Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 512/2018-T
Data da decisão: 2019-06-06  IMI  
Valor do pedido: € 3.025,27
Tema: Adicional ao IMI (artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI).
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 27 de Dezembro de 2018, acorda no seguinte:

 

I – Relatório

 

1.1. A... S.A., Pessoa Colectiva n.°..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como inicialmente configurado, tem por objecto imediato a anulação do acto de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa n.º ...2018..., contra o acto de liquidação de adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017... e como objecto mediato a anulação deste, no valor global de € 3.025,27.

               

1.3. A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:

 

(i) O acto tributário em causa materializa a violação dos mais basilares cânones da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva.

 

(ii) Que atendendo ao espírito que presidiu à Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2017, de onde brotou o AIMI, é de concluir que se visou tributar a titularidade de património imobiliário por revelar uma superior capacidade contributiva de quem o detém, concretizando, assim, o princípio da repartição justa e da capacidade contributiva.

 

(iii) Que o AIMI, na sua atual acepção, não passa no crivo do princípio da capacidade contributiva, porquanto detém os imóveis em causa no âmbito da sua actividade e por causa dela e que a propriedade sobre os imóveis consiste, no caso de sociedades comerciais deste tipo, no substrato patrimonial da sua atividade económica, e na concretização de um verdadeiro meio essencial à prossecução do seu escopo, pelo que falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária.

 

(iv) E que a tributação em AIMI deve necessariamente operar uma destrinça entre, por um lado, a titularidade de património imobiliário que, só por si, constitua uma manifestação de uma acrescida abastança económica, e por outro lado, a titularidade de direitos reais sobre imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica e que, como tal possam ser reconhecidos como factores de produção.

 

(v) Que existe uma desigualdade no plano material entre as empresas que prossigam uma atividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja atividade não decorra da detenção de imóveis e que estão criadas as condições para a constituição de manifestas situações de desigualdade material com as empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma actividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.

 

(vi) Que com o imposto em causa, trata-se de forma desigual, sem qualquer fundamento material de suporte, as empresas proprietárias de imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica, relativamente às empresas que, pelo mesmo motivo, são proprietárias de imóveis classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” – os quais são isentos de AIMI.

 

(vii) E que com a diferenciação negativa, acrítica, arbitrária e aleatória, entre, por um lado, empresas que utilizam os imóveis na prossecução da sua actividade e, por outro lado, empresas que afectam os imóveis a indústria comércio e serviços, confere-se um tratamento diferenciado a situações que, do ponto de vista material, são em tudo semelhantes. Nessa medida, que a tributação em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade - na medida em que o facto de ter no seu inventário imóveis para construção, exploração ou venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser (diferente e autonomamente) tributada.

 

(viii) E que a liquidação ora em apreciação viola o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.° da CRP e o princípio da capacidade contributiva  previsto no artigo 104.° da CRP, na medida em que se baseia numa norma que trata de forma bem diferente contribuintes que se encontrem em situações idênticas, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva e se baseia numa solução legal arbitrária e desprovida de qualquer fundamento material perceptível ou racional.

 

(ix) E que ao incidir sobre a propriedade de imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica, sem qualquer fundamento bastante, deve ser desaplicado o artigo 135.°-B n.° 2 do CIMI por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.° e 104.°, n.° 3 da CRP, mais se verificando a violação do princípio da proporcionalidade, pois que constata-se a existência de uma diferenciação negativa, acrítica, arbitrária e aleatória, entre, por um lado, imóveis (habitacionais) detidos por empresas que os utilizam na prossecução da sua actividade, e, por outro lado, imóveis de igual valor detidos por empresas que os afectam a indústria comércio e serviços,

 

(x) Termina sustentando que face aos princípios constitucionais fiscais vigentes, o n.° 2 do artigo 135.°-B do CIMI deve ser reputado de materialmente inconstitucional, na parte em que não exclui do AIMI os terrenos para construção que figurem nas existências de sociedades de escopo imobiliário, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.° e 104.°, n.° 2 e 3, todos da CRP – a determinar a anulação da decisão e da liquidação impugnadas.

 

 (xi) Por todo o exposto pugna pela anulação do acto administrativo e do acto tributário em crise nos autos com todas as consequências legais.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

 

(i)           Vem defender-se por impugnação.

 

(ii) Que o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

(iii) Ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido o património imobiliário afecto ao exercício de qualquer actividade económica.

