Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 551/2018-T
Data da decisão: 2019-05-03  IMI  
Valor do pedido: € 9.662,00
Tema: AIMI – Sujeição; sociedade imobiliária; terrenos para construção; inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 7 de novembro de 2018, a sociedade comercial A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., Guimarães, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de AIMI n.º 2018..., respeitante ao ano de 2018, no montante total de € 9.662,00;

- Restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data do seu integral reembolso.

A Requerente juntou 17 (dezassete) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, essencialmente, na violação de diversas normas e princípios constitucionais, designadamente alegando que:

- O princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º da CRP) é ofendido, na medida em que as empresas que se dedicam à atividade imobiliária e obtêm proveitos disso, com pagamento do correspondente IRC, são oneradas com um novo imposto que, sem razão material bastante, as tributa, exclusivamente, em função dessa atividade;

- Não existe equidade e justiça na repartição dos sacrifícios para satisfação dos interesses públicos e as normas que regem o AIMI excedem manifestamente os limites da proibição de excesso em termos de igualdade proporcional (artigos 13.º, n.º 1, 104.º e 18.º da CRP);

- Ao serem tributadas as empresas que se dedicam à atividade imobiliária, de forma diferente quer das restantes empresas, quer dos contribuintes individuais e heranças indivisas, h  violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP);

- Constitui uma dupla tributação, visto que abrange todo o património da Requerente e este j  foi tributado em sede de IMI;

- O AIMI é um imposto arbitrário, uma vez que não é exigido pelos objetivos constitucionais do sistema fiscal, confiscatório e expropriativo, representando uma descapitalização notória e desigual das aplicações financeiras da Requerente, violando assim o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

- A tributação em AIMI não tomou em consideração a autonomia do poder local (artigo 6.º da CRP).

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 14 de novembro de 2018.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 28 de dezembro de 2018, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 17 de janeiro de 2019.

 

5. No dia 18 de fevereiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

5.1. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, nos seguintes argumentos:

A lei estabelece a incidência do imposto sobre os '' terrenos para construção" e isto independentemente da afetação potencial que a estes venham a caber, uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência; ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.

                As opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços e “outros”. Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

Os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, isto é, podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

Por outro lado, a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património e não sobre o rendimento.

Por isso, bem se compreende a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

                Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos.

                Assim, não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica.

                Com efeito, a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações. 

                Nas situações em que a atividade imobiliária é efetuada com a titularidade dos imóveis é inegável o acervo patrimonial indicador de determinada capacidade económica dessa entidade, distinguindo-se apenas dos restantes proprietários pela natureza, singular ou coletiva. Se assim não fosse, isso sim seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade por tratamento preferencial aos proprietários que fossem pessoais coletivas em detrimento dos proprietários pessoas singulares, tratando de forma desigual situações idênticas, sem nenhuma razão ou justificação material legitimadora dessa opção legislativa.

                Por outro lado, o ordenamento constitucional não contempla o princípio de proibição de dupla tributação; ou seja, a proibição da dupla tributação jurídica não existe, enquanto princípio autónomo, como suporte de um juízo de constitucionalidade. 

5.2. A Requerida não juntou documentos, nem o respetivo processo administrativo por este não existir, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

 

6. Em 18 de fevereiro de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fixar prazo para a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 15 de julho de 2019.

 

7. As Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

                II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

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III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto a compra, venda e revenda de bens imóveis. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

b) A Requerente é proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção), situados no Lugar de ..., freguesia da ..., concelho de Guimarães, inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., e dos prédios urbanos (terrenos para construção) sitos no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ... e ... . [cf. documentos n.ºs 2 a 15 anexos ao PPA]

c) A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2018..., incidente sobre os prédios urbanos identificados no facto provado anterior e referente ao ano de 2018, no montante total de € 9.662,00 (nove mil seiscentos e sessenta e dois euros), com prazo de pagamento no mês de setembro de 2018. [cf. documentos n.ºs 16 a 17 anexos ao PPA]

d) A Requerente efetuou o pagamento tempestivo e integral do predito montante de AIMI liquidado. [cf. documento n.º 17 anexo ao PPA]

e) Em 7 de novembro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há provados que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

 

III.2. DE DIREITO

§1. O THEMA DECIDENDUM

12. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal respeita, nuclearmente, à determinação do âmbito de sujeição do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro) introduziu e que entrou em vigor em 1 de Janeiro daquele mesmo ano.

