Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 605/2018-T
Data da decisão: 2019-06-19  IVA  
Valor do pedido: € 37.938,13
Tema: IVA – Regularizações; Créditos incobráveis; sujeito passivo.
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DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

1. No dia 3.12.2018, a Requerente, A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  da liquidação adicional de IVA n.º ... do período 201604, das demonstrações de liquidação de IVA n.º 2018 ... do período 201604, n.º 2018 ... do período 201605, n.º 2018 ... do período 201607, n.º 2018 ... do período 201608, n.º 2018 ... do período 201609, das demonstrações de liquidação de juros n.º 2018 ... do período 201604, n.º 2018 ... do período 201605, n.º 2018 ... do período 201607, n.º 2018 ... do período 201608, n.º 2018 ... do período 201609, das demonstrações de acerto de contas n.º 2018 ... do período 201604, n.º 2018 ... do período 201604, n.º 2018 ... do período 201605, n.º 2018 ... do período 201605, n.º 2018 ... do período 201607, n.º 2018 ... do período 201607, n.º 2018 ... do período 201608, n.º 2018 ... do período 201608, n.º 2018 ... do período 201609 e n.º 2018 ... do período 201609.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 13 de fevereiro de 2019.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.            A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária ao ano de 2016, que culminou com correções aritméticas ao IVA no valor de 34.485,04.

b.            O relatório de inspeção refere que a Requerente procedeu, no período de 2016-04, à regularização de IVA a seu favor, no valor de 34.602,47 €.

c.            Esta regularização incluiu o valor de 34.485,04 €, que foi enquadrado no quadro 1-B do anexo explicativo das regularizações do campo 40, como se tratando de uma regularização no âmbito da alínea b), do n.º 4, do artigo 78º-A, do Código do IVA, referente a crédito incobrável da Reclamante.

d.            O valor em questão diz respeito a um crédito da Reclamante sobre a empresa B..., Lda.

e.            A inspeção considerou que a Reclamante não tem direito à regularização do IVA apenas porque incumpriu com o requisito instituído no n.º 9 do artigo 78º-B do Código do IVA, relativamente à comunicação junto do adquirente.

f.             A sociedade B..., Lda, pessoa coletiva n.º..., foi declarada insolvente em 07-08-2013, no processo n.º .../13...T..., pela 2ª Secção de Comércio do Tribunal de ..., cuja sentença transitou em julgado em 28-08-2013.

g.            A Requerente procedeu à reclamação de créditos junto do Administrador de Insolvência.

h.            Em 17-11-2016, foi proferida decisão de encerramento do referido processo de insolvência, por ter sido realizado o rateio final, sendo os efeitos do encerramento os previstos nos artigos 233º e 234º n.º 3 do CIRE.

i.             A Requerente solicitou ao tribunal a emissão de certidão, para efeitos de regularização do IVA em questão.

j.             Da referida certidão consta que “certifica-se ainda, que a sentença que declarou a insolvência foi proferida em 07.08.2013 e transitou em julgado em 28-08-2013”.

k.            A certidão refere ainda que “mais certifica narrativamente que o Credor: A..., Ldª, domicílio: Lugar ... ... consta com o crédito reclamado/reconhecido de 293445.56 €, conforme lista de créditos reclamados e reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência e que dos autos não consta até à presente data que o credor haja recebido qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida”.

l.             Ora, o n.º 9 do artigo 78º-B do Código do IVA dispõe que “no caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada”.

m.          Assim, de acordo com esta disposição legal, haverá lugar à comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja um sujeito passivo de IVA mas, no presente caso, o devedor B..., Lda, à data da regularização do IVA pela Requerente já não era sujeito passivo de IVA.

n.            Com efeito, a 04-10-2013, foi cessada a atividade junto da AT, para efeitos de IVA, com o fundamento legal traduzido no artigo 34º n.º 1 alínea a) do Código do IVA e para efeitos de IRC em 16-10-2013 em virtude da insolvência.

o.            Não sendo o devedor sujeito passivo, não se aplica o n.º 9 do artigo 78º-B do Código do IVA, que apenas exige a comunicação ao devedor no caso deste ser sujeito passivo de imposto pelo que, no presente caso, não pode ser exigida a comunicação ao devedor não sujeito passivo de IVA, devendo ser aceite a regularização do IVA efetuada pela Requerente, relativo ao crédito incobrável sobre a sociedade B..., Lda.