 

(iv) que o entendimento propugnado pela Requerente qual seja, a de que na exclusão de tributação prevista no Art.º 135.º-B, n.º 2 do CIMI, estão os prédios classificados como terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitacional, é claramente ab-rogante da lei, travestida de impulso legiferante, bem como inconstitucional.

 

(v) E que face às decisões do Tribunal Constitucional sobre a conformidade constitucional da Verba 28 da TGIS, é axiomático que toda a argumentação arvorada pela Requerente ao querer assacar, escorada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma qualquer desconformidade – inexistente, sublinhe-se, à saciedade do AIMI –, em concreto da liquidação ora em dissídio com a lei fundamental, não tem qualquer fundamento.

 

(vi) E que a opção legislativa de qualificar como sujeitos passivos pessoas singulares e pessoas colectivas e quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português, com a classificação como “terrenos para construção” ou de “edifícios ou construções para fins habitacionais”, trouxe, inevitavelmente, para o campo da tributação, entidades que prosseguem actividades económicas e que nada na letra da lei autoriza a concluir que a intenção do legislador do AIMI tenha sido a de excluir de tributação os prédios urbanos que se encontrem afectos ao exercício de uma actividade económica.

 

(vii) Pois que o único critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objectiva é, tão-só, a tipologia de classificação dos prédios urbanos, prevista no CIMI, para a qual remete expressamente o regime do AIMI.

 

(viii) E que não procedeu a qualquer interpretação inconstitucional da norma, pois não é ela quem decide incluir, na tributação em AIMI, os prédios urbanos afectos a actividades económicas, mas sim, porque é o que resulta do Art.º 135.º-B n.º 2 do CIMI, apenas não são tributados os prédios urbanos classificados como industriais, comerciais ou para serviços e outros.

 

(ix) Pelo que, tendo a liquidação impugnada sido efectuada em conformidade com o disposto na lei, não se antevê, então, onde possa residir a violação de lei que lhe é imputada.

 

(x) Sendo certo que o entendimento contrário, qual seja, a de que na exclusão de tributação prevista no Art.º 135.º-B, n.º 2 do CIMI estão os prédios classificados como terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitacional, é claramente ab-rogante da lei, transvertida de impulso legiferante, bem como inconstitucional.

 

(xi) A tributação em causa não resultou de uma sua interpretação criativa, mas de mera aplicação da lei e, como já é uniformemente reconhecido na jurisprudência, não pode desaplicar normas legais com fundamento em inconstitucionalidade.

 

(xii) Pelo que, e em suma, não podia/pode recusar a aplicação de uma norma, ou deixar de cumprir a lei, invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme Art.º 266.º n.º 2 da CRP, Art.º 3.º n.º 1 do CPA e Art.º 55.º da LGT.

 

(xiii) Quanto à inconstitucionalidade do regime do AIMI, por violação dos princípios da igualdade (Art.º 13.º da CRP) e da capacidade contributiva (Art.º 104.º n.º 3 da CRP) entende que das normas consagradas não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes ao arrepio daqueles princípios constitucionais, porquanto as escolhas inerentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI são efectuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa.

 

(xiv) Com efeito, entende que a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional, face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

 

(xv) Entende que é inequívoco que se está perante uma norma de incidência objectiva de carácter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito.

 

(xvi) Pelo que pugna pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

 

1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, não tendo optado por fazê-lo.

 

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao fim do prazo legal.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2. QUESTÃO A DECIDIR

 

                A única questão colocada à apreciação do Tribunal é a conformidade constitucional do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI.

 

                É, assim, face ao thema decidendum configurado pela Requerente na sua petição arbitral que o Tribunal apreciará o pedido.

 

3.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial anónima que se dedica à actividade de promoção imobiliária.

 

B) A Requerente é proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação em crise nos autos, mormente terrenos para construção.

 

C) Os imóveis em causa estão contabilizados como “inventários” na esfera da Requerente (documento n.° 2 junto aos autos pela Requerente).

 

D) A Requerente detém os referidos imóveis com o fito de proceder à exploração dos mesmos através de venda ou arrendamento, encontrando-se os mesmos destinados à exploração da Requerente no âmbito da sua atividade económica.

 

E) Na sequência de entrada em vigor do regime do AIMI (no dia 1 de janeiro de 2017), foi a ora Requerente notificada da liquidação de AIMI em causa nos autos (cfr. documento n.° 2 junto pela Requerente nos autos).

 

F) A Requerente pagou voluntariamente o imposto que lhe foi liquidado (documento n.º 3 junto aos autos pela Requerente).

