Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 578/2018-T
Data da decisão: 2019-07-05  IMI  
Valor do pedido: € 1.156,48
Tema: AIMI – Terrenos para Construção: Inconstitucionalidade
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., SA, pessoa colectiva n.º..., com sede na sede na ..., n.º..., Barcelos, apresentou, em 20-11-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI – n.º 2018... do ano de 2018.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-11-2018.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 14-01-2019 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 04-02-2019.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

A Requerente é uma sociedade comercial que de dedica à compra, venda administração de imóveis e realização de todas as operações legalmente permitidas sobre imóveis, construção civil, estudo, gestão, promoção e financiamento de projectos industriais, comerciais, hoteleiros, turísticos, agrícolas e imobiliários, importação e exportação.

É proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação em crise, aos quais são terrenos para construção afectos a indústria.

De acordo com o n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, é estabelecida uma delimitação negativa do AIMI, na medida em que são apenas abrangidos por este imposto os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção.

Uma vez que os imóveis objecto do pedido arbitral e de que a Requerente é propreietária são terrenos para construção afectos à indústria, os mesmos foram erradamente tributados em sede de AIMI, na medida em que ainda que sejam considerados “terrenos para construção”, configuram uma das excepções previstas naquele n.º 2, pelo facto de estarem destinados a “indústria”.

Sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º CRP.

Os terrenos em causa não se apresentam como meramente instrumentais ao exercício da actividade, integrando, pelo contrário, o próprio núcleo da actividade económica, na medida em que são o objecto do comércio ou da indústria, destinando-se a revenda ou a transformação em caso de serem erigidas construções para posterior revenda.

Invoca, em abono da sua tese, decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, concluindo pela ilegalidade parcial da liquidação em causa e requerendo, consequentemente, a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:

Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com o AIMI não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor.

Estão sujeitos ao adicional de IMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no artigo 6.º do CIMI.

Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial, pelo que, de forma inequívoca, conclui que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular.

Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, pelo que, ainda que integrem o ativo das empresas não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação.

Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento e não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final.

A propósito da pretensa violação do princípio da igualdade determina que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

A tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art.º 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento, pelo que bem se compreende, então, a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.

Não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto ou contribui diretamente para o desenvolvimento da sua atividade económica.

A titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.

Pelo que não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para " comércio e serviços" ainda que detidos por pessoas colectivas das quais façam parte do seu património imobiliário e estejam afectos ao desenvolvimento da sua actividade económica, nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário.

Invoca como sustentação inúmera jurisprudência arbitral, bem como do Tribunal Constitucional.

Conclui a requerida pela legalidade do acto de liquidação de contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido, defendendo que, em qualquer circunstância, nunca poderiam ser exigidos juros indemnizatórios.

 

6. Por despacho de 04-04-2019, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

II – SANEAMENTO

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT) - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade que, entre outras, se dedica à compra, venda, administração de imóveis e à realização de todas as operações legalmente permitidas sobre imóveis;

b)           A Requerente é proprietária dos artigos matriciais urbanos n.º..., ..., ..., ..., ..., sitos na freguesia de ..., concelho de Barcelos, classificados como “terrenos para construção” e com o coeficiente de utilização de “indústria”;

c)            A Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, relativamente a, entre outros, os prédios acima identificados, referente ao ano de 2018, com o n.º 2018-...;

d)           A Requerente pagou o imposto, resultante daquela liquidação.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnada, por entender, em suma, padecer a liquidação de ilegalidade por, por um lado, estarem em causa terrenos para construção destinados a indústria e, por outro, tais terrenos integrarem o próprio núcleo da sua atividade económica. Invoca, ainda a violação do princípio da igualdade, se assim não fosse.

 

Quer dizer, o que está aqui em causa reside na determinação do âmbito de sujeição do “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis”.

 

A Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou supercifiários de prédios urbanos situados no território português”.

 

Por seu turno, o artigo seguinte – 135º-B – determina:

“1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6º deste Código”.

 

Como a Requerente alega, este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º (…) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.

 

No caso, estão em causa terrenos para construção mas que, pelo facto de terem como destino a “indústria”, a Requerente sustenta estarem fora da incidência objectiva do imposto. Quer dizer, a Requerente, pretende o alargamento das exclusões objectivas à sujeição de AIMI, consagradas no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, de modo a incluir aí, também, os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, desde que a construção aí prevista se reconduza a algum dos tipos a que se reporta o referido n.º 2, ou seja, a prédios urbanos destinados a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”.