p.            Ao fundamentar as correções efetuadas na obrigação da Requerente dar cumprimento ao artigo 78º-B n.º 9 do Código do IVA, sem que se mostrem demonstrados os pressupostos de tal norma, designadamente que o adquirente dos bens e serviços era, à data da regularização, sujeito passivo do imposto, incorreram os atos tributários em questão, em erro sobre os pressupostos de facto, e consequentemente erro de direito.

q.            Motivos pelos quais as mesmas devem ser anuladas, tal como as demonstrações de liquidação de juros e as demonstrações de acerto de contas.

r.             A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (artigo 268º da CRP) e legal (artigo 77º da LGT).

s.            O artigo 77.º n.º 1 da LGT dispõe que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

t.             Uma análise cuidada de todos os elementos e documentos disponibilizados à inspeção tributária, permitiria concluir pela aceitação da regularização do IVA em questão.

u.            Compulsada a fundamentação tecida pela AT, não pode deixar de concluir-se que as correções em questão não se encontram devidamente fundamentadas, apresentando traços caraterísticos de uma manifestação de arbítrio, havendo, assim, uma insuficiente fundamentação das correções efetuadas.

v.            Que legitimam que as liquidações em causa sejam integralmente anuladas também com este fundamento.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

a.            A Requerente no período de IVA de 2016-04 procedeu à regularização de IVA a seu favor, no montante de € 34.602,47 inscrevendo-o, para o efeito, no campo 40 da Declaração Periódica de IVA.

b.            Através da análise dos factos e dos elementos disponíveis, verificaram os serviços de inspeção que os requisitos cumulativos para regularização de IVA, constantes da mencionada disposição legal, não foram cumpridos, não podendo ser fiscalmente aceite a regularização.

c.            Com efeito, procedeu a Inspeção Tributária à subsunção da factualidade apurada na previsão legal da norma constante do artigo 78.º do CIVA, que permite que o IVA seja deduzido no que respeita a créditos considerados incobráveis quando:

-O processo de execução esteja extinto por falta de bens penhoráveis; ou,

-Seja decretada insolvência.

-E desde que em ambas as situações, sejam comunicados aos adquirentes dos bens e serviços (clientes) a anulação parcial ou total do imposto por eles anteriormente deduzido, o que não ocorreu, tal como a requerente confessa.

d.            É manifesta a improcedência da argumentação que sustenta o pedido de pronúncia arbitral, a qual se desenvolve com base na consideração de que o devedor B..., LDA, havia  cessado a atividade em sede de IVA.

e.            Importa aqui relembrar que, na redação aplicável à data dos factos, dispunha a alínea b) do n.º 4 do artigo 78.º-A do CIVA que:

“4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis nas seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º2:

(…)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro).”

f.             Para além disso dispõe o n.º 9 do artigo 78.º-B que:

“No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.”

g.            Considera a Requerente que não havia qualquer exigência de comunicação ao devedor, por considerar que a B... já tinha cessado a sua atividade perdendo, no seu entender, a “qualidade” de sujeito passivo.

h.            A cessação de atividade em IVA não determina a extinção da empresa, a qual só se verifica no momento do encerramento da liquidação que precede a sua dissolução.

i.             O que significa que a sociedade mantém a personalidade jurídica e, nessa medida, está obrigada ao cumprimento das diferentes obrigações fiscais.

j.             De acordo com a alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do CIVA, são sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou coletivas que, de modo independente e com caráter de habitualidade, exerçam uma atividade na área de produção, comércio ou prestação de serviços, isto é, qualquer pessoa que exerça uma atividade económica na aceção do artigo 9.º da Diretiva 2006/112/CE.

k.            A jurisprudência do TJUE tem firmado o entendimento de que o conceito de atividade económica é um conceito amplo e de natureza objetiva, nele se incluindo os atos preparatórios e até as atividades ilícitas.

l.             Uma sociedade inativa, que não tenha sido liquidada, continua a ter existência jurídica e a estar sujeita ao cumprimento das diversas obrigações, nomeadamente do foro tributário.

m.          Ao processo de liquidação da empresa é inerente a realização de operações abrangidas pelo campo de incidência do IVA, nomeadamente a alienação de bens da empresa, sujeita a imposto por força do disposto no art.1º, nº1, al.a) e art.3º do respetivo Código.

