Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 695/2018-T
Data da decisão: 2019-05-06  IMT  
Valor do pedido: € 19.864,75
Tema: IMT - fundos de investimento fechados; Decreto-Lei n.º 1/87, de 3-1.
Versão em PDF

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 07.03.2019, profere a seguinte decisão:

1             RELATÓRIO

1. A..., S.A. (doravante "Requerente”), titular do número de identificação fiscal ... e com sede na Av. ..., ..., ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade gestora e em representação B...-Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (doravante designado "Fundo"), com o número de identificação fiscal ..., ao abrigo da alínea a) do n.º 1  do artigo 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro ("Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária" ou "RJAT") e dos artigos 1.º e 2º, da Portaria n.º 112 A/2011, de 22 março, veio requerer a constituição de tribunal arbitral.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 28.12.2018.

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 15.02.2019.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 07.03.2019.

6. Pretende a Requerente que seja apreciada a ilegalidade dos despachos de indeferimento da reclamação graciosa, proferidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT"), no âmbito dos processos n.ºs ...2018... e ...2018... e, consequentemente, se proceda à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis ("IMT") com o n.º ... emitido pela AT, no montante global de € 19.864,75, com a restituição integral do imposto liquidado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

7. A AT (ou Requerida), tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, deu conhecimento aos autos, em 19.03.2019, de que não o iria fazer.  

8. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 30.03.2019.

 

1.1          Descrição dos factos

9. O Fundo iniciou a sua atividade em 7 de dezembro de 2006, configurando-se como um fundo de investimento imobiliário fechado, gerido pela sociedade gestora Requerente.

10. No exercício da sua atividade, o Fundo, aqui representando pela Requerente, adquire múltiplos imóveis, que gere nos termos e condições da sua política de investimento.

11. No dia 20 de dezembro de 2017, a Requerente, em representação do Fundo, adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio urbano com o artigo matricial ... e o prédio rústico com o artigo matricial ..., secção D, ambos sitos na freguesia de ..., concelho de ... (Algarve), em contrapartida do pagamento dos preços de, respetivamente, €380.000,00 e €10.000,00.

12. Com referência à operação de aquisição acima mencionada, foi emitida a liquidação de IMT n.º..., num montante de €19.864,75, tendo sido efetuado o correspondente pagamento, integral e atempado. 

13. Não concordando com o ato tributário de liquidação, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa do mesmo, tendo sido notificada em outubro de 2018 do respetivo indeferimento, por entender a AT que a aquisição de imóveis em apreço não podia beneficiar isenção de IMT consagrada no Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.  

 

1.2          Argumentos das partes

14. Os argumentos trazidos aos autos centram-se na vigência e aplicabilidade ao caso concreto, para efeitos de IMT, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro. 

15. A Requerente alega que o ato de liquidação em crise é ilegal com argumentos que a seguir se sintetizam:

a)            O Fundo sub judice é um fundo de investimento imobiliário fechado, cuja atividade é atualmente regulada nos termos previstos pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro;

b)           A criação da regulamentação específica sobre a atividade dos fundos de investimento foi inicialmente promovida com a aprovação do Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, através do qual o legislador reconheceu o importante contributo destas entidades para a formação de poupanças, para a mobilização de investimentos no sector imobiliário e, ainda, para a promoção da indústria da construção e do mercado do arrendamento;

c)            Atenta a relevância entretanto assumida pela atividade desenvolvida por estes fundos de investimento, tornou-se necessário estabelecer as regras e condições aplicáveis na criação e funcionamento dos mesmos, afigurando-se igualmente premente a definição de um quadro fiscal adequado;

d)           O Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, veio criar um conjunto de incentivos fiscais à constituição destes fundos de investimento, isentando de SISA as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora;

e)           O Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, revogou expressamente o Código da SISA e aprovou o Código do IMT.

