Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 20/2019-T
Data da decisão: 2019-06-06  IRS  
Valor do pedido: € 3.537,63
Tema: IRS – Artigo 78.º-D – Dedução à colecta – Despesas de formação e educação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO    

1. No dia 10 de Janeiro de 2019, A..., casado, contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º..., ..., em..., (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade do acto tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º..., de 6 de Junho de 2017, referente ao ano de 2016, a que corresponde um valor a reembolsar de € 3.537,63, com a consequente anulação e processamento dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

O Requerente juntou 11 (onze) documentos.

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No essencial, o Requerente alega que a liquidação adicional de IRS n.º 2017... padece de ilegalidade uma vez que não foram consideradas a totalidade das despesas de formação e educação previstas no artigo 78.º-D do Código do IRS.

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 18 de Janeiro de 2019.

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 4 de Março de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de Março de 2019.

5. No dia 26 de Março de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência do pedido arbitral.

5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta, a saber:

Do sistema e-fatura apenas consta como declarado em despesas de educação, o montante de € 1.622,27 (menos € 2.509,00 que o declarado pelo Requerente na sua declaração de rendimentos), valor este de deu origem à divergência subjacente ao presente dissídio.

De acordo com o constante no artigo 192.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, sob a epígrafe “Medidas transitórias sobre deduções à coleta a aplicar à declaração de rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativa ao ano de 2016”, do consta:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, no que se refere ao apuramento das deduções à coleta pela AT os sujeitos passivos de IRS podem, na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2016, declarar o valor das despesas a que se referem aqueles artigos.

  2 - O uso da faculdade prevista no número anterior determina, para efeitos do cálculo das deduções à coleta previstas nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, a consideração dos valores declarados pelos sujeitos passivos, os quais substituem os que tenham sido comunicados à AT nos termos da lei.

3 - O uso da faculdade prevista no n.º 1 não dispensa o cumprimento da obrigação de comprovar os montantes declarados referentes às despesas referidas nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, relativamente à parte que exceda o valor que foi previamente comunicado à AT, e nos termos gerais do artigo 128.º do Código do IRS.”.

Com a instituição deste regime transitório, o legislador visou salvaguardar os sujeitos passivos das situações de omissão dos deveres declarativos por parte dos agentes económicos atento, em especial, tratar-se de um regime legal completamente novo, o que redundaria na desconsideração de encargos que de outro modo poderiam ser elegíveis para efeitos de dedução à colecta.

Acresce que através do n.º 4 do citado artigo 192.º o legislador visou tão só distinguir o meio de reacção e respetivo prazo dos sujeitos passivos consoante o motivo de discórdia contendesse com despesas susceptíveis de consubstanciarem deduções à coleta relativas a deduções dos dependentes e ascendentes (cfr. artigo 78.º-A do Código de IRS) ou com despesas susceptíveis de consubstanciarem deduções com saúde, de formação e educação, de encargos com imóveis, entre outras (cfr. 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS).

Da simples leitura da norma em causa não resulta que os encargos registados na declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS pelos sujeitos passivos, ainda que diferentes dos declarados pelos agentes económicos declarantes, os dispensa de prova das despesas declaradas.

O legislador pretendeu que, nas situações de incumprimento ou cumprimento defeituoso pelos agentes económicos, as pessoas singulares não fossem prejudicadas e pudessem declarar e deduzir as despesas suportadas nesse ano conquanto devidamente comprovadas.

No caso em apreço, o Requerente, chamado a apresentar justificação, indicou que o valor declarado no Anexo H refere-se a uma factura emitida em 1 de Setembro de 2015, no montante de € 4.246,00, do estabelecimento de ensino do dependente, o B..., S.A. (NIF...), para o ano lectivo 2015/2016, juntando recibos relativos ao período / pagamento de 2016, no montante de € 2.509,00.

No entanto, aquela factura (no valor de € 4.246,00) não consta do e-fatura, pelo que o Requerente não logrou comprovar o encargo indicado.

 

5.2. A Requerida não requereu a produção de prova.

6. Por despacho de 3 de Maio de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 7 de Junho de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes apresentaram alegações, respectivamente, em 14 e 23 de Maio de 2019.


II. SANEAMENTO


O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            O Requerente, juntamente com a cônjuge, C... (NIF...), apresentou a declaração de rendimentos Modelo 2 do IRS referente ao ano de 2016, indicando um dependente (NIF...), declarando ainda, como despesas de educação o montante de € 4.131,27 (cfr. Anexo H).

b)           Analisando o sistema e-factura, a Requerida verificou que do mesmo só consta como declarado, em despesas de educação, o montante de € 1.622,27 (menos € 2.509,00 que o declarado pelo Requerente a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, tendo dado origem a uma divergência.

c)            Chamado a apresentar justificação, o Requerente indicou que o valor declarado no Anexo H diz respeito a uma factura emitida em 1 de Setembro de 2015, no montante de € 4.246,00, do estabelecimento de ensino do dependente, o B..., S.A. (NIF...), para o ano lectivo de 2015/2016, juntando recibos relativos ao período / pagamento de 2016, no montante de € 2.509,00.