 

4.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

5.            FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº. 371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

6. DO DIREITO

 

Sobre o thema decidendum já teve o árbitro deste Tribunal Singular a oportunidade de analisar e de se pronunciar no processo arbitral que tramitou no CAAD sob o n.º 664/2017-T, aí em Tribunal Arbitral Colectivo, aderindo-se à decisão aí proferida, nada havendo no entretanto que justifique alterar a posição assumida nesse aresto.

 

Aliás, cumpre referir que muito recentemente o Tribunal Constitucional, no processo n.º 752/2018, veio proferir o Acórdão n.º 299/2019 , sem votos de vencido quanto ao segmento decisório, em recurso apresentado de uma decisão proferida por este centro de arbitragem que apreciou precisamente a conformidade constitucional do AIMI, tendo confirmado a decisão recorrida e não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 135.º-A do CIMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do adicional ao IMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços e outros, optando por não tomar conhecimento relativo à norma do artigo 135.º-A do referido CIMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação subjectiva do imposto, entidades que detém património imobiliário como consequência inevitável da actividade económica que desenvolvem.

 

                O adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.

               

No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva do imposto, estabelecendo-se que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”.

               

Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objectiva, estipulando o seguinte:

 

“Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

 

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”

 

A remissão feita no n.º 2 do artigo 135.º-B para o artigo 6.º do Código do IMI tem em vista caracterizar o que se entende por prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.

 

De facto, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, e os artigos subsequentes definem, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º). O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

 

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

 a) Habitacionais;

 b) Comerciais, industriais ou para serviços;

 c) Terrenos para construção;

 d) Outros.

 2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3. “.

 

O legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.

 

A exclusão do imposto abrange, assim, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. A dita exclusão abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

 

O âmbito de incidência objectiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efectuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.

 

       Como se decidiu no processo arbitral n.º 664/2017-T:

 

“Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico da expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).

 

Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”.

 

(…)

 

“ De facto, o artigo 135.º-B do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional ao imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efectuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.

 

Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.

 

Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

 

Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”.

 

Alega a Requerente, no essencial, que o AIMI, na sua atual acepção, não passa no crivo do princípio da capacidade contributiva, porquanto a Requerente detém os imóveis em causa no âmbito da sua actividade e por causa dela e que a propriedade sobre os imóveis consiste, no caso de sociedades comerciais deste tipo, no substrato patrimonial da sua atividade económica, e na concretização de um verdadeiro meio essencial à prossecução do seu escopo, pelo que falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária.

 

Sustenta que a tributação em AIMI deve necessariamente operar uma destrinça entre, por um lado, a titularidade de património imobiliário que, só por si, constitua uma manifestação de uma acrescida abastança económica, e por outro lado, a titularidade de direitos reais sobre imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica e que, como tal possam ser reconhecidos como factores de produção, existindo uma desigualdade no plano material entre as empresas que prossigam uma atividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja atividade não decorra da detenção de imóveis e que estão criadas as condições para a constituição de manifestas situações de desigualdade material entre a Requerente e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma actividade comercial, industrial ou de prestação de serviços. Nessa medida, entende que a tributação em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade - na medida em que o facto de ter no seu inventário imóveis para construção, exploração ou venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser (diferente e autonomamente) tributada.

 

Sobre estas mesmas questões o Tribunal Constitucional no recentíssimo aresto que se identificou supra teve o ensejo de se pronunciar, determinando como resumidamente segue:

 

“Desde logo, a tributação do património não pode ser vista como mera alternativa ou sucedâneo da tributação do rendimento, pois constitui finalidade autónoma do sistema fiscal, à qual o plano ordenador da Lei Fundamental atribui, a par da função geral financeira, uma específica função redistributiva (artigos 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 3 da Constituição).

Ora, não se vê que a prossecução estatutária de atividades de promoção ou exploração imobiliária permita afastar, quanto a todos os sujeitos cuja atividade nesse ramo implique a detenção de direitos sobre imóveis, a tributação da riqueza predial de que sejam titulares.

 

(…)

 

a opção político-legislativa de tributação incide sobre a riqueza diretamente revelada pela própria titularidade de um valor patrimonial - na espécie, a riqueza decorrente da titularidade de direitos sobre bens imóveis urbanos de uma certa tipologia. O recorte objetivo decorrente da remissão para certas categorias normativamente previstas no artigo 6.º do Código de IMI, não modifica a essência do AIMI, enquanto imposto estático e analítico sobre o património imobiliário urbano, sem relevarem os réditos que esse ativo económico venha a gerar.

