Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 611/2018-T
Data da decisão: 2019-06-05  IRC  
Valor do pedido: € 161.566,90
Tema: IRC. Caducidade do direito de liquidação. Reporte de prejuízos. Alteração do âmbito da inspecção tributária. Falta de fundamentação. Encargos financeiros, Dedutibilidade de gastos.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Augusto Vieira e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-02-2019, acordam no seguinte:

 

                1. Relatório

 

A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Cascais, titular do número de identificação fiscal ..., apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:

(i)           a declaração de ilegalidade e anulação das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017...;

(ii)          a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRC n.º 2017 ... (2009), n.º 2016 ... (2012), n.º 2017 ... (2013) e n.º 2017 ... (2014)

(iii)         a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-12-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-01-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-02-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 30-04-2019, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

               

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

A)           Em 08-07-2015, na sequência da alteração da titularidade de mais de 50% do seu capital social, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária um requerimento para autorização de dedução de prejuízos fiscais apurados nos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2012;

B)           Na sequência da apresentação do pedido referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção de inspeção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC, que versou sobre os referidos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2012, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2016..., n.º OI2016... e n.º OI2016...;

C)           A inspecção referida iniciou-se em 23-05-2016 e foi concluída em 23-11-2016 (página 4 do Relatório da Inspecção Tributária relativo a esta inspecção);

D)           Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTO DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL - exercício de 2009

III-1- Gastos com encargos financeiros não aceites fiscalmente nos termos do art.º 23.º do Código do IRC

O contribuinte contabilizou gastos na conta POC 681-juros suportados, no valor de 128.564,41€, (anexo III), conforme se discrimina:

 

Os encargos financeiros referidos, estão diretamente relacionados com os empréstimos obtidos através das várias instituições bancárias e destinam-se a apoio de tesouraria do contribuinte.

A conta POC 231 - empréstimos bancários apresenta em 31.12.2009 o saldo credor de 3.365.450,31€, (anexo III) assim:

 

Verifica-se que o contribuinte se encontra a financiar a entidade B... SGPS SA, nipc

..., através de apoio à tesouraria.

Esta sociedade detinha no exercício 79,95 % do capital social do contribuinte.

O valor do saldo devedor contabilizado na conta POC 2525- empréstimos B... SGPS em 31.12.2009 era de 1.646.680,20€ (anexo III):

 

Assim, verifica-se que o sujeito passivo, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros de financiamentos bancários, resultantes dos empréstimos contraídos, concedeu empréstimos à empresa relacionada B... SGPS SA, não tendo sido remunerado pelo valor dos empréstimos concedidos.

Enquadramento legal dos gastos financeiros

Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e de simultaneamente, estar a conceder empréstimos a empresa associada, não remunerados, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23º do CIRC.

Nos termos do nº 1 do referido artigo, na sua redação à data dos factos "... Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração..."

É assim requerido que aqueles gastos, para serem aceites fiscalmente como gasto fiscal estejam comprovados, (prova documental) e se verifique a indispensabilidade dos mesmos com vista à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Decorre do princípio geral do artigo 23.º do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou é obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.

No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos, e, simultaneamente, "concede" financiamentos, não remunerados, à empresa relacionada B... SGPS SA.

Daqui resulta que parte dos referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo, cujo objeto social, como já anteriormente referido, consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro, atividade que está enquadrada no CAE-055111- Hotéis com restaurante.

Ao não estarem relacionados com a atividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos encargos financeiros contabilizados, conforme estabelecido no artigo 23º do CIRC.

Face a todo o exposto não são aceites fiscalmente os gastos Refinanciamento contabilizados nas contas POC 681-juros suportados, no valor de 62.905,24€. assim apurados:

Taxa de juro apurada (3);

(3) Taxa de juro apurada = (2) encargos financeiros /(1) empréstimos obtidos

0,03820125 = 128.564,41€ / 3.365.450,13€

Encargos não aceites (5) = empréstimos concedidos (4) * Taxa de juro apurada (3) 62,905,241 =1.646.680.20 € * 0,03820125

Juntam-se em anexo III os extratos das contas SNC-23101, 231031, 231051, 231061, 231062, 231072, 231074, 231075, 231081, 231082, 231091, 2525, 6811, 6815, e 6817.

 

 (...)

 

VIII- Conclusões das ações de inspeção

 Em sede de IRC- exercício de 2009:

As correções propostas, meramente aritméticas, resultantes de imposição legal, em sede de IRC, ascendem ao montante de 62.905,24 € conforme se refere no ponto III-1, donde o prejuízo fiscal declarado de 872.612,36 € é corrigido para o prejuízo fiscal corrigido de 809.707,12 €;

 

E)            No dia 06-01-2017, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC relativo ao período de 2009, identificado através da demonstração de liquidação de IRC n.º 2017... e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2017 ... (associada à compensação n.º 2017 ...) (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            A correção relativa à dedutibilidade dos encargos financeiros, por referência ao período de 2009, determinou uma alteração do prejuízo fiscal inicialmente apurado pela Requerente, no montante de € 872.612,36, para um montante de € 809.707,12;

G)           Em 05-05-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRC relativo ao período de 2009 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           No dia 28-09-2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2017..., que tinha como objeto a liquidação de IRC e a respetiva demonstração de acerto de contas do período de 2009 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             No parecer em que se baseou o indeferimento da reclamação graciosa relativa ao exercício do 2009, refere-se, além do mais o seguinte:

 

III-ANÁLISE DO PEDIDO

Após a exposição dos argumentos trazidos na petição de reclamação graciosa, no ponto l, deverá dizer-se o seguinte:

38. Em primeiro lugar, esclarecer a reclamante que não se verifica no presente caso a alegada caducidade do direito à liquidação.

Senão vejamos:

39. Conforme referido no ponto 1 supra, a ordem de serviço que aqui está em causa foi desencadeada pela própria reclamante, com base no pedido de 2015-07-08 (a fls. 146) previsto no procedimento do n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC, com vista à confirmação de reporte de prejuízos fiscais.

40. De facto, esta norma visa conceder à reclamante a possibilidade de, mediante requerimento, contornar a não dedutibilidade de prejuízos fiscais aí prevista como norma anti-abuso, em casos de alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto.

41. Naturalmente que para esse efeito, a AT precisa de analisar as contas dos interessados por forma a dar resposta ao pedido e à contagem dos prejuízos considerados fiscalmente dedutíveis. E foi isso que fez.

42. Acrescente que a reclamante, apesar de indicar no seu requerimento como valor dos prejuízos fiscais dedutíveis para 2009 € 793.824,53 (a fls. 146), foi-lhe considerado o valor de €872.612,36 (a fls. 142),

43. entretanto corrigido peia ordem de serviço aqui mencionada para o valor de € 809.707,12 (a fis. 142), ainda acima valor superior ao inicialmente pedido pela reclamante.

44. Com efeito e tal como conclui o relatório de inspeção, "Em face do exame à escrita do contribuinte aos exercícios cie 2008, 2009 e 2012, com vista à confirmação provia da realidade & justificação dos prejuízos fiscais, no âmbito do pedido do direito ao respectivo reporte, nos termos do art.º 52.º n.º 8 do Código do IRC (.,.}" (p. 21 do relatório, a fls. 51).

45. Cumpre agora analisar a questão de fundo em discussão no presente procedimento que se circunscreve em saber se os gastos de natureza financeira suportados com financiamento bancário obtido subsumem-se ou não na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

46. Ora, na sequência da inspeção e também agora em sede de reclamação graciosa, a reclamante não logra contrariar aquilo que foi produzido no relatório de conclusões da inspeção tributária.

