anterior (Casa ..., pontos 5.1 e 5.8) – cf. PA, fls. 66 e 74 a 77.

5.10.      Em 5 de Junho de 2017 foi emitida a nota de liquidação de IRS n.º 2017..., respeitante ao ano 2016, da qual resultou imposto a pagar no montante de

€ 28.974,40 – cf. PA, fls. 91, 92 e 125 v, fundamentação do indeferimento da RG.

5.11.      A Requerente apresentou, em 20 de Junho de 2017, declaração modelo 3 de IRS de substituição, respeitante ao ano de 2016, acompanhada dos Anexos A, F e G, na qual procedeu, no respectivo Anexo G, à correcção do valor de aquisição de imóvel aí declarado (Casa ...), de € 151.436,58 para € 75.718,29 – cf. PA, fls. 81 a 84.

5.12.      A Requerente manteve na declaração modelo 3 de IRS de substituição a referência ao reinvestimento efectuado (vide ponto 5.9) – cf. PA, fls. 81 a 84.

5.13.      Em 30 de Junho de 2017 foi emitida a nota de liquidação de IRS n.º 2017..., respeitante ao ano 2016, da qual resultou o mesmo valor de IRS a pagar (ou seja,

€ 28.974,40) pelo que, após estorno da liquidação anterior (identificada no ponto 5.10, supra), foi nulo o valor a pagar – cf. PA, fls. 91, 92 e 125 v, fundamentação do indeferimento da RG.

5.14.      A AT instaurou procedimento de divergências, com referência à declaração de IRS da Requerente para o ano 2016, por entender que não estavam reunidos os pressupostos do regime de reinvestimento que suporta a não tributação de mais-valias imobiliárias, relativamente ao valor de realização gerado com a alienação da Casa ..., pelo facto de a Requerente “(…) não ter o seu domicílio fiscal situado no sítio do prédio alienado” – cf. PA, fls. 125 v, fundamentação do indeferimento da RG.

5.15.      A Requerente foi notificada através do Ofício n.º..., de 11 de Agosto de 2017, para substituir a declaração de IRS para o ano de 2016 e, querendo, exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de correcção do Anexo G da declaração modelo 3 de IRS de substituição do ano 2016, no sentido de serem retirados os valores de reinvestimento indicados nos campos 5006 e 5007 do Anexo G – cf. PA, fls. 55.

5.16.      A Requerente exerceu o direito de audição em 29 de Agosto de 2017, pugnando pela veracidade das suas declarações e, em consequência, pelo encerramento do procedimento sem qualquer liquidação adicional – cf. PA, fls. 56 e 57.

5.17.      Em 22 de Agosto de 2017, a Junta de Freguesia de ... e ... emitiu certidão que atesta que a Requerente residiu nessa freguesia “desde janeiro de 2015 até fevereiro de 2016 inclusive, segundo declarações [da Requerente] prestadas perante esta Junta de Freguesia, nos termos do n.º 4 do artigo 34º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril.” – cf. documento n.º 7 junto com o ppa .

5.18.      Por entender que em sede de audição prévia a Requerente não fez prova de que o imóvel alienado estava destinado à sua habitação própria e permanente não trazendo elementos novos que permitissem alterar a posição da AT, a Requerida procedeu à alteração oficiosa do Anexo G da declaração de IRS do ano 2016 da Requerente, expurgando-a do reinvestimento e, em consequência, dando a mais-valia à tributação, tendo desse facto notificado a Requerente, através do Ofício n.º..., de 20 de Outubro de 2010 – cf. PA, fls. 67 a 71.

5.19.      Nesse âmbito refere a informação sobre a qual recaiu o despacho de concordância, da Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa ... que determinou a correcção do Anexo G da declaração de IRS da Requerente do ano 2016, os seguintes fundamentos:

                “[…] Importa averiguar dos pressupostos:

                O imóvel alienado situa-se na freguesia de ..., localizado na Av. ..., ... e ...  A no ... .

A contribuinte tinha até meados de 2015 o seu domicílio fiscal na Tv. ... em Lisboa e em 2015 alterou para a Rua ... .../..., bloco 3, piso 1, letra M em Lisboa, morada que consta ainda atualmente como seu domicílio fiscal.

No sistema de Gestão e Registo dos contribuintes da AT, a requerente nunca teve a morada no imóvel alienado.