f)            Este diploma previu expressamente no n.º 2 do seu artigo 28.º sob a epígrafe "Remissões", a correspondência ao IMT de todas as referências à SISA feitas em todos os textos legais e manteve em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante, ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT  n.º 6 do seu artigo 31.º

g)            Foi intenção expressa do legislador que as isenções aplicáveis ao extinto Imposto Municipal da Sisa e consagradas em legislação extravagante (como o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro) continuassem a vigorar em sede de IMT;

h)           A mencionada isenção de Sisa, prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, passou a reportar-se ao IMT e ainda se mantém em vigor atualmente, a despeito das alterações legislativas efetuadas, abrangendo as operações de aquisição de bens imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar o património desse fundo;

i)             Do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e da redação conferida ao n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, mão resulta que aquele tivesse adscrita qualquer indicação de vigência temporária;

j)             A leitura do artigo 46.º do EBF também afasta expressamente qualquer intenção, por parte do legislador, de atribuir a esta norma um carácter revogatório expresso ou tácito do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, na medida em que a criação de uma isenção de IMI ou IMT para prédios integrados em fundos de investimento imobiliário não revoga, expressa ou tacitamente, uma isenção imóveis que passem a integrar o respetivo património;

k)            A AT deixou em algum momento e sem qualquer fundamento legal de aplicar a regra de isenção em análise, conduzindo à sucessiva e ilegal liquidação de imposto não devido;

l)             O artigo 46.º do EBF, na redação de 2007 vigente em 2014, isentava de IMT os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, embora excluindo dessa isenção – mas apenas de taxa reduzida a metade – os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, mas de modo algum revoga, expressa ou tacitamente, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro;

m)          Em causa estão benefícios distintos, de complementaridade jurídica, porque, enquanto, no caso do artigo 1.º o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, a isenção é aplicável sempre que o fundo se encontre na posição de adquirente do imóvel, já no caso previsto no artigo 46.º do EBF a isenção abarca as situações em que o fundo se encontra na posição de proprietário alienante dos imóveis;

n)           A simples introdução da isenção do artigo 46.º do EBF dificilmente poderá ser interpretada como uma medida de revogação e substituição da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro", porque, aquele artigo não veio regular toda a matéria constante do segundo, limitando-se a introduzir uma nova isenção para além da já existente, a qual permanece intocada; 

o)           A introdução e evolução do regime do artigo 46º (e depois 49.º) do EBF, respeitante à isenção e redução de taxa de IMT para as transações envolvendo bens imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário tem o seu próprio efeito útil e em nada afeta o efeito útil da isenção criada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, em matéria de aquisições de bens imóveis a integrar em fundos imobiliários, pelo que não há nenhum motivo para concluir que a posterior revogou, ainda que tacitamente, a anterior;

p)           O facto de a Lei n.º 3-B/2010, de 3 de abril, ter vindo, através do seu artigo 109.º alterar o artigo 49.º do EBF, limitando as aplicações das isenções previstas no n.º 1 exclusivamente aos fundos imobiliários abertos, fundos de pensões e fundos de poupança – reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional e revogar o n.º 2 deste artigo, em nada contende com a manutenção em vigor da isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro;

q)           Nem tão pouco a revogação do artigo 49.º do EBF pelo artigo 215.º da Lei n.º 7. - A/2016, de 30 de março, suscita a questão da hipotética repristinação do artigo 1.º do Decreto Lei nº 1/87, justificando, na medida em que este nunca deixou de estar em vigor;

r)            Não subsistindo dúvidas quanto ao facto de a isenção sub judice nunca ter sido revogada, é forçoso concluir que estão isentas de IMT as operações de aquisição de imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora para o património dos (em representação dos) fundos de investimento imobiliário geridos e administrados pela mesma, independentemente da tipologia desses fundos, tal como sucedeu no caso em concreto;

s)            A operação de aquisição de imóveis acima descrita, realizada pela sociedade gestora - ora Requerente - em representação do Fundo gerido e administrado pela mesma, deveria ter beneficiado da isenção de IMT consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, porque ainda em vigor e consequentemente ainda aplicável -- o que não sucedeu.