n.            Estando em causa um sujeito passivo adquirente de bens e serviços, insolvente, também para este a lei consagra, expressamente, o dever de comunicação, caso se pretenda efetuar a regularização de imposto suportado, pelo que  não se encontram reunidos os pressupostos para a aceitação da regularização de IVA efetuada.

o.            Por outro lado, é óbvia a conclusão de que as exigências de fundamentação dos atos tributários foram integralmente cumpridas pela AT.

p.            É incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária, que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não doutra.

q.            Ora, no caso em apreço, a Requerente teve perfeito conhecimento do conteúdo dos atos de liquidação e pronunciou-se sobre as correções propostas.

r.             De facto, os elementos que constam do procedimento de inspeção, os quais foram notificados à Requerente, permitem identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total das correções, dando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão e esclarecendo o que o levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro.

s.            E dele constando, igualmente, todos os elementos de que a Requerente poderia necessitar para compreender e apreender as correções que foram efetuadas, bem como, os atos de liquidação que consequentemente lhe seguiriam.

t.             Mostrando-se evidente que a Requerente teve perfeito conhecimento da fundamentação dos atos praticados pela AT, pois de outra forma não estaria habilitada a discutir, como discute na presente ação arbitral, as correções efetuadas.

u.            Pelo que, cumpriu a AT, integralmente, os requisitos legais da fundamentação dos atos constantes dos artigos 77.º da LGT e 153.º do CPA, os quais determinam que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária e pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respetivo ato.

v.            Assim, não pode ser assacada qualquer ilegalidade às liquidações ora sindicadas.

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a sua realização, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda determinada a realização de alegações escritas facultativas, tendo a Requerida, nesta peça, reiterado o já alegado em sede de resposta.

A Requerente não apresentou alegações.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Ilegalidade dos atos tributários por vício de violação de lei.

a) Ilegalidade dos atos tributários por vício insuficiência de fundamentação, legalmente equiparada a falta de fundamentação.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

8.1.A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária ao ano de 2016, que teve a sua origem num processo de seleção central visando aferir a legitimidade de regularizações de IVA a favor da Requerente, no âmbito de “créditos incobráveis”, que culminou com correções aritméticas ao IVA no valor de 34.485,04 €.

8.2.A Requerente no período de IVA de 2016-04 procedeu à regularização de IVA a seu favor, no montante de € 34.602,47, inscrevendo-o, para o efeito, no campo 40 da Declaração Periódica de IVA.

8.3.Esta regularização inclui o valor de € 34.485,04 que foi enquadrada no quadro 1-B do anexo explicativo das regularizações do campo 40, como se tratando de uma regularização no âmbito da alínea b) do nº 4 do artigo 78º-A do CIVA, referente a créditos incobráveis  sobre a sociedade com o NIF..., B..., Lda.

8.4. Todos estes créditos sobre a sociedade B..., Lda, se venceram após um de Janeiro de 2013.

8.5.  De certidão emitida em 18.03.2016 pelo tribunal de ...- Instância Central-2ª Secção de Comércio- Juiz, 2, da Comarca do Porto, processo .../13...T..., que constitui anexo ao relatório de inspeção tributária junto aos autos e que constitui fundamento do ato tributário objeto do processo consta, designadamente, o seguinte:

“(…) neste Tribunal e Juízo correm termos uns autos de insolvência pessoa coletiva (Apresentação), de: Insolvente: B..., Lda., NIF – ..., domícilio: ..., ..., ...-... Porto com o nº de processo .../13...T..., com o valor processual de €: 30.001,00, a qual foi apresentada em Juízo em 06-08-2013.

CERTIFICA-SE AINDA, que a sentença que declarou a insolvência foi proferida em 07.08.2013 e transitou em julgado em 28-08-2013.

(…).

MAIS CERTIFICA NARRATIVAMENTE que o credor: A..., Ldª, domicílio: lugar ..., ...-... ... consta com o crédito reclamado/reconhecido de 293445,56 €, conforme lista de créditos reclamados e reconhecidos elaborados pelo Sr. Administrador de Insolvência e que, dos autos não consta até à presente data que o credor haja recebido qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida.”