O significado dado ao nº 5 do art.º 10.º do CIRS, quando se refere a habitação própria e permanente tem de ser aquele que é fiscalmente relevante, ou seja, o domicílio fiscal, conforme art.º 19.º da LGT, pois de outro modo não faria qualquer sentido este conceito estar expresso na lei.

Para as pessoas singulares, o factor relevante para o domicílio fiscal, é a sua residência habitual comunicada pelo sujeito passivo, sendo que é através desta comunicação que a AT tem a possibilidade de controlar as obrigações tributárias e possibilita o acesso a vantagens de natureza fiscal.

Não existe, para estes fins, qualquer diferença entre os conceitos de habitação própria e permanente e domicílio fiscal.

Não tendo procedido à atualização do seu domicílio fiscal, isto é, não tendo cumprido com o que se encontra determinado, não pode agora usufruir da exclusão de tributação. 

Face ao exposto, não se encontram reunidos os requisitos constantes do nº 5 do art.º 10.º do CIRS, não podendo por isso os ganhos obtidos com a transmissão do imóvel serem considerados no reinvestimento da compra do imóvel, tal como pretende a requerente.

Por tudo o acima exposto, foi o sujeito passivo notificado para corrigir o anexo G da declaração entregue, no que toca à intenção de reinvestimento.

Os documentos apresentados nos autos, não constituem prova necessária de que o imóvel estava destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Considerando que nos termos do art.º 74 nº 1 da Lei Geral Tributária e nº 1 do art.º 342 do Código Civil, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos, recai sobre quem os invoque, devia ter sido feita prova de que se encontravam reunidos os requisitos para poder ter direito ao reinvestimento do valor de alienação, fazendo para tal, prova da ligação ao imóvel alienado, o que podia ter sido concretizado nomeadamente pela entrega de contratos celebrados para fornecimentos de água, gaz, telefone, TV ou outros, o que não fez […]” – cf. PA, fls. 67 a 71.

5.20.      Em 31 de Outubro de 2017 a AT emitiu a nota de liquidação de IRS n.º 2017..., respeitante ao ano 2016, na qual desconsiderou o reinvestimento dos produto da venda gerado com a alienação, pela Requerente, da Casa ..., e que resultou no valor a pagar, de IRS e juros compensatórios, de € 294.327,01 (sendo € 290.260,97 de IRS e € 4.066,04 de juros compensatórios [liquidação n.º...]), que, após estorno do montante de IRS anteriormente pago, de € 28.974,40, resultou num total de IRS a pagar de € 265.352,61, cuja data limite de pagamento foi fixada em 11 de Dezembro de 2017 – cf. PA, fls. 50 e 51.

5.21.      A Requerente, em discordância com a posição da AT de inclusão, no cálculo do IRS do ano 2016, do ganho gerado com a alienação da Casa ..., apresentou, em 9 de Abril de 2018, Reclamação Graciosa contra o acto de liquidação de IRS n.º 2017..., incluindo juros compensatórios, respeitante ao ano 2016, que foi autuada sob o n.º ...2018 ... – cf. Documento n.º 8 junto com o ppa e PA, fls. 5-10 e 121-124.

5.22.      A Requerente foi notificada, em 17 de Agosto de 2018, do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa para exercício do correspondente direito de audição – cf. Documento n.º 9 junto com o ppa e PA, fls. 113-117.

5.23.      Como fundamento da decisão de indeferimento refere o projecto que o imóvel fazia parte de uma herança indivisa, da qual cabia à Requerente a quota parte de ½ pelo que não se tratava de imóvel próprio desta última, pelo que, “(…) não estando perante a transmissão onerosa de imóvel do próprio sujeito passivo, ora reclamante, logo não estamos perante ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado à sua habitação própria, pelo que, não é possível a aplicabilidade da exclusão de tributação de tais ganhos nos termos no art.º 10º n.º 5 do CIRS. Não sendo habitação própria ficam prejudicados a apreciação de outros pressupostos como habitação permanente, no entanto refira-se que também não estava reunido tal pressuposto, dado que a reclamante não tinha o seu domicílio fiscal no sítio do prédio urbano alienado […]. Os elementos e documentos juntos aos autos não constituem prova do alegado” – cf. Documento n.º 9 junto com o ppa e PA, fls. 113-117.