 

16. A AT comunicou aos autos que decidiu não apresentar resposta. 

 

2             SANEAMENTO

17. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  

18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

19. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

20. O processo não padece de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

3             FUNDAMENTAÇÃO

3.1          Factos dados como provados

21. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)            No dia 20 de dezembro de 2017, a Requerente, em representação do Fundo, adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio urbano com o artigo matricial ... e o prédio rústico com o artigo matricial ..., secção D, ambos sitos na freguesia de ..., concelho de ... (Algarve), em contrapartida do pagamento dos preços de, respetivamente, €380.000,00 e €10.000,00 - cf. Documento 4;

b)           Foi emitida a liquidação de IMT n.º..., num montante de €19.864,75, tendo sido efetuado o correspondente pagamento, integral e atempado - cf. Documento 5.

3.2          Factos não provados

22. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

3.3          Motivação

23. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

24. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

25. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3.4          Questão decidenda

26. A questão decidenda prende-se com saber se a isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, ainda estava em vigor à data dos factos em questão. A resposta à mesma podia ser dada com uma frase, concluindo aqui a fundamentação. Em todo o caso, impõe-se ao menos um breve enquadramento. O Fundo aqui representado é um fundo de investimento imobiliário fechado, cuja atividade é atualmente regulada nos termos previstos pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

27. A regulamentação jurídica dos fundos de investimento imobiliário tem sido objeto de sucessivas alterações legislativas, atenta a especificidade da atividade em presença o Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, veio disciplinar a atividade dos fundos de investimento, desse modo reconhecendo o importante contributo destas entidades para a formação de poupanças, para a mobilização de investimentos no sector imobiliário e para a promoção da indústria da construção e do mercado do arrendamento. 

28. A relevância entretanto assumida pela atividade económica desenvolvida por estes fundos de investimento conduziu ao estabelecimento das regras e condições aplicáveis na criação e funcionamento dos mesmos, nomeadamente em sede de tributação. Foi neste contexto que foi aprovado o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, criando um conjunto de incentivos fiscais à constituição destes fundos de investimento.

29. No seu artigo 1.º veio dispor-se que:

"são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora.".

30. Daí decorria, portanto, que estariam isentas de Sisa as aquisições de imóveis levadas a cabo por uma sociedade gestora em representação dos fundos, isto é, tendo em vista a integração dos imóveis no património dos fundos de investimento administrados e legalmente representados pela mesma.

31. Nessa altura o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto Lei n. 41969, de 24 de novembro de 1958, estabelecia que o imposto de Sisa   incidia "sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis"  .

32. Entretanto, o Decreto-Lei n.287/2003, de 12 de novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, procedeu à revogação expressa do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações - extinguindo estes impostos  . Ao mesmo tempo, ele aprovou o Código do IMT e o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI").

33. Este diploma previu expressamente no n.º 2 do seu artigo 28.º sob a epígrafe "Remissões", que:

"Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto de Selo, no imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respetivamente.".

34. Aí também se lê:

"[m]antêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de Sisa estabelecidos em legislação extravagante, ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.". 

35. Através da aplicação conjunta das disposições normativas acima citadas, resulta evidente que foi intenção expressa do legislador que as isenções aplicáveis ao extinto Imposto Municipal da Sisa e consagradas em legislação extravagante continuassem a vigorar em sede de IMT. Ora, o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, integra justamente a categoria da legislação extravagante a que se refere aquela disposição.

36. Compreende-se, pois, a inevitabilidade da conclusão de que a isenção de Sisa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, passou a reportar-se ao IMT. Os dados normativos relevantes permitem sustentar, objetivamente, a intenção do legislador de manter aquele benefício fiscal – isenção de Sisa - em vigor para o IMT. Tudo está em saber se a mesma se mantinha em vigor à data dos factos.