d)           No ano lectivo de 2015/2016, o dependente frequentou o 12.º ano no estabelecimento particular B..., S.A., de ... .

e)           O dependente deixou de frequentar esse estabelecimento de ensino no ano lectivo de 2016/2017, tendo ingressado na Universidade.

f)            O Requerente apresentou, em 4 de Julho de 2017, reclamação graciosa solicitando a reliquidação da liquidação de IRS n.º 2017 ..., de 6 de Junho de 2017, tendo sido notificado do projecto de indeferimento através do Ofício n.º..., de 16 de Novembro de 2017 para, querendo, exercer o direito de audição.

g)            O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do Ofício n.º..., de 20 de Dezembro de 2017, tendo apresentado recurso hierárquico, do qual foi notificado do projecto de despacho de indeferimento de 18 de Setembro de 2018 para, querendo, exercer o direito de audição.

h)           O Requerente apresentou, em 10 de Janeiro de 2019, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III.2. DE DIREITO

A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015, procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares, introduzindo alterações relevantes ao Código do IRS, nomeadamente no que respeita a procedimentos relativos ao cálculo das deduções à colecta.

 

Nesta medida, em sede de IRS, são dedutíveis, a título de despesas de educação, os valores suportados por qualquer membro do agregado familiar que cumpram, cumulativamente, os requisitos referidos no artigo 78.º-D, n.º 1, do Código do IRS, a saber:

a.            Constem de facturas que titulem prestações de serviço e aquisições de bens, isentos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) ou tributados a taxa reduzida;

b.            Sejam comunicadas à AT nos termos do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto;

c.            Os emitentes estejam enquadrados, de acordo com a Classificação Portuguesa das Actividades Económicas, Revisão 3 (CAE - Rev. 3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, nos seguintes sectores de actividade:

i.             Secção P, classe 85 - Educação;

ii.            Secção G, classe 47610 - Comércio a retalho de livros, em estabelecimentos   especializados;

iii.           Secção G, classe 88910 - Actividades de cuidados para crianças, sem alojamento.

 

Por outro lado, e de acordo com o disposto no artigo 192.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, o qual definiu medidas transitórias sobre deduções à colecta a aplicar à declaração de rendimentos relativa ao ano de 2016:

1.            Sem prejuízo do disposto nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, no que se refere ao apuramento das deduções à colecta pela AT os sujeitos passivos de IRS podem, na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2016, declarar o valor das despesas a que se referem aqueles artigos.

2.            O uso da faculdade prevista no número anterior determina, para efeitos do cálculo das deduções à colecta previstas nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, a consideração dos valores declarados pelos sujeitos passivos, os quais substituem os que tenham sido comunicados à AT nos termos da lei.

3.            O uso da faculdade prevista no n.º 1 não dispensa o cumprimento da obrigação de comprovar os montantes declarados referentes às despesas referidas nos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, relativamente à parte que exceda o valor que foi previamente comunicado à AT, e nos termos gerais do artigo 128.º do Código do IRS.

4.            Relativamente ao ano de 2016, o disposto no n.º 7 do artigo 78.º-B do Código do IRS não é aplicável às deduções à colecta constantes dos artigos 78.º-C a 78.º-E e 84.º do Código do IRS, sendo substituído pelo mecanismo previsto nos números anteriores.

 

Conforme resulta da matéria de facto provada e, desde logo, reconhecido pela Requerida o “(...) estabelecimento de ensino declarou uma fatura no montante de 4.246,00€, em 01-09-2015, em nome da mãe do dependente, C..., que alega o R., diz respeito ao ano letivo 2015/2016, tendo este comprovado, na justificação da divergência, juntando 6 recibos emitidos entre 14-01-2016 a 07-07-2016 no montante de 2.509,00€.”  (sublinhado nosso).

 

Com efeito, apesar de aquela factura (no montante de € 4.246,00) não constar do e-factura, o Requerente comprovou, através dos documentos anexos à P.I., a divergência nos encargos relativos a despesas de educação por si indicados na declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS respeitante ao ano de 2016.

 

 

Refere, ainda, a Requerida que “(...) não se confirma que o referido valor de €4.246.00 não tenha sido considerado na totalidade pelos sujeitos passivos na respetiva declaração do IRS (anexo H) no ano de 2015 porquanto foi indicada a título de despesas de educação a importância de €5.500,75 (...)”.

 

Não obstante o exposto, a Requerida não logrou afastar a presunção de veracidade da declaração de rendimentos prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.

 

IV. DECISÃO

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, concluindo pela anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2017..., com as consequências daí decorrentes, incluindo o processamento de juros indemnizatórios;

b)           Condenar a AT no pagamento das custas do processo.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 3.537,63 (três mil quinhentos e trinta e sete euros e sessenta e três cêntimos).

 

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida.

 

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Lisboa, 6 de Junho de 2019.

O Árbitro,

(Hélder Faustino)