5.24.      A Requerente exerceu o direito de audição em 7 de Setembro de 2018, no sentido de ser considerada “procedente a reclamação graciosa apresentada, por provada também a residência efectiva da Reclamante no imóvel alienado, de acordo com a documentação junta à reclamação” – cf. Documento n.º 10 junto com o ppa e PA, fls. 121-123.

5.25.      Por despacho de 26 de Setembro de 2018 do Diretor de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação, foi convolado em definitivo o projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, com os seguintes fundamentos:

                “VII – APRECIAÇÃO

[…]

Pretende a reclamante a exclusão da tributação de tais ganhos nos termos do art.º 10º n.º 5 al. a) do CIRS, isto é, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se, no prazo de 24 meses anteriores, contados da data da realização, o valor da realização deduzido de …, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.

Porém, a reclamante procedeu nesse prazo em 15/04/2015, à aquisição pelo valor de 1.950.000,00 do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o art.º... [...], conforme escritura de compra e declaração modelo 11, fls. 18 a 23 e 111.

E em 20/05/2015 procedeu à alteração do seu domicílio fiscal para a situação do prédio urbano adquirido em 15/04/2015, fls. 109 a 119.

Contudo, conforme declaração modelo 1 do imposto do selo, o imóvel alienado e que gerou os ganhos de mais-valias sujeitos a tributação, é um bem que constitui a verba 18 da herança indevisa com o NIF –..., aberta por óbito de seu pai – B... com o NIF- ... em 19/05/2010, fls. 99 vº.

Isto é, a reclamante procede à alienação da sua quota-parte de ½ do património de herança indevisa –B...– cabeça de casal da herança de –..., na qualidade de herdeira da herança indevisa, (descendente fls. 98), nos termos do art.º 2031º, 2032º e 2133 al. a) do Código Civil (CC), não sendo o referido imóvel património da própria, o mesmo não se encontra registado na matriz predial e na conservatória do registo predial em nome da reclamante, mas sim em nome da própria herança indevisa, conforme elementos da escritura notarial e da declaração modelo 1 de imposto do selo, fls. 31 a 38 e 98 a 103.

Nestes termos, não estando perante a transmissão onerosa de imóvel do próprio sujeito passivo ora reclamante, logo não estamos perante ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado à sua habitação própria, pelo que, não é possível a aplicabilidade da exclusão de tributação de tais ganhos nos termos no art.º 10º n.º 5 do CIRS.

Não sendo habitação própria ficam prejudicados a apreciação de outros pressupostos como habitação permanente, no entanto refira-se que também não estava reunido tal pressuposto, dado que a reclamante não tinha o seu domicílio fiscal no sítio do prédio urbano alienado.

[…]

Concluindo-se, que a quantificação dos ganhos de mais-valias provenientes da referida alienação onerosa estão sujeitos a tributação no âmbito da categoria G em sede de IRS nos termos do art.º 9º nº 1 al. a) e art.º 10º n.º 1 al. a) do CIRS.

Assim, a liquidação de IRS do ano de 2016, ora reclamada, não enferma de qualquer ilegalidade.

Nos termos do art.º 74º n.º 1 da LGT, o ónus da prova cabe ao sujeito passivo, ora reclamante.

DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

VIII – CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO

Nestes termos, somos de parecer que, a presente reclamação deverá ser INDEFERIDA.

IX – AUDIÇÃO / CONCLUSÃO

Notificado para o exercício de direito de audição previamente à decisão do procedimento, nos termos dos artigos 60º n.º 1 al. b) da LGT e art.º 45º do CPPT, veio a reclamante na pessoa da sua representante exercer o referido direito, transcrevendo o projecto de decisão e alegar que o imóvel em causa pertence ao acervo hereditário de seu pai – B..., e que a reclamante tornou-se proprietária do mesmo no dia da morte do seu pai e que não foi apreciada a residência da reclamante e que seja a reclamação graciosa procedente por provada a residência da reclamante de acordo com a documentação junta aos autos.