A Requerente, como foi dito, coloca diversas questões de inconstitucionalidade, designadamente quanto à norma do artigo 135.º-B do Código do IMI, por violação do princípio da igualdade fiscal, na vertente da proibição do arbítrio, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da proporcionalidade e do princípio da autonomia do poder local; alega ainda que o AIMI é um imposto confiscatório e expropriativo e que consubstancia uma situação de dupla tributação.     

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2. DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO AIMI

                13. O Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, que estabelecem o respetivo regime jurídico, passando a constituir o capítulo XV daquele compêndio legal.

                No Relatório daquele Orçamento do Estado pode ler-se o seguinte que aqui interessa respigar:

«As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IECs e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada.

A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.»

 

                14. No artigo 135.º-A do Código do IMI é definida a incidência subjetiva do AIMI, nos seguintes termos:

Artigo 135.º-A

Incidência subjetiva

1 – São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

2 – Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis.

3 – A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.

4 – Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as empresas municipais.

                O artigo 135.º-B define a incidência objetiva do AIMI, estatuindo o seguinte:

Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

Este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.

O artigo 6.º do Código do IMI estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

                a) Habitacionais;

                b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

                d) Outros.

 2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

15. Afigura-se evidente que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do AIMI por referência aos prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.

A exclusão do imposto abrange, pois, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. A referida exclusão abrange, para além disso, a espécie residual que é mencionada na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que não se enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para o dito artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.

Neste enquadramento, o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do AIMI os prédios afetos a atividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação.   

 Tal entendimento pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência do AIMI através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da afetação efetiva do imóvel a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva.

A este propósito, são tecidas as seguintes considerações no acórdão arbitral prolatado no processo n.º 420/2018-T, com as quais concordamos e que, data venia, aqui fazemos nossas: 

“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica. 

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600.000,00, quando o sujeito passivo é uma é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». 

No entanto, não foi com base na atividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas. 

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. 

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. 

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).  

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações. 

Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.”

Esta tem sido, aliás, a orientação da jurisprudência arbitral do CAAD quanto a esta matéria, ou seja, de que a tributação opera independentemente da natureza da atividade desenvolvida, podendo, a título de exemplo, consultar-se as seguintes decisões (independentemente da decisão final quanto à procedência ou não do pedido arbitral):

a) Fundos de Investimento Imobiliário: processos n.º 664/2017-T e n.º 686/2017-T;

b) Instituições financeiras: processo n.º 676/2017-T;

c) Instituições de locação financeira: processo n.º 696/2017 -T;

d) Empresas de construção e urbanização: processo n.º 6/2018-T.

Acresce que, como refere José Maria Fernandes Pires (O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património, Coimbra, Almedina, 2017, p. 7), o AIMI visou “tributar a riqueza de forma progressiva, acima de um determinado valor, quando os titulares são pessoas singulares e toda a riqueza das pessoas colectivas, independentemente do valor e a uma taxa proporcional.”, pelo que será de considerar que nunca esteve na mente do legislador excluir atividades económicas, mas antes, excluir prédios urbanos classificados em função de uma finalidade.

Com efeito, caso fosse aquela a intenção, sabido que a maioria das pessoas coletivas praticam atividades económicas, deixava de fazer qualquer sentido tributar do prisma subjetivo as pessoas coletivas.

 

16. Destarte, não tem qualquer cabimento pretender estender a fórmula legislativa utilizada aos prédios afetos à atividade económica ou ao funcionamento de uma empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços. Tendo o legislador definido uma exclusão de incidência por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efetuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis contemplar; não se pode sequer tentar chegar a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

 

§3. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO DO AIMI 

17. Como já foi dito, a Requerente suscita a inconstitucionalidade do regime de tributação do AIMI em múltiplas vertentes, designadamente quanto à norma do artigo 135.º-B do Código do IMI, cumprindo apreciar e decidir se se verifica ou não alguma das apontadas violações de normas e princípios constitucionais.