8.6. Do relatório de inspeção tributária consta, designadamente, o seguinte:

 

“Relativamente ao montante objeto de regularização e aferindo-se tal valor com o constante da relação constante da certificação emitida pelo ROC e com as cópias das faturas remetidas, constata-se que o valor da coluna do IVA constante da certidão do ROC é coincidente o valor objeto de regularização. Todavia, aferindo tal relação de faturas com as cópias das faturas constata-se que a relação atribui um valor de IVA à fatura n.º 300698, de 10-05-2013 de € 956,02, quando nesta fatura apenas foi liquidado IVA no montante de € 683,02. Conclui-se deste modo, que a regularização efetuada excede em € 273,00 o valor do IVA que efetivamente foi objeto de liquidação nas transações subjacentes ao crédito incobrável.

- A A... não cumpriu com o requisito exigido pelo n.º 9 do artigo 78.º-B de CIVA, na medida que que o SP não procedeu à comunicação junto do adquirente, da regularização do IVA que concretizou no período de 2016-04, conforme o referido articulado o exige. Tal conclusão advém do facto de que na sua resposta ao ofício tal elemento de prova não foi remetido, assim como do contacto estabelecido quer com o CC quer com o ROC da Requerente, estes informaram que tal comunicação não tinha sido efetuada.

Relativamente ao argumento invocado pelo ROC da Requerente de que tal requisito, da comunicação ao sujeito passivo devedor, se mostra dispensável quando este deixe de possuir essa qualidade, de sujeito passivo, pelo facto de a sua atividade de encontrar cessada na base de dados da Administração Tributária (A.T.), para efeitos de IVA, opinião esta que fundamenta com uma decisão do Tribunal Arbitral tomada a 06-01-2017, manifestamos a nossa discordância pelos seguintes motivos:

-A sociedade devedora “B...” iniciou a sua atividade em 1978, sendo sujeito passivo de IVA desde a implementação do imposto em Portugal (1986).

-Conforme já antes referido, em 07-08-2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência, no processo n.º.../13... T..., pelo Tribunal de ... (Comarca do Porto) – Instância Central – 2.ª Secção Comércio – 2.º Juízo - que transitou em julgado em 28-08-2013.

-A 04-10-2013, foi cessada a atividade, junto da A.T., para efeitos de IVA, com o fundamento legal traduzido na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIVA.

Segundo a leitura por nós efetuada à decisão do Tribunal Arbitral, que nos foi remetida pelo ROC, retira-se dai, de uma forma sucinta que, o facto de uma sociedade que, durante um determinado período de tempo, foi sujeito passivo de IVA, ter cessado a sua atividade para esse efeito, determina automaticamente sua perda da qualidade de sujeito passivo, desde que objetivamente não pratique atos sujeitos a imposto. Com base na ausência da prática de atos sujeitos a imposto por parte da entidade devedora, conclui que o mesmo não é já sujeito passivo e como tal não se encontra abrangido pelo preconizado no n.º 9 do artigo 78.º-B de CIVA, ou seja, a comunicação junto do adquirente/devedor só é exigida caso este seja sujeito passivo.

A simples cessação de atividade para efeitos de IVA não significa que a mesma seja definitiva pois que, a mesma corresponde a um período em que o sujeito passivo não praticando atos sujeitos interrompe a sua qualidade como tal sendo que, verificando-se um facto que seja, que lhe atribua tal figura a mesma deverá ser retomada, pelo menos para cumprimento às obrigações inerentes a tal facto.

Relativamente ao facto em concreto será a comunicação que alude o n.º 9 do artigo 78.º- B de CIVA que irá configurar o facto que o obrigará a adquirir novamente a figura de sujeito passivo em sede de IVA, isto porque conforme refere este articulado a comunicação é efetuada à pessoa do adquirente que seja sujeito passivo.

É, pois, na qualidade de adquirente que se ira balizar a qualidade em simultâneo de sujeito passivo de IVA.

Aquando da aquisição dos bens ou serviços que estão na origem do crédito incobrável a

B... era sujeito passivo de IVA e nessa qualidade deduziu o imposto que suportou em tais aquisições e que o seu fornecedor (a A...) liquidou e entregou nos cofres do Estado. Sintetizando o efeito de tal operação nos cofres do Estado foi neutro, efeito este (neutralidade) que é um dos princípios basilares do IVA.

Caso não fosse sujeito passivo de IVA (p. ex. um particular) o IVA suportado em tal aquisição teria sido entregue na íntegra ao Estado, pelo fornecedor, pois que o adquirente não teria o direito à sua dedução.