A decisão encontra-se devidamente fundamentada no projecto de decisão, para o qual se remete, a contrário do alegado, não só foi devidamente analisada a propriedade do imóvel em causa, do qual se informa que a reclamante procede à alienação da sua quota-parte de ½ do património da herança indevisa –B...– cabeça de casal da herança de –..., na qualidade de herdeira da herança indevisa, (descendente fls. 98), nos termos do art.º 2031º, 2032º e 2133 al. a) do Código Civil (CC), não sendo o referido imóvel património da própria, o mesmo não se encontra registado na matriz predial e na conservatória do registo predial em nome da reclamante, mas sim em nome da própria herança indevisa, conforme elementos da escritura notarial e da declaração modelo 1 de imposto do selo, fls. 31 a 38 e 98 a 103.

Nestes termos, não estando perante a transmissão onerosa de imóvel do próprio sujeito passivo, ora reclamante, logo não estamos perante ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado à sua habitação própria, pelo que, não é possível a aplicabilidade da exclusão de tributação de tais ganhos nos termos no art.º 10º n.º 5 do CIRS.

Como ainda foi devidamente analisada que não estava reunido o pressuposto da residência da reclamante, atendendo a que todos os documentos juntos aos autos não constituem prova do contrário da análise devidamente efetuada, isto é, o imóvel alienado é situado em Avª ... ... e..., ... –... ... e o domicílio fiscal da contribuinte estava situado em ... ...– ... Lisboa, informação obtida no sistema de gestão e registo dos contribuintes, fls. 107, 108 e 109.

Nos termos do art.º 74º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova cabe ao sujeito passivo, ora reclamante” – cf. PA, fls. 124-127.

5.26.      A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo Ofício n.º..., datado de 28 de Setembro de 2018 – cf. PA, fls. 128-130.

5.27. Em discordância com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, em 31 de Dezembro de 2018 a Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

5.28.      Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, devendo selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cf. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT], e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento de Processo Tributário (“CPPT”)].

 

5.29.      Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

 

5.30.      Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (como no caso da força probatória plena dos documentos autênticos, prevista no artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação da prova produzida o princípio da livre apreciação.

 

5.31.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos documentos acima discriminados e não impugnados pelas partes e na posição por estas assumida em relação aos factos.

 

5.32.      No que se refere aos depoimentos das três testemunhas inquiridas – E..., companheiro da Requerente à data dos factos, F..., na qualidade de amigo, e G..., motorista da Requerente –, dadas as relações pessoais existentes e a falta de distanciamento dos interesses da Requerente, o seu contributo foi relativizado pelo Tribunal. Em qualquer caso, as declarações prestadas não são passíveis de infirmar os factos fixados que resultam dos documentos. Com efeito, as testemunhas afirmaram que a Requerente utilizou durante um determinado período a Casa ..., referindo a ocorrência de festas e convívios de cariz social e estadias com o companheiro e os filhos. Todavia, não só não ficou demonstrado o período durante o qual essas estadias perduraram, como o seu próprio carácter de permanência, tendo o Tribunal formado a convicção de que a utilização dessa casa teve natureza secundária, transitória e circunstancial.

 

5.33.      Acresce que a Requerente, quando comprou a Casa ..., em 15 de Abril de 2015, declarou no contrato que destinava esse imóvel a sua habitação própria e permanente, tendo de forma consistente, um mês depois, em 20 de Maio de 2015, alterado o seu domicílio fiscal para essa mesma morada de ... . Estes factos, documentalmente comprovados, não são compatíveis com a simultânea e contraditória alegação de que no período de Janeiro de 2015 a Fevereiro de 2016 (que incluem os meses de Abril e seguintes de 2015) a Requerente tinha habitação própria e permanente noutra casa, a Casa ... . Também não são compatíveis com a alegação da Requerente de que, por lapso omissivo, não tinha procedido à mudança do domicílio fiscal da Casa da ... em Lisboa para a Casa ... . É que a Requerente não se esqueceu de mudar de domicílio fiscal da ... em Lisboa. Ela mudou-o, expressamente e por sua iniciativa em Maio de 2015. Fê-lo, porém, para a casa que havia acabado de comprar (em Abril de 2015) e que declarou em documento autêntico destinar a (sua) habitação própria e permanente, a Casa ... . Neste quadro, é inverosímil a tese que a Requerente agora sustenta de que nesse período habitava de forma permanente outra casa, a do ... .