37. Assim será se não tiver ocorrido a sua eliminação da ordem jurídica. Se for esse o caso, terá que concluir-se que as operações de aquisição de bens imóveis levadas a cabo por uma. sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário com o intuito de os mesmos passarem a integrar o património desse fundo ainda encontram isentas de IMT, não devendo haver lugar à liquidação deste imposto no âmbito das mesmas.

38. O artigo 7.º do Código Civil que se ocupa da “Cessação da vigência da lei” dispõe: 

"1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

3. A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.".

39. Deste preceito resulta que, não sendo conferida vigência temporária a determinada norma, a mesma encontrar-se-á em vigor, com todos os seus efeitos, enquanto não surgir qualquer outra que a revogue, expressa ou tacitamente. Podemos dizer, figurativamente, que o n.º 1 do artigo 7.º pouco mais é do que a aplicação da primeira lei do movimento, de Isaac Newton, às normas jurídicas. Assim como um corpo continua no seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele, também uma lei continuará em vigor num dado ordenamento jurídico, a menos que seja revogada por outra lei.

40. Se depois de aprovar uma norma legal como o artigo n.º 1 do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, o Estado nada disser ou fizer – lei da inércia – essa norma continuará a sua vigência no ordenamento jurídico. Este aspeto reveste-se de importância decisiva no caso concreto, relevando juridicamente no âmbito do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

41. Porém, o artigo 319.º da Lei n.º 71 /2018, Lei do Orçamento de Estado de 2019 (LOE 2019) revogou expressamente n.º 1 do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro  . Isso traduz o reconhecimento, pelo legislador, de que o mesmo esteve em vigor até essa data, estando por isso em vigor à data a que se reportam os factos. Este dado, permite concluir sem margem para dúvidas a favor da pretensão da Requerente, como a AT terá também reconhecido ao abster-se de responder.

42. Embora o artigo 319.º da LOE 2019, torne desnecessária a revisão de todo o historial da litigância em torno da vigência do n.º1 do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro  , dos argumentos então considerados e da entediante discussão acerca da relevância, para esse efeito, dos artigos 46.º e 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ela sempre demonstraria que mesmo antes da LOE 2019 já era geralmente aceite, pela jurisprudência arbitral, a vigência da  isenção em causa, uma vez que a) não se retirava da respetiva redação, ou da redação de outra norma posterior, que aquela norma se destinava a ter uma vigência temporária, e b) não se tinha verificado, em algum momento, a intenção do legislador em proceder à revogação do benefício fiscal em análise, expressa ou tacitamente.

3.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

43. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

44. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

45. Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

46. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

47. No caso em apreço, a ilegalidade da liquidação e do indeferimento da Reclamação Graciosa, referente ao ato tributário de liquidação de IMT acima identificado, resulta do erróneo entendimento da AT de que a Requerente não podia beneficiar isenção de IMT consagrada no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, em virtude de o mesmo ter sido tacitamente revogado, o que manifestamente não era o caso.

4             DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1.            Declarar a ilegalidade dos despachos de indeferimento da reclamação graciosa, proferidos AT, no âmbito dos processos n.ºs ...2018... e ...2018... e, consequentemente, do ato tributário de liquidação de IMT com o n.º..., emitido pela AT, no montante global de €19.864,75, com a restituição integral do imposto liquidado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

2.            Julgar procedente o pedido de restituição à Requerente do imposto liquidado no valor de €19.864,75, correspondente à liquidação n.º..., bem como o pedido de juros indemnizatórios sobre ela calculados, à taxa legal, desde a data do pagamento até emissão da respetiva nota de crédito.

5             VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €19.864,75, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

6             CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em €1.224.00 nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

Notifique-se.

Lisboa, 6 de maio de 2019

 

O Árbitro

 

Jónatas Machado