 

18. A propósito dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, Casalta Nabais (Direito Fiscal, 11.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2019, pp. 154 a 157) afirma o seguinte:

“…o princípio da igualdade fiscal sempre teve ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério – o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e não qualquer outro.  

(…) a capacidade contributiva constitui o pressuposto e o critério da tributação. Como pressuposto, exige não só que todos os tributos, em que naturalmente se incluem os impostos extrafiscais, mas também os próprios benefícios fiscais tenham por objecto “bens fiscais”, excluindo da tributação, por conseguinte, tanto o mínimo existencial como o chamado máximo confiscatório. (…)

  Enquanto critério da tributação, a capacidade contributiva rejeita que o conjunto dos impostos (o sistema fiscal) e cada um dos impostos de per si tenham por base qualquer outro critério, seja ao nível das respectivas normas, seja ao nível dos correspondentes resultados. Atento o seu âmbito, um tal critério vale, em termos objetivos apenas relativamente aos impostos fiscais e no concernente à respectiva obrigação de imposto e diz respeito, em termos subjectivos, somente aos contribuintes (e não a outros sujeitos passivos fiscais), sejam cidadãos ou estrangeiros, pessoas singulares ou colectivas.»

A respeito dos mesmos princípios, dizem Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 61 e 62) o seguinte:

«O princípio da igualdade tributária traduz-se numa exigência de tratamento igual, obrigando à igualdade de tratamento de contribuintes no mesmo escalão de rendimento (igualdade horizontal) e de tratamento diferenciado, postulando a diferenciação de contribuintes colocados em diferentes escalões de rendimento no espectro socioeconómico (igualdade vertical), ou seja, ele deve ser entendido em sentido material e não em sentido meramente formal.

Este princípio aponta para a consideração do critério da capacidade contributiva no exercício do poder tributário.

A capacidade contributiva pode ser evidenciada através do rendimento, do património e do consumo, e constitui um critério legítimo de diferenciação de tratamento dos contribuintes. Assim, quem revelar maior capacidade económica para pagar impostos deve pagar mais e quem revelar menor capacidade económica deverá pagar menos. Pode deste modo afirmar-se que a capacidade contributiva funciona como um princípio concretizador do princípio da igualdade, entendido este em sentido material.»

No mesmo conspecto, Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 294 e 295) afirma o seguinte:

«O princípio da capacidade contributiva representa o critério material de igualdade adequado aos impostos. (…)

A capacidade contributiva é o critério de repartição para o qual aponta inequivocamente o princípio da igualdade logo que o projectamos sobre o domínio dos impostos, razão pela qual o princípio da capacidade contributiva não carece de consagração constitucional explícita, bastando, para o fundamentar nesta área do sistema, o princípio geral de igualdade acolhido pelo artigo 13.º da Constituição.»    

 

18. O Tribunal Constitucional pronunciou-se, por diversas vezes, sobre os aludidos princípios constitucionais, importando começar por dar nota do alerta que faz quanto ao princípio da capacidade contributiva, no sentido de que “deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal” (acórdão n.º 84/2003, de 12 de fevereiro de 2003). 

Ainda do Tribunal Constitucional, numa perspetiva analítica global dos princípios em apreço, convoquemos o acórdão n.º 430/2016, no qual é afirmado o seguinte:

«12.1 A relação entre os princípios invocados – igualdade tributária, capacidade contributiva, (…) – tem sido assinalada pela doutrina e pela jurisprudência.

Desde logo, nas palavras do Acórdão n.º 197/2016 (cfr. II – Fundamentação, 3):

«(…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto”. E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»

Como explica JOSÉ CASALTA NABAIS, «[c]onfigurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e não qualquer outro.» (Manual de Direito Fiscal, cit., p. 153). Constitui, assim, o pressuposto, o limite e o critério da tributação (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 296).