 

5.34.      De igual modo, o serviço de mudança de recheio da Casa ..., prestado por uma empresa de transportes especializada, motivada pela transmissão desta a um terceiro, não tem a virtualidade de demonstrar que essa casa era a habitação permanente da Requerente e do seu agregado familiar, mas apenas que a Requerente procedeu à retirada dos bens móveis para entregar a Casa ao comprador nas condições acordadas, i.e., sem mobília.

 

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

 

5.35.      A Requerente não logrou provar, por via documental ou pelo depoimento das testemunhas, os seguintes factos alegados, cujo ónus sobre si recai, e que se julgam não provados:

                (a) Que no decurso do mês de Janeiro de 2015 mudou a sua residência para a Casa do ... e aí habitou até 11 de Fevereiro de 2016 (artigos 6.º, 17.º e 22.º do ppa); e

                (b) Que por lapso não comunicou a alegada alteração de domicílio fiscal à AT (artigo 7.º do ppa).

 

5.36.      Neste âmbito, convém referir que o atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de ... não tem qualquer relevância para determinar ou sequer indiciar a mudança de residência para o ... que a Requerente invoca. É que esse atestado foi emitido “[…] segundo declarações prestadas perante esta Junta de Freguesia […]”, pelo que se limita a reproduzir o que foi declarado pela própria Requerente, não comportando qualquer indício material de fonte externa que possa comprovar o que quer que seja.

 

5.37.      Aliás, a Requerente nada trouxe aos autos que pudesse fazer este Tribunal Arbitral dar como provado que o seu centro de interesses vitais, ou seja, a sua habitação própria permanente era, como alega, na Casa ..., no período de Janeiro de 2015 a Fevereiro de 2016. Poderia, para o efeito, ter, por exemplo, comprovado consumos de água, electricidade e comunicações como aponta a Requerida. Todavia, não o fez.

 

5.38.      Pelo contrário, a actuação da Requerente evidencia circunstâncias opostas àquelas que pretende demonstrar. É que na sequência da aquisição da Casa ... em Abril de 2015, e como acima assinalado, considerou essa morada como a sua habitação própria permanente, tendo declarado isso mesmo, de forma expressa, no contrato de compra desse imóvel e procedendo à mudança do seu domicílio fiscal para a mesma logo de seguida, em Maio de 2015, residência onde ainda hoje habita.

 

5.39.      Acresce a incongruência dos depoimentos das testemunhas quanto à intenção [da Requerente] viver na Casa ... . Com efeito, se, por um lado, foi referido que “a intenção era viver lá” (F... E E...), por outro lado, foi também referido que “o imóvel estava à venda há muito tempo (desde 2010)” e que “as irmãs tinham um objectivo de preço para a casa”, pelo que se afigura que, caso tivesse ocorrido a alegada mudança com carácter de permanência a Casa ... não continuaria à venda.

5.40.      Com relevo para a decisão não se verificaram quaisquer outros factos alegados que devam julgar-se não provados.

 

6.            FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA LIDE

 

6.1.        A questão decidenda consiste em saber se o imóvel aqui designado por Casa ..., alienado em Fevereiro de 2016, é enquadrável na qualificação de habitação própria e permanente da Requerente, conforme exigido pelo artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, para efeitos de exclusão de tributação. Na verdade, tal questão desdobra-se na apreciação de dois pressupostos distintos. O primeiro prende-se com o conceito de habitação “própria”, que a AT questionou pelo facto de o imóvel integrar o acervo hereditário de herança indivisa aberta por óbito do pai da Requerente, na qual lhe cabia uma quota ideal de ½, entendendo que esta detinha um direito sobre a herança, mas não um direito sobre o bem imóvel. O segundo respeita ao requisito de habitação permanente que, segundo a Requerida, a Requerente não logrou demonstrar apesar de ser um ónus que sobre esta [Requerente] impendia.

 

ENQUADRAMENTO LEGAL – REQUISITOS DA DELIMITAÇÃO NEGATIVA DE INCIDÊNCIA

 

6.2.        As mais-valias imobiliárias encontram-se sujeitas a IRS na categoria G - Incrementos patrimoniais, de acordo com o disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS. Dispõe esta esta última norma, na redacção aplicável

à data dos factos, o seguinte:

“Artigo 10.º

Mais-valias

1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

[…];”

 

6.3.        Ainda segundo o citado preceito, “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática” do acto de alienação onerosa (n.º 3) e o rendimento sujeito a IRS é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso” (n.º 4).