Na verdade, a escolha do facto tributário do AIMI recai sobre realidade económica relevante, pois a titularidade de um prédio imóvel urbano constitui, em si mesma, uma manifestação de riqueza - e uma riqueza determinável, por lhe ser social e juridicamente atribuído um valor de mercado -, revelando uma especial pujança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, que potencia posição negocial no comércio jurídico em geral, em especial a capacidade de angariar meios de financiamento. Exprime uma abastança, que não se mostra por qualquer forma infirmada pela forma como foi obtida (permanece inalterada caso a titularidade de direitos sobre prédios urbanos seja adquirida por ato oneroso ou gratuito), ou pela sua afetação a uma atividade económica, que pode ou não gerar lucro: como sublinha SÉRGIO VASQUES, «[Q]uando se tributa a substância do património não se está a tributar o rendimento pela segunda vez, está-se a tributar algo diferente» («Capacidade Contributiva, Rendimento e Património», Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, p. 39).

 

Esse tem sido, aliás, o entendimento acolhido pelo Tribunal perante problema idêntico. Efetivamente, a questão de saber se a própria detenção de imóvel é idónea a revelar acrescida capacidade contributiva, independentemente da natureza jurídica do sujeito passivo e da atividade económica por este desenvolvida, mormente a exploração de uma atividade de índole imobiliária, foi já apreciada pela jurisprudência constitucional, com referência ao imposto que o AIMI substituiu. No Acórdão n.º 378/2018, o Plenário apreciou a conformidade constitucional da norma constante da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.00,00. Fê-lo no âmbito de recurso previsto no artigo 79.º-D, por se verificar oposição de julgados entre os Acórdãos n.º 250/2017 e 568/2016, afastando o entendimento de que naquele imposto se desconsiderava a natureza empresarial do sujeito passivo e confundia  manifestações de riqueza e fatores de produção dessa mesma riqueza, ao mesmo tempo que se reconheceu que a titularidade do bem imóvel e a sua afetação social constituem índices seguros de capacidade contributiva. Pode ler-se no referido aresto:

 

«Deve (...) sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1., como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de terminados valores patrimoniais, “independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)” (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentre desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos setores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.

(...)

Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muito menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos inerentes a cada um desses ramos de atividade.

A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de variáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade -, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.

Como se salienta no Acórdão n.º 711/2006, em passo transcrito no Acórdão n.º 590/2015, «[a]veriguar (...) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (...) – como proibição do arbítrio».

 

Não obstante as diferenças estruturais do tributo aqui em apreço, atrás referidas, este entendimento mantém-se válido e é transponível para a apreciação da questão colocada no presente recurso. De acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma sindicada, o pressuposto económico atendido pelo legislador no AIMI é o de que persiste a força económica revelada pela detenção de direitos sobre um acervo patrimonial constituído por prédio(s) urbano(s) habitacional(is) e/ou terreno(s) para construção, manifestando, nas categorias de bens visadas pelo legislador – prédios habitacionais e terrenos para construção -, a capacidade contributiva do contribuinte, independentemente do objeto – mormente, do objeto societário - a que se dedique o sujeito, isto é, mesmo que a atividade eleita seja a exploração económica de prédios urbanos.

Ao invés do defendido pela recorrente, não existe suporte para considerar que a racionalidade subjacente à definição do novo imposto parcial sobre o património não é compaginável com o que designa de oneração do setor imobiliário e, na espécie, com a disciplina normativa dos fundos de investimento imobiliário.

E, como já se disse no Acórdão n.º 378/2018, não decorre do programa constitucional de igualização tributária através dos impostos sobre o património uma qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, mormente das empresas do ramo imobiliário, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos.”.

 

Mais determinando.

 

“Efetivamente, o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI contém norma de não sujeição tributária (ou de desagravamento fiscal stricto sensu), na modalidade de exclusão tributária, espécie acolhida no n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, alterado por último pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), e definida como medida estrutural de caráter normativo que estabelece delimitações negativas expressas da incidência.

Em virtude dessa norma, excluem-se do âmbito de incidência objetiva do AIMI – a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos de que o sujeito passivo seja titular – os prédios urbanos classificados pela lei fiscal como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o que introduz, como é próprio da tipologia normativa, uma desigualdade de tratamento entre os sujeitos passivos do tributo: enquanto os titulares de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção (referidos nas alíneas a) e c) do artigo 6.º do CIMI) são obrigados ao AIMI, os titulares dos prédios com fins comerciais, industriais, para serviços ou outros, cujo destino normal não seja a habitação ou construção (referidos nas alíneas b) e d) do artigo 6.º do CIMI), não estão  obrigados a tal adicionamento.