 

Será assim?

 

Como diz Baptista Machado – Introdução ao Direito e Discurso Legitimador -: “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” (pag. 182).

 

O que nos leva a concluir que a exclusão de tributação da totalidade ou parte dos “terrenos para construção” não foi a solução adoptada, já que o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI apenas prevê a exclusão de tributação relativamente ao AIMI dos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, precisamente nos termos das alíneas b) e d), do n.º 1 do artigo 6.º, o que conduz, inevitavelmente, à tributação dos prédios previstos nas duas restantes alíneas desse mesmo artigo 6.º do CIMI, ou seja, prédios urbanos classificados como “habitacionais” - alíena a) - ou como “terrenos para construção”.

 

E assim será uma que vez a literalidade dos artigos 135º-A, n.º 1 e 135º-B, n.º 1 e 2 do CIMI é clara e não parece prestar-se a dúvidas interpretativas. Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, de 26-06-2018:

- “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.

É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento”.

 

Todavia, da apontada delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, sustentando que o AIMI, como imposto complementar ao IMI, tem em vista a tributação da acumulação de património habitacional de muito elevado valor, invocando, designadamente, a violação do princípio da igualdade.

 

De acordo com várias decisões já proferidas pelo Tribunal Constitucional, tem aquele Tribunal superior entendido inexistir qualquer juízo de inconstitucionalidade a esse propósito. Como se diz no Acórdão proferido no proc. 250/2017 de 24-05-2017:

- “Para efeitos fiscais, os prédios … distinguem-se claramente dos terrenos para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sendo a primeira daquelas categorias constituída por edifícios ou construções já existentes …, enquanto a segunda compõe-se exclusivamente de terrenos para os quais se encontra consolidado por um ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística o direito de construir edifícios destinados àquele ou a outros fins.

Assim, enquanto que os edifícios … correspondem a uma edificabilidade real, definitivamente incorporada na esfera jurídica do seu titular, os terrenos para construção correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.

Ou seja, a tributação de prédios … incide sobre a realidade existente, sobre coisas corpóreas, ao contrário da tributação de terrenos para construção, que incide sobre direitos de construção, sobre coisas futuras, como aliás evidencia o artigo 45º do CIMI, ao estabelecer que o valor patrimonial destes últimos é determinado exclusivamente pelo volume e a qualidade da edificação a construir no terreno, e não pelas suas características atuais”.

 

Ou, no mais recente Acórdão de 29-05-2019, no proc. n.º 307/2019:

- “O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.

- O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e terreno construído não são realidades económicas equivalentes ou assumiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no … Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada”.

 

Onde se acrescenta que:

- “Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por um óptica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afectos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das actividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio”.

- “Os terrenos para construção constituem um activo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efectivamente implantado”.

 

Quer dizer, os terrenos para construção, à semelhança dos prédios destinados a habitação, revelarão um maior índice de fortuna e, como tal, de maior capacidade contributiva. Não se vislumbra, por isso, ocorrer violação do princípio da igualdade na opção de tributação desses imóveis, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.

 

Acresce o facto de a exclusão da incidência do AIMI não ter sido feita tendo em vista a eventual actividade a que os prédios estão afectos, mas apenas teve por base os tipos de prédios indicados no art. 6º do CIMI, sem qualquer alusão à sua afectação.

 

Aliás, como é dito no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, de 04-05-2018:

- “Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI”.

 

Tendo presente o vertido no Relatório do Orçamento para 2017, podemos concluir que não se pretendeu com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor. Ter-se-á tido antes em vista criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado.

 

Mas, além disso, pretende a Requerente que seja desaplicado o disposto no art. 135º-A do CIMI, invocando a inconstitucionalidade do regime de tributação do AIMI, por violação do princípio da igualdade, ao fazer uma tributação indiscriminada de todos os prédios, defendendo que os que estão afectos a actividades económicas se encontram necessariamente excluídos dessa tributação.