É com base nestas duas situações que o n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA faz referência ao adquirente sujeito passivo. Caso este não seja sujeito passivo de IVA, com a regularização do IVA por parte da entidade fornecedora, o Estado mantem o princípio da neutralidade, pois que procede ele à devolução de imposto de recebeu mas que o fornecedor garantidamente não recebeu.

Já no caso de o adquirente se tratar de um sujeito passivo de imposto, com a regularização do imposto por parte do fornecedor, tal neutralidade apenas será reposta caso o imposto seja exigido ao adquirente, uma vez que este deduziu o imposto no momento da aquisição.

Porque o adquirente sujeito passivo apenas tomará conhecimento de tal obrigação caso o seu credor lhe dê conhecimento de que irá promover à regularização do imposto que foi instituído tal requisito para que este possa regularizar o imposto a seu favor.

Deste modo, apesar de o sujeito passivo se encontrar com a atividade cessada para efeitos de IVA a comunicação efetuada pelo credor torna-se numa operação que confere novamente ao adquirente a qualidade de sujeito passivo de IVA, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º do CIVA.

Face ao descrito concluímos  que a regularização de IVA a favor da Requerente levada a cabo por este no período de 2016-04, no valor de €34.485,05 relativa ao crédito incobrável do seu cliente “B...”, NIF ... não se encontra de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 78.º-A e n.º 9 do artigo 78.º- B, pelo que se  propõe a sua correção a favor do Estado.

A Requerente foi notificada do projecto das correcções, tendo exercido o direito de audição,

tendo sido mantidas as conclusões vertidas no projeto de relatório de inspeção tributária, nos termos seguintes: 

-Alega o SP, nos pontos 3 a 7 do D.A. que, aquando da realização da Inspeção esclareceu, junto desta, que , à data da regularização, a comunicação ao adquirente não teria qualquer efeito, pois este não tinha a qualidade de sujeito passivo, requisito exigido pelo nº 9 do artigo 78º-B do CIVA, opinião sustentada pela decisão do Tribunal Arbitral já aqui citada e pelo facto de a B... ter cessado definitivamente a sua atividade, tendo sido declarado insolvente.

Como já antes fundamentamos no ponto III do presente relatório, a  declaração de insolvência não determina a extinção da sociedade, verificando-se a continuidade da respetiva personalidade tributária até ao registo do encerramento definitivo da liquidação. Uma sociedade em situação de insolvência continua a existir, enquanto sujeito passivo de impostos, mantendo-se obrigada ao cumprimento das obrigações fiscais previstas nos códigos tributários. Caso seja deliberado o encerramento de estabelecimento compreendido na massa insolvente e comunicado tal facto à AT, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, é declarada oficiosamente pela AT a cessação oficiosa daquele sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 34.º do CIVA, sem prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais nos períodos de imposto em que se verifique a ocorrência de operações tributáveis ou em que devam ser efetuadas regularizações.

Ora, a A... procedeu à regularização do IVA no período de 2016-04 sendo que a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência da B... ocorreu a 15-12-2016, com o consequente cancelamento da matrícula e extinção da sociedade. Até esta data a B... mantinha personalidade jurídica (n.º 2 do artigo 146 do CSC) e, consequentemente, a personalidade tributária (artigo 15.º da LGT).

Assim sendo, a Requerente deveria ter dado cumprimento ao instituído no n.º 9 do artigo 78.º-B do CIVA para desse modo, exercer o direito a regularizar o IVA a seu favor. Não o fazendo, conclui-se, uma vez mais, que não cumpriu com os requisitos necessários ao exercício de tal direito.

(…) Se a AT tivesse agido de forma diferente da proposta, veria prejudicado o efeito da neutralidade, pois que se nas operações originárias a Requerente liquidou imposto (IVA) devido, já na B... o efeito foi inverso, pois que deduziu tal imposto ao que liquidou no respetivo período, tendo, deste modo um efeito neutro nos cofres do Estado.

Já a regularização efetuada pela A... sob apreço, corresponde a uma devolução de imposto que o Estado não recebeu (pelo processo de liquidação / dedução relativo às operações originárias) e não o podendo exigir junto da sociedade insolvente (pois que o formalismos da comunicação por parte da Requerente não foi cumprido) tal efeito de neutralidade deixa de vigorar, isto devido a um incumprimento seu, isto porque esta decidiu pelo Estado que tal imposto não era passível de cobrança, competência que em legislação alguma lhe foi atribuída.