Pode dizer-se que, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, tais normas vivem «numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva», o que as vincula a uma especial legitimação: «a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância» (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457-458).

Sem embargo, a relação de igualdade pressuposta na norma de incidência não tem o mesmo conteúdo que a relação de igualdade exigida pela norma de não incidência. Aquela norma, porque descreve o facto gerador da obrigação tributária, não pode deixar de atender à força económica que o contribuinte tem para suportar o imposto; já a norma de não incidência, porque define um elemento negativo do tipo legal do facto tributário, deve atender ao critério escolhido pelo legislador na delimitação desse elemento negativo. Ou seja, as normas diferenciam-se tanto pelos seus efeitos quanto pelas suas finalidades: enquanto a norma de incidência representa uma interferência na esfera patrimonial do contribuinte, referindo-se à retirada da prestação pecuniária do contribuinte para o Estado, a norma de exclusão tributária projeta efeitos económicos mais abrangentes, de que a mitigação do impacto negativo na esfera patrimonial do contribuinte é instrumento; enquanto a norma de incidência tem por objetivo a arrecadação de receita, a norma de não incidência funcionaliza o tributo a outras finalidades.

Estas diferenças projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação normativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade que cada um tem para pagar o tributo – princípio da capacidade tributária; já a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério – princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última, considerando os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto da tributação.

 

18. A introdução da referida diferenciação na estrutura interna do AIMI assenta eminentemente em razões de política económica: proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos.

 

 De facto, foi através de razões de índole extrafiscal que o legislador justificou na Proposta de Lei n.º 37/XIII a norma de exclusão tributária, referindo que com ela se pretende «evitar o impacto deste imposto na atividade económica». A prossecução desse objetivo – a proteção da economia – na modulação de um tributo sobre o património é constitucionalmente legítima, por votada à realização de incumbência prioritária do Estado: a promoção das estruturas económicas (artigos 9.º, alínea d), e 81.º, alínea a) da Constituição), o que pressupõe o bom funcionamento das atividades económicas.

Para prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI.

Não significa isso, porém, que o legislador se tenha proposto afastar a tributação em AIMI de todas as atividades económicas, ou que o tenha feito em função da natureza dos sujeitos passivos, visando afastar o impacto do tributo nas entidades cujos ativos integrem prédios urbanos, mormente nos sujeitos de natureza empresarial.

Novamente, a visão proposta pela recorrente comporta um desvio relativamente ao pressuposto económico do tributo e à sua estrutura: este não perspetiva, dinamicamente, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos em função do desenvolvimento de uma determinada atividade económica; nem a occasio legis suporta o entendimento de que o legislador, através da norma sindicada,  procurou  eliminar um qualquer impacto financeiro na atividade dos agentes económicos, nomeadamente das pessoas coletivas que se dediquem a explorar uma atividade compreendida no setor imobiliário, setor económico em que a parcela de custos (dedutíveis em sede de IRC) decorrente da fiscalidade sobre o património imobiliário urbano será previsivelmente superior.

Na verdade, as menções, durante os trabalhos preparatórios, à não afetação da «atividade económica» pelo imposto que se introduzia, devem ser contextualizadas com referência à estrutura inicial do tributo, na qual os elementos de progressividade assentavam em critérios relativos à natureza da atividade prosseguida pelo sujeito passivo, seja por via da exclusão da incidência dos prédios afetos à atividade turística, seja por via da isenção até 6000.000,00€ dos prédios detidos por sujeitos passivos empresariais afetos a atividade produtiva. E, importa sublinhar, mesmo no recorte de incidência da Proposta de Lei, a atividade empresarial de «compra e venda de imóveis» era expressamente afastada da isenção, sinalizando um tratamento diferenciado na modulação do imposto, contrário à ideia de que o legislador do AIMI rejeitava a tributação de toda e qualquer a atividade económica que tivesse como substrato patrimonial bens transacionáveis de natureza imobiliária. Logo nesse momento inicial, é vincada uma diferença de tratamento entre agentes económicos, distinguindo aqueles para os quais os imóveis urbanos constituem essencialmente uma mercadoria.