47. Parece inequívoco que estes financiamentos obtidos não estão diretamente relacionados com a atividade da reclamante e não devem, como tal, beneficiar da cláusula geral de dedutibilidade.

48. Quanto à fórmula aplicada pela AT, a reclamante contesta o seu rácio. Porém, esclareça-se a reclamante que exatamente por não existir uma fórmula expressa constante da letra da lei, utilizar-se-á a fórmula tida como mais fidedigna a representar a realidade em causa.

49. Não existe qualquer excesso de discricionariedade técnica ou autonomia interpretativa, mas, sim, tornar aplicável e exequível os termos pretendidos pela norma legal.

50. Naturalmente que deverá estar em causa a relação entre empréstimos obtidos e empréstimos concedidos e são estas as parcelas em comparação.

51. Como encargos financeiros consideram-se não só juros, mas todos os elementos que se considerem remunerações de fundos financeiros externos, seja qual for a forma que assumirem.

52. Em síntese, os serviços de inspeção tributária elencam a contração de empréstimos bancários no montante de € 3.365.450,31 em 2009-12-31, referindo, paralelamente, que a reclamante "(...) se encontra a financiar a entidade B... SGPS, S,A., nipc ..., através de apoio à tesouraria", concretamente no valor de € 1.646.680,20 (pp. 14 e 15 do relatório, a fls. 44 e 45).

53. Desta feita, a reclamante suporta gastos de financiamento (juros por empréstimos bancários) e concede, simultaneamente, empréstimos àquela empresa, sem por isso ser remunerada.

54. Completa-se o raciocínio fazendo referência ao objeto social da reclamante que é bem distinto da natureza destas operações. Concretamente, o seu escopo é a gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro, em nada relacionado com a contração de empréstimos e subsequentes concessões de empréstimos.

J)            Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015..., a Autoridade Tributária efetuou uma acção inspetiva interna à Requerente, de âmbito parcial e em sede de IRC, relativa ao período de tributação de 2012;

K)           Nessa inspecção relativa ao exercício de 2012 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. Financiamentos obtidos

Conforme consta da IES, a sociedade em análise apresenta i/m volume de negócios (vendas e prestações de serviços), em 2012, de € 3 326 042,16. Em termos históricos, a sua actividade operacional tem apresentado valores na ordem dos 3,2 milhões de euros (2011 – € 3 603 333,64; 2013 – € 3 187 323,80; 2014 – €3 129 565,01).

A sociedade tem apresentado nos últimos anos resultados líquidos do período positivos, cujo montante do ano em análise ascende a € 3 074,54, porém, o resultado apurado para efeitos fiscais é negativo, no valor de € 37 235,36. Todavia, no ano de 2014, apura um resultado líquido negativo, no valor de € 552 515,57 e um resultado para efeitos fiscais positivo de €176 938,27.

Da análise efectuada aos elementos contabilísticos do exercido de 2012, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos através de capitais alheios, os quais se encontram contabilizados nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos) (Anexo 1), conforme abaixo discriminado.

 

III.1. Encargos suportados com empréstimos bancários

Analisadas as contas de gastos verifica-se que a sociedade A... S. A, suportou os seguintes encargos relativamente aos financiamentos obtidos (Anexo 2):

 

III.1.2. Empréstimo concedido

Para além dos empréstimos que obteve, e relativamente aos quais o sujeito passivo suportou os encargos financeiro acima referidos, o A... SA apresenta no exercício de 2012 um saldo devedor na conta 2681 - Accionistas/Sócios/Outras Operações (Anexo 3) conforme abaixo se discrimina:

 

 

III.1.3. Análise aos elementos remetidos

Os empréstimos obtidos através das várias instituições bancárias destinavam-se a apoio à tesouraria do sujeito passivo. E foram celebrados nos termos da legislação em vigor e regem-se pelas condições gerais de crédito do banco.

Relativamente aos empréstimos obtidos através de locação financeira, cujos contratos foram celebrados em anos anteriores ao da análise, destinaram-se a aquisição de bens e equipamentos a serem utilizados / instalados nas instalações onde o sujeito passivo exerce a sua actividade. O financiamento tem o valor total de €97 340,67.

Todavia, verifica-se que o A... SA se encontra a financiar o sujeito passivo B... (SGPS) SA (NIPC -...), através de apoio à tesouraria. A B... (SGPS) SA no ano em análise era detentora de 79,95% do capital social do sujeito passivo A... SA.

Informação cedida por correio electrónico e constante do quadro 05062 - A da IES, tendo no final do exercício de 2012 um saldo devedor acumulado de € 8 887 788,96.

No balancete Geral, do sujeito passivo A..., não se encontra evidenciado qualquer remuneração pelo empréstimo concedido ao sujeito passivo B... (SGPS) SA,

III. 1.4. Enquadramento legal dos gastos financeiros

Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu importa avaliar o enquadramento legal desses gastos financeiros.

Nos termos do nº 1 do artigo 32º do código do IRC, na sua redacção à data dos factos

 

".... Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (. . .)

                 c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração...

 

(...)

São assim requeridos três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a Indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.

O primeiro requisito reporta à efectividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental.

O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23º do CIRC que as despesas realizadas pelo sujeito passivo, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos e suportou os encargos com os mesmos, e simultaneamente, concede financiamento, não remunerado, à empresa relacionada – B... (SGPS) SA.

Daqui resulta que os encargos não estão directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo, cujo objecto social consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro.

Ao não estarem relacionados com a actividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo, conforme o estabelecido no artigo 23º do CIRC.

Pelo exposto não será de aceitar fiscalmente a totalidade dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo.

III.1.5. Determinação dos encargos financeiros não aceites fiscalmente

No caso em análise, confirmamos que empréstimos efectuados a associados (€ 8.887,788,96) superam os empréstimos obtidos (€ 3.610.317,66), razão pela qual os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo relativamente aos financiamentos obtidos, no montante de € 329 990,54 são gastos não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou manutenção de fonte produtora, por infracção ao artigo 23.º do CIRC.

III.2. Propriedades de investimento / Cessão da concessão da Praia ...

O sujeito passivo A..., S.A. em 2006 através de concurso público adquiriu a concessão do domínio público marítimo, da Praia ..., ficando a execução das obras a cargo do sujeito passivo.

Em 19/01/2012 o sujeito passivo A... cede a concessão da Praia ... ao sujeito passivo C..., Lda pelo valor de € 1 380 000,00, conforme ponto n.º 2 da cláusula quinta (Entrada em vigor e preço) do contrato-promessa de cessão de título de concessão. (Anexo 4)

A cessão da concessão da Praia..., designada pelo sujeito passivo de D..., só se realizará se a entidade competente autorizar essa cessão. O que veio acontecer em 10/02/2012 e foi comunicado a cada uma das contratantes em 13/02/2012, conforme ponto n" 4 do contrato definitivo assinado em 8/06/2012. (Anexo 5).

O sujeito passivo, aquando da cessão; considera como valor de aquisição o valor de € 1 380 000,00, sendo esse o valor pelo qual transmite a concessão à C... A justificação efectuada pelo sujeito passivo para considerar esse valor prende-se pela aplicação do método do justo valor.

III.2.1. Enquadramento da aplicação do Método do Justo Valor

Para efeitos fiscais os ajustamentos decorrentes da aplicação do método de revalorização ao justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável.

Nos termos do nº 9 do artigo 18º do código do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC), "...Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados ...".