(…)

O Tribunal Constitucional tem-se igualmente pronunciado diversas vezes sobre o princípio da igualdade tributária. Em síntese e sobre o mesmo princípio, o Acórdão n.º 590/2015 (cfr. II. Fundamentação, 12):

«O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi¬ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) – como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.»»

 

19. Relativamente ao princípio da proporcionalidade e, inerentemente, à problemática da tributação confiscatória e expropriativa (características apontadas pela Requerente ao AIMI), Américo Fernando Brás Carlos (Impostos, Teoria Geral, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 43, 130 e 131) diz-nos o seguinte:

«Confisco é a apropriação pública do património de um particular sem a justa indemnização. Acto, aliás, proibido pelo n.º 2 do artigo 62.º da CRP.

(…)

A obrigação de proporcionalidade é um dever conformador da actividade dos órgãos e agentes administrativos (art. 266.º da CRP). A proporcionalidade é, contudo, mais do que isso: é um princípio constitucional (art. 18.º, n.º 2, da CRP) que se estende aos órgãos legislativos e é uma pedra angular do Estado de direito democrático, com óbvios reflexos na área da tributação.

Por força da obrigação de proporcionalidade, o legislador fiscal e a Administração tributária estão sujeitos à proibição do excesso. Na sua actuação, a lesão do património dos contribuintes não deve exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público e deve ser tolerável quando confrontada com os fins públicos prosseguidos e com outros princípios, como o da igualdade. Haverá inconstitucionalidade quando a lei imponha uma tributação desnecessária, ainda que parcialmente, ou desproporcionada. A inconstitucionalidade mais evidente ocorrerá no confisco da propriedade pela via da tributação (…)

A proporcionalidade de que tratamos neste ponto respeita à comparação entre os fins públicos prosseguidos com o imposto e os custos privados necessários para os conseguir.»

Neste conspecto, dizem Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa (ob. cit., pp. 93 a 95) o seguinte:

  «O princípio da proporcionalidade em sentido amplo é um subprincípio concretizador do princípio do estado de direito, compreendendo a avaliação de uma qualquer conduta estadual, normativa ou não, com base em cinco critérios ou testes fundamentais.

O primeiro diz respeito à legitimidade dos fins. Este critério encontra-se geralmente satisfeito, na medida em que os impostos sirvam para realizar interesses públicos de relevo constitucional e legal.

O segundo prende-se com a avaliação da legitimidade prima facie dos meios, ordenada à investigação da existência de qualquer proibição expressa da utilização de um determinado meio. (…)

O terceiro teste prende-se com a adequação dos meios à realização dos fins pretendidos, do ponto de vista das relações empírico-racionais de causa-efeito. (…)

O quarto teste prende-se com necessidade ou exigibilidade dos meios, do ponto de vista espacial, temporal, subjetivo e objetivo. O mesmo significa que a carga fiscal deve limitar-se ao estritamente necessário para a promoção da satisfação das necessidades financeiras do Estado e a promoção da justiça tributária, com as inerentes exigências de universalidade e igualdade, abstendo-se, na medida do possível, de comprometer a eficiência económica.

Finalmente avalia-se a proporcionalidade em sentido estrito do meio a empregar com base numa análise de custos e benefícios. Nesta análise leva-se em linha de conta a questão de saber se os custos administrativos e económicos de aplicação e cumprimento das normas fiscais são devidamente compensados pelos benefícios da tributação. Do mesmo modo, está em causa a aferição do papel do sistema tributário na criação de condições de progresso e justiça, nos planos económico e social.    

(…)

Do princípio da proporcionalidade resulta a proibição da aplicação de taxas excessivas, juntamente com a procura da taxa ótima, compatível com a manutenção do rendimento tributável.»

 

20. Posto isto. É afirmado o seguinte no acórdão arbitral proferido no processo n.º 668/2017-T, que subscrevemos e que, mutatis mutandis, tem plena aplicação ao caso sub judicio:

«Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.

A criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60) compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

Por outro lado, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontra fundamento constitucionalmente aceitável na obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividade produtivas e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP].

Para além disso, na linha do que se entendeu no acórdão arbitral de 17-03-2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, deverá entender-se que, enquanto a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança.

Assim, terá fundamento constitucionalmente aceitável a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, que veio a ser consagrada na redacção aprovada para o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, na interpretação que atrás se adoptou.

A específica situação dos fundos de investimento imobiliário, como entidades de investimento colectivo detentoras de património imobiliário destinado a habitação, não se afigura merecer um tratamento especial relativamente à generalidade dos cidadãos que individualmente se encontram na mesma situação.

Na verdade, as actividades que os fundos podem desenvolver, indicadas no artigo 210.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; aquisição de imóveis para revenda; aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respectiva exploração económica; realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; desenvolvimento de projectos de construção e de reabilitação de imóveis), são livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis, mesmo à margem de estruturas empresariais.

Por outro lado, a titularidade de um património imobiliário de valor elevado pelos fundos de investimento imobiliário evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).

Por isso, a não incidência do AIMI sobre os valores dos prédios habitacionais ou terrenos para construção de habitação pertencentes a fundos de investimento imobiliário, constituiria um injustificado tratamento fiscal privilegiado em relação à generalidade dos restantes proprietários de imóveis com aquelas características.

Pelo exposto, a imposição aos fundos de investimento imobiliário do AIMI relativamente ao seu património constituído por imóveis habitacionais e terrenos para construção destinados a habitação não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.»

No mesmo sentido, é afirmado o seguinte no acórdão arbitral proferido no processo n.º 664/2017-T:

«A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (…).»

 Na mesma linha, é dito o seguinte no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 420/2018-T, que se transpõe para o caso sub judicio:

«Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.

A sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].

Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional.

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». (SÉRGIO VASQUES, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36)

Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza.

Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

Por outro lado, não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social.

Por isso, afigura-se que não se demonstra que seja violado o princípio da proporcionalidade.

Pelo exposto, a tributação do AIMI não é incompaginável com os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (…).»

 

21. Nesta conformidade, contrariamente ao alegado pela Requerente, não se vislumbra que a tributação em AIMI e, concretamente, a norma do artigo 135.º-B do Código do IMI, padeça de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, designadamente na vertente da proibição do arbítrio, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, nem que seja confiscatória e expropriativa.

 

22. A Requerente argumenta, também, que a tributação em AIMI viola o princípio da autonomia do poder local, sem, contudo, especificar as concretas dimensões em que tal acontece.

A propósito da autonomia local e das suas diferentes dimensões, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar em diversos arestos, citando-se aqui, a título de exemplo e pela sua abrangência analítica, o acórdão n.º 949/2015, proferido em 07/10/2015 no processo n.º 1129/14, no qual é afirmado o seguinte:  

«8 - A autonomia local é um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portuguesa, tal como resulta do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.

Nesse contexto, a autonomia local deve ser associada ao princípio constitucional geral da unidade do Estado e, lida em contexto com a autonomia regional, o princípio da subsidiariedade e a descentralização administrativa (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 232). A importância central desta matéria tem como consequência o tratamento jurisprudencial desenvolvido pelo Tribunal Constitucional sobre o alcance da garantia constitucional da autonomia local (cf. A. Maurício, "A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional", in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pp. 625-657). O princípio da autonomia local, de que importa agora tratar, é desenvolvido na Constituição no seu título VIII, relativo ao Poder local, da parte III (Organização do poder político). O enquadramento supralegal das autarquias locais é, ainda, completado pela Carta Europeia da Autonomia Local, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro, vigente na nossa ordem jurídica por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição.

9 - O artigo 235.º da Constituição estabelece que a «organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais», que são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». Esta norma constitucional garante e impõe a existência de autarquias locais em todo o país e «tem um sentido de garantia institucional, assegurando a existência de administração local autárquica autónoma» (Acórdão n.º 296/2013, n.º 12).