Na redação final, os critérios assentes na atividade económica do contribuinte foram substituídos pela remissão para as espécies de prédios urbanos estabelecida no artigo 6.º do IMI, assim convocando para a esfera do AIMI os mesmos critérios e justificações em que assenta a base de incidência objetiva do IMI, ao mesmo tempo que foi afastada a solução de isenção até 600.000,00€, eliminando o elemento progressivo de base pessoal da tributação das pessoas coletivas e equiparadas. Nessa configuração, o âmbito de incidência objetiva do imposto foi significativamente reduzido, por afastada a incidência relativamente a todos os prédios com afetação comercial e para serviços (mesmo aqueles titulados por empresas cujo objeto social seja a de compra e venda de imóveis), além da espécie «outros», sendo essa a opção do legislador para minorar o impacto do tributo no tecido empresarial e preservar a sua competitividade, mormente nos mercados internacionais (nesse sentido, JOSÉ PIRES, O Adicional ao IMI..., p. 50).

Então, e como refere a decisão recorrida, o racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano.

 

19. Efetivamente, do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI resulta uma divisão dos prédios urbanos, a qual, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, faz depender a respetiva classificação, para efeito da qualificação dos prédios como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, em primeiro lugar da utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, do critério de afetação normal. Ao invés do defendido, não se trata de uma mera classificação formal, antes a expressão de diferença material entre as realidades patrimoniais ponderadas.

Assim, tomando os quatro exemplos avançados pela recorrente nas suas alegações, ilustrando a crítica de arbitrariedade (conclusões EEEE, FFFF e HHHH, transcritas supra), a não tributação em AIMI dos imóveis urbanos licenciados para a finalidade industrial, detidos por entidade que prossegue esse ramo de atividade (hipótese A), assim como os prédios licenciados para atividade de serviços, como um hotel ou aldeamento detido por entidade do ramo turístico (hipótese B), encontra justificação racional no facto do património imobiliário ser integrado, de um ponto de vista económico, por bens intermediários, meios através dos quais é prosseguida a finalidade que determina a sua classificação tributária, o que é coerente com o propósito legislativo de mitigar o impacto da nova externalidade fiscal na atividade económica, em especial na atividade exportadora. Diferentemente, nas situações jurídico-subjetivas versadas nas hipóteses C e D (na sua raiz idênticas, pois a circunstância de o tributo não incidir sobre todo o património imobiliário urbano do sujeito passivo torna irrelevante a distinção entre os sujeitos que detêm apenas prédios classificados como habitacionais e os que são titulares, para usar a terminologia da recorrente, de «um portfólio diversificado de vários tipos  de prédios urbanos»),  a tributação em AIMI do património imobiliário para arrendamento habitacional radica no facto de o imóvel constituir o próprio objeto da operação do agente económico.

Poderá objetar-se que os sujeitos passivos que adquirem prédios urbanos habitacionais para venda ou terrenos para construção de edificações, qualquer que seja a respetiva finalidade, e que fazem disso a sua atividade social, detêm os prédios para um fim último de índole comercial. Dir-se-á, então, que a diferença a que atende o legislador – excluindo estes prédios do âmbito da norma de desagravamento fiscal - não possui natureza e peso suficientes para justificar um tratamento desigual.

Todavia, a situação fiscal dessas empresas já é considerada no âmbito interno do IMI. Com efeito, nos casos de aquisição de prédios para revenda e de terrenos para construção, prevê-se nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI a não sujeição ao IMI durante três e quatro anos, respetivamente, e, por força da alínea a) do n.º 3 do artigo 135.º-C do mesmo diploma, a não sujeição ao AIMI, em relação aos sujeitos passivos que estão coletados para o exercício dessa atividade. Durante o período de «não tributação» não há qualquer efeito tributário a considerar em sede de IMI, não sendo o imóvel uma realidade qualificada como prédio para efeitos fiscais. A razão de ser da não consideração tributária encontra-se no facto de o imóvel durante esse lapso de tempo ser compreendido como mercadoria para os demais efeitos fiscais. Como sublinha JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3.ª edição, 2015, p. 415), «o regime fiscal em IMI dos prédios comprados para revenda justifica-se pelo princípio de que este não é um imposto sobre as mercadorias mas sobre a riqueza, pelo que não se aplica a prédios para revenda que sejam considerados mercadorias no ativo de uma empresa que exerce aquela atividade. É por essa razão que o legislador fez questão de colocar sistematicamente este regime no capítulo da incidência do imposto e não no das isenções ou no Estatuto dos Benefícios Fiscais. É também por essa razão que a Lei define que a sujeição desses prédios a imposto só se inicia no final do terceiro ano seguinte àquele em que foram afetos ao ativo permutável das empresas. Por essa razão, e em sentido contrário, antes desse momento em que se inicia a tributação não existe sujeição a imposto».