 

6.4.        Todavia, em simultâneo, prevê-se a exclusão da tributação em IRS dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, motivada por razões sociais e de promoção e concretização do direito à habitação. Rege, a este respeito, o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a)            O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b)           O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c)            O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação; […]”

 

6.5.        Esta exclusão tributária encontra razão de ser na protecção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente. Como salienta RUI MORAIS, o “objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias” – cf. Sobre o IRS, Almedina, 2016, 3.ª edição (reimpressão), p. 138 – desde que verificados os demais requisitos ali também especificados.

 

6.6.        Desde logo, e com relevância para o caso em análise, o ganho tem de ser proveniente da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Neste sentido, refere XAVIER DE BASTO que “o imóvel de «partida» e o de «chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e a mais-valia realizada no imóvel «de partida» será tributável.” – cf. IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 412-420 (o excerto é de p. 413-414). Sobre a matéria, no mesmo sentido, vide Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99-101.

 

6.7.        De notar que a redacção dada ao artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, passou a exigir, para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias geradas com a alienação de imóveis, que não só o imóvel adquirido fosse afecto à habitação própria permanente (do sujeito passivo ou do seu agregado familiar),  como que o prédio alienado tivesse sido a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 25 de Março de 2015, processo n.º 158/13.

 

6.8.        Assim, a natureza [habitacional] e a afectação dos imóveis envolvidos [à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar] assumem-se como condições essenciais do reinvestimento, e do respectivo regime de não tributação em IRS, ainda que são sejam as únicas condições que a lei prevê para que o referido regime de exclusão de tributação seja aplicado.

 

6.9.        No caso em análise, foi o preenchimento dos requisitos relativos ao imóvel de “partida” (i.e., ao imóvel alienado e gerador da mais-valia), que foi posto em causa pela Requerida, não se suscitando questões relativamente ao imóvel de “chegada”, a Casa ... .

 

O CONCEITO DE HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

 

6.10.      O Código do IRS não define o conceito de “habitação própria permanente”, afastando a jurisprudência consolidada a possibilidade de equiparação deste conceito, para efeitos de aplicação da norma de delimitação negativa de incidência em análise [o artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS], ao de “domicílio fiscal” constante do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que corresponde, no caso das pessoas singulares, ao “local da residência habitual” (n.º 1, alínea a)). De referir ainda que o artigo 19.º da LGT estabelece no seu n.º 3 a obrigação de os sujeitos passivos comunicarem o seu domicílio fiscal à administração tributária, estatuindo o n.º 4 a ineficácia dessa mudança enquanto não for comunicada à administração tributária.

 

6.11.      O domicílio fiscal não é, portanto, condição necessária para preenchimento da previsão normativa do citado artigo 10.º, n.º 5 do compêndio do IRS, admitindo-se que o sujeito passivo comprove a sua residência permanente em morada distinta, apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.

 

6.12.      Sem prejuízo do que antecede, com a reforma do Código do IRS, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, o artigo 13.º deste Código passou a prever que o “domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário” (actual n.º 12, à data n.º 10), designadamente de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel. A prova de qualquer dos factos invocados compete, de acordo com a citada regra, ao sujeito passivo, e são admissíveis quaisquer meios admitidos por lei, reservando-se à AT a possibilidade de demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados pelos sujeitos passivos ou das informações neles constantes (cf. artigos 73.º e 74.º da LGT).

 

6.13.      Em consequência, o Código do IRS prevê agora a possibilidade de os sujeitos passivos poderem excluir de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, mesmo que não tenham actualizado o domicílio fiscal para a habitação alienada.

 

6.14.      Preconiza, neste âmbito, o Acórdão do STA, de 14 de Novembro de 2018, processo n.º 01077/11.9BESNT 01448/17, que para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS: “o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal. Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal». Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cfr. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)”

 

6.15.      Em sentido similar se pronuncia o TCAS, no Acórdão de 8 de Maio de 2019, processo n.º 396/08.6BECTB: “[…] no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98), porém em matéria tributária há necessidade de dar estabilidade ao conceito tendo sido introduzido na LGT a noção de domicilio fiscal, fazendo coincidir este, no caso das pessoas singulares, com o local da sua residência permanente (art. 19.º n,º 1 al. a da LGT) com a criação de declaração obrigatória da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (art. 19.º n.º 2 também da LTG, à data dos factos, agora n.º 3)”.