 

Como é o seu caso. Defende a Requerente que a circunstância de os imóveis em causa fazerem parte integrante da sua atividade comercial, por ser esse o seu objecto social, carece de fundamento e, pelo contrário, seria violador do princípio da igualdade, fazer incidir sobre tais imóveis o AIMI, por comparação com as demais entidades, não imobiliárias, proprietárias de imóveis.

 

Diga-se, desde já, que entendemos que o facto de a Requerente deter os imóveis no âmbito da sua actividade económica não afasta, contudo, a incidência do AIMI. Não tem razão a Requerente quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social.

 

Com efeito, a capacidade contributiva aqui visada é a mesma do IMI, a que é adicionado o AIMI, sendo que o legislador optou por consagrar taxas de tributação mais ligeiras para as pessoas colectivas, em relação às pessoas singulares. No que respeita à pretensa oneração fiscal do sector imobiliário, em relação a outros sectores, note-se, desde logo, que dentro do sector económico em causa, as sociedades são tratadas igualmente, e que se contém dentro do âmbito da liberdade de actuação do legislador, sendo, de resto, prática comum e aceite, a interferência nas actividades económicas, incentivando fiscalmente umas, e onerando fiscalmente outras

 

Ora, quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma aparentemente diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez. Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, o que não sucederá quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.

 

É, aliás, dentro desse espírito que o legislador, no que ao caso importa, apenas pretende tributar os prédios classificados como habitacionais e os terrenos para construção, abstendo-se de fazer incidir AIMI sobre os demais. Quer dizer, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.

 

Como é dito no também recente Acórdão de do mesmo Tribunal Constitucional de 21-05-2019, proferido no proc. 299/2019:

- “O AIMI constitui, então, um novo imposto sobre o património, de alcance parcelar ou analítico – toma a titularidade de património imobiliário e, mesmo dentro deste, tão somente a detenção de algumas tipologias de prédios urbanos – e natureza estática, visando tributar a força económica  que se materializa no valor agregado dos prédios urbanos titulados pelo sujeito passivo e, à semelhança de outros tributos sobre o património, como o IMI, independentemente do ganho que produzam.

- A tributação do património não pode ser vista como mera alternativa ou sucedâneo da tributação do rendimento, pois constitui finalidade autónoma do sistema fiscal, à qual o plano ordenador da Lei Fundamental atribui, a par da função geral financeira, uma específica função redistributiva (artigos 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 3 da Constituição).

- Não se vê que a prossecução estatutária de atividades de promoção ou exploração imobiliária permita afastar, quanto a todos os sujeitos cuja atividade nesse ramo implique a detenção de direitos sobre imóveis, a tributação da riqueza predial de que sejam titulares.

- A opção político-legislativa de tributação incide sobre a riqueza diretamente revelada pela própria titularidade de um valor patrimonial - na espécie, a riqueza decorrente da titularidade de direitos sobre bens imóveis urbanos de uma certa tipologia. O recorte objetivo decorrente da remissão para certas categorias normativamente previstas no artigo 6.º do Código de IMI, não modifica a essência do AIMI, enquanto imposto estático e analítico sobre o património imobiliário urbano, sem relevarem os réditos que esse ativo económico venha a gerar.

- Não existe suporte para considerar que a racionalidade subjacente à definição do novo imposto parcial sobre o património não é compaginável com o que designa de oneração do setor imobiliário”.

 

Na linha do que foi seguido por outras decisões do mesmo Tribunal, designadamente a Decisão Sumária n.º 412/2019, de 29-05-2019.

 

Igual entendimento pode ser encontrado na jurisprudência arbitral, designadamente no já citado Acórdão 675/2017-T: “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.

 

Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam” (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36).

 

Por outro lado, e como acima também já se aflorou, “não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade” (Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15-01-2019).

 

Como, do mesmo modo, refere o Acórdão Arbitral 664/2017-T: “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.

 

Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam” (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36).

 

Por outro lado, e como acima também já se aflorou, “não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade” (Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15-01-2019).

 

“Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social” (idem).

 

Na mesma linha, concluímos que não se afigura, pois, ocorrer qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, não merecendo o acto de liquidação contestado qualquer censura.

 

Fica, pois, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, absolvendo a Requerida de todos os pedidos.

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 1.156,48 € (mil cento e cinquenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 05 de Julho de 2019

 

 

O Árbitro

(António Alberto Franco)