Em relação a esta espécie de imóveis apenas há diferenciação na estrutura do AIMI após três e quatro anos da detenção dos imóveis para venda ou construção. Todavia, após esse prazo, há motivo razoável bastante para distinguir, à luz do critério normativo em escrutínio, as diferentes espécies de prédios urbanos, pois a função que passaram a desempenhar já os diferencia dos prédios urbanos abrangidos na norma de exclusão tributária, atendendo à finalidade extrafiscal por ela visada.

 

Aliás, sobre as mesmas questões de constitucionalidade e convocando o que então se decidiu na decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 664/2017-T:

 

“Revertendo à situação do caso, cabe fazer notar - como ressalta do Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60) - que a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com  o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

               

Tem-se entendido, do mesmo modo, que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).

               

(…)

 

A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (idem, pág. 36).

 

(…)

 

Além de que, na linha do que se entendeu no acórdão arbitral de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa.

 

Afigura-se assim existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”.

 

No que se refere à invocada inconstitucionalidade resultante da discriminação operada pela norma do artigo 135.º-B do Código do IMI, no tocante aos terrenos de construção (considerando que os imóveis em causa nos autos são terrenos para construção) também o Tribunal Arbitral que se constituiu sob o n.º 664/2017-T teve o ensejo de analisar, decidindo:

 

“Neste plano de análise, deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva.

 

Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é susceptível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edificio para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).

 

É possível descortinar, por conseguinte, um fundamento material bastante para distinguir entre esses diferentes factos tributários para efeito da tributação do património.”.

 

 Bem como o próprio Tribunal Constitucional no aresto citado n.º 299/2019.

 

“Para além da crítica mais ampla à incidência objetiva do AIMI que se vem de apreciar, a recorrente problematiza especificamente a situação dos terrenos para construção. Aponta o facto de o sentido normativo impugnado comportar a tributação de terrenos para construção com afetação estabelecida a fins de comércio, indústria, serviços ou outros, quando a sujeição a AIMI é excluída relativamente aos prédios edificados para essas mesmas finalidades, independentemente da sua efetiva utilização. Considera que se está perante situações jurídico-subjetivas merecedoras do mesmo tratamento, sem que exista uma razão material que legitime constitucionalmente a diferença. Também neste ponto não lhe assiste razão, pois coloca em confronto realidades materialmente distintas, à luz do facto tributário e do pressuposto económico do AIMI.

Na verdade, a incidência do imposto sobre «terrenos para construção», tal como definidos no n.º 2 artigo 6.º do Código de IMI, decorre de nele se terem constituído direitos de construção ou de proceder a operações de loteamento, quer por via de por via de ato administrativo de concessão de licença ou autorização, quer pelo reconhecimento tácito resultante da admissão de comunicação prévia, quer, ainda, pela resposta favorável a pedido de informação prévia ou emissão de informação prévia favorável a operação de loteamento ou de construção. Acessoriamente, o legislador também acolheu, como critério de afetação à construção do terreno, que este seja adquirido expressamente para esse efeito e que possua viabilidade construtiva.

E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular. Como refere JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património..., p. 140):

«No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia. Mais importante que isso é um fator que lhe é extrínseco e que depende dos poderes público, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existem, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir.

O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.

Devemos ter em conta que no terreno ainda nada está construído, mas a mera constituição de um direito de nele se vir a construir faz aumentar imediatamente o seu valor. Para além disso, a medida desse valor depende também, sempre, do valor do prédio que nele virá a ser construído. É assim que funcionam os mecanismos de mercado e foi também assim que o legislador concebeu o modelo de avaliação de terrenos para construção».

 

 O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e prédio construído não são realidades económicas equivalentes ou assimiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário urbano. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no já referido Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada:

 

«[É] claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins (...). Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.

Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.

As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência deixarão de ser aplicáveis».

 

Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional,  pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.