Face ao acima exposto, não poderemos deixar de manter as correções propostas, pois que a A... não deu cumprimentos a um requisito essencial para regularizar a seu favor o IVA relativo ao crédito incobrável, conforme disposto no nº 9 do artigo 78º-B do CIVA.”

8.7. Na sequência e com base no Relatório de Inspeção Tributária a Requerida praticou os atos tributários objeto do presente processo constantes dos documentos 1 a 21, juntos pela Requerente, que se dão por integralmente reproduzidos.

8.8. Na regularização referida nos pontos 8.2. e 8.3. do probatório a Requerente considerou um valor de IVA à fatura n.º 300698, de 10-05-2013 de € 956,02.

8.9. Na fatura n.º 300698, mencionado no ponto anterior apenas foi liquidado IVA no montante de € 683,02.

8.10. A atividade da sociedade B..., Lda, consta na informação de cadastro da Requerida, como cessada para efeitos de IVA desde 03-10-2013, e para efeitos de IRC desde  16-10-2013.

 

Com interesse para a decisão da causa, no âmbito da matéria de facto alegada pelas partes, inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto, relativamente à qual não houve discordância entre as partes, alicerçou-se nos seguintes meios de prova documentais constante dos autos e não impugnados por nenhuma das partes:

-Factos dos números 8.1, 8.2, 8.3 e 8.6 do probatório: relatório de inspeção tributária.

-Facto 8.4: Relação de créditos incobráveis constante de anexo do relatório de inspeção tributária.

-Facto8.5:  cópia de certidão judicial constante de anexo do relatório de inspeção tributária.

-Facto 8.7: documentos nºs 1 a 21, juntos com o pedido de pronuncia arbitral.

-Factos números 8.8 e 8.9: fatura n.º 300698 emitida pela Requerente à sociedade B..., Lda, anexa ao  relatório de inspeção tributária.

-Facto nº 8.10: documento nº 27 junto com o pedido de pronuncia arbitral.

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Tendo a impugnante invocado a ilegalidade dos atos tributários por vício de  violação de lei e  por vício de insuficiência  de fundamentação, legalmente equiparado a falta de fundamentação, há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada, como é pacífico,  a prevista no art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2017, Almedina, pag. 205).

 

O vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a hipotética anulação decorrente do vício de falta de fundamentação.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar a questão da ilegalidade apontada à liquidação por vício de violação de lei.

 

Apreciemos, pois.

 

11. Era a seguinte a referida norma do art. 78º-A , nº 4, al. b), à data da regularização:

“4 - Os sujeitos passivos podem, ainda, deduzir o imposto relativo a créditos considerados incobráveis nas seguintes situações, sempre que o facto relevante ocorra em momento anterior ao referido no n.º 2:

a) (…)

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código; (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)”

 

Não resulta das alegações das partes, nem matéria de facto provada, a verificação de qualquer das três hipóteses de que a al. b), do nº 4, do art. 78º-A, faz depender o direito à regularização . sendo certo, todavia, que também não resulta com segurança a sua não ocorrência. Assim, indubitavelmente, é à luz da fundamentação do ato tributário em crise que o mesmo deve ser apreciado. 

Ora, o fundamento invocado pela Requerida para negar o direito à regularização da Requerente foi, para além do fundamento específico respeitante à fatura n.º 300698 de 10-05-2013, tão somente, a alegada violação do nº 9, do artigo 78º-B do CIVA, pelo que há que apreciar se se verifica a sua violação.

A norma em causa tem a seguinte redação:

“ No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.”

 

Está em causa, pois, uma comunicação a um adquirente que seja um sujeito passivo de imposto.

A Requerida sustenta que a sociedade B..., Lda era sujeito passivo de IVA à data da regularização. A Requerente entende que não.

 

Vejamos.

É o seguinte o teor do artigo 9º, nº 1,  da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum da UE do imposto sobre o valor acrescentado:

 

“Entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.

Entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.”

 

Por sua vez, é o seguinte o teor do art. 2º, nº 1, al. a) do CIVA:

 

“1 - São sujeitos passivos do imposto:

a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);”

 

Decorre destas normas que, em geral, a qualidade de sujeito passivo do imposto depende do exercício duma atividade económica.