 

6.16.      Posição que o Acórdão Arbitral n.º 146/2015, de 16 de Dezembro de 2015, já havia acolhido, nos seguintes moldes: “No plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria e permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redação do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.

[…]

Daqui se conclui que, para efeitos de exclusão de tributação de mais valias, não é suficiente a demonstração de comunicação de domicílio fiscal para comprovar que os imóveis – o vendido (imóvel de partida) e o adquirido com reinvestimento das mais valias obtidas (imóvel de chegada) – eram ambos residências permanentes do sujeito passivo e seu agregado familiar”.

 

6.17.      De igual modo, tem a jurisprudência entendido que a omissão do dever de comunicação da mudança de domicílio não impede que os contribuintes possam demonstrar os pressupostos de habitação permanente, como afirma o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 8 de Outubro de 2015, processo n.º 6685/13: “nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de factos justificativos e, por conseguinte, não obsta ao preenchimento dos pressupostos de habitação permanente” porquanto, e cite-se, “(…) o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente”, em linha com o que já havia sido decidido a propósito de isenção de IMI, no Acórdão do STA de 23 de Novembro de 2011, processo n.º 590/11: “II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através «factos justificativos» de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal”.

 

6.18.      Neste contexto, é de concluir, em consonância com o entendimento exposto, o domicílio fiscal constitui mera presunção da habitação permanente do sujeito passivo, podendo ser por este ilidida e que o incumprimento do dever de comunicar o domicílio ou a sua mudança não constituem obstáculo à comprovação dos pressupostos de habitação permanente através de factos justificativos idóneos.

 

6.19.      Cabe por fim assinalar, no tocante ao conceito de habitação própria, que o mesmo não pode deixar de se reconduzir à titularidade do imóvel que terá de estar na esfera do sujeito passivo que aufere os rendimentos tributáveis gerados pela respectiva transmissão.

 

ANÁLISE CONCRETA: HABITAÇÃO PRÓPRIA

 

6.20.      A Requerida, suportada na fundamentação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, sustenta a tese de que o imóvel alienado não pode ser considerado habitação própria da Requerente por integrar o acervo patrimonial da herança indivisa aberta pela morte do pai desta, encontrando-se, por essa razão, na titularidade da herança e não na da Requerente, que sobre a mesma detém uma quota ideal de ½.

 

6.21.      Antes de mais, interessa notar que se trata de fundamentação a posteriori que não consta do acto de liquidação de IRS em apreço, omisso relativamente a qualquer argumento que afaste a exclusão da incidência com base no facto de o imóvel integrar o acervo patrimonial da herança indivisa aberta pela morte do pai da Requerente. Este argumento surge pela primeira vez no projecto de indeferimento da apreciação da Reclamação Graciosa que se convolou, após, em definitivo, não podendo ser tomado em consideração para efeitos de apreciação da legalidade do acto de liquidação.

 

6.22.      Em qualquer caso, acresce referir que a tese da Requerida não seria de sufragar, tendo em conta o disposto no artigo 2050.º do Código Civil, referente aos efeitos de aceitação da herança, segundo o qual:

“1. O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material.

2.  Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.”

 

6.23.      Assiste, pois, razão à Requerente relativamente a este ponto, sendo ela e a sua irmã as proprietárias do imóvel alienado, na qualidade de únicas e universais herdeiras, e não a herança indivisa que configura um património autónomo destituído de personalidade jurídica e, portanto, insusceptível de imputação subjectiva do direito de propriedade.

 

6.24.      Não obstante, para além de habitação “própria” a norma de exclusão da tributação de IRS postula que seja permanente, pelo que se impõe a verificação cumulativa deste segundo pressuposto.

 

ANÁLISE CONCRETA: HABITAÇÃO PERMANENTE

 

6.25.      Conforme resulta do quadro legal e da jurisprudência supra enunciada, os conceitos de habitação própria e permanente são noções diferenciadas do domicílio fiscal, ao contrário do que defende a AT.  No entanto, o domicílio fiscal permite inferir, por presunção, a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos, reconhecendo o legislador implicitamente que, nos casos típicos, ambos coincidem, embora não tenha de ser necessariamente assim.