Visto os ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor não concorrerem para a formação do lucro tributável o valor de aquisição que o sujeito passivo declara, no ano da alienação, não é o correcto. De acordo com elementos disponibilizados pelo sujeito passivo e declarações anuais submetidas a AT, cujo resumo consta no mapa infra, o valor de € 1 380 000,00 apresenta-se sobrevalorizado face as variações do justo valor. Da sua análise confirmamos que este valor se subdivide nos montantes de € 157 000,00 correspondeste ao valor dei adjudicação da concessão do D..., conforme candidatura o qual foi pago fraccionadamente, em 3 tranches2, € 922 225,37 (21 590,00 + 115 724,02 + 784 911,35) correspondente aos encargos para a obtenção do título de concessão e obras realizados que de acordo com o considerando 2 do contrato promessa de título de concessão, ficou acordado que estes eram realizados pelo sujeito passivo em; análise e, o montante de €300 774,63 (929 385,51 - 628 610,88) que corresponde às variações do justo valor,

Mapa Resumo:

 

Logo o valor a considerar como valor de aquisição é de € 1 079 225,37. A consideração deste valor como valor de aquisição prende-se pelo facto de o sujeito passivo só no final do ano de 2010 contabilizar este valor como valor de investimento da concessão da D... . (Anexo 6)

Desta forma, torna-se necessário apurar a mais ou menos valia associada a alienação da concessão da D... .

As mais/menos valias fiscais conforme o nº 2 do artigo 46º do CIRC, "...são dadas pela diferença entre o valor realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correcções de valor...". O valor de aquisição é actualizado mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda (Coef), conforme artigo 47º do CIRC.

Este coeficiente só é aplicado no cálculo das mais/menos valias se à data da realização tenham decorridos pelo menos dois anos desde a data de aquisição,

No caso em análise visto o sujeito passivo ter considerado a aquisição no finai do ano 2010 e a alienação concretizou-se em junho de 2012, não perfazendo dois anos completos, logo não se aplica o coeficiente de desvalorização da moeda.

III.2.2. Apuramento da Mais/menos Valia Fiscal

III.3. Correcção Proposta

Face ao exposto nos pontos III.1 e llI.2 a proposta de correcção ao resultado para efeitos fiscais é de € 630 765,17 (€ 329 990,54 de Encargos Financeiros e € 300 774,63 da Mais Valia da alienação da concessão D...).

 

L)            Estas correções relativas ao exercício de 2012 originaram uma alteração do prejuízo fiscal inicialmente apurado pela Requerente, no montante de € 37.235,36, para um lucro tributável de € 593.529,81, bem como juros compensatórios no montante total de € 6.005,22;

M)          Em novembro de 2016, a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRC relativo ao período de 2012, identificado através da demonstração de liquidação de IRC n.º 2016..., da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016... (associada à compensação n.º 2016...) - cfr. demonstrações de liquidação e acerto de contas, que constam do Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, de que resultou uma prestação tributária a pagar no montante de € 50.519,95;

N)           A Requerente efetuou o pagamento da dívida relativa ao exercício de 2012 ao abrigo do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (“PERES”), previsto no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, com a dispensa dos correspondentes juros de mora e compensatórios, no montante total de € 44.514,73, a 19 de Dezembro de 2016 (Documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           A 15-03-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra estes actos relativos ao exercício de 2012 (documento n.º 11 cujo teor se dá como reproduzido);

P)           No dia 28-09-2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2017...), nos termos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Após a exposição dos argumentos trazidos na petição de reclamação graciosa, no ponto l, deverá dizer-se o seguinte:

34. A questão de fundo em discussão no presente procedimento circunscreve-se em saber se os gastos de natureza financeira suportados com financiamento bancário obtido subsumem-se ou não na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

35. Ora, na sequência da inspeção e também agora em sede de reclamação graciosa, a reclamante não logra contrariar aquilo que foi produzido no relatório de conclusões da inspeção tributária.

36. Como nele bem referido, para consubstanciar dedutibilidade de encargos financeiros deverá verificar-se a comprovação (leia-se justificação) destes encargos, a sua indispensabilidade e ainda a ligação destes encargos com os ganhos sujeitos a imposto.

37. Os serviços de inspeção tributária elencam a contração de variados empréstimos bancários, com os encargos a eles associados no valor de € 329.990,54; referindo, paralelamente, que a reclamante concede financiamento não remunerado à empresa relacionada de que a reclamante é detentora de 79,95% do capital social) B... SGPS, S.A..NIF..., através de apoio à tesouraria.

38. E este facto é independente da tipologia de empréstimo obtido, seja por várias instituições bancárias, seja através do mecanismo de locação financeira.

39. Inclusivamente e pelos valores em causa, verificamos que "os empréstimos efectuados a associados (€ 8.887.738,96) superam os empréstimos obtidos (€ 3.610.317,66), razão pela qual os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo (...) no montante de Euro 329.990,54, são gastos não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou manutenção de fonte produtora, por infração ao artigo 23º do CIRC" (p. 10 do relatório de inspeção, a fls. 42).

40. Desta feita, a reclamante suporta gastos de financiamento (juros por empréstimos bancários) e concede, simultaneamente, empréstimos àquela empresa, sem por isso ser remunerada - não há qualquer evidência de remuneração no balancete geral.

41. Completa-se esta linha de raciocínio fazendo referência ao objeto social da reclamante que é bem distinto da natureza destas operações e consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro.

42. Concretamente, o seu escopo prende-se com a atividade de "hotéis com restaurante" a que corresponde o CAE 55111 (a fls. 183), em nada relacionado com a contração de empréstimos e subsequentes concessões de empréstimos.

43. Acresce que a AT não se encontra vinculada às decisões judiciais ou arbitrais, nem tão pouco à doutrina sobre a matéria, exercendo o seu entendimento próprio

44. No que diz respeito à utilização de PEC's que a reclamante alega ter direito a deduzir, então, nesta liquidação, deve o pedido ser igualmente indeferido.

45. Com efeito, o valor de € 7.482.44. pagos no período de tributação de 2010, bem como o valor de € 4.004,00 do período de 2012, foram já objeto de dedução e reporte na liquidação adicional n.º 2017... respeitante ao ano de tributação de 2013 (a fls. 184).

46. Por fim, os juros indemnizatórios peticionados pela reclamante (artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT) revelam os seguintes pressupostos: (i) decisão favorável ao sujeito passivo, (li) tributo já se encontrar pago, (iii) erro imputável aos serviços no cálculo de imposto de valor superior ao devido.

47. Ora, tendo em atenção que o primeiro pressuposto cumulativo não se verifica, sai prejudicada a análise dos restantes, não sendo devidos quaisquer juros à reclamante por força do indeferimento do pedido.

48. Assim sendo, não poderá senão o seu pedido ser objeto de indeferimento.

 

Q)           A 02-03-2017, a Autoridade Tributária iniciou uma ação de inspecção tributária externa, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, relativas aos períodos de 2013 e 2014, através das ordens de serviços n.º OI2016... e n.º OI2016..., respetivamente, sendo naquela data efectuada a notificação à Contabilista Certificada com procuração, a E...;

R)           No Relatório da Inspecção Tributária relativo a estas inspecções refere-se que «as Ordens de Serviço mencionadas foram abertas com o código de actividade 1222110228 - "Controlo Declarativo” previsto no Plano Nacional de Actividades da inspecção Tributária e Aduaneira (PNAITA), para os exercícios de 2013 e 2014. Tratou-se de inspecção de âmbito externa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento da inspecção Tributaria e Aduaneira (RCPITA). tendo por objecto a apreciação do cumprimento dos deveres tributários da entidade em análise».