 

Na verdade, como explica Sérgio Vasques:

“O exercício de uma actividade económica constituiu, portanto, o pressuposto em que assenta toda a incidência subjectiva e objectiva do IVA. Nenhuma pessoa pode ser dita sujeito passivo que não leve a cabo uma atividade económica nem quando esta falte podemos estar em face de transmissões de bens ou prestações de serviços tributáveis”

 

Porém, consta da informação do cadastro da Requerida que, na data da regularização, a atividade económica da devedora insolvente se encontrava cessada. Apesar de alegar na sua resposta, genericamente,  que “Ao processo de liquidação da empresa é inerente a realização de operações abrangidas pelo campo de incidência do IVA, nomeadamente a alienação de bens da empresa, sujeita a imposto por força do disposto no art.1º, nº1, al.a) e art.3º do respetivo Código.” em concreto, a Requerida não demonstrou e nem sequer alegou, que apesar daquela informação cadastral -que não pôs em causa-  a sociedade insolvente B..., Lda, exercesse efetivamente qualquer atividade ou tivesse praticado qualquer operação concreta  suscetível de a enquadrar como sujeito passivo do imposto.

 

É certo que alega a Requerida no relatório de inspeção tributária que “Relativamente ao facto em concreto será a comunicação que alude o n.º 9 do artigo 78.º- B de CIVA que irá configurar o facto que o obrigará a adquirir novamente a figura de sujeito passivo em sede de IVA(…), apesar de o sujeito passivo se encontrar com a atividade cessada para efeitos de IVA a comunicação efetuada pelo credor torna-se numa operação que confere novamente ao adquirente a qualidade de sujeito passivo de IVA, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º do CIVA.” .Todavia, se   pela comunicação o adquirente adquirisse novamente a qualidade de sujeito passivo, como a Requerida afirma, tal significaria que, aquando da regularização,  que  constituiria o alegado fundamento do dever de comunicação e assim logicamente a precederia, o adquirente não era sujeito passivo de IVA e, consequentemente, a Requerente não estava adstrita ao dever de comunicação em causa.

 

Acresce que, como é bom de ver, uma mera comunicação feita por terceiro, em si mesma, não configura uma atividade económica, nem um ato isolado tributável para efeitos de IVA.

 

A mera comunicação, mesmo que tivesse sido  feita, não se subsume ao segundo parágrafo do nº 1 do artigo 9º, nem, evidente e necessariamente, se reconduz aos atos isolados  mencionados na al. a), do nº 1, do art. 2º do CIVA, que pressupõem, sempre, uma atividade própria  de produção, comércio ou prestação de serviços, ainda que meramente conexa com a atividade habitual ou, independentemente desta conexão, que preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares  ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A aquisição da qualidade de sujeito passivo, face à al. a), do nº 1, do art. 2º do CIVA, exige uma atividade económica potencialmente geradora de acréscimo patrimonial que, como é evidente, não se verifica no caso que nos ocupa.

 

Nestas condições, não pode deixar de se concluir que, à data da regularização, aquela não era sujeito passivo de imposto e que, portanto, não era devida a comunicação prevista no nº 9 do art. 78º-B do CIVA.

 

Acompanhamos, assim, a decisão arbitral proferida no processo 317/2016-T, onde se pode ler:

 

“(…)a apresentação de uma declaração de cessação de actividade por uma empresa, aceite pela AT, indica que a mesma deixou de exercer qualquer actividade.

Ora, conforme a citação do Prof. Xavier de Basto, feita pela própria Requerida no ponto 63 da sua resposta, “O “sujeito passivo”, na acepção da directiva, engloba, pois, aquelas pessoas que, por exercerem uma actividade económica, praticam, e, provavelmente com carácter continuado, operações tributáveis.” (sublinhado nosso).

Ora, como se referiu, a apresentação de uma declaração de cessação de actividade, devidamente aceite pela AT, indica que a pessoa em causa, cessou de exercer qualquer actividade económica, e deixou de praticar, justamente, operações tributáveis, não sendo, por isso, sujeito passivo, na acepção quer da Directiva IVA, quer do CIVA, não obstando a tal, manifestamente, quer não extinção da empresa, quer a manutenção da personalidade jurídica, quer a existência de um representante fiscal, quer a manutenção de (algumas) obrigações declarativas.