 

6.26.      Na situação vertente, o domicílio fiscal [Casa ...] da Requerente não correspondia ao imóvel alienado, gerador das mais-valias que aquela pretendia ver excluídas da incidência de IRS [Casa ...], pelo que lhe competia demonstrar que o facto inferido não correspondia à realidade.

 

6.27.      Desta forma, estabelecida a presunção, cabia à Requerente, de acordo com as regras do ónus da prova, carrear elementos de prova que permitissem afastar a dedução (do facto desconhecido) que a mesma encerra, demonstrando factos concretos que manifestassem que a sua habitação permanente era, como alega, a Casa ... até à data da sua alienação.

 

6.28.      No entanto, não só essa prova não foi feita, como os procedimentos adoptados pela Requerente aquando da aquisição, em 15 Abril de 2015, da Casa ..., manifestam que essa casa foi comprada para nela habitar de forma permanente com a sua família.

 

6.29.      Com efeito, a Requerente declarou na escritura de aquisição do imóvel da Rua de ... que o mesmo se destinava “exclusivamente a sua habitação própria permanente” e logo no mês seguinte, em Maio de 2015, diligenciou no sentido de alterar o seu domicílio fiscal para esse imóvel, entregando a correspondente comunicação de alteração de domicílio que, até aí, estava localizado na ..., em Lisboa.

 

6.30.      Deste modo, a Requerente não logrou comprovar que quando vendeu a Casa ..., em Fevereiro de 2016, esta correspondesse à sua habitação permanente, ónus que sobre si recaía. Nestes termos, não se encontra verificada uma condição essencial à exclusão de tributação dos ganhos gerados com a alienação deste imóvel, pelo que os mesmos são sujeitos a IRS nos termos gerais do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

 

6.31.      A Requerente vem ainda suscitar a ofensa dos artigos 62.º, 65.º e 67.º da CRP, referentes ao direito à propriedade privada, ao direito à habitação e ao direito à família, respectivamente, sem porém explicitar concretamente em que consiste a desconformidade aos parâmetros constitucionais, que sempre teria de ser aferida em relação às normas legais aplicadas [artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS] e não ao acto de segundo grau consubstanciado no despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

6.32.      Acresce referir que é inegável que o artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS concretiza uma dimensão constitucional do direito à habitação, integrando-se, porém, na margem de conformação do legislador estabelecer os limites e os requisitos da exclusão de tributação, com maior ou menor amplitude, sem que tal represente a violação de uma norma ou princípio constitucionais, que este Tribunal Arbitral não vislumbra. Por outro lado, esse regime não configura um “benefício fiscal”, mas uma delimitação negativa de sujeição a IRS. Improcede, desta forma, quanto a estes pontos, a arguição da Requerente.

 

6.33.      À face do exposto, entende o Tribunal Arbitral que falece razão à Requerente quanto ao pedido de pronúncia arbitral formulado, de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios relativos ao ano 2016. Idêntica conclusão é aplicável ao despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou as liquidações objecto da mesma, com a sua manutenção na ordem jurídica.

 

QUANTO AO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

6.34.      Tendo em consideração as conclusões que antecedem julga-se, de igual modo, improcedente o pedido de restituição da quantia paga pela Requerente, em virtude de esta se encontrar suportada em actos de liquidação válidos, e, bem assim, o pedido indemnizatório por falta de verificação dos respectivos pressupostos, em concreto pela inexistência de erro imputável aos Serviços do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cf. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS CUSTAS ARBITRAIS

 

6.35.      De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.36.      Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa sendo que, neste âmbito, o n.º 2 do mesmo artigo explicita o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), se atribui à Requerente a responsabilidade integral pelas custas processuais.

 

7.            DECISÃO

 

À face do supra exposto, decide este Tribunal Arbitral Colectivo julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

(a)          Manter os actos de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnados referentes ao ano 2016;

(b)          Manter a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra aqueles actos de liquidação;

(c)          Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios;

(d)          Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do RCPAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fixa-se o valor do processo em € 265.352,61.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I anexa ao RCPAT e nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fixa-se o valor das custas em € 4.896,00, a cargo da Requerente.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Julho de 2019

 

Os Árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

Sílvia Oliveira

João Marques Pinto