S)            A acção de inspecção relativa aos exercícios de 2013 e 2014, foi posteriormente alargada para “âmbito geral", aos mesmos exercícios e notificada ao sujeito passivo no dia 10-05-2017 através da assinatura de nova ordem de serviço (página 5 do Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T)            Nas referidas notificações efectuadas em 10-05-2017 refere-se como «fundamentos» para a «alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento» o seguinte: «No decurso do procedimento inspetivo constatou-se a necessidade de alargar a análise À situação tributária global do sujeito passivo» (documento n.º 12);

U)           A 13-07-2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária, elaborado na sequência do alargamento da inspeção referido, nos termos do qual foram propostas as seguintes correções favoráveis e desfavoráveis ao sujeito passivo, por referência ao período de 2013:

a) por um lado, foi proposta uma correção favorável, no âmbito do apuramento da tributação autónoma, no montante total de € 55,08;

b) por outro lado, foram propostas correções desfavoráveis à matéria tributável do IRC no montante total de € 280.365,20 e em sede de retenção na fonte no montante total de € 10.025,54; (documento n.º 12);

V)           As correções efetuadas à matéria tributável do IRC do período de 2013 (ordem de serviço n.0 OI2016...) incluem uma correção de € 415,05 relativa à não dedutibilidade de gastos com viaturas e uma correção de € 279.950,15 relativa à não dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com empréstimos bancários, que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não relacionados com a actividade da Requerente;

W)          As correções à matéria tributável do IRC de 2013 em causa originaram uma alteração do lucro tributável inicialmente apurado pela Requerente, no montante de € 105.050,44, para um lucro tributável de € 385.415,64, pelo que, de acordo com a análise efetuada pela Autoridade Tributária, e atenta a limitação de 75% do lucro tributável na dedução dos prejuízos fiscais disponíveis, a matéria coletável da Requerente aumentou de € 26.262,61 para € 96.353,91;

X)           As correções à matéria tributável do IRC de 2013 em causa originaram não só um aumento da matéria coletável apurada no montante de 6 70.091,30, mas também uma redução dos prejuízos fiscais disponíveis para dedução no montante de € 210.273,90;

Y)            No dia 25 de julho de 2017, a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRC relativo ao período de 2013, identificado através da demonstração de liquidação de IRC n.º 2017..., da demonstração de liquidação de juros compensatórios e de juros moratórios n.º 2017 ... e n.º 2017... e da demonstração de acerto de contas n.º 2017... (associada à compensação n.º 2017...);

Z)            Das referidas demonstrações de liquidação e de acerto de contas relativas ao exercício de 2013 resultou uma prestação tributária a pagar no montante de € 18.007,62;

AA)        Em 12-12-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação de IRC relativo ao período de 2013;

BB)         Em 07-09-2018, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., relativa ao IRC de 2013 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

CC)         No parecer em que se baseou a decisão da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2013 refere-se, além do mais, o seguinte:

III-ANÁLISE DO PEDIDO

Após a exposição dos argumentos trazidos na petição de reclamação graciosa, no ponto l, deverá dizer-se o seguinte:

30. Em primeiro lugar, quanto ao alargamento do âmbito da ação inspetiva em causa, da qual surgiu a liquidação aqui em crise, cumpre esclarecer que foram respeitadas as normas legais aplicáveis.

31. A reclamante foi devidamente notificada deste alargamento. Esta notificação consubstanciou-se, naturalmente, na ordem de serviço, assinada em 2017-05-10 (a fls. 30).

32. Ora, nesta notificação constam todos os elementos indispensáveis para a reclamante conhecer do objeto da notificação, são eles, nomeadamente: a identificação da reclamante, da ordem de serviço vigente, bem como do conteúdo da alteração de âmbito da inspeção, com o fundamento indicado.

33. Neste momento, apenas é possível à AT reconhecer a necessidade de análise de toda a situação tributária da reclamante, para o cabal conhecimento dos factos e a correia apreciação da matéria fiscal aplicável.

34. Mostra-se, portanto, cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA, sendo legal e válido todo o procedimento inspetivo daí decorrente.

35. A questão de fundo em discussão no presente procedimento circunscreve-se em saber se os gastos de natureza financeira suportados com financiamento bancário obtido subsumem-se ou não na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

36. Ora, na sequência da inspeção e também agora em sede de reclamação graciosa, a reclamante não logra contrariar aquilo que foi produzido no relatório de conclusões da inspeção tributária.

37. Como nele bem referido, para consubstanciar dedutibilidade de encargos financeiros deverá: (i) verificar-se a comprovação (leia-se justificação) destes encargos nomeadamente através de prova documental, (li) a sua indispensabilidade para a obtenção de lucro e ainda (iii) a ligação destes encargos com os ganhos sujeitos a imposto.

38. Os serviços de inspeção tributária elencam a contração de variados empréstimos bancários, com os encargos a eles associados no valor de € 279.950,15; referindo, paralelamente, que a reclamante concede financiamento não remunerado à empresa relacionada (de que a reclamante é detentora de 79,95% do capital social) B... SGPS, S.A..NIF..., através de apoio à tesouraria.

39. E este facto é independente da tipologia de empréstimo obtido, seja por várias instituições bancárias, seja através do mecanismo de locação financeira.

40. Inclusivamente e pelos valores em causa, verificamos que "os empréstimos efectuados a associados (€ 9.271.872,48) superam os empréstimos obtidos (€ 3.514.829,43), razão pela qual os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo (...) no montante de € 279 950,15 são gastos não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou manutenção de fonte produtora, por infração ao artigo 23.º do CIRC" (p. 11 do relatório de inspeção, a fls. 43).

41. Desta feita, a reclamante suporta gastos de financiamento (juros por empréstimos bancários) e concede, simultaneamente, empréstimos àquela empresa, sem por isso ser remunerada - não há qualquer evidência de remuneração no balancete geral.

42. Completa-se esta linha de raciocínio fazendo referência ao objeto social da reclamante que é bem distinto da natureza destas operações e consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro.

43. Concretamente, o seu escopo prende-se com a atividade de "hotéis com restaurante" a que corresponde o CAE 55111 (a fls. 113), em nada relacionado com a contração de empréstimos e subsequentes concessões de empréstimos.

44. Acresce que a AT não se encontra vinculada às decisões judiciais ou arbitrais, nem tão pouco à doutrina sobre a matéria, exercendo o seu entendimento próprio.

45. Assim sendo, verificamos que os gastos apresentados não estão, de facto, relacionados com a atividade da reclamante nem foram suportados para obter ou garantir os rendimentos gerados no ano de 2013.

 

IV - CONCLUSÃO

Nestes termos, face aos elementos probatórios existentes nos autos e que suportam o pedido, proponho o indeferimento do mesmo.

 

DD)        Na inspecção relativa ao período de 2014, foram, além do mais, efectuadas correções à matéria tributável do IRC, no total de € 205.287,53, em que se inclui uma correção de € 950,51, relativa à não dedutibilidade de gastos com viaturas e uma correção de € 204.337,02, relativa à não dedutibilidade fiscal dos gastos financeiros suportados com empréstimos bancários que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não relacionados com a actividade da Requerente (documento n. 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

EE)         As correções à matéria tributável do IRC de 2014 em causa (no total de €205.287,53) originaram uma alteração do lucro tributável inicialmente apurado pela Requerente, no montante de € 176.938,27, para um lucro tributável de € 382.225,80, pelo que, considerando a limitação de 70% do lucro tributável na dedução dos prejuízos fiscais disponíveis (que ascendiam a € 239.726,83 à data), a matéria coletável da Requerente aumentou de € 53.081,48 para € 142.498,97;

FF)         As correções em apreço determinaram a utilização da totalidade dos prejuízos fiscais disponíveis para dedução a 31-12-2014 e, ainda assim, um aumento da matéria coletável apurada neste exercício, no montante de € 89.417,49;

GG)       No dia 03-08-2017, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC relativo ao período de IRC, identificado através da demonstração de liquidação de IRC nº 2017..., da respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., n.º 2017... e nº 2017..., e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2017... (associada à compensação nº 2017...) (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), de que resulta uma prestação tributária a pagar no montante de € 30.229,90, correspondendo € 27.796,98 a IRC adicional e € 2.432,92 a juros compensatórios;

HH)        Em 29-12-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação de IRC relativo ao período de 2014 (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

II)           Em 07-09-2018, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., relativa ao IRC de 2014 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

JJ)           No parecer em que se baseou a decisão da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2014 refere-se, além do mais, o seguinte:

 

III - ANALISE DO PEDIDO

Após a exposição dos argumentos trazidos na petição de reclamação graciosa, no ponto l, deverá dizer-se o seguinte:

35. Em primeiro lugar, quanto ao alargamento do âmbito da ação inspetiva em causa, da qual surgiu a liquidação aqui em crise, cumpre esclarecer que foram respeitadas as normas legais aplicáveis.

36. A reclamante foi devidamente notificada deste alargamento. Esta notificação consubstanciou-se, naturalmente, na ordem de serviço, assinada em 2017-05-10 (a fls. 40).

37. Ora, nesta notificação constam todos os elementos indispensáveis para a reclamante conhecer do objeto da notificação, são eles, nomeadamente: a identificação da reclamante, da ordem de serviço vigente, bem como do conteúdo da alteração de âmbito da inspeção, com o fundamento indicado.

38. Neste momento, apenas é possível à AT reconhecer a necessidade de análise de toda a situação tributária da reclamante, para o cabal conhecimento dos factos e a correta apreciação da matéria fiscal aplicável.

39. Mostra-se, portanto, cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA, sendo legal e válido todo o procedimento inspetivo dal decorrente.

40. A questão de fundo em discussão no presente procedimento circunscreve-se em saber se os gastos de natureza financeira suportados com financiamento bancário obtido subsumem-se ou não na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

41. Ora, na sequência da inspeção e também agora em sede de reclamação graciosa, a reclamante não logra contrariar aquilo que foi produzido no relatório de conclusões da inspeção tributária

42. Como nele bem referido, para consubstanciar dedutibilidade de encargos financeiros deverá: (i) verificar-se a comprovação (leia-se justificação) destes encargos nomeadamente através de prova documental, (ii) a sua indispensabilidade para a obtenção de lucro e ainda (Si) a ligação destes encargos com os ganhos sujeitos a imposto.

43. Os serviços de inspeção tributária elencam a contração de variados empréstimos bancários, com os encargos a eles associados no valor de € 204.337,02; referindo, paralelamente, que a reclamante concede financiamento não remunerado à empresa relacionada B... SGPS, S.A..NIF..., através de apoio à tesouraria.

44. E este facto é independente da tipologia de empréstimo obtido, seja por várias instituições bancárias, seja através do mecanismo de locação financeira.

45. Desta feita, a reclamante suporta gastos de financiamento (juros por empréstimos bancários) e concede, simultaneamente, empréstimos àquela empresa, sem por isso ser remunerada - não há qualquer evidência de remuneração no balancete geral.

46. Uma vez que os valores de empréstimos foram entretanto restituídos à reclamante, para encontro dos valores correios de encargos não considerados fiscalmente, a inspeção calculou, tendo em conta os juros contabilizados nas contas 6911, 6913, 6914, 6917, 6981 e 6982, um rácio mensal conforme já indicado pela reclamante no seu pedido (p. 11 do relatório de inspeção, a fls. 58).

47. O valor destes encargos que se cifra em € 433.350,10 supera os encargos efetivamente suportados, pelo que será este último o valor a ter em conta de € 204.337,02.

48. Em nada se incompatibiliza com a reforma do IRC e a alteração legislativa do artigo 23.º do Código do IRC que, não obstante clarificar o conceito de gasto fiscalmente aceite, não vem bulir com a correção concretizada pela inspeção.

49. Completa-se esta linha de raciocínio fazendo referência ao objeto social da reclamante que é bem distinto da natureza destas operações e consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro,

50. Concretamente, o seu escopo prende-se com a atividade de "hotéis com restaurante" a que corresponde o CAE 55111 (a fls. 131), em nada relacionado com a contração de empréstimos e subsequentes concessões de empréstimos.

51. Acresce que a AT não se encontra vinculada às decisões Judiciais ou arbitrais, nem tão pouco à doutrina sobre a matéria, exercendo o seu entendimento próprio,

52. Assim sendo, verificamos que os gastos apresentados não estão, de facto, relacionados com a atividade da reclamante nem foram suportados para obter ou garantir os rendimentos gerados no ano de 2014.

IV- INFORMAÇÃO SUCINTA

53. A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido, por via eletrónica, aderente ao via CTT, considerando-se notificada a 2018-07-13 (a fls. 137), para querendo exercer o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, no prazo de 15 dias,

54. Porém, a reclamante nada disse. Como tal, não tendo sido exercido o direito de audição prévia, deverá o projeto de decisão ser convertido em decisão final.

 

KK)         Por referência ao período de 2009, a Requerente apresentava um passivo relacionado com empréstimos obtidos no montante total de € 3.365.450,31 e um activo, na rubrica de Acionistas, no montante total de € 1.646.680,20 (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

LL)          No decorrer do período de 2009, a Requerente suportou encargos financeiros, decorrentes dos financiamentos bancários obtidos, dos juros de leasing e de juros de livranças, montante total de € 128.564,41;

MM)     O saldo da rubrica de Acionistas reduziu no período de 2009, o que se deveu em grande medida ao reembolso, por parte da B..., dos créditos que lhe foram concedidos nos períodos anteriores:

 

NN)       O saldo dos financiamentos obtidos pela Requerente aumentou no período de 2009, na medida em que, apesar de ter sido substancialmente reembolsada do crédito concedido à sociedade relacionada, teve necessidade de contrair empréstimos bancários adicionais no âmbito da sua actividade:

 

OO)       Os empréstimos bancários obtidos pela Requerente no montante total de € 3.365.450,31 foram contratados em diversos momentos e com finalidades distintas, não tendo conexão directa com os empréstimos concedidos;

PP)         Os financiamentos obtidos aumentaram substancialmente, no período de 2009, em face da contratação de novos financiamentos por parte da Requerente com a F... e com o G..., no âmbito do investimento normal da sua actividade;

QQ)       O montante de encargos financeiros suportado pela Requerente em 2009 (i. e. € 128.564,41) inclui não só os juros decorrentes de empréstimos bancários obtidos, mas também os juros de leasings e os juros de livranças;

RR)         Os contratos de locação financeira efetuados pela Requerente estão relacionados com a obtenção de viaturas ligeiras de passageiros, equipamentos de ar condicionado e equipamentos electrónicos, no âmbito da sua actividade;

SS)         A Autoridade Tributária desconsiderou, do montante total dos financiamentos obtidos no período de 2009, as rubricas de passivo relacionadas com as locações financeiras efetuadas, considerando apenas o montante total de € 3.365.450,31;

TT)         No período de 2012, a Requerente apresentava um passivo, relacionado com financiamentos obtidos, no montante total de € 3.610,317,66, e um ativo, na rubrica de Acionistas, no montante total de e 8.887.788,96 (Relatório e Contas do período de 2012, que consta do Documento n.º 19, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

UU)       No decorrer do período de 2012, a Requerente suportou encargos financeiros, decorrentes dos financiamentos bancários obtidos, no montante total de € 329.990,54;