E, se é verdade, como afirma a AT, que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma actividade comercial mas continue a exercer alguma forma de actividade é considerada um sujeito passivo na acepção daquele artigo, o certo é que, no caso, aparte a declaração de cessação de actividade, e a sua aceitação pela AT, nada se apura mais, pelo que, se a AT, em ordem a fundar a correcção que operou, pretendia sustentar a obrigação da Requerente dar cumprimento ao disposto no artigo 78.º/11 do CIVA, deveria ter demonstrado que, não obstante a cessação de actividade para efeitos de IVA dos clientes da Requerente, estes continuavam a exercer algum tipo de actividade (como, por exemplo, pagar rendas ou outros encargos referentes ao local que serviu para o exercício da sua actividade).”

 

Não pode, pois, deixar de se concluir, ressalvado o caso específico do IVA referente à fatura n.º 300698, de 10-05-2013, que as correções efetuadas pela Requerida padecem do vício de violação de lei.

 

No que respeita a esta fatura, tendo sido liquidado IVA no montante de € 683,02 mas regularizado imposto  no valor de € 956,02, é obvio que se regularizou imposto a mais no montante de 273 €, o que nem sequer foi objeto de impugnação pela Requerente (apesar de, formalmente, ter impugnado os atos tributários na totalidade) pelo que, nesta parte, os atos tributários sub judice não sofrem do vício de violação de lei.

 

12. A Requerente, imputa ainda, aos atos tributários, o vício de fundamentação deficiente, legalmente equiparada a falta de fundamentação.

Diga-se, desde já, manifestamente, sem qualquer razão.

Vejamos porquê.

 

O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem consagração constitucional no artigo 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, estando densificado nos artigos 152º e seguintes do Código de procedimento Administrativo e no artigo 77º da Lei Geral Tributária, no que respeita a atos tributários.

 

Nos termos do Artigo 77.º, nº 1, da Lei Geral Tributária:

 

“A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. “

 

De acordo com o art. 153º, nº 2, do Código de procedimento Administrativo :

“Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”

 

A Requerente argumenta, de modo veemente e esclarecido, contra a posição da Requerida constante do relatório de inspeção tributária (com exceção da correção referente à fatura n.º 300698, que, como supra referido, substancialmente não contesta). Discorda das razões de direito que levaram à prática   dos atos tributários, mas, face ao pedido de pronúncia arbitral, revela ter apreendido os motivos que levaram à prática dos atos tributários. O que bem se compreende, uma vez que a posição da Requerida expressa no relatório de inspeção tributária constante do probatório e respetivo projeto é clara, congruente e suficiente, expressando as razões que levaram à prática dos atos, permitindo à Requerente uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação e ao tribunal o controle da sua conformidade ao Direito.

Coisa diferente é a validade substancial da fundamentação. Conforme escreve José Carlos Vieira de Andrade “(…) não tem de estar em causa saber se a argumentação constante do conteúdo declarado é ou não convincente, isto é, se é ou não suficiente para que o tribunal a aceite como capaz de suportar materialmente a decisão. Essa é uma questão que respeita  exclusivamente à validade substancial do ato e que não se pode separar das outras questões de fundo (…)”

Neste mesmo sentido, pode ler-se no acórdão do STA 28-09-2011, de 0494/11 , o seguinte:

 

“O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correcção efectuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.

Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados.”

 

No que respeita à parte dos atos tributários referente à fatura nº n.º 300698, de 10-05-2013, não só a fundamentação é clara, congruente e suficiente, como indiscutivelmente válidos os fundamentos invocados.

Com exceção da parte referente à mencionada fatura, a fundamentação dos atos tributários não permite suportar materialmente as liquidações efetuadas. Tal implica, como acima exposto, vício de violação de lei, por invalidade substancial dos fundamentos invocados, mas não por deficiência de fundamentação.

Improcede, assim, o vício em causa.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a anulação parcial dos atos tributários objeto do presente processo, mantendo-se apenas na ordem jurídica a parte referente à liquidação do valor de 273 €, referente à fatura n.º 300698 e correspondente liquidação de juros compensatórios, decretando-se a anulação dos atos tributários na parte restante.

 

Valor da ação: 37.938,13 € nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas no valor de 1 836.00 €, na proporção de 0,79 por cento pela Requerente e 99,21 pela Requerida, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 19.06.2019

 

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro