Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 528/2018-T
Data da decisão: 2019-07-03  IVA  
Valor do pedido: € 212.810,83
Tema: IVA - regime da isenção do IVA na locação de bens imóveis, direito à dedução e regularizações por não utilização dos imóveis em fins empresariais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Carlos Alberto Cadilha (Árbitro Presidente), Filipa Barros e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 24 de outubro de 2018, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., em ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2014, 2015, 2016 e 2017, e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 212.810,83 (duzentos e doze mil, oitocentos e dez euros e oitenta e três cêntimos).

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelas suas mandatárias, Dr.ª B... e Dr.ª C..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr.ª D... e Dr. E... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 7 de janeiro de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 7 de fevereiro de 2019.

6.            No dia 12 de fevereiro de 2019, por despacho, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar sobre a proposta da AT no sentido da dispensa da prova testemunhal indicada pela Requerente, e em caso de discordância com a mesma, vir indicar aos autos os factos sobre os quais serão inquiridas as testemunhas.

7.            No dia 25 de fevereiro de 2019, a Requerente apresentou um requerimento de resposta ao despacho indicado em 6 supra, nele tendo manifestado o seu dissentimento e discordância quanto à dispensa da prova testemunhal sugerida pela Requerida e indicado os artigos sobre os quais serão as testemunhas inquiridas.

8.            Por despacho de 27 de fevereiro de 2019, o Tribunal, por um lado, designou o dia 3 de abril de 2019 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e à produção de prova testemunhal arrolada e aditada pela Requerente, e por outro, notificou a Requerida para se pronunciar, querendo, sobre o aditamento do rol de testemunhas.

9.            A realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e a inquirição das testemunhas apenas teve lugar no dia 2 de maio de 2019, em virtude do requerimento apresentado pela Requerente datado de 8 de março de 2019, no qual manifestava a sua indisponibilidade para a primeira data.

10.          No dia 2 de maio de 2019, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Na referida reunião o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias, designou o dia 7 de julho de 2019 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, e por último advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

11.          Nesta sequência, no dia 22 de maio de 2019, a Requerente apresentou alegações escritas.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, no montante de € 212.810,83 (duzentos e doze mil, oitocentos e dez euros e oitenta e três cêntimos) e respetivos juros compensatórios, no seguinte:

 

a)            Invoca a Requerente, como questão prévia, a ILEGALIDADE DA INSPEÇÃO, por entender que: «(…) a AT, no âmbito dos procedimentos de inspeção supra identificados [OI2017..., OI2018..., OI2018..., OI2018...], excedeu a extensão da inspeção externa para a qual se encontra credenciada, tendo os atos de inspeção englobado também a análise de operações realizadas entre 2009 e 2013, análise esta que resultou em correções ao IVA alegadamente não liquidado e indevidamente deduzido pela Requerente nos períodos tributários de 2014 a 2017.» Com efeito, «(…) não podia [a AT] praticar quaisquer atos de inspeção que englobassem o período de 2009 a 2013, uma vez que a extensão do procedimento de inspeção se limitava aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017)».

b)           Continua, a Requerente, defendendo que ao agir desta forma, inquinou, a AT, «o presente procedimento de inspeção (…) de vício de violação de lei, consubstanciada na violação do disposto no artigo 15.º do RCPITA». Imputa, igualmente, a Requerente, à atuação da Requerida «(…) vício de violação dos deveres procedimentais de colaboração e de atuação segundo as regras da boa-fé.»

c)            Concluindo, quanto a este tema no sentido de que: «[a] inobservância do citado artigo 15.º do RCPITA constitui vício procedimental da inspeção realizada, vício esse que, respeitando à competência para a realização da ação inspetiva fora da extensão estabelecida na Ordem de Serviço, resulta na ilegalidade da referida inspeção, pelo que quaisquer liquidações adicionais que dela advenham estarão inelutavelmente também feridas de ilegalidade, não restando outra alternativa que não a sua anulação.»

d)           Argui, a Requerente, VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI, nomeadamente, do disposto no n.º 29) do artigo 9.º do Código do IVA, por entender que, ao contrário do que sustenta a Requerida, a exploração que faz dos prédios de que é proprietária, através da celebração de contratos de arrendamento, deve estar integrada na isenção prevista naquela norma.

e)           Com efeito, defende a Requerente que tal exploração preenche os pressupostos da isenção acima referida, uma vez apenas faz uma “disponibilização passiva do[s] imóvel[eis]”».

f)            Ora, esclarece a Requerente que, enquanto proprietária e senhoria de um imóvel arrendado/locado, em determinadas circunstâncias, pode prestar outros serviços formalmente distintos daquelas, suscetíveis de serem realizados separadamente, desde que, tais prestações não sejam independentes, em conformidade com o entendimento que retira da jurisprudência comunitária.

g)            Segundo entende a Requerente «(…) a inclusão desse tipo de prestações num contexto de arrendamento que efetivamente se caracteriza pelo elemento predominante da disponibilização passiva do imóvel, não constitui uma prestação de serviços independente e não obsta à aplicação da isenção à prestação de serviços única da locação. Ora, é precisamente com fundamento nas normas, doutrina administrativa e jurisprudência (…) que a Requerente não líquida IVA sobre as rendas que aufere através dos contratos de arrendamento celebrados, porque os mesmos consubstanciam prestações de serviços isentas, nos termos do artigo 9.º n.º 29 do Código do IVA».

h)           Esclarece a Requerente quanto ao contrato de arrendamento que tem com a sociedade F... relativamente ao imóvel sito no ..., n.º..., em ..., que não estão ao mesmo associados quaisquer outros serviços ou bens móveis. Com efeito, refere que «[n]o presente caso, apesar de as faturas relativas aos fornecimentos de água e luz se encontrarem em nome da Requerente (enquanto senhoria) e não da F... (enquanto locatária), resulta de uma forma muito evidente das faturas relacionadas (…) que apesar de o titular ser a Requerente, a fatura é dirigida à F..., sendo a F... que paga este[s] fornecimento[s]», Ademais, «[o] facto de a Requerente figurar como titular neste tipo de contrato apenas tem justificação em questões práticas, de não ter sido alterada a titularidade dos contratos [no momento da celebração do contrato de locação, mas apenas em maio de 2010, no que ao contrato de fornecimento de energia elétrica diz respeito] não podendo ser vista como uma prestação de serviços do senhorio ao arrendatário.

i)             Mais afere, a Requerente, quanto a esta matéria que «[o]ra, se o fornecimento de energia elétrica e água são condições essenciais e básicas de habitabilidade de qualquer imóvel e, portanto, essenciais ao gozo do mesmo por parte do locatário, podemos dizer que este fornecimento se integra na própria operação e conceito de locação, não consubstanciando qualquer prestação de serviços autónoma. Pelo que nunca poderia tal fornecimento por parte de um senhorio colocar este último numa posição ativa face ao arrendamento de um imóvel.»

j)             No tocante à questão do controlo de pragas que a Requerida imputa como uma prestação de serviços autónoma realizada pela Requerente, descaracterizando a sua posição passiva no arrendamento, esclarece a Requerente que: «[a]s faturas emitidas pela G...– prestadora deste tipo de serviços – referente aos serviços de controlo de pragas, referem-se a imóveis propriedade da Requerente não arrendados à F... (…).» Esta sociedade «(…) contrata em nome próprio os mesmos serviços, também à G..., relativamente aos imóveis que arrendou à ora requerente»

k)            Clarifica a Requerente, contrariando a alegação da AT que esta adaptou o imóvel arrendado, identificado em h) supra, especificamente às necessidades e fins prosseguidos pela sociedade F..., enquanto locatária, que tal facto, por um lado, não foi provado pela AT, e por outro, que não é o mesmo verdadeiro, atento que se limitou a fazer uma reabilitação geral do imóvel sem as características necessárias e específicas para a implementação de um Centro Médico de Radiologia que a F... explora, o qual exige um investimento muito elevado de adaptação do imóvel às condições específicas para a contenção da radiação própria da atividade que nele iria ser exercida.

l)             O licenciamento camarário de utilização do imóvel para a atividade que ali seria prosseguida foi efetivamente solicitada pela Requerente, uma vez que é normal tal pedido ser efetuado pelo proprietário, contudo, foi a F..., sua locatária que: «a) assumiu todos os encargos com vista à adequação do imóvel à prossecução da sua atividade de Centro de Radiologia; b) obteve a licença necessária à prossecução desta atividade junto da Direção Geral de Saúde; c) encetou todas as negociações para o licenciamento dos equipamentos de radiodiagnóstico, bem como os acordos de prestação de meios complementares de diagnóstico com o estado através de convenção celebrada com o Serviços Nacional de Saúde; d) adquiriu a mobília e os consumíveis necessários para dotar o imóvel das características necessárias à prossecução da atividade de Centro de Radiologia.»

m)          «Por conseguinte, face ao exposto, é indubitável que a exploração do imóvel por parte da Requerente é feita única e exclusivamente mediante a celebração de um contrato no âmbito do qual a Requerente cede à F... o gozo temporário do imóvel (…)»

n)           Com referência ao arrendamento do imóvel sito no ..., n.º..., em ..., menciona a Requerente que se trata de um imóvel composto por rés-do-chão, primeiro e segundo andar, o qual foi por si adquirido em 1998 e que arrendou à sociedade F... o 2.º andar do referido imóvel, com o fim de “armazém”. E os demais pisos foram disponibilizados à sociedade H..., Lda para ali desenvolver a sua atividade de prestação de serviços de galeria de arte e bar, a qual não durou muito tempo, face ao incêndio que deflagrou, no dia 06.01.2012

o)           Ora, entende a Requerente que o contrato de arrendamento, cujo objeto é o imóvel identificado em n) supra, celebrado com a sociedade F... se encontra isento de IVA, ao abrigo do disposto no n.º 29) do artigo 9.º do CIVA, uma vez que tal imóvel é disponibilizado sem quaisquer serviços ou bens móveis associados, aqui se aplicando os esclarecimentos prestados pela Requerente acima enunciados quanto ao fornecimento de água e luz,  controlo de pragas e adaptação do imóvel ao fim ( o qual não teve qualquer adaptação uma vez que servia de armazém).

p)           Já no que respeita à disponibilização do R/C e 1.º andar do imóvel identificado em n) supra, refere a Requerente que o facto de ter procedido à adaptação do imóvel para o desenvolvimento da atividade relacionada com a galeria e bar de apoio, «(…) não pode[rá] obstar ao enquadramento do contrato de arrendamento com a F... como isento de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA, por se tratarem de duas prestações de serviços distintas (uma por parte da Requerente à F... e outra por parte da Requerente à sociedade H...).»

q)           O imóvel sito na ..., ..., ... foi objeto de uma locação financeira na qual a locatária inicial era a sociedade F..., cedendo tal posição, em 2004, para a aqui Requerente, a qual exerceu, desde logo, a opção de compra do imóvel pelo seu valor residual. Posteriormente, a Requerente celebrou um contrato de arrendamento com a cedente, o qual foi considerado pela AT como tendo sido «(…)erradamente enquadrado pela Requerente como prestação de serviços isenta de IVA, pelo facto de não se tratar de uma locação de “paredes nuas”, uma vez que, juntamente com a disponibilização do imóvel a locatária, a Requerente alegadamente: (i) presta serviços, nomeadamente, de fornecimento de energia elétrica, de água, controlo de pragas e (ii) equipou e “apetrechou” o imóvel para os fins que iriam ser prosseguidos pela  locatária».

r)            Ora, segundo considera a Requerente, «(…) o fornecimento de água, energia elétrica e controlo de pragas não constituem um fim em si mesmo para a F..., mas apenas serviços intimamente ligados e indissociáveis da habitabilidade e gozo do imóvel dado em locação pela Requerente, pelo que também não procede este argumento da AT, na medida em que não descaracteriza o presente contrato de arrendamento como “paredes nuas”.

s)            Acrescenta, quanto a este imóvel que «(…) não procedeu a qualquer adaptação do imóvel a favor da locatária F..., uma vez que esta já se encontrava devidamente adaptado para a prossecução da atividade de Centro de Ecografia, tendo sido a própria F... a proceder à sua adaptação». Bem como «(…) nunca equipou ou “apetrechou” o imóvel para os fins que iriam ser prosseguidos pela locatária F... .».

t)            O imóvel sito na Rua ..., ..., em ..., segundo a Requerente foi demolido, em 2015, após vistoria camarária, «por se encontrar em condições que punham em causa a segurança dos transeuntes naquela rua, já que o mesmo podia ruir a qualquer momento.» Sucede que, nesse ano, a Requerente celebrou um contrato de arrendamento do imóvel com a sociedade F... para esta prosseguir com a sua atividade, o qual foi resolvido, no mesmo ano, «motivo pelo qual não foi registado o pagamento de qualquer renda desde então».(…) «Pelo que é evidente que a fatura [n.º FR 2/98, de 2017.04.12, cujo descritivo é «Retificação aos valores das rendas» de € 18.500 imputada pela AT a este imóvel não lhe pode dizer respeito», «tendo em consideração que já em 2016 tinha cessado o referido contrato de arrendamento.»

u)           Na verdade, aduz a Requerente que tal fatura «(…) traduz-se apenas num acerto das restantes rendas, emitida com vista a retificar faturas anteriormente mal debitadas», tanto assim o é que «(…) não foi contabilizada como rendimento na contabilidade da Requerente, em janeiro e fevereiro de 2017, mas como acréscimo de proveitos na conta 27219 que, com as rendas de janeiro e parte de uma renda de fevereiro, saldou a respetiva conta.»

v)            O último prédio, sito na Rua ..., ..., ..., composto por 3 pisos afetos a finalidades distintas, da propriedade da Requerente, foi objeto de contrato de arrendamento que a mesma tem com a sociedade F..., iniciado em 2012 e cessado em 2016, o qual se encontra, segundo a mesma, isento de IVA ao abrigo do artigo 9.º, n.º 29) do Código do IVA, em virtude de ter sido disponibilizado «(…) sem quaisquer serviços ou bens móveis associados.»

w)          Aduz, ainda, a Requerente, no pedido de constituição do tribunal arbitral,  sob o tema “DO DIREITO À DEDUÇÃO” que «na medida em que os contratos de arrendamento acima analisados, celebrados pela Requerente, devem ser qualificados como locações “paredes nuas”, isentas nos termos do artigo 9.º, n.º 29) do Código do IVA, percebeu a Requerente, no decurso do procedimento de inspeção, que não teria direito a deduzir certos montantes de IVA que suportou nas suas operações passivas, ao contrário do que fez.»

x)            Ora, «(…) compreende agora a Requerente que não teria direito a deduzir o IVA que suportou na construção e reabilitação do imóvel [sito no ..., n.º ... e ...],» o qual foi «(…) indevidamente deduzido (…) ascende ao montante de € 103.979,99», e «(…) deduzido nos períodos tributários de 2000, 2001 e 2012»

y)            Consequentemente, afere a Requerente, face ao disposto no artigo 24.º do Código do IVA, que «deve proceder-se à regularização do IVA, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve lugar à dedução total ou parcial do IVA que onerou a construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionada, de uma só vez, quando estes estejam afetos a uma atividade não tributada, nomeadamente quando o imóvel passe a ser objeto de locação isenta», pelo que, e no caso em apreço, «tendo em consta que a Requerente celebrou o contrato de arrendamento “paredes nuas” com F... em 01.10.202 – momento no qual afetou o imóvel [identificado em h) supra] a uma atividade isenta para efeitos de IVA – deveria a primeira ter procedido à regularização do imposto deduzido em 2000 e 2001, de uma só vez, na proporção dos anos que faltam para o esgotamento do prazo de 20 anos de regularização dos imóveis, na declaração periódica do último trimestre de 2002. O que, por desconhecimento, a Requerente não fez.»

z)            Continua referindo que «[p]or outro lado, relativamente ao imposto deduzido em 2012, uma vez que a esta data o imóvel já tinha sido afeto a uma atividade não tributada, a Requerente não deveria ter deduzido este imposto. Contudo, uma vez mais por desconhecimento, a Requerente deduziu indevidamente este imposto em 2012.»

aa)         No que toca à regularização do imposto com referência às faturas inerentes ao imóvel identificado em n) supra, refere a Requerente que não resulta das mesmas que tenha sido prestado qualquer serviço à F... no âmbito do contrato de arrendamento celebrado com relação a este imóvel, apenas: (…) indicam é que o local de descarga é o Largo ..., n.º...,», e «(…) dizem respeito à reabilitação do jardim situado no pátio interior no rés-do-chão deste imóvel, não tendo rigorosamente nada a ver com o espaço arrendado à F..., pelo que o IVA nestas faturas é dedutível, uma vez que foi suportado para a realização efetiva de uma atividade tributada, i.e., a atividade de galeria de arte e bar de apoio.»

bb)         Recorda a Requerente que «o tempo de exploração deste edifício no âmbito da atividade de galeria e bar foi muito curto, em consequência de um incêndio que danificou, de forma muito considerável, estes dois primeiros pisos do edifício», pelo que «(…) é indubitável que a Requerente só não continuou a prossecução de uma atividade tributada neste imóvel por circunstâncias que lhe são alheias, nomeadamente por ter deflagrado um incêndio que danificou o imóvel, inviabilizando a sua utilização.», devendo, quanto a esta situação manter o direito à regularização, conforme resulta da jurisprudência do TJUE, e neste caso, segundo a Requerente, «(…) só pode aceitar a correção do IVA deduzido relativamente à construção e reabilitação do segundo piso do imóvel relativamente ao qual celebrou um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a F..., isento de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA.»

cc)          Admite a Requerente que «deva ser corrigido o IVA por si indevidamente deduzido na parte que respeita à construção e reabilitação do segundo piso do imóvel», sendo que, para o efeito, «terá, em primeiro lugar, de se proceder ao cálculo da percentagem de IVA que foi deduzida para a construção e reabilitação deste segundo piso. Considerando que o valor global do IVA deduzido relativamente ao presente imóvel corresponde a € 68.469,58, e tendo em consideração que foi reabilitado, de forma igual e integrada, em relação aos seus 3 andares, a proporção do IVA deduzido na construção e reabilitação do segundo andar deverá corresponder a 33,33% do IVA integralmente deduzido (…)»

 

dd)         No que respeita à regularização do IVA referente à locação do imóvel indicado em t) supra, «tratando-se de uma locação isenta, compreende agora a Requerente que não lhe assiste o direito à dedução [no período de 2014] do IVA que suportou na construção e reabilitação do imóvel », pelo que, «(…) tendo em conta que a Requerente celebrou o contrato de arrendamento “paredes nuas” com a F... em 2015, deverá a mesma proceder à regularização do imposto deduzido, de uma só vez, na proporção dos anos que faltam para o esgotamento do prazo de 20 anos de regularização dos imóveis.»

ee)         Quanto à dedução de IVA referente à situação do imóvel identificado em v) supra, esclarece ainda a Requerente que «Da planta que se junta (…), resulta de uma forma aproximada que: (i) a parte do imóvel que estava afeto à Requerente corresponde a 16,65% da área bruta do imóvel; (ii) a parte do imóvel que estava afeto à F... corresponde também a 16,65% da área bruta do imóvel; (iii) a parte do imóvel afeta aos sócios corresponde a 66,67% da área bruta do imóvel. Porém, desde 18.07.20148 que parte do imóvel foi também afeta à atividade de alojamento local, estando devidamente legalizado e registado para o efeito. Desta forma, 16,67% da área bruta do imóvel estava arrendada à F... para o desenvolvimento da sua atividade; e 66,67% da área bruta do imóvel encontram-se arrendados aos sócios da requerente, como sua residência habitual.»

ff)           Assim sendo, e ao contrário do que entende a Requerida, sustenta a Requerente que quanto a estes arrendamentos, «deveria a Requerente (…) ter procedido à regularização da mesma proporção do imposto deduzido, de uma só vez.»

gg)         De referir, igualmente, que, em 2018, a Requerente afetou 75% deste imóvel à atividade de alojamento local, atividade essa que é tributada em sede de IVA, em conformidade com a alínea a) do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA. Assim sendo, e nesta sequência, defende a Requerente que «quando um sujeito passivo que pratica operações que não conferem direito à dedução suporta IVA relativo à construção de um imóvel e, posteriormente, afeta esse imóvel ao exercício de uma atividade tributada, pode deduzir o proporção de IVA relativa ao período remanescente até que se completem 20 anos da conclusão das cobras do imóvel.», No caso em apreço, «a Requerente, ao concluir as obras no imóvel, deduziu o IVA que suportou», (…) «não tendo havido posteriormente regularização (…) apenas poderia agora vir a haver essa regularização na proporção relativa aos 7 anos em que o imóvel não se encontrou associado à prática de operações tributadas.»

hh)         Invoca, ainda a Requerente a CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO referindo para o efeito que, «apesar de tudo o acima exposto, e de a Requerente reconhecer que deduziu indevidamente certos montantes de IVA suportado em operações passivas relacionadas com operações ativas isentas, em alguns casos, o direito à liquidação destas regularizações de IVA já caducou,» por via do disposto no artigo 45.º da Lei Geral

 

 

Tributária aplicável ex vi do artigo 94.º, n.º 1 do CIVA, com exceção de dois que identifica da seguinte forma:

1.            Aceita a Requerente, «as correções referentes à dedução indevidamente realizada em 2015 [do imposto no tocante às operações inerentes ao imóvel identificado em n) supra], na proporção de 33,33% do IVA globalmente deduzido pela reabilitação do imóvel, por referência apenas ao segundo piso do mesmo, no montante de € 806,95.»

2.            No que respeita ao imóvel identificado em t) supra, aduz a Requerente que «o IVA suportado nos serviços de construção e reabilitação» do mesmo «e indevidamente deduzido pela Requerente ascende ao montante de € 572,70», o qual «foi deduzido no período tributário de 2014.», pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação quanto a este não terminou, segundo a Requerente, devendo ser feita a regularização do mesmo.

ii)            Por último, requer o pagamento de indemnização derivada da prestação de garantia indevida, de acordo com o artigo 53.º da Lei Geral Tributária.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)            Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, começando por se pronunciar sobre a alegada caducidade do direito à liquidação invocada pela Requerente que «(…) a Requerente confessa, expressamente, em vários artigos da sua petição (…) ter deduzido imposto indevidamente, num montante global de € 437 144,30 (…), [n]o entanto, apesar de confessar tais factos, a Requerente vem alegar que se está perante um caso de caducidade do direito à liquidação e nessa circunstância nenhuma correcção poderia ter sido feita (…)» fazendo, segundo a Requerida, «uma leitura truncada das normas legais nesta matéria, quando invoca o n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, fazendo tábua rasa do disposto no seu n.º 3.», atento que «as regularizações das deduções relativas aos bens imóveis são efectuadas num período de vinte anos nos termos dos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA. Por assim ser, não colhe o argumento da Requerente a propósito da verificação da caducidade.».

b)           No que toca à questão de fundo, defende a Requerida que «(…) a Requerente fez tábua rasa sobre o direito do crédito de imposto que é método por que opera o imposto e a trave mestra do mesmo, plasmado nas normas relativas ao direito à dedução (dele usufruindo a seu bel-prazer). Se assim não fosse, claro se tornaria que quando se fica abrangido por uma qualquer isenção que não esteja prevista no artigo 14.º do Código do IVA, o direito à dedução fica coarctado. Mas não. A Requerente permitiu-se não liquidar imposto nas operações que praticou, mas deduzir o imposto que suportou nos inputs que lhes estava associado».

c)            Esclarece a Requerida que «[c]om excepção de um único edifício, o que se constatou é que todos os demais foram reabilitados e especificamente adaptados ao exercício de determinado tipo de actividade. Efectivamente, um dos imóveis foi devidamente adaptado e licenciado para funcionar como centro radiológico e a Requerente, antes da cedência, aí instalou, entre outros, um equipamento de ressonância magnética, o qual por questões óbvias de segurança requereu uma adaptação e licenciamento específicos das instalações, em especial no que respeita à blindagem e protecção da sala de exames, das radiações e das interferências magnéticas.»

d)           Continua a Requerida aludindo que «[h]ouve, ainda, prédios que, para além de especificamente adaptados, foram prévia e devidamente apetrechados, tendo depois sido cedidos com vista ao exercício de uma actividade específica.»

e)           Concluindo no sentido de que «(…) as situações antes descritas colocam estas operações de locação foram do âmbito de aplicação da isenção.» Pois, «[n]a verdade, estamos perante prestações de serviço inominadas sujeitas a imposto nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e do artigo 4.º do Código do IVA, que não têm enquadramento na isenção prevista no n.º 29, do artigo 9.º, pelo que tais operações, ao contrário do que pretende fazer valer a Requerente, se encontram sujeitas a IVA e dele não isentas.»

f)            Com efeito, aduz, ainda, a Requerida que «(…) nos recibos emitidos pela ora Requerente aos adquirentes dos referidos serviços o que se discrimina é: “Cessão de Exploração”. Ora, como é consabido a cessão de exploração está expressamente excluída da isenção pela alínea c) do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, relativa à locação de bens imóveis.»

g)            Entende a Requerida que «(…) à luz da referida jurisprudência comunitária a isenção prevista para a locação de bens imóveis tem de ser objecto por parte dos Estados membros de uma interpretação estrita, onde não cabe a alegação da Requerente, que pretende no caso estarmos perante um contrato de locação, quando na verdade do que se trata é de uma prestação de serviços do tipo inominado.»

h)           Segundo entende a Requerida «(…) no caso dos presentes autos, não estamos perante prestações de serviços que traduzam contrato típicos de arrendamento – e só a esses aproveita a isenção do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.»

i)             Com efeito, «(…) a locação de bens imóveis susceptível de beneficiar da isenção tem um recorte bem delimitado e preciso de acordo com os critérios estabelecidos pela Jurisprudência do TJUE que se fundam nas razões que presidiram à referida isenção. Efectivamente, foi o facto de a maior parte dos contratos de arrendamento serem efectuados por particulares, sem a ausência de uma estrutura organizacional adequada ao funcionamento do imposto, a par de outras razões nomeadamente ligadas ao princípio da não discriminação que levaram à consagração da referida isenção. (…) o recorte da isenção tipificada no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA é muito delimitado e não é susceptível de abranger situações como as que ocorrem no âmbito dos presentes autos.»

j)             Concluindo no sentido de que «(…) [p]or assim ser, as liquidações de IVA ora impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade, porquanto foram efectuadas de acordo com as normas do Código do IVA e a legislação comunitária vigente nesta matéria, devendo manter-se para todos os legais efeitos.»

k)            No que toca à alegada ilegalidade da Inspeção Tributária, defende a Requerida que «para apreciar se se verificam todos os pressupostos do direito à dedução, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual foi exercido o direito à dedução, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade.»

l)             Acrescenta, ainda, a Requerida no sentido de que «(…) nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT, no caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito. O que significa que em bom rigor o prazo para emitir liquidações relativas a regularizações indevidamente omitidas é o de, in cau, 20 anos. Isso porque o direito à dedução é indivisível, inexistindo distinções formais ou valorativas entre deduções iniciais e regularizações de deduções, não podendo estas últimas ser tratadas de modo díspar.»

m)          Continua a Requerida referindo que: «Aliás, em matéria de prazos de exercício de direito à dedução ou de correção de tributos, o TJUE tem entendido que o Direito da EU não é violado se forem consagrados prazos de prescrição ou de caducidade mais vantajosos para as Administrações Fiscais que para os particulares. O que na, situação em apreço, se concretiza no facto de, no limite, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, os contribuintes disporem de 4 anos para efectuar regularizações quanto a imposto entregue em excesso, enquanto a AT, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT, pode emitir liquidações face à omissão de regularizações por deduções indevidas, dentro do prazo do respectivo exercício, que, no caso em apreço, se cifra nos 19 anos após o primeiro ano civil em que houve dedução de IVA.»

n)           Acresce, por último, a Requerida que «nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da LGT, apesar de ter analisado os exercícios de 2014 a 2017, a AT não estava condicionada aos referidos anos para emitir liquidações de regularizações de IVA, o qual havia sido deduzido indevidamente em períodos transactos.»

o)           Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião havida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma sociedade por quotas de cariz familiar, constituída em 1998, tendo localizado a sua sede na ..., n.º..., em ..., alterando a sua sede social, em 2015, para a Rua ..., n.º ... em ..., que mantém, até à presente data.

B.            Em sede de IVA, a Requerente está enquadrada, desde o início da sua atividade, no regime normal de periodicidade trimestral, com vista à realização de operações que conferem direito à dedução total do IVA, pelo exercício da atividade principal com o CAE 46900 – comércio por grosso não especializado, e desde 24.02.24, pelo exercício das atividades secundárias com o CAE 55119 – outros estabelecimento hoteleiros com restaurante e CAE 68311 – atividade de mediação imobiliária.  – cfr. acordo das partes e processo administrativo -;

C.            Em sede de IRC, a Requerente encontra-se abrangida pelo regime normal de determinação do lucro tributável – cfr. processo administrativo -;

D.           A Requerente é proprietária de diversos imóveis, que explora através da celebração de contratos de arrendamento para fins não habitacionais e para fins habitacionais, entre os quais:

a)            Prédio urbano sito no ..., ..., em ...;

b)           Prédio urbano sito no ..., ..., em ...;

c)            Prédio urbano sito na ..., ..., em ...;

d)           Prédio urbano sito na Rua ... ..., em ...;

e)           prédio urbano sito na ..., ..., em Lisboa;

f)            prédio urbano sito na Rua ..., ..., em Lisboa;

g)            prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ...;

E.            A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção, iniciada em 2017.11.30, ao abrigo das ordens de serviço OI2017..., de 2017.11.29, OI2018..., de 2018.01.10, com início a 2018.01.12, e OI2018... e OI2018..., ambas de 2018.04.04, iniciadas a 2018.04.09, com referência aos períodos de tributação de 2014, 2015, 2016 e 2017 – cfr. processo administrativo -;

F.            O prazo para a conclusão do procedimento credenciado pela OI2017... foi ampliado por mais 3 meses, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), com conhecimento ao contribuinte pelo ofício ..., registado em 2018.04.09 – cfr. processo administrativo - ;

G.           O procedimento inspetivo externo – OI2017... – inicialmente, foi enquadrado no código de atividade 1222120603, tendo como objetivo o controlo dos valores declarados do IVA, em particular o imposto deduzido pela Requerente referente ao ativo imobilizado, tendo assim sido aberta uma OI em sede IVA, ao período de imposto 16.12T, passando posteriormente o seu âmbito a polivalente ao ano de 2016, com conhecimento do sujeito passivo, em 2018.01.12, em virtude de no decurso do procedimento se terem detetado situações que requeriam uma análise mais alargada. – cfr. processo administrativo - ;

H.           Posteriormente, foi aberto um procedimento externo polivalente ao ano de 2015 – OI 2018...– no qual foram detetadas irregularidades, levando à abertura de dois outros procedimentos parciais em sede de IVA e IRC para o ano de 2014 e, em sede de IVA para o ano de 2017 – cfr. processo administrativo - ;

I.             No âmbito da ação de inspeção identificada em E supra, a 2019.05.09, foi a Requerente, por um lado, notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, de onde resulta a proposta de correção do IVA apurado pela Requerente nos períodos inspecionados, que se relacionam com falta de liquidação, deduções indevidas e falta de regularização, da seguinte forma:

 

Anos     Não liquidado    Dedução indevida           Regularização em falta  IVA total em falta

2014      30.498,00             1.604,11               14.004,87            46.106,98

2015      40.296,00             2.548,40               14.095,66            56.940,06

2016      39.031,00             1.992,61               14.095,66            55.119,27

2017      34.776,00             5.772,86               14.095,66            54.644,52

Total      144.601,00          11.917,98            56.291,85            212.810,83

 

J.             E, por outro, para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral - ;

K.            No dia 05.06.2018, a Requerente exerceu, através de requerimento, o direito de audição prévia que lhe assistia – cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

L.            No dia 29.06.2018, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção – cfr. documento n.º 3 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral – do qual se poderá retirar o seguinte:

 

« III. Descrição dos factos e fundamentos das correções quantitativas à matéria tributável

 

1.            Imposto sobre o valor acrescentado – IVA

 

Das situações que a seguir se descrevem resultam correções ao IVA, considerado em falta nos diversos períodos de 2014, 2015, 2016 e 2017, cujo mapa seguinte pretende sintetizar:

IVA        Ponto III.1           Total

Períodos             Ponto A.1.           Ponto A.2            Ponto B.1            Ponto B. 2           Ponto C Períodos

14.03T   7.521,00                               244,64                                  7.765,64

14.06T   7.659,00                               507,48                                  8.166,48

14.09T   7.659,00                               168,81                                  7.827,81

14.12T   7.659,00                               683,18                  14.004,87             22.347,05

Total 2014           30.498,00                            1.604,11                               14.004,87            46.106,98

15.03T                  345,00   861,32                                  1.206,32

15.06T                  345,00   637,79                                  982,79

15.09T                  345,00   404,97                                  749,97

15.12T   38.916,00             345,00   644,32                  14.095,66             54.000,98

Total 2015           38.916,00             1.380,00               2.584,40                               14.095,66            56.940,06

16.03T   8.694,00                               438,02                                  9.132,02

16.06T   8.694,00                               473,08                                  9.167,08

16.09T   8.694,00                               439,18                                  9.133,18

16.12T   12.949,00                            642,33                  14.095,66             27.686,9

Total 2016           39.031,00                            1.992,61                               14.095,66            55.119,27

17.03T   8.694,00                               660,73   2.170,28                               11.525,01

17.06T   8.694,00                               648,52   1.800,73                               11.143,25

17.09T   8.694,00                               274,22   218,38                  9.186,60

17.12T   8.694,00                                                              14.095,66             22.789,66

Total 2017           34.776,00                            1.583,47               4.189,39               14.095,66            54.644,52

Total geral          143.221,00          1.380,00               7.728,59               4.189,39               56.991,85            212.10,83

 

A.           IVA não liquidado

 

A.1 Nas locações declaradas

 

Verificou-se que o sp relativamente a todos os imóveis locados, considerou que eram prestações de serviços isentas de IVA, ao abrigo do n.º 29, do art.º 9.º do CIVA (vide Anexos 3, 5 e 6).

Acontece porém que, da análise que foi possível efectuar, com excepção do prédio da ... (que de acordo com a informação dada à inspecção não houve ainda licença de funcionamento pela respetiva Câmara Municipal), se verifica que nos restantes casos, as locações não são apenas de «paredes nuas», antes têm subjacentes outros aspetos que proporcionam ao locatário um outro valor acrescentado, conforme a seguir se refere.

 

a)            - prestações de serviços

Com excepção do prédio na ..., relativamente a todos os outros, com rendimento cobrados são também fornecidos genericamente ao locatário energia elétrica e/ou água e/ou outros serviços – nomeadamente controlo de pragas nos prédios de..., pacote «... », no apartamento de Lisboa, substituição de lâmpadas no edifício do ... (...) – vide Anexos 7 e 13.

b)           - prédios especificamente adaptados

Muito embora a consulta da contabilidade tenha sido limitada, conforme antes referido em II.C.5.1 foi possível, através, dos doc´s juntos à matriz predial, no caso dos 2 1.º prédios (do mapa de prédios em Anexo 1 – largo ... e largo ...) e no caso do 5.º prédio (daquele mapa – ...) das circunstâncias específicas em que se deu a sua aquisição, bem como das informações prestadas à inspeção, constar que, quer o edifício sito no Largo ..., ..., em ..., quer o edifício contíguo, sito nos n.º ... daquele Largo ..., foram ambos reabilitados e alterados ( o 1.º em 2001 e o 2.º em 2009) com vista ao específico exercício de determinadas atividades -o 1.º para «... » e o 2.º para »Estabelecimento de Bebidas e Galeria de Arte», tendo obtido da Câmara Municipal ... as Licenças de Utilização n.ºs .../2001 e .../2009, respetivamente (em Anexo 9 a fls. 3 e Anexo 8 a fls. 7); bem como se constatou ainda que o imóvel sito também em ..., no ... do n.º ... da ..., que foi adquirido à F... (cuja posição em contrato de locação financeira imobiliária cedeu em Fev, de 2004 ao sp, permitindo que este em simultâneo o adquirisse à locadora pelo valor residual, através do exercício de opção de compra) em 2004, se encontrava devidamente adaptado e licenciado para o funcionamento como centro radiológico, pois que foi onde a F... iniciou a sua atividade de radiologia, e nele instalou entre outros um equipamento de ressonância magnética (vide quadro de rendas entre 2013 e 2017 apresentado à inspeção em Anexo 6 a fls. 2 e fotos em Anexo 9 a fls. 4 e 5), o qual por questões óbvias de segurança requerei uma adaptação e licenciamento específicos das instalações, em especial no que respeita à blindagem e protecção da sala de exames, das radiações e das interferências magnéticas.

 

c)            Prédios devidamente apetrechados

Verificou-se ainda que alguns destes imóveis para além de especificamente adaptados, foram também apetrechados/equipados pelo sp para o efeito: no caso do centro de Radiologia – vide fichas dos bens de investimento n.ºs 19 a 27 e 29 a 31 (…); e no edifício da ..., vejam-se as fichas n.º 44 e 45 (…), as fichas 46 e 47, a ficha 56 (…) e a ficha 57 (…) em Anexo 2, a fls. 8 a 11 e 39 a 40 e ainda a fls. 6 do Anexo 19.

 

c.1) Deve também notar-se que alguns dos outros imóveis poderão igualmente estar devidamente apetrechados/equipados para a sua utilização. Neste sentido, muito embora a consulta da contabilidade esteja limitada (…) e apesar da pouca informação das fichas dos bens de investimento, veja-se a compra do LCD em 12-2005 (ficha32), na altura das obras no apartamento do ... em Lisboa, na rua ... (ficha 33), e a compra da... em 2.2006 (ficha 37), na altura das obras no apartamento em ... em Lisboa, na ... (ficha 39) – vide Anexo 2. Outras situações que eventualmente poderão existir são contudo de difícil identificação, caso os respetivos bens de investimento não tenham sido reconhecidos como tal, mas levados diretamente a gastos do exercício (perdendo-se assim a sua identidade/autonomia no balanço da sociedade), prática esta que foi identificada nos anos em análise, conforme adiante descrita no ponto III.2.C.

 

Assim as situações antes descritas colocas estas operações de locação fora do âmbito de aplicação da isenção. Estamos, pois, perante prestações de serviços nos termos do artigo 4.º do CIVA, que não têm enquadram3ento na isenção prevista no n.º 29, do art.º 9.º do CIVA, pelo que se encontram sujeitas a IVA e dele não isentas.

 

(…)

 

1.4          Assim os valores em causa do IVA não liquidado e em falta, por prédios e períodos, constam do quadro que se segue, o qual perfaz nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, um total geral de 143.221,00€.

(…)

 

B.            IVA indevidamente deduzido

 

B.1. Gastos com imóveis sem utilização empresarial

Conforme descrito no ponto III.1.C seguinte, verifica-se que o sp possui 3 prédios ou parte deles, que não estão a ser objeto  de uma utilização para os seus fins empresariais, pelo que conforme dispõe o nº 7 do art.º 19 do Código do IVA «Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal, ou em geral, a fins alheios à mesma.»

Assim não é dedutível o IVA suportado, nas percentagens correspondentes às áreas não utilizadas e igualmente referidas no ponto III.1.C seguinte, relativo a todos os encargos incorridos com estes imóveis, designadamente consumos, reparações, materiais, utensílios, e outros gastos.

 

Deste modo, verifica-se que o sp deduziu indevidamente IVA nos diversos períodos dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, montantes que perfazem um total geral de 7.728,59€, sendo discriminado no mapa Anexo 10 a fls. 1 – vide também extractos das c/c´s do IVA em Anexo 10, algumas faturas de água e luz em Anexo 13 e ainda os documentos relativos a outros gastos em Anexo 14.

 

B.2. Outros gastos alheios à empresa

Constatou-se, no ano de 2017,  a dedução de IVA no montante total anual de 4.189,39€ suportado com despesas relativas a materiais e serviços, o qual, em face dos elementos e notações constantes das próprias faturas de aquisição (locais) que apontam para uma utilização estranha às operações da sociedade, não é assim fiscalmente passível de dedução a favor do sp., em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 20.º do CIVA -vide Anexo 10 a fls. 22 e 23 e Anexo 11.

 

C.            IVA não regularizado

 

1.            Na sequência da análise feita à atividade desenvolvida pelo sp (através dos encargos e dos rendimentos registados nos anos em análise), em que se concluiu pela prestação de serviços relacionados a imóveis, constatou-se também que alguns dos imóveis do sp, ou parte deles, não estão a ser objecto de uma utilização para os seus fins empresariais senão vejamos:

1.1.        O apartamento no ... em Lisboa (Rua ..., ...) além de não ter sido possível vislumbrar qualquer utilização empresarial e de não registar qualquer rendimento, de acordo com os dados disponíveis do Registo Comercial, foi indicado em 2009 e em 2015, como residência do sócio-filho I...;

1.2.        O designado «edifício ...» (no largo ..., ..., em ...) desde elo menos 2013 que, os seus primeiros pisos, não estão locados à F..., tendo em conta por um lado, o valor da locação registado anualmente desde aquele ano (1.000,00€), e por outro, o aditamento ao contrato de arrendamento com a F..., no qual se refere que só está em locação o 2.º andar, situação de locação parcial do edifício, também visível na tabela de rendas facultadas pelo sp – vide Anexo 6 a fls. 2 e 7 a 9. Assim aqueles dois primeiros pisos, além de não gerarem quaisquer rendimentos, de acordo com os dados disponíveis do Registo Comercial, são desde 2008, a sede da sociedade H..., Lda com o NIPC ... de que são sócios e gerentes os «sócios-pais», e cuja atividade estatutária consiste precisamente em Bar e Galeria de arte:

1.3.        A vivenda com 3 pisos em ..., a qual além de uma parte (cerca de 70% da área, a crer na informação prestada à inspeção – vide Anexo 8, fls. 9 a 11) do piso inferior, ser usada como escritório e armazém da sociedade (e ainda como escritório aninhado da F..., para a elaboração de relatórios médicos, conforme antes referido em III.1.A.2), tem vindo a ser utilizada, sobretudo pelos sócios-pais, como sua residência principal.

1.3.1 a este respeito verificou-se em 2017, que o sp em vez de faturar a locação mensal de 500,00€ à F... como fez nos anos anteriores, fê-lo agora ao sócio - pai J... (vide Anexo -fls. 5; 5-fls. 5, 15, 19 e 20; e 6 -fls. 1 e 2). Situação não aceite pela inspeção como refletindo a realidade, uma vez que:

a) a explicação dada, no início da ação, à inspeção para a faturação à F... parece-nos plausível porquanto:

a.1) ocorre nos tempos atuais da era digital e do teletrabalho;

a.2) o preço estabelecido parece-nos adequado para uma cedência c9om fins comerciais de uns espaços devidamente apetrechados, abastecido e mantidos, tanto mais numa cidade universitária como ..., onde a pressão no mercado residencial para estudantes se faz sentir.

 

b) a F... nos anos anteriores reconheceu e reflectiu nas suas contas aqueles gastos, sendo que para ela, aquele encargo anual de 6.000,00 €, afigura-nos bastante razoável pela flexibilidade operacional que lhe proporciona, e isto é tanto assim se, por um lado, atentarmos no facto de que a F... vem há muitos anos (pelo menos desde 2013) suportando 24.000,00 € anuais, com a locação ao sp de um prédio na ..., que conforme antes referido em III.1.A.1 não entrou até agora em funcionamento por falta de licença camarária;

 

c) - não é crível que os 500,00 € mensais possam ser contrapartida da utilização pelos sócios-pais da moradia de ... como sua residência principal, uma moradia isolada (tipo T7) com piscina, numa zona residencial nobre e paisagisticamente privilegiada, inserida num lote com 1.500 m2  e com um área bruta de construção de cerca de 720 m2 , incluindo também a eletricidade, a água e a manutenção da piscina, do jardim e da climatização, quando, por outro lado, o sp recebe/cobra à F..., pela locação de um apartamento 8r/c) em Lisboa 600,00 € mensais.

 

Assim, ao abrigo do princípio da substância sob a forma, desconsidera-se aquela faturação, mantendo-se a situação verificada no ano anterior – locação à F... de áreas para escritório (elaboração de relatórios) por 500,00 € mensais e manutenção da afetação a fins não habitacionais da área residencial utilizadas pelos sócios e família.

 

2.            Uma vez que, como antes referido em III.1.A.1.3., o sp procedeu à dedução de todo o IVA suportado nas obras de edificação e/ou reparação destes prédios, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 26.º do Código do IVA, a sua não utilização em fins empresariais, por um ou mais anos civis completos, implica uma regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

 

3.            Atendendo a que o «edifício da  ...» em ... e a vivenda em ..., só parcialmente não estão a ter um uso empresarial, e com vista ao cálculo da percentagem dos prédios não é utilizada, foi tido em conta a graduação fiscal das diversas áreas para efeitos da avaliação patrimonial tributária dada pela fórmula do art.º 40.º do Código do IMI, designadamente a diferença entre a área bruta privativa e a área bruta dependente, ali também previstas. Assim:

a)            Para a vivenda de ..., da conjugação da ficha de avaliação constante da respetiva matriz predial, com as plantas facultadas pelo sp, foi possível concluir que a área afeta a fins empresariais localizada no 1.º piso, foi considerada fiscalmente como área bruta dependente (gozando assim pata efeitos fiscais -na avaliação de uma redução de 70% - só é considerada 30% dessa área), tendo-se assim obtido um percentagem de não utilização do prédio em fins empresariais de 89%-vide cálculos em Anexo 8, a fls. 8;

b)           Para o «edifício ...» em..., foram consideradas as áreas das legendas para as diversas divisões desse piso (o 2.º andar-sótão na planta), constantes da planta de arquitectura que é a parte integrante da respetiva matriz predial, tendo-se assim obtido uma percentagem de não utilização do prédio em fins empresariais de 75% -vide cálculo em Anexo 8, a fls. 1.

 

4.            Nestes termos os valores totais das regularizações anuais a efectuar e em falta são as do quadro seguinte – vide também Anexos 1 e 2.

 

Prédios/períodos            14.12T   15.12T   16.12T   17.12T

Lrg .... .., ... (75% de 1/20 do IVA deduzido)*      2.476,82               2.567,61               2.567,61               2.567,61

R....– Lisboa (100% de 1/20 do IVA deduzido)    1.019,32               1.019,32               1.019,32               1.019,32

Rua ...– ... (89% de 1/20 do IVA deduzido)           10.508,73             10.508,73            10.508,73            10.508,73

IVA total em falta            14.004,87            14.095,66            14.095,66             14.095,66

*Em 2014 ainda não tinha sido concluída a obra da ficha 62, pelo que o IVA a tomar conta para o cálculo do 1/20 é de 66.048,49€ »;

 

M.          Em julho de 2018, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IVA e juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., e n.º 2018..., das demonstrações de acerto de contas n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., das liquidações de juros n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... respeitantes aos períodos de tributação de 2014, 2015, 2016 e 2017, tudo num total de € 212.810,83 – cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral -;

N.           No dia 24 de outubro de 2018 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas pelas partes conjugadas com a análise crítica da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal.

Em geral, os depoimentos da Senhora K... (Sócia da Requerente e médica radiologista), L... (Sócio da Requerente e médico radiologista), M..., contabilista certificado da Requerente e N..., funcionário da Requerente, não foram determinantes para formar a convicção do tribunal, tendo sido notório, em vários momentos dos respetivos depoimentos, a falta de objetividade e incapacidade de esclarecimento das incoerências documentais apresentadas no relatório dos SIT. Com efeito, foi possível detetar que as testemunhas apesar de possuírem conhecimento direto dos factos, tinham a sua razão de ciência afetada pela influência dos laços de natureza familiar e laboral que mantinham com a Requerente.

Pelos motivos expostos, atribuiu-se preferência probatória aos documentos juntos aos autos, tendo, contudo, o papel das testemunhas servido para contextualizar o modelo de gestão familiar norteada por interesses de natureza pessoal em que assentava a tomada de decisões relativas à forma de afetação do património imobiliário da Requerente, designadamente, no domínio das relações contratuais existentes com a sociedade F..., em relação à qual a Requerente está em situação de relações especiais e de quem obtém rendimentos quase exclusivamente.  

Não se consideraram provados os factos apresentados pela Requerente destinados à qualificação dos contratos de locação sob análise, enquanto contratos de locação “paredes nuas”.

Não se consideraram provadas as causas da inatividade permanente e prolongada da Sociedade H... Lda., locatária do imóvel sito no Largo ... ... ..., R/C e 1.º piso, espaço onde a Requerente realizou investimentos para colocar em funcionamento uma galeria de arte e bar de apoio.  A este respeito, não se considerou provada a localização do incêndio nem a alegação da destruição total das instalações da sociedade H... Lda. residente no R/C e 1.º piso, a qual não decorre dos documentos juntos aos autos, que indicam a participação ao seguro do incêndio pela Sociedade F..., residente no 2.º piso do imóvel, e no tocante à área de incidência um “incêndio que ocorreu numa divisão do edifício” com “Destruição da divisão onde ocorreu o incêndio” (vide, relatório de ocorrência dos bombeiros doc. n.º 37 do PPA).

 

VI- DO DIREITO

 

1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente invoca vícios de ordem formal e vícios de ordem substantiva.

Assim, está em causa apreciar e decidir o suscitado vício de ilegalidade da inspeção e os vícios materiais relativos à questão de saber se devem ou não considerar-se isentos de IVA os contratos de arrendamento celebrados pela Requerente ao abrigo do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, e bem assim as questões relativas ao IVA indevidamente deduzido e ao IVA não regularizado que resultaram em correções deste imposto, no montante total de €212.810,83.

 

1.1          VÍCIO DA ILEGALIDADE DA INSPEÇÃO

 

Segundo a Requerente as correções promovidas pela AT no presente caso estão feridas de ilegalidade uma vez que as ordens de serviço conferiam à AT poderes para inspecionar os exercícios de 2014, 2015, 2016, 2017, tendo a AT examinado os períodos de tributação entre 2009 a 2013, relativamente aos quais já havia caducado o seu direito de liquidar tributos. 

Assim, defende a Requerente, que a AT no âmbito dos procedimentos inspetivos externos que lhe foram conferidos e objeto de alargamento por três vezes, excedeu os seus poderes de inspeção ao analisar operações ocorridas ou declaradas no período de 2009 a 2013, quando o âmbito do procedimento inspetivo se encontrava limitado à verificação do cumprimento das obrigações tributárias, em sede de IVA, para os exercícios entre 2014 e 2017.

De acordo com a Requerente, a alteração da extensão do procedimento carece de despacho fundamentado, sob pena de inobservância do disposto no artigo 15.º do RCPITA, facto que inquina a inspeção realizada de vício procedimental. 

Conclui que o vício em causa, respeitando à competência para a realização da ação inspetiva fora da extensão estabelecida na ordem de serviço, resultaria na ilegalidade da inspeção e de quaisquer liquidações adicionais que dela advenham, determinando a respetiva anulação.

Adicionalmente, considera que no exercício da atividade inspetiva a AT não observou os princípios de colaboração e cooperação mútua, assumindo uma postura persecutória e intolerante. 

 

Vejamos.

 

O procedimento de inspeção tributária e aduaneira abreviadamente designado procedimento de inspeção tributária ou procedimento de inspeção é regulado pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira , que define, “sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras aplicáveis aos atos de inspeção” (artigo 1.º do RCPITA).

Segundo o RCPITA “O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias” (n.º 1 do artigo 2.º), para o que compreende, designadamente “A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” e “A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º).

Não constituem procedimento de inspeção tributária “a mera confirmação de dados constantes de declaração entregue:  a) Que apenas apresente erros formais, de natureza aritmética ou exija a mera clarificação ou justificação de elementos declarados; b) Cujos dados não coincidam com os constantes de outras declarações do sujeito passivo ou de um terceiro em poder da administração tributária, não relacionados com o exercício de uma atividade económica” (n.º 6 do art. 2.º).

O procedimento tributário deve obedecer aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (artigos 5.º a 10.º).

A classificação do procedimento varia de acordo com os fins, o lugar, o âmbito e a extensão (capítulo III do título I), sendo que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada (n.º 1 do artigo 15.º).

Nos atos de inspeção, os funcionários ao serviço da inspeção tributária, têm direito, designadamente: “a livre acesso às instalações e dependências da entidade inspeccionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções”   e “ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos”; “à troca de correspondência, em serviço, com quaisquer entidades públicas ou privadas sobre questões relacionadas com o desenvolvimento da sua atuação”; “ao esclarecimento, pelos técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, da situação tributária das entidades a quem prestem ou tenham prestado serviço” (cf. alíneas a), c), e) e f) do artigo 28.º do RCPITA).

Os funcionários ao serviço de inspeção dispõem de diversas faculdades, elencadas no artigo 29.º, designadamente, “examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua atividade, ou de terceiros com quem mantenham relações económicas e solicitar ou efetuar, designadamente em suporte magnético, as cópias ou extractos considerados indispensáveis ou úteis” e “tomar declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, sempre que o seu depoimento interesse ao apuramento dos factos tributários” (alíneas a) e g) do n.º 1 do artigo. 29.º do RCPITA).

Os sujeitos passivos são notificados pela administração tendo em vista a sua colaboração no procedimento (artigo 37.º), podendo ser pessoal ou postal (artigo 38.º), nos termos do CPPT, embora com adaptações (artigo 39.º).

O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário, com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início, através de carta-aviso contendo identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspeção e âmbito e extensão da inspeção a realizar (art.º 49.º, nºs 1 e 2).

Do acervo normativo que se vem de expor, resulta que a regulamentação do procedimento de inspeção tributária, tem, em primeira linha, uma finalidade organizatória e, na perspectiva dos sujeitos passivos, visará essencialmente definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se refletirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de visar assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.

Relativamente a este último aspecto, ressalva-se, todavia, que, atento o princípio geral da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no artigo 60.º da LGT, sempre estarão os interesses juridicamente relevantes daqueles, nessa matéria, no essencial devidamente salvaguardados, independentemente da concreta regulamentação do procedimento de inspeção tributária.

Acresce, ainda a este propósito, que, como princípio, o procedimento de inspeção tributária não tem, primacialmente, uma natureza decisória, daí que, por exemplo, o respectivo ato final – consubstanciado no relatório de inspeção – não seja diretamente impugnável, na medida em que não é, em si mesmo, lesivo, mas meramente preparatório ou acessório. 

Deste modo, a principal finalidade, sempre na perspetiva dos sujeitos passivos, da regulamentação do procedimento de inspeção tributária e da respetiva observação pela AT, residirá na fixação dos condicionalismos legalmente necessários para que se reflitam eficazmente na esfera jurídica dos contribuintes, os efeitos jurídicos próprios do procedimento em questão, maxime a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos pela Administração, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, bem como a sujeição dos visados às garantias e prerrogativas da inspeção tributária (cfr. artigos 28.º e 29.º do RCPITA) e à aplicação de medidas cautelares (artigos 30.º e 31.º do RCPITA).

Com efeito, a instauração de um procedimento inspetivo externo, gera diversos deveres de colaboração e sujeição para o contribuinte, como sejam, por exemplo, o de facultar os elementos referidos nas als. c) e d) e o de acolher a inspeção nas suas instalações nos termos descritos nas als. a) e b), todas do n.º 2 do artigo 28.º do RCPITA.

Para além disso, um procedimento inspetivo externo, como se referiu, tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Sendo assim, os normativos que disciplinam o procedimento de inspeção tributária têm subjacente, em primeira linha, regular os termos em que é legítimo à AT impor ao contribuinte os deveres, sujeições e demais efeitos desfavoráveis inerentes àquele procedimento inspetivo.

No caso em apreço, a norma que a Requerente invoca integra-se no regime da definição do âmbito e extensão do procedimento inspeção que dispõe, na redação aplicável, o seguinte: “Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada.”

Neste contexto, pretende a Requerente que ao serem analisadas operações reportadas nas declarações periódicas de 2009 a 2013, por conseguinte extravasando o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo, este procedimento seria ilegal, devendo ser anulado e, consequentemente, anulados os atos de liquidação praticados.

Não é, contudo, este o entendimento prevalecente na Jurisprudência dos tribunais superiores, a respeito do alcance a conferir aos artigos 14.º e 15.º do RCPITA.

Apesar de se admitir que uma vez fixado o âmbito do procedimento de inspeção externo nos termos transcritos nos autos, pretendendo a AT modificá-lo quanto aos períodos de tributação abrangidos, está vinculada aos termos do artigo 15.º, entende o STA que esta obrigação, tem subjacente, essencialmente, permitir ao contribuinte conhecer o âmbito do procedimento de inspeção, de modo a determinar, devidamente, os deveres e sujeições que legalmente lhe assistem no quadro do mesmo, e produzir efeitos relativamente ao prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 46.º da LGT.  

Desde logo é de notar que o STA considera que a falta de notificação prevista no artigo 49.º do RCPITA, não gera, de per si, a invalidade do procedimento.  Ora, naturalmente que as irregularidades ou deficiências de tal notificação e, consequentemente, por identidade de razão, do despacho a que alude o artigo 15.º do RCPITA, não acarretará, igualmente de per si, tal invalidade, sem prejuízo de eventuais efeitos sobre o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, e da necessidade de assegurar o direito de participação do contribuinte.

Acresce, que mesmo que assim não fosse, tem sido entendimento jurisprudencial que as invalidades do procedimento de inspeção não se projetam, imediata e automaticamente, na validade do ato de liquidação na medida em que se demonstre que o interessado teve conhecimento do procedimento e do respetivo objeto a tempo de nele poder intervir.  

De acordo com a referida jurisprudência, entende-se que havendo lugar a notificação para o exercício do direito de audição prévia, o vector em causa poderá ficar, desde logo, satisfeito (pese a falta de notificação do alargamento do âmbito), se o interessado considerar que não tem nada a acrescentar àquilo que resultou da anterior instrução do procedimento. E não poderia ser de outro modo, na medida em que as formalidades processuais são meios de garantir objetivos e não finalidades em si mesmas, assim se podendo visualizar como meras irregularidades sem efeitos invalidantes de acordo com o princípio do aproveitamento do ato administrativo.

Neste contexto, as questões suscitadas pela Requerente são destituídas de qualquer relevância invalidante.

Por um lado, conforme resulta do probatório nunca foi negado à Requerente o direito de audição e de participação na formação das decisões da AT no âmbito do processo em apreço, tendo sempre sido notificada das decisões proferidas no procedimento de inspeção, designadamente das prorrogações ocorridas.

Por outro lado, não se encontram evidências nos autos que corroborem a tese da Requerente segundo a qual AT terá violado os seus deveres de cooperação e manifestado uma atitude intolerante em relação à Requerente.

Pelo contrário, o que resulta evidente do relatório de inspeção é que a AT terá procurado compreender a natureza da atividade da Requerente ao longo dos anos, tendo em consideração que esta efetuou inúmeros investimentos nos bens imóveis que explora e de que é proprietária. Ora, no domínio das operações imobiliárias o regime de IVA aplicável, consoante a afetação dada ao património, poderá estar sob vigilância durante um período de 20 anos. É, por conseguinte, neste contexto, que se devem enquadrar as ações empreendidas pela AT, no âmbito do procedimento de inspeção, verificando os registos contabilísticos e o tratamento das operações imobiliárias passada ao longo do referido período.

Os alegados “nexos artificiais entre acontecimentos não relacionados” plasmados no RIT que, segundo a Requerente inquinam a legalidade da inspeção por incumprimento dos deveres de cooperação,  resultam, cremos, não de uma postura intolerante, mas da eventual dificuldade de compreensão dos registos da contabilidade da Requerente (designadamente, por esta levar a custo investimentos que deveriam ter sido capitalizados, por tais lançamentos conduzirem à perda imediata da identidade do investimento, entre outros problemas encontrados), quer sob o ponto de vista formal quer sob o ponto de vista substantivo, e da necessidade de contextualizar as operações praticadas numa linha temporal mais alargada, que atinge no caso das operações sobre imóveis, a duração de 20 anos.

Acresce, que no decurso da ação inspetiva, a Requerida deparou-se com um conjunto de procedimentos que eventualmente indiciam intenções contraditórias por parte da Requerente.  A título de exemplo,  resulta do RIT que a Requerente está enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, realizando operações que conferem o direito à dedução integral do IVA, no entanto, não declara quaisquer rendimentos resultantes do exercício da atividade constante do seu cadastro fiscal (CAE 46900), estando em contrapartida a declarar as suas operações ativas como isentas, ao mesmo tempo que reporta as operações passivas como se de uma atividade sujeita a IVA se tratasse.

Ora, o dever de cooperação e de colaboração recíprocas entre a AT e o contribuinte, devem ser ponderados à luz das situações concretas consideradas e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida. Esta atuação tem um conteúdo de caráter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que atuem com lealdade e sinceridade recíprocas, abstendo-se de atuações que possam enganar o outro interveniente ou ocultar elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições.

Convém salientar, que o princípio da colaboração deve existir em harmonia com a atividade de averiguação por parte da AT com vista à determinação da verdade material que os elementos apresentados pelo sujeito passivo pretendem afirmar. Tal averiguação pode determinar, no decurso da inspeção tributária, e num contexto de correção por parte da AT, uma legítima discordância de posições, sem que tal facto constitua uma afronta aos princípios da boa-fé e da colaboração que informam o procedimento tributário (artigo 58.º da LGT).

Pelo exposto, da leitura do RIT, não se afigura evidenciado que houve uma atuação persecutória da parte da AT, violadora dos princípios da colaboração que devem mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, antes se considerando que esta observou com razoabilidade os seus deveres de atuação com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

Finalmente, importa referir que os atos materiais de inspeção incidentes sobre as operações praticadas pela Requerente nos exercícios de 2009 a 2013, se encontram justificados no RIT (ponto II. C-51) tendo sido concedida à Requerente oportunidade de exercer o contraditório em relação a todos os atos praticados e correções propostas.

Assim sendo, independentemente da verificação ou não das deficiências assacadas pela Requerente ao processo de inspeção, tendo sido devidamente assegurado o seu direito de participação, não se verificará, com tal fundamento, qualquer ilegalidade nas referidas liquidações, devendo por isso improceder, nesta parte, o pedido arbitral, sem prejuízo do que seguidamente se decidirá em sede de apreciação do mérito das liquidações.

 

1.2            VÍCIOS MATERIAIS

 

1.3          DO REGIME LEGAL DA LOCAÇÃO DE IMÓVEIS EM SEDE DE IVA – BREVES NOTAS SOBRE A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL E ADMINISTRATIVA

A questão central que se discute nos autos, totalizando uma correção ao IVA não liquidado no valor de € 144.601,00, passa por aferir se a atividade de locação de imóveis desenvolvida pela Requerente tem ou não enquadramento no âmbito da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

Vejamos pois o que se nos oferece dizer.

A alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA estabelece que se encontram sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado “As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuados no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.

De acordo com o artigo 4.º do Código deste imposto, o conceito de prestação de serviços é para efeitos de IVA um conceito residual, sendo consideradas enquanto tal as “operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”

Neste contexto, a disponibilização temporária de um bem imóvel por um sujeito passivo a outro, mediante o pagamento de uma contrapartida por este último – i.e. a locação de bem imóvel – consubstancia uma prestação de serviços sujeita a IVA, nos termos do conceito residual de prestação de serviços consagrado no n.º 1 do artigo 4.º do Código deste imposto.

O princípio geral de tributação em sede de IVA, segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo deste imposto, sofre determinadas derrogações, entre elas, as isenções de imposto previstas no artigo 9.º do Código do IVA.

Neste contexto, o n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta deste imposto, salvo nos casos previstos nas respetivas alíneas a) a e).

A isenção em apreço configura uma isenção incompleta, na medida em que não permite a dedução do IVA suportado a montante – i.e. na locação o locador não liquida IVA sobre o valor da operação, não lhe assistindo, consequentemente, o direito a deduzir qualquer imposto suportado a montante, designadamente na construção do imóvel, na reabilitação ou nas despesas de manutenção.

A isenção em apreço resulta da transposição para o ordenamento jurídico português da alínea l) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva 2006/1127CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (“Diretiva IVA”), que obriga os Estados-Membros a isentar de IVA a locação de bens imóveis, exceto as locações previstas no n.º 2 do artigo 135.º da mesma Diretiva.

Note-se que a expressão “locação de bens imóveis”, utilizada na referida alínea l) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA não foi objeto de qualquer definição legal prevista nesta Diretiva, nem na anterior Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (“Sexta Diretiva”).

Nos termos do artigo 11º, nº 2, da Lei Geral Tributária (LGT), sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei. E, no nº 3 da mesma norma, diz-se que, persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, atender-se-á à substância económica dos factos tributários.

Ora, o conceito de locação consta do artigo 1022º do Código Civil, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.

Nestes termos, resulta do direito interno que o contrato de locação de bens imóveis possui como característica preponderante a mera colocação passiva do imóvel à disposição da entidade arrendatária, por contrapartida de uma remuneração.

Do ponto de vista fiscal, a isenção em análise tem sido objeto de interpretação da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”). A este respeito o TJUE vincou em vários acórdãos que as isenções previstas no artigo 135º da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos de direito europeu, que têm como objetivo evitar divergências na aplicação do regime de IVA.  

No que se refere à isenção prevista no artigo 135.º da Diretiva IVA, o TJUE sublinha que esta disposição não define o conceito de «locação» nem remete para a respetiva definição adoptada na matéria pelos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros.  A referida disposição deve portanto ser interpretada à luz do contexto em que se inscreve, das finalidades e da economia da Diretiva, tendo especialmente em conta a ratio legis da isenção que prevê.

Adicionalmente, prosseguindo quanto à metodologia a empregar na interpretação das regras de isenção, entende o TJUE de que estas possuem um caráter excecional no contexto do sistema do IVA, que como se referiu, está subordinado a um princípio de generalidade, devendo por isso ser interpretadas de modo estrito, i.e. de modo literal, ficando vedada a interpretação extensiva ou a analogia.  

O Tribunal tem contudo lembrado que esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva, e que as regras de isenção constantes da Diretiva IVA não devem ser interpretadas de maneira a privá-las dos seus efeitos.   Além do elemento literal, a jurisprudência do TJUE tem vindo a fazer apelo a outros elementos interpretativos, desde logo à necessidade de ponderar as finalidades – elemento finalístico - das regras de isenção no seu contexto.

Assim, no caso específico da locação de imóveis, o TJUE determina que a caraterística fundamental do conceito em análise “consiste em conferir ao interessado, por um período acordado e mediante remuneração, o direito de ocupar um imóvel como se fosse proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito. Para apreciar se uma determinada convenção responde a esta definição, devem tomar-se em consideração todas as caraterísticas da operação e as circunstâncias em que se desenvolve. A este respeito, o elemento decisivo é a natureza objetiva da operação em causa, independentemente da qualificação que lhe atribuem as partes”.  

O TJUE observaria que a operação de locação de um imóvel “constitui normalmente uma atividade relativamente passiva ligada ao simples decurso do tempo e que não gera um valor acrescentado significativo”, por oposição a outras prestações de serviços próximas à locação, mas que excedem a simples disponibilização passiva de um bem imóvel por contrapartida de uma remuneração. 

Refira-se ainda que o TJUE considera que a isenção de IVA em apreço não poderá ser aplicada genericamente à “cedência de locais e outras instalações e à colocação à disposição de elementos acessórios ou outros equipamentos”,  i.e. locação de bens imóveis acompanhadas de outras prestações de serviços, afigurando-se relevante nestes casos, a suscetibilidade ou não da dissociação destas outras prestações de serviços à operação de locação per se do bem imóvel.

Nesta matéria, conforme consta das Conclusões do Advogado-Geral Antonio Tizzano, proferidas no processo C-409/98, e apresentadas em 23 de Janeiro de 2001, “a opinião segundo a qual as características da locação devem ser predominantes num dado contrato, a fim de que este possa beneficiar da correspondente isenção, parece-nos muito importante para o objectivo ora em causa. De facto, isso significa excluir da isenção os contratos que, se bem que partilhem de alguns elementos do contrato de locação, se caracterizam essencialmente por uma prestação de serviços conexa à fruição do imóvel”. 

Seguindo as palavras do Advogado-Geral, “para avaliar quais são os elementos predominantes num determinado contrato, não nos podemos limitar a um exame abstrato ou puramente formal do mesmo. Sendo necessário identificar a função económica do contrato, isto é, a função concreta que o mesmo é objectivamente chamado a desempenhar para satisfazer os interesses das partes. Por outras palavras, é necessário que seja identificado aquilo que, na tradição jurídica dos vários países europeus, é definido como a causa do negócio jurídico, que é precisamente entendida como a função económica do mesmo, destinada à composição dos interesses em jogo. No caso do contrato de arrendamento, como ficou dito, essa função consiste na transferência, de um sujeito para outro, por um dado período de tempo, da fruição exclusiva de um imóvel”. 

 

Cabe também referir que, no essencial a AT, tem aplicado a isenção em sede IVA respeitante à locação de bens imóveis nos termos definidos pela jurisprudência europeia, utilizando um critério que permite distinguir “as situações de locação do imóvel pura e simples – mero arrendamento – de outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é realizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.” 

Assim, segundo a AT, “só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais ou para fins não habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas - quando for efectuada "paredes nuas", no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos”.

Na esteira das decisões proferidas pelo TJUE, entende a AT, que o conceito de "paredes nuas", não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios. Assim, o critério fundamental que permite distinguir o conceito de locação de imóveis de outro tipo de situações atípicas, associadas à concreta exploração do imóvel, e que, portanto, determina o afastamento da isenção e a sujeição a IVA da operação, reside na circunstância de ser ou não conferida “aptidão produtiva ao imóvel” ou por outras palavras, a “preparação para o exercício de uma atividade empresarial”. 

Finalmente e, para concluir, sendo o IVA um imposto geral sobre o consumo de matriz comunitária que pretende respeitar o princípio da neutralidade, os sujeitos passivos que realizem as prestações de serviços consideradas isentas de imposto, como seria o caso da locação de imóveis, não beneficiam do direito à dedução do imposto contido nos seus inputs.

 

1.4          APRECIAÇÃO CONCRETA

 

De acordo com o projeto de Relatório dos SIT, a AT realizou correções em sede de IVA aos períodos de 2014, 2015, 2016 e 2017, pondo em causa o enquadramento da Requerente segundo a qual todos os imóveis locados configuravam locações isentas de IVA ao abrigo do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

As correções de IVA em causa, apresentam-se em três vertentes de seguida analisadas, incidindo sobre (i) IVA  não liquidado pela Requerente, em consequência da qualificação das operações ativas enquanto operações isentas, (ii) IVA indevidamente deduzido e, finalmente, (iii) IVA não regularizado, face à circunstância de a Requerente ter procedido à dedução integral do IVA relativo às despesas com esses imóveis, no montante de €437.144,30, não obstante, o tratamento das suas operações como isentas.

Atendendo à matéria de facto dada como provada, a questão principal nos autos traduz-se em determinar se devem ou não considerar-se isentos, em sede de IVA, os contratos de arrendamento celebrados pela Requerente, e consequentemente, se tinha a Requerente o direito a deduzir o IVA que suportou a montante na reabilitação e construção dos seguintes imóveis:   

 

-              Prédio urbano sito no Largo ... ..., ...;

-              Parte de prédio urbano sito no Largo ... ..., ... (2º piso);

-              Prédio urbano sito na Travessa Dr. ..., ..., ...;

-              Prédio sito na Rua ... ..., ...;

-              Parte do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ...,

-              Prédio urbano sito na ..., n.º..., Lisboa;

-              Prédio Urbano sito na Rua ..., n.º..., Lisboa;

 

i)             IVA não Liquidado – imóveis Largo ... n.ºs..., ...; Largo ... n.ºs ... e...,  ..., R/C, 1.º e 2º piso; 1.º Andar do n.º 4 da Travessa ...; Apartamento na Rua..., ..., Lisboa; Apartamento na ..., Lisboa; Rua ... em ... .

Atendendo à matéria de facto dada como provada, a questão principal nos autos traduz-se em determinar se devem ou não considerar-se isentos, em sede de IVA, os contratos de arrendamento celebrados pela Requerente e, consequentemente, se tinha a Requerente o direito a deduzir o IVA que suportou a montante na reabilitação e manutenção e apetrechamento dos imóveis supra identificados   

A AT entendeu que o enquadramento feito pela Requerente como uma locação isenta de IVA não é o correto uma vez que as locações não são apenas “paredes nuas” tendo subjacentes “outros aspectos que proporcionam ao locatário um outro valor acrescentado”. Entre estes aspectos a AT destaca o facto de todos os imóveis, terem sido objeto de obras de construção e reabilitação, visando a adaptação ao exercício de um determinado tipo de atividade, havendo, além do mais, lugar à prestação de serviços e ao fornecimento de mobiliário e equipamentos vários identificados no RIT. 

A versão dos factos apresentada pela Requerente é de que todos os contratos de arrendamento celebrados são verdadeiras locações de imóveis “paredes nuas”.

Alega que as obras de construção e reabilitação não visaram a adaptação dos imóveis às necessidades e fins prosseguidos pela sociedade locatária F..., tendo esta procedido à respetiva adaptação por sua conta.

A Requerente defende que as faturas relativas à prestação de serviços à F..., onde se inclui o fornecimento de energia eléctrica, água, controlo de pragas no prédio de ..., pacote ... no apartamento de Lisboa, substituição de lâmpadas no edifício ... (centro radiológico), entre outros, embora faturados à Requerente eram pagos pela F... e, ainda que nalguns casos assim não fosse, tais fornecimentos não seriam suscetíveis de descaracterizar o contrato como “paredes nuas”.

 

Ora, segundo entendemos, os autos não contêm elementos de prova que alicercem a tese da Requerente.

Começando pelas obras de reabilitação e adaptação dos imóveis realizadas pela Requerente, tendo em vista acomodar os espaços aos fins e necessidades específicas da sociedade F..., está provado nos autos que os imóveis foram alvo de profundas intervenções (à exceção da Travessa ....– Centro Radiológico e Sede da Requerente imóvel que já se encontrava adaptado e licenciado ao funcionamento como centro radiológico), implicando custos avultados, incluindo em equipamentos, que extravasam pela sua natureza, os investimentos que resultariam de uma empreitada de reabilitação geral destinada à preparação de imóveis “paredes nuas”, como resulta da tese da Requerente.

  Saliente-se que tais investimentos foram totalmente suportados pela Requerente, sendo dado relevante que o respetivo IVA foi objeto de dedução integral.

Prosseguindo na análise daquela que nos parece ser a questão central. Por um lado, a Requerente realiza avultados custos ligados ao investimento em obras de reabilitação e beneficiação, por outro defende, embora sem provar, que estes imóveis apesar de terem sido totalmente intervencionados e nalguns casos solicitadas as respetivas licenças de utilização emitidas em nome da própria Requerente, designadamente para “Centro Médico de Radiologia” (vide, anexo 9 do PA), se enquadram no modelo do arrendamento “paredes nuas”, para de seguida deduzir todo o IVA incorrido a montante. Ora, é a própria Requerente que afirma que o edifício ... n.ºs ... em ... e o edifício contíguo sito nos n.ºs ... e ..., foram sujeitos a uma empreitada paga pela Requerente, cujo IVA também deduziu, e subsequentemente instalados um “Centro Médico de Radiologia”, e um estabelecimento de “Bebidas e Galeria de Arte.”

Outro aspecto a realçar é a surpreendente quantidade de fornecimentos em materiais, mobiliário e equipamentos vários que são contabilizados indistintamente, sem delimitação ou especificação de artigos matriciais, e sem qualquer preocupação de subsequente alocação do custo por fração, segundo aconselham as regras da afetação real e conforme resulta do disposto na alínea b) do número 3 do artigo 23.º do Código do IVA.  

Acresce que, a simples circunstância de serem cedidos equipamentos vários, com destaque para equipamentos de ressonância magnética, mobiliário, (vide lista de inventário de bens patrimoniais, anexo II e ainda anexo 19 do PA) e um conjunto de serviços acessórios, em regime de permanência, ainda que de forma indivisa, dada a ausência de uma contabilidade segregada por imóvel, configuram indicadores suficientes para qualificar os contratos existentes como contratos de prestação de serviços, sujeitos a IVA, nos termos gerais.

Para este efeito, é especialmente revelador da natureza dos contratos celebrados entre a Requerente e a F..., a existência de cláusulas relativas à cedência de equipamentos que se destinam à realização de exames de diagnóstico (vide Anexo VI do PA).

Por conseguinte, no domínio da prova, a Requerente não demonstra os factos que alega. No que toca aos fornecimentos de água e de luz em nome e a cargo da Requerente, começa por afirmar, que tal situação terá ocorrido por motivos de “natureza prática”, para depois evoluir na abordagem conceptual de que um arrendamento paredes nuas, para efeitos de IVA, pode compreender a prestação destes serviços, e por fim, conclui que F... apesar de não figurar como titular destes contratos, suportaria os custos.

 Semelhantes imprecisões surgem ao nível de algumas faturas de fornecedores (designadamente faturas ..., G... – controlo de pragas, faturas ..., ..., ...) colocando-se a questão de saber quem é o real adquirente dos bens ou serviços que titulam, dada a existência de faturas dirigidas à Requerente muito embora, segundo esta, seriam da F..., factos que incumbiam à Requerente esclarecer, de forma inequívoca o que, salvo devido respeito, não fez, nem por via documental, nem por via da prova testemunhal.

Assinale-se ainda que apesar de qualificar os referidos contratos de locação como operações isentas de IVA, nos recibos emitidos aos adquirentes consta o descritivo de “cessão de exploração”.   

Assim, para além da manifesta incoerência que ressalta da comparação entre a multiplicidade de investimentos efetuados pela Requerente – conforme as listagens contabilísticas constantes do RIT– e a tese do arrendamento de imóveis “paredes nuas”, a ponderação de todos estes elementos contraditórios revela, em certa de medida, uma dificuldade de delimitação exata das esferas de interesses patrimoniais de cada uma das sociedades, o que coloca em causa a credibilidade de tais contratos, sobretudo quando as sociedades em causa partilham dos mesmos sócios, da mesma direção e realizam em regime de permanência contratos de prestação de serviços entre si.

  Conforme referimos no ponto 1.3 supra, a alegação da existência de um contrato de arrendamento “paredes nuas” não permite por si só provar esta mesma factualidade.

Segundo a metodologia proposta pelo TJUE, a averiguação do enquadramento no âmbito da isenção do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, passa por ter em conta todas as circunstâncias em que a operação se desenrola para dela extrair os elementos caraterísticos e avaliar se pode ser qualificada de «locação de bens imóveis» na acepção da Diretiva IVA. Compete verificar os contratos existentes nas suas diversas vertentes, designadamente, em que moldes foram celebrados, em que moldes são cumpridos, que relações concretas existem entre as partes, e finalmente, se têm essencialmente por objeto uma passiva colocação à disposição de locais ou de superfícies de imóveis em contrapartida de uma retribuição ligada ao decurso do tempo, ou se tais contratos implicam uma prestação de serviço suscetível de ser diferentemente qualificada.

Nesta análise, considera o TJUE que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais ter em conta a realidade dos factos, não devendo limitar-se à letra dos acordos. 

Ora, para além das várias circunstâncias supra relatadas que infirmam a tese da Requerente, soma-se ainda, conforme apuraram os SIT, que os diversos contratos de arrendamento e seus aditamentos foram assinados pela mesma pessoa enquanto representante de ambas as sociedades, e que nenhum dos contratos foi comunicado à AT, conforme previsto no artigo 60.º do Código do Imposto do Selo.

É, desta feita, vasto o elenco de situações em que, por negligência ou incúria da Requerente, os documentos fazem referência a uma coisa, pretendendo-se dizer outra diferente. Refere a Requerente, que apesar do imóvel sito no Largo ... ..., se encontrar arrendado à F... na sua totalidade, para armazém do centro de imagiologia, desde 2006 (conforme pedido de pronúncia arbitral), tal facto não passava de mais um lapso, respeitando a cedência apenas ao 2º piso, porquanto os dois primeiros pisos estavam cedidos, desde 2008, à sociedade H... Lda., por seu turno, detida por sócios comuns, e constituída para desenvolver um projeto de galeria de arte e bar de apoio.

Note-se, conforme admite a Requerente, que todo o imóvel foi objeto de reabilitação, incluindo a parte cedida à F... para armazém (2.º piso), por conseguinte, não se vislumbra que deva merecer um tratamento diferenciado para efeitos de IVA, face à forma indivisa como foram realizados os investimentos em causa.

Em vários momentos dos seus articulados a Requerente justifica as incongruências apuradas pelos SIT como situações de “erro” ou de “engano”. Porém, não se considera aceitável, com base na prova reunida e nos indicadores constantes da contabilidade, valorar os sobreditos “erros” como algo acidental, sendo certo que, ainda que o fossem, não teriam o resultado pretendido pela Requerente de qualificar tais contratos enquanto arrendamentos “paredes nuas” e de permitir, em simultâneo, a dedução integral do IVA que esta suportou nas aquisições de bens e serviços respeitantes aos mesmos. Nesta ótica, entende-se que o enquadramento dos contratos em causa, enquanto prestações de serviços sujeitas a IVA, não ficaria prejudicado pela circunstância da F... ter procedido à realização de algumas obras de adaptação dos imóveis onde desenvolve a sua atividade.

Em conclusão, traduzindo os contratos em apreço uma locação integrada de espaços com serviços associados de fornecimento de mobiliário e equipamentos específicos, entende-se configurar uma prestação de serviços, sujeita a IVA, não se enquadrando no âmbito da isenção de IVA prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

 

No que respeita às demais correções efetuadas pela AT sobre as prestações de serviços que a Requerente praticou, entende-se resultar dos autos prova bastante que sustente tais liquidações.

Assim, quanto ao prédio da Rua ... ... em ..., o qual segundo a Requerente consiste num terreno sem outras infraestruturas, encontra-se provado que este espaço é utilizado como estacionamento coletivo de veículos, em particular, de ambulâncias, tendo sido inclusivamente contabilizados rendimentos no período de 15.12T, a par da emissão de uma fatura de renda anual (vide anexo V do PA).

Ora, tratando-se de um local para estacionamento coletivo de veículos, as importâncias recebidas pela Requerente constituem a remuneração por um serviço de estacionamento, que se encontra excluído do âmbito da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, e, por conseguinte, sujeito a este imposto, por força da alínea b) do mesmo número. 

Tal entendimento deverá aplicar-se ao valor constante da Fatura-Recibo n.º 2/98 cujo descritivo apenas refere “retificação aos valores das rendas”, no valor de €18.500,00 – pois ainda que o descritivo peque por ausência de cumprimento dos requisitos obrigatórios de conteúdo das faturas , não restam dúvidas que respeita a um facto tributário diretamente conexo com as operações de locação de espaços da Requerente à sociedade F..., as quais, conforme temos vindo a considerar, se encontram, no seu conjunto, sujeitas a IVA, porquanto, recorde-se, a prova carreada pela Requerente não permitiu demonstrar a natureza de arrendamento “paredes nuas” em que se baseia a regra de isenção prevista n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA. 

De igual forma, é devido IVA pela cedência à F... de parte da moradia de ..., na Rua ..., onde os sócios-pais, ambos médicos radiologistas e funcionários de F... afirmaram exercer a sua atividade, realizando relatórios médicos relativos aos exames radiológicos e evitando a sua deslocação às instalações de ... . Tal situação ocorreu consistentemente nos períodos de 2014, 2015 e 2016, facto que a Requerente não contesta, muito embora, não tivesse registado qualquer rendimento a título de contrapartida pela disponibilização do espaço em questão à F..., no ano de 2015, o qual sempre seria devido, pelo que, não merece qualquer censura a correção à liquidação efetuada pela AT.   

Tal conclusão tem subjacente a matéria de facto, considerando-se provado que a Requerente realizou diversos investimentos nesta moradia, designadamente em despesas de reparação, beneficiação, serviços de instalação e fornecimento de internet e telefone,  reparação e manutenção da piscina, (vide, Anexos II do PA, e  a título de exemplo, faturas O...) cujo IVA foi integralmente deduzido, o que leva à situação de enquadramento da cedência de espaço à F... enquanto uma locação de imóveis, sujeita a IVA, e deste imposto não isenta.

 

ii)            IVA indevidamente deduzido (imóvel Largo ... ... R/C e 1.º piso; parte do imóvel da Rua ... em ...; imóvel da Rua ..., n.º ... em Lisboa) 

 

De acordo com as circunstâncias apurada pelos SIT e confessadas pela Requerente, nos diversos períodos de 2014, 2015 2016 e 2017, esta procedeu à dedução do IVA relativo aos encargos incorridos com estes imóveis, designadamente consumos de água, luz, internet, reparações, equipamentos, materiais e utensílios vários, não obstante, tais imóveis estarem apenas parcialmente afetos ao exercício da atividade de locação da Requerente (vide Anexo 10, 13 e 14 do PA). 

Ora, a este respeito dispõe o n.º 7 do artigo 19.º do Código do IVA o seguinte:

“Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.”

Por seu turno, o artigo 184.º da Diretiva IVA estabelece o princípio de que “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”.

Nas concretas circunstâncias apuradas, ficou demonstrado que os imóveis em causa não são estritamente utilizados em fins empresariais, conforme seguidamente se analisa:

-              Imóvel da Rua ..., n.º ... em Lisboa, consiste num apartamento, o qual além de não ter qualquer rendimento registado nos períodos em referência, foi indicado entre 2009 e 2015 como residência do Sócio-filho da Requerente;

-              Imóvel Largo ... ..., R/C e 1.º piso, no qual desde 2008 se situa a sede da Sociedade H... Lda. – resulta do probatório que o espaço foi totalmente intervencionado e apetrechado para funcionar como galeria de arte e bar, embora nunca tenha gerado quaisquer rendimentos, sem que se tenha esclarecido, de forma satisfatória os motivos para a inatividade permanente e prolongada desta Sociedade. A Requerente invoca a ocorrência de um incêndio com destruição total das instalações daquela – note-se no R/C e 1.º piso –, contudo, os documentos juntos aos autos pela própria indicam a participação do incêndio pela Sociedade F... – sublinhe-se, esta ocupa o 2.º piso do imóvel – acrescendo que a descrição feita da ocorrência pelos bombeiros indicou um “incêndio que ocorreu numa divisão do edifício” e “Destruição da divisão onde ocorreu o incêndio”. Ora, atendendo à prova existente nos autos, entendemos, tal como entendeu a AT, que não resultam clarificados os elementos essenciais em que radica a tese da Requerente, a saber, (i) o local exato onde ocorreu o incêndio, (ii) a real dimensão dos danos, (iii) a consequência que este incidente tenha resultado na destruição das instalações da Sociedade H... e, (iv) por último, a razão de que a Requerente só não continuou a prossecução da atividade tributada por força de circunstâncias que lhe são alheias, nomeadamente ter deflagrado um incêndio que danificou todo o imóvel (sublinhado nosso).    

-              Imóvel da Rua ... em ..., sendo esta uma moradia de 3 pisos, com piscina, a qual segundo informação prestada à inspeção tem vindo a ser utilizada em parte como escritório e armazém da sociedade F..., e noutra parte como residência principal do sócios (pais) da Requerente, nos termos das percentagens apuradas no RIT (vide Anexo 8 do PA).    

Ora, tendo o sujeito passivo optado por afetar parte destes imóveis a fins alheios à empresa, enquanto simultaneamente deduziu todo o IVA pago a montante sobre os investimentos realizados nestes ativos, deparamo-nos perante gastos, que nessa parte, não apresentam uma conexão fáctica ou económica com a atividade desenvolvida pela Requerente, porquanto, impõe-se concluir pela dedução indevida do IVA, nos termos dos artigos 19.º, n.º 7, e 20.º do Código do IVA.

Finalmente, atenta a ausência de justificação oferecida pela Requerente, considera-se igualmente provado que a Requerente deduziu em 2017 um conjunto de despesas, no total de €4.189,39, que pela sua natureza de consumos privados do sujeito passivo as torna subsumíveis nas exclusões do direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA (vide listagem constante do Anexo 10, fls. 22 e 23 e Anexo 11 do PA).

 

iii)           IVA Regularizado (imóvel Largo ... ... ... R/C e 1.º piso; parte do imóvel da Rua ... em...; imóvel da Rua ..., n.º ... em Lisboa) 

 

Relativamente aos imóveis referidos no ponto anterior, e feita à análise da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo em que se concluiu pela prestação de serviços de locação de imóveis, considerou-se no ponto anterior devidamente provada a afirmação constante do RIT de que “alguns destes imóveis ou partes deles não estão a ser objeto de uma utilização para os seus fins empresariais”, sendo, nestas circunstâncias, segundo a AT, devidas as correspondentes regularizações do IVA.

 

Vejamos então.

Nos termos do n.º 2 do artigo 24.º do Código do IVA, sob epígrafe “Regularizações das deduções relativas a bens do activo imobilizado” resulta o seguinte:

“2 - São também regularizadas anualmente as deduções efectuadas quanto às despesas de investimento em bens imóveis se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano de ocupação do bem e em cada um dos 19 anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.”

 

Por seu turno, o  n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA dispõe o seguinte:

“1 - A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

Na Diretiva IVA, a questão encontra-se regulada no artigo 187.º n.º 1 parágrafo 3 nos seguintes termos:

“(...)

No que diz respeito aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo das regularizações pode ser prolongado até vinte anos.

2.   Anualmente, a regularização é efectuada apenas sobre a quinta parte ou, caso o período de regularização tenha sido prolongado, sobre a fracção correspondente do IVA que incidiu sobre os bens de investimento em questão.

A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez.”(nosso sublinhado).

 

Resulta dos referidos preceitos como princípio basilar no que respeita à detenção de bens de investimento imobiliário, que o imposto suportado com a sua construção, reabilitação ou manutenção, deve manter-se afeto a atividades que conferem total ou parcialmente o direito à dedução durante um período de 20 anos.

Estabelece-se, por conseguinte, um período de ajustamento de 20 anos, que tem como pressuposto que os gastos incorridos sobre a aquisição, locação ou exploração de um bem imóvel beneficiam das características de durabilidade e suscetibilidade de extração de benefícios económicos futuros. 

No entanto, se durante este período ocorrer alguma alteração aos pressupostos de afetação destes bens, esse período servirá de base ao cálculo das regularizações a efetuar, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 26º do Código do IVA.

A este respeito, recorde-se a jurisprudência do TJUE: “É a aquisição de um bem por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo de dedução. A utilização que é dada a um bem, ou a que lhe é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 17.° da Sexta Diretiva, e o âmbito dos eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes (acórdão Lennartz, já referido, n.° 15). Ao invés, quando um sujeito passivo adquire um bem exclusivamente para uso privado, age a título pessoal e não enquanto sujeito passivo, na aceção desta diretiva (acórdão de 6 de maio de 1992, de Jong, C20/91, Colet., p. I2847, n.° 17). 

 

Ora, no caso em apreço considera-se provado que a Requerente optou por deduzir a totalidade do IVA pago a montante sobre as despesas de investimento realizadas nos referidos prédios, muito embora, durante o prazo de regularização de 20 anos tais imóveis não tenham sido utilizados, pelo menos em parte (conforme percentagens apuradas pela AT, constantes do PA), em fins empresariais, sendo, neste caso, aplicável o disposto no supra citado artigo 26.º do Código do IVA, havendo lugar à regularização de 1/20 da dedução efetuada.

Note-se que nas circunstâncias concretas do caso, e em função da prova reunida, resulta claro que estes imóveis não estavam afetos a uma atividade tributável, de acordo com as percentagens apuradas pelos RIT, sendo de referir que nesta previsão se incluem também os casos de não utilização pura e simples do imóvel – como é o caso do imóvel afeto à sociedade H...– uma vez que o espírito que fundamenta o direito à dedução exige a sua ligação a uma atividade tributada, não se tendo provado a impossibilidade de utilização destes bens por motivos alheios à Requerente.  

Conclui-se, assim, pela legalidade da correção efetuada pela AT, relativa a regularizações de IVA em falta, respeitantes aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, no valor de €54.291,85.

 

1.5          DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Invoca, por fim, a Requerente a caducidade do direito à liquidação das regularizações de IVA referidas no ponto anterior, apesar de reconhecer que “deduziu indevidamente certos montantes de IVA suportado em operações passivas relacionadas com operações isentas”.

Segundo a Requerente, aplicar-se-iam as regras previstas nos n.sº 1 e 4 do artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(...)

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (Redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro).”

Vejamos.

Havendo uma correção por parte da AT, tanto pode ter por objeto o IVA liquidado pelo sujeito passivo nas operações ativas, como o IVA deduzido no âmbito do exercício da respetiva atividade, sendo certo, que no caso em apreço, a AT colocou em causa a dedução do imposto operada pela Requerente, em função da não utilização de certos bens imóveis em fins empresariais, durante os exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, impondo, como consequência, uma regularização de 1/20 do IVA deduzido, por cada um dos referidos anos.

Advoga a Requerente a tese da caducidade de tais regularizações, uma vez que as deduções de IVA tiveram lugar em diversos momentos, desde o ano 2000 até ao ano 2013, considerando de aplicar o n.º 1 do artigo 45.º da LGT, em que o período de 4 anos para liquidar o imposto seria contado “do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto”, conforme  resulta do seu pedido de pronúncia arbitral.

Ora, salvo devido respeito, não assiste razão à Requerente. 

A este propósito, a doutrina tem vindo a reconhecer que só quanto ao imposto liquidado pelo sujeito passivo nos seus outputs são aplicáveis as noções de facto gerador e exigibilidade com que o artigo 45.º da LGT constrói as regras de caducidade relativas aos impostos de obrigação única.

Conforme refere Sérgio Vasques, “O IVA que o sujeito passivo incorra nos seus inputs, não é gerado na sua esfera nem lhe é exigível, constituído bem pelo contrário, um crédito que este pode mobilizar contra o Estado exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4, da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei”.  (Nosso sublinhado).

Decorre do preceituado do  n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA que  “1 - A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

Assim, segundo este preceito, no caso da detenção de bens de investimento imobiliário, o período de vigilância a observar sobre o direito à dedução do sujeito passivo é de 20 anos, contados da data em que os bens foram adquiridos, produzidos ou utilizados pela primeira vez, exigindo-se, para efeitos da manutenção do direito à dedução, a necessidade de afetação dos bens imóveis a atividades tributadas em cada um desses anos, durante o período total de 20 anos.

Tendo-se sido dado como provado a não afetação dos referidos imóveis em fins empresariais nos exercícios de 2014, 2015, 2016, 2017, encontrava-se o sujeito passivo obrigado a efetuar regularizações nestes períodos, de 1/20 por cada ano civil, até que se complete o prazo de 20 anos.

Assim sendo, fixando como limite o ano de 2014 – momento temporal até ao qual se estende o prazo a para a liquidação de IVA em falta, por força do instituto da caducidade – pode a AT, dentro deste prazo de 4 anos, emitir liquidações adicionais relativas a regularizações omitidas pelo sujeito passivo, por cada ano civil em que estas seriam devidas, até ao limite de 20 anos.

Note-se que o artigo 45.º, n.º 3, da LGT também esclarece esta questão ao dispor que no caso de ter sido efetuada qualquer “dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.

                 A referência a “dedução” e crédito de imposto foi introduzida no n.º 3 do referido artigo por meio da Lei do Orçamento de Estado para 2005. Tal “dedução” não pode ser entendida em sentido estrito, apenas como aquela que é exercida com a apresentação da declaração do período a que respeita. Segundo defendem Alexandra Martins e André Areias “Uma regularização ao IVA dedutível, ainda é dedução, uma vez que como afirma o TJUE deverá ser exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efectuadas a montante pelo sujeito passivo, e sem uma eventual regularização a dedução não será exercida na sua plenitude o que compromete, necessariamente, o parâmetro da neutralidade”. 

Pelos motivos expostos, e nos termos do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, improcede o argumento da caducidade do direito à liquidação sobre as regularizações indevidamente omitidas pela Requerente, respeitantes aos períodos de 2014, 2015, 2017 e 2017, assistindo, também nesta sede, razão à AT. 

 

VI- DECISÃO

               

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

 

a)            Manter na ordem jurídica os atos tributários de liquidação adicional objeto do presente pedido, no valor global de €212.810,83;

b)           Absolver a Requerida de todos os pedidos formulados, incluindo do pagamento de uma indemnização derivada da prestação de garantia;

c)            Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

***

 

VII- VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €212.810,83 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VIII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.284.00  nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, em conformidade com a Tabela, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Lisboa, 3 de Julho de 2019

 

 

Os Árbitros

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Árbitro presidente)

 

Filipa Barros

Jorge Carita