VV)        No período de 2012, a rubrica de Acionistas, no montante total de € 8.887.788,96 (rubrica #2681 do balancete – B... (SGPS) SA Op. Tesouraria), contempla um saldo devedor (ativo), no montante de € 6.500.000,00, com uma maturidade de 7 anos, e um saldo de € 2.387.788,96 com uma maturidade de 4 anos (nota 6.2. do Documento n.º 19);

WW)     O saldo da rubrica de Acionistas aumentou no período de 2011, o que se deveu em grande medida ao crédito efetuado à sociedade relacionada, B... (SGPS), nesse período, no montante de € 6.500.000,00. Conforme se costada pelos saldos finais dos períodos de tributação:

XX)         Apesar do aumento de crédito concedido à sociedade relacionada, a Requerente não contraiu qualquer empréstimo bancário adicional para conceder financiamento, não remunerado, à empresa relacionada, pelo contrário, até reduziu os financiamentos contraídos;

YY)         A 31-12-2012, os financiamentos contraídos, pela Requerente, junto de entidades bancárias dividiam-se nas seguintes rubricas:

(i) #2511 - Empréstimos bancários: € 3.519.222,35;

(ii) #2513 - Locações financeiras: € 91.095,31 (extractos de contas, juntos como documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ZZ)                         Os encargos financeiros decorrentes de contratos de locação financeira em vigor no período de 2012 estão relacionados com a obtenção de viaturas ligeiras de passageiros, equipamentos de ar condicionado e equipamentos eletrónicos, os quais são utilizados no âmbito da actividade da Requerente (nota 12.6 do documento n.º 19);

AAA)     Os contratos referentes a tais locações financeiras foram celebrados em anos anteriores a 2012 e destinaram-se à aquisição de bens e equipamentos a serem utilizados/instalados nas instalações onde a Requerente exerce a sua actividade;

BBB)      Tais locações financeiras não estão relacionadas com o financiamento concedido à sociedade B... (SGPS);

CCC)      Os empréstimos bancários obtidos no ano de 2012, no montante total de € 3.519.222,35, foram contratados em diversos momentos e com finalidades distintas;

DDD)     o saldo dos empréstimos bancários obtidos foi variando, de forma distinta, ao longo dos anos, de acordo com as decisões económicas da gestão da Requerente em cada período:

EEE)       Os empréstimos em vigor no período de 2012 foram contratados em 1999 e no período compreendido entre 2007 e 2012, em função das condições de financiamento apresentadas pelas entidades bancárias, das necessidades de tesouraria e dos objetivos de investimento da Requerente em cada período;

FFF)       A 31-12-2013, a Requerente apresentava um passivo, relacionado com financiamentos obtidos, no montante total de € 3.514.829,43, e um ativo, na rubrica de Acionistas, no montante total de € 9.271.872,48 (Relatório e Contas relativo ao período de 2013, que consta do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

GGG)    No decorrer do período de 2013, a Requerente suportou encargos financeiros, decorrentes dos financiamentos bancários obtidos e dos juros dos contratos de locação, no montante total de € 279.950,15;

HHH)     Na rubrica de Acionistas, o saldo aumentou em 2013 relativamente ao período de tributação anterior, o que se deveu em grande medida ao crédito efetuado à sociedade relacionada, B... (SGPS), com resulta da análise aos saldos finais desta rubrica nos vários períodos de tributação:

III)          Apesar do aumento do crédito concedido a sociedade relacionada, a Requerente não contraiu em 2013 qualquer empréstimo bancário adicional para conceder financiamento à empresa relacionada, antes pelo contrário, reduziu os empréstimos contraídos;

JJJ)         A 31-12-2013, os financiamentos contraídos, pela Requerente, junto de entidades bancárias, tal como se pode constatar através dos respetivos extratos, dividiam-se nas seguintes rubricas:

(i) #2511 - Empréstimos bancários: € 3.464.792,84;

(ii) #2513 - Locações Financeiras: € 50.036,59 (extratos de contas que constam do documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

KKK)      Nos encargos financeiros decorrentes de contratos de locação financeira em vigor no período de 2013 estão em causa contratos de locação financeira relacionados com a obtenção de viaturas ligeiras de passageiros, equipamentos de ar condicionado e equipamentos eletrónicos, os quais são utilizados no âmbito da actividade da Requerente (nota 11.6 do documento n.º 21);

LLL)        As locações financeiras referidas relativas ao período de 2013 não estão relacionadas com o financiamento concedido à sociedade B... (SGPS);

MMM) O saldo dos empréstimos bancários obtidos pela Requerente foi variando, de forma distinta, ao longo dos anos, de acordo com as decisões económicas da gestão da Requerente em cada período:

 

NNN)    Os fundos captados através de empréstimos bancários não foram directamente canalizados para prestar financiamento à entidade relacionada, B... (SGPS);

OOO)    Os empréstimos bancários obtidos em 2013 no montante total de € 3.464.792,84, foram contratados em diversos momentos e com finalidades distintas;

PPP)      Os financiamentos bancários obtidos foram reduzindo nos períodos de 2010 a 2013, uma vez que a Requerente não contraiu novos empréstimos a partir do período de 2011, limitando-se a contrair empréstimos para substituir anteriores (depoimento da testemunha E...);

QQQ)    Contrariamente, os financiamentos concedidos à entidade relacionada aumentaram substancialmente no período de 2011, e foram aumentando gradualmente até ao período de 2013, nomeadamente em virtude do montante de € 6.500.000 concedido à B... (SGPS), pelo período de 7 anos (documento n.º 21)

RRR)      No início do período de 2014, a B...  (SGPS) e a H..., S.A. eram as sociedades acionistas maioritárias da Requerente, detentoras de 99,95% do seu capital social;

SSS)       No decurso de 2014, 49,95% do capital social da Requerente foi adquirido por um novo acionista, tendo a B... (SGPS) permanecido com os remanescentes 50,05%;

TTT)       Em 2015, o novo acionista adquiriu o capital social remanescente, passando assim a deter a totalidade do capital social da Requerente;

UUU)    No âmbito da projetada alteração da estrutura acionista da Requerente, e enquanto decisão de gestão dos acionistas, a Requerente procedeu ao reembolso da totalidade dos financiamentos bancários obtidos e a B... (SGPS) procedeu à restituição dos montantes obtidos da Requerente.

VVV)     A 31-12-2014, a Requerente não apresentava qualquer passivo a título de financiamentos obtidos, nem qualquer activo na rubrica de Acionistas - cfr. Relatório e Contas do período de 2014;

WWW) Em 13-12-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Não provou qual o eventual interesse da Requerente na realização de empréstimos não remunerados à B... SGPS SA.

Não se provou que haja conexão entre os empréstimos obtidos pela Requerente e os financiamentos que fez à B... SGPS SA. Na verdade, os valores indicados pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, permitem concluir que até há anos em que é contrária essa relação, isto é, aumentaram os financiamentos obtidos em relação ao ano anterior e diminuíram os concedidos em relação ao ano anterior e outros anos em que sucedeu o inverso. Assim entre 2008 e 2009, entre 2009 e 2010 e entre 2011 e 2012 aumentaram os financiamentos obtidos, mas diminuíram os concedidos; entre 2010 e 2011 e entre 2013 e 2014 diminuíram os financiamentos obtidos, mas aumentaram os concedidos            

A ausência de qualquer relação foi confirmada pela testemunha E..., contabilista certificada da Requerente que aparentou depor com isenção e com perfeito conhecimento das operações realizadas pela Requerente.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo, em afirmações feitas pela Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e no depoimento referido.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente imputa os seguintes vícios às liquidações impugnadas, relativas aos períodos de 2009, 2012, 2013 e 2014:

 

– caducidade do direito de liquidação, quanto à referente ao exercício de 2009;

– ilegalidade do procedimento inspectivo relativo aos períodos de 2013 e 2014;

– ilegalidade das correcções a matéria relativas à dedutibilidade dos encargos financeiros, quer pela natureza dos financiamentos obtidos e concedidos, quer pelo critério utilizado para apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis.

 

3.1. Questão da caducidade do direito de liquidação quanto ao exercício de 200

A Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-07-2015, na sequência da alteração da titularidade de mais de 50% do seu capital social, um requerimento para autorização de dedução de prejuízos fiscais apurados nos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2012.

Na sequência de uma inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira, corrigiu os prejuízos fiscais declarados relativos ao exercício de 2009: «o prejuízo fiscal declarado de 872.612,36 € é corrigido para o prejuízo fiscal corrigido de 809.707,12 €» (ponto VIII do Relatório da Inspecção Tributária relativo ao exercício de 2009).

Nos termos do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (vigente em 2009), «em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito».

De harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à republicação efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, «os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício (...) são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores».

Assim, o prazo de caducidade do direito de liquidação relativamente ao IRC de 2009, era de 6 anos, contado do início do ano civil seguinte (artigo 45.º, n.º 4, da LGT), pelo que terminava em 31-12-2015, sem prejuízo de causas de suspensão que tivessem ocorrido.

No caso em apreço, não ocorreu qualquer causa de suspensão do prazo de caducidade, designadamente decorrente da realização da inspecção, pois foi iniciada em iniciou-se em 23-05-2016, depois de o prazo de caducidade se ter esgotado.

Sendo assim, tem de se concluir que ocorreu a caducidade do direito de liquidação em relação ao exercício de 2009, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia efectuar qualquer correcção aos prejuízos fiscais que haviam sido anteriormente declarados.

Na verdade, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 100-07-2017, proferido no processo n.º 0699/16, «as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correcções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores – in casu, por via de alteração do enquadramento do sujeito passivo do regime simplificado de determinação do lucro tributável para o regime-regra -, pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário».

Pelo exposto, a liquidação relativa ao exercício de 2009, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados a esta liquidação [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

3.2. Questão da ilegalidade do procedimento inspectivo relativo aos períodos de 2013 e 2014

 

A Requerente imputa ao procedimento inspectivo relativo aos exercícios de 2014 e 2014, vício por violação do artigo 15.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, que estabelece que «os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada».

Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária relativo a estes exercícios:

 

lI.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

As Ordens de Serviço mencionadas foram abertas com o código de actividade 1222110228 - "Controlo Declarativo” previsto no Plano Nacional de Actividades da inspecção Tributária e Aduaneira (PNAITA), para os exercícios de 2013 e 2014. Tratou-se de inspecção de âmbito externa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento da inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA). tendo por objecto a apreciação do cumprimento dos deveres tributários da entidade em análise.

A presente acção de inspecção, que inicialmente se apresentava de "âmbito parcial ao IRC e IVA" dos exercícios de 2013 e 2014, foi posteriormente alargada para "âmbito geral", aos mesmos exercícios e notificada ao sujeito passivo no dia 10/05/2017 através da assinatura de nova ordem de serviço.

 

É inequívoco que este alargamento do âmbito da inspecção só podia ser efectuado com observância do disposto no artigo 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, inclusivamente «mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada».

No caso em apreço caso, a «fundamentação» notificada à Requerente foi a seguinte, relativamente a ambas as Ordens de Serviço:

 

«No decurso do procedimento inspetivo constatou-se a necessidade de alargar a análise à

situação tributária global do sujeito passivo».

 

É manifesto que esta «fundamentação» não satisfaz a exigência legal de fundamentação dos actos administrativos.

Estando-se perante uma situação especial de exigência legal de fundamentação para um tipo de actos que não se enquadra directamente em qualquer das situações previstas no artigo 77.º da LGT, são aplicáveis subsidiariamente as regras do Código do Procedimento Administrativo, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Assim, «a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato» e «equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato» (artigo 153.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo).

                Como tem vindo a entender uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (   )

No caso em apreço, a fundamentação não podia deixar de revelar à Requerente quais as razões pelas quais foi decidido o alargamento do âmbito da inspecção, designadamente quais as razões por que a entidade que emitiu as ordens de serviço Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que havia «a necessidade de alargar a análise à situação tributária global do sujeito passivo».

Como se referiu «equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto» (artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo), pelo que tem de se concluir que se está perante situação em que não foi cumprido o dever de fundamentação.

Aliás, precisamente sobre uma situação idêntica, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 15-06-2016, processo n.º 01101/15: em que entendeu que «verifica-se falta de fundamentação da decisão que determinou o alargamento da acção inspectiva quando foi alargado o âmbito da acção inspectiva, sem que disso fosse dado conhecimento ao contribuinte, pois diz-se «houve necessidade de alargar o seu âmbito».

Esta falta de fundamentação, expressamente exigida pelo artigo 15.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tem necessariamente eficácia invalidade do procedimento inspectivo, como tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:

             «Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação» (citado acórdão de 15-06-2016, processo n.º 01101/15);

             «Não estando em causa um procedimento de inspecção em que, nos termos do disposto no art.º 50.º do RCPIT, exista dispensa de notificação prévia do procedimento de inspecção, a ausência de notificação do correto âmbito da inspecção tributária traduz-se em omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspectivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta» (acórdão de 19-09-2018, proferido no processo n.º 01460/17).

 

Como se diz no citado acórdão de 15-06-2016, «tais formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspectivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida, com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o acto inspectivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho».

Está-se, assim, perante um vício de violação de lei, equiparável a erro sobre os pressupostos de facto, pois não de podem considerar válidos os pressupostos fácticos em que as liquidações relativas aos exercícios de 20013 e 2014 assentaram.

Pelo exposto, as liquidações relativas aos exercícios de 2014 e 2014 enfermam de vício que justifica sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3 Questão das correcções a matéria relativas à dedutibilidade dos encargos financeiros

 

Em face da procedência do pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações relativas aos exercícios de 2009, 2013 e 2014, pelas razões que se referiram, fica para apreciar a legalidade da liquidação relativa ao exercício de 2012.

O artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, na redacção vigente em 2012, estabelece o seguinte:

 

1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

 

Como entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17, «o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».        

Resulta do Relatório da Inspecção Tributária relativo ao exercício de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou a correcção relativa aos gastos de financiamento nas seguintes considerações, em suma:

No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos e suportou os encargos com os mesmos, e simultaneamente, concede financiamento, não remunerado, à empresa relacionada – B... (SGPS) SA.

Daqui resulta que os encargos não estão directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo, cujo objecto social consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro.

Ao não estarem relacionados com a actividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo, conforme o estabelecido no artigo 23º do CIRC.

Pelo exposto não será de aceitar fiscalmente a totalidade dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo.

 

III.1.5. Determinação dos encargos financeiros não aceites fiscalmente

No caso em análise, confirmamos que os empréstimos efectuados a associados (€ 8.887,788,96) superam os empréstimos obtidos (€ 3.610.317,66), razão pela qual os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo relativamente aos financiamentos obtidos, no montante de € 329 990,54 são gastos não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou manutenção de fonte produtora, por infracção ao artigo 23.º do CIRC

contraiu empréstimos e suportou os encargos com os mesmos, e simultaneamente, concede financiamento, não remunerado, à empresa relacionada – B... (SGPS) SA.

Daqui resulta que os encargos não estão directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo, cujo objecto social consiste na gestão e exploração da indústria e comércio hoteleiro.

 

Na decisão da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém este entendimento, dizendo, além do mais, o seguinte:

 

37. Os serviços de inspeção tributária elencam a contração de variados empréstimos bancários, com os encargos a eles associados no valor de € 329.990,54; referindo, paralelamente, que a reclamante concede financiamento não remunerado à empresa relacionada de que a reclamante é detentora de 79,95% do capital social) B... SGPS, S.A..NIF..., através de apoio à tesouraria.

38. E este facto é independente da tipologia de empréstimo obtido, seja por várias instituições bancárias, seja através do mecanismo de locação financeira.

39. Inclusivamente e pelos valores em causa, verificamos que "os empréstimos efectuados a associados (€ 8.887.738,96) superam os empréstimos obtidos (€ 3.610.317,66), razão pela qual os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo (...) no montante de Euro 329.990,54, são gastos não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou manutenção de fonte produtora, por infração ao artigo 23º do CIRC" (p. 10 do relatório de inspeção, a fls. 42).

40. Desta feita, a reclamante suporta gastos de financiamento (juros por empréstimos bancários) e concede, simultaneamente, empréstimos àquela empresa, sem por isso ser remunerada - não há qualquer evidência de remuneração no balancete geral.

 

A Requerente defende, em suma, que não há relação directa entre os encargos financeiros suportados e o financiamento à B... SGPS SA e que parte dos financiamentos respeitam a contratos de locação financeira relacionados com a obtenção de viaturas ligeiras de passageiros, equipamentos de ar condicionado e equipamentos electrónicos, os quais são utilizados no âmbito da actividade da Requerente.

A existência dos contratos de locação financeira não é questionada e a prova testemunhal esclareceu a utilização dos equipamentos locados na actividade da Requerente. Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece na página 8 do Relatório da Inspecção Tributária relativo ao exercício de 2012, que «relativamente aos empréstimos obtidos através de locação financeira, cujos contratos foram celebrados em anos anteriores ao da análise, destinaram-se a aquisição de bens e equipamentos a serem utilizados / instalados nas instalações onde o sujeito passivo exerce a sua actividade. O financiamento tem o valor total de € 97 340,67».

Sendo demonstrada a conexão entre a actividade da Requerente e os encargos financeiros relativos aos contratos de locação financeira referidos, tem de se considerar demonstrado  que está satisfeito o requisito da indispensabilidade desses encargos para a realização dos proveitos, à luz da jurisprudência referida, já que é claro que se trata de gastos efectuados no interesse da empresa.

Relativamente aos restantes encargos financeiros suportados em 2012, não se provou que estejam relacionados com a actividade da Requerente.

A prova produzida, designadamente a testemunhal, permite concluir que se trata de encargos referentes a empréstimos contraídos em períodos anteriores e que, a partir de 2011, apenas terão sido contraídos empréstimos para substituição de anteriores.

Mas, o certo é que não se fez prova de que parte desses empréstimos tenha sido utilizada no interesse da Requerente e só com essa prova os encargos referidos poderiam ser considerados gastos, como resulta do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (na redacção vigente em 2012) ao aludir aos gastos «que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

À face desta exigência positiva de prova («comprovadamente») de que os gastos foram realizados no interesse da empresa, não é imprescindível, para não recusar a aceitação como gastos, demonstrar que os encargos estão relacionados com os empréstimos à B... SGPS SA, bastando que falte prova de que haja relação desses gastos com o interesse da Requerente, necessário para poderem ser considerados actos de gestão, actos que visem realizar o interesse da empresa. 

Por outro lado, embora, em face do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, a existência de uma «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» justifique a anulação da liquidação, afigura-se que se está perante uma situação deste tipo, pois não há qualquer facto que indicie que os empréstimos foram contraídos no interesse da Requerente e, pelo contrário, o facto de serem concedidos à B... SGPS SA empréstimos de valor muito superior aos empréstimos contraídos aponta no sentido de a Requerente não necessitar de os efectuar para desenvolver a sua actividade.

Para além disso, nem se provou que a Requerente dispusesse de outros meios financeiros, não provenientes de empréstimos, que lhe permitissem efectuar à B... SGPS SA os empréstimos que efectuou.

Pelo exposto, procede parcialmente pedido de pronúncia arbitral quanto à parte da correcção relativa aos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 relacionados com os financiamentos no valor de € 97.340,67, respeitantes a contratos de locação financeira.

 

4.4 Decisões das reclamações graciosas

 

Sendo ilegais as liquidações relativas aos exercícios de 2009, 2013 e 2014, são também ilegais, pelos mesmos motivos, as decisões das respectivas reclamações graciosas, que as confirmaram.

Quanto à liquidação relativa ao exercício de 2012, a ilegalidade é parcial, na medida em que assenta na desconsideração dos encargos suportados neste exercício cm locações financeiras, pelo que a decisão da respectiva reclamação graciosa é ilegal na parte correspondente.

 

4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que sejam extraídas as consequências legais da anulação das liquidações e juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso do imposto pago indevidamente

 

Provou-se apenas ter sido efectuado o pagamento dívida relativa ao exercício de 2012 ao abrigo do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (“PERES”), previsto no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, com a dispensa dos correspondentes juros de mora e compensatórios, no montante total de € 44.514,73, a 19-12-2016.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, apenas se provou que a Requerente pagou a quantia liquidada relativamente ao exercício de 2012, com dispensa de juros compensatórios no montante de <44.514,73, a 19 de Dezembro de 2016.

Assim, na sequência da anulação parcial desta liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada do que pagou indevidamente, que é a parte da liquidação que tem como pressuposto os juros relativos a contratos de locação financeira suportados no exercício de 2012, que deverá ser calculado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.

 

4.2. Juros indemnizatórios 

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

A liquidação relativa ao exercício de 2012 enferma de vício de violação de lei, na parte em que tem como pressuposto os encargos financeiros suportados pela Requerente nesse exercício, devidos no âmbito de contratos de locação financeira.

Pelo exposto, são devidos juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (19-12-2016) até à data do processamento da respectiva nota de crédito e calculados sobre a quantia de a reembolsar.

 

5. Decisão

 

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido principal quanto às liquidações n.º 2017... (2009), n.º 2017... (2013) e n.º 2017... (2014) e anular estas liquidações, bem como as respectivas reclamações graciosas;

b)           Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação n.º 2016 ... (2012), na parte em que tem como pressuposto os encargos financeiros suportados nesse ano relativos a contratos de locação financeira e julgar o pedido de pronúncia arbitral improcedente quanto à parte restante desta liquidação, bem cimo anular parcialmente a decisão da respetiva reclamação graciosa, na parte correspondente à anulação da liquidação;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia paga indevidamente quanto a liquidação relativa ao exercício de 2012, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 161.566,91.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

O valor global das correcções impugnadas, relativas a encargos financeiros, é de € 702.283,24 (2009: 62.905,24 €; 2012: € 329.990,54; 2013: € 105.050,44; e 2014: € 204.337,02).

O valor dos encargos financeiros relativos a locações financeiras pagos em 2012 é de € 97.340,67, pelo que quanto ao exercício de 2012 o pedido de pronúncia arbitral improcede quanto a valor de € 232.649,87 (€ 329.990,54 - 97 340,67).

Assim, em face dos termos em que procede o pedido de pronúncia arbitral, a responsabilidade pelos encargos cabe à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 33,13% (1 216,53 euros) e 66,87% (2 455,47 euros), respectivamente.

 

 

Lisboa, 05-06-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Augusto Vieira)

(José Nunes Barata)