22. A partir do disposto no artigo 41.º do Código do IMI, que estabelece os coeficientes de afetação para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário, a recorrente interroga sobre a razão por que o índice fixado pelo legislador para os imóveis comerciais e para serviços é superior ao dos prédios habitacionais (conclusão OOOO, a qual repete ipsis verbis a formulação e a nota aposta no artigo 123.º do corpo das alegações), após o que desenvolve argumentação votada a convencer que a afetação a comércio, indústria ou serviços «não é exclusiva dos prédios classificados como “comerciais, industriais e para serviços» e que o enunciado semântico do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI deverá ser interpretado no sentido de se aplicar a exclusão de incidência relativamente a «todos os “terrenos para construção” que tenham uma (potencial) afectação a comércio, indústria, serviços ou outros» (conclusões ZZZZ a WWWWW).

Mostra-se patente que, nesse ponto do recurso, como noutros (cfr. último parágrafo do ponto 8, supra), estamos perante argumentação situada no plano infraconstitucional, votada a afirmar a verificação de erro de julgamento, por deficiente interpretação do direito ordinário, como decorre da titulação desse segmento do recurso – «a (ilegal) desconsideração do critério legal da afectação do prédio» - e da afirmação de que o entendimento acolhido é «contrário ao espírito da lei e à própria unidade do sistema jurídico, particularmente a unidade do regime jurídico-tributário do IMI». Ora, o Tribunal recorrido afastou a interpretação defendida pela recorrente, considerando-a sem «qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica», juízo que, repete-se, se impõe a este Tribunal como um dado.

Mas, para além dessa discussão sobre o direito ordinário, argumenta a recorrente que «constitui um tratamento discriminatório e arbitrário a tributação em AIMI de um “terreno para construção” com uma utilização potencial para [fins de comércio, indústria, serviços ou outros], enquanto não é tributado neste mesmo Adicional um prédio edificado com esta mesma utilização potencial», afirmação que radica na ponderação dos coeficientes de afetação (Ca) e de localização (Cl) tanto no cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios construídos, como dos terrenos para construção (artigo 45.º do Código do IMI),

Esta visão assenta no pressuposto, que já vimos incorreto, de que a ratio do imposto impõe que a incidência seja recortada em função de uma avaliação casuística da afetação do imóvel a uma atividade económica. Ao invés, o legislador mobilizou os mesmos critérios normativos objetivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma das espécies previstas no artigo 6.º do Código do IMI, para o que é irrelevante que o titular do prédio utilize em toda a sua latitude, ou não utilize de todo – por razões de oportunidade ou outros - a aptidão do mesmo para a finalidade para que está licenciado ou a que se destina normalmente.  Uma tal ponderação seria relevante num outro modelo de tributação do património e de cálculo do respetivo valor, no qual fosse atendido o rendimento-produto, que não aquele que veio a ser positivado na reforma operada em 2003. Nesta, vingou o critério do valor real ou de mercado para apurar o respetivo valor, a partir das categorias rígidas previstas no artigo 6.º (sobre os vários modelos de tributação do património e a sua evolução em Portugal, cfr. CASALTA NABAIS, «A respeito do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis», cit., pp. 32-45; e JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património ..., pp.16-32, e O Adicional ao IMI..., pp. 29-38).

Os critérios específicos de cálculo do valor patrimonial tributário invocados pela recorrente não se colocam à margem desse paradigma, não pretendendo o coeficiente de afetação regulado no artigo 41.º refletir uma racionalidade diferente da subjacente à classificação do prédio ou à sua natureza. Mesmo que as normas dos artigos 38.º, 41.º, 42.º e 45.º do Código do IMI, pela sua maior concretização, possam suscitar dúvidas interpretativas (de que é exemplo a questão dirimida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, formação plenária, de 21 de setembro de 2016, processo n.º 01083/13, acessível em www.dgsi.pt), desde logo por aí se fazer previsão de outras tipologias, na aplicação dos referidos critérios «a classificação dos prédios contida no artigo 6.º do CIMI serve de instrumento de referência fundamental», enquanto «classificação estrutural e ontológica» (JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património..., pp.111 e ).

Por outro lado, é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.”.

 

Face a todo o supra exposto entende este Tribunal Arbitral que a norma do n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI não padece dos apontados vícios de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 104.º, n.º 3, da Constituição) nesse mesmo sentido decidindo muito recentemente o próprio Tribunal Constitucional.

 

Face à solução jurídica conferida ao caso sub judice, fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas pela Requerente a título de adicional ao IMI.

 

7.            DECISÃO

 

                Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

* * *

 

                Fixa-se o valor do processo em Euro 3.025,27, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

                Condena-se a Requerente em custas no montante de Euro 612,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

          

Notifique-se.

 

                Lisboa, 6 de Junho de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.