As autarquias locais são mais que «mera administração autónoma do Estado», uma vez que «concorrem, pela própria existência, para a organização democrática do Estado. Justificadas que são pelos valores da liberdade e da participação, as autarquias conformam um "âmbito de democracia" (Ruiz Miguel), num sistema que conta precisamente com o princípio básico de que toda a pessoa tem direito de participar na adoção das decisões coletivas que a afetam» (cf. Acórdão n.º 432/93, n.º 1.2., cf. também Acórdão n.º 296/2013, n.º 13, e o Acórdão n.º 109/2015, n.º 10). Nesse contexto, José de Melo Alexandrino, define autarquia local como «a forma específica de organização territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autónomos», acentuando o Autor um conjunto de ideias das quais destacamos «o relevo e a inafastável feição política dos entes locais» e «um certo grau de imediatividade dos poderes públicos (dado pelo autogoverno inerente à legitimidade e representatividade democráticas dos órgãos), mas também a independência relativamente a orientações ou poderes condicionantes externos, nomeadamente estatais» ("Direito das Autarquias Locais", in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Almedina, 2010, pp. 111-112).

As autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente traçado a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 2). Também segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Carta Europeia da Autonomia Local, «o princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos» (Acórdão n.º 296/2013, n.º 14). Entende José de Melo Alexandrino que a garantia institucional da autonomia local, «na fórmula consagrada pelo Tribunal Constitucional federal alemão», é «uma garantia institucional de todas as atribuições enraizadas na comunidade local ou a ela especificamente referidas e que a mesma seja capaz de levar a cabo de forma autónoma e sob a sua responsabilidade própria» (ob. cit., pp. 83-84). Nas palavras do Acórdão n.º 432/93, (n.º 1.2. e 1.3.), esses interesses próprios das populações:

«[...] justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização.

O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e "assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabilidade própria (...und von dieser örtlichen Gemeinschaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden können)" (Sentença do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de julho de 1958, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, 8.º volume, pág. 134; cf., no mesmo sentido, Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional in Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º volume, pág. 151).

1.3 - Isso não implica que as autarquias não possam ou não devam ser chamadas a uma atuação concorrente com a do Estado na realização daquelas tarefas. O "paradigma social do Direito" (Habermas) aponta mesmo para uma política de cooperação e de intervenção de todas as instâncias com imediata possibilidade de realizarem as imposições constitucionais.»

10 - A prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, «como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os interesses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse - o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). Como nota André Folque, quando «a autonomia municipal postula interesses próprios e quando se fala na concorrência da dimensão nacional com a dimensão local, isso não corresponde a uma sobreposição de atribuições. De outro modo, seria preterida a esfera de interesses próprios (artigo 235.º, n.º 2)» (A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Editora, 2004, pp. 130-131).

Sendo certo que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei» (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta margem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, «o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.).

Assim, na síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local: «a autonomia do poder local vem sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competências, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade» só podendo a «restrição legal desses interesses [...] ser feita com o fim da prossecução de um interesse geral, que ao legislador compete definir, não podendo, de todo o modo, ser atingido o núcleo essencial da garantia da administração autónoma». «Nos âmbitos que considera abertos à concorrência do Estado e das autarquias vem ainda o Tribunal entendendo [...] que são constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade» (ob. cit., pp. 656-657).

11 - A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a prossecução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomeadamente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a autonomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n.os 1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º). Como António Cândido de Oliveira refere, existe um «conjunto de poderes constitucionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamentar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» (Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 2013, pp. 92-93).

O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cf. M. Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra Editora, 2012, p. 385).

(…)

17 - Como já se teve oportunidade de referir, a autonomia local, constitucionalmente garantida, visa «a prossecução de interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). É nesse contexto que a lei define as atribuições das autarquias (artigo 237.º, n.º 1), em domínios, áreas ou matérias determinadas, como o ordenamento do território, o ambiente, a cultura, a ação social, a proteção civil ou a educação (cf. os artigos 7.º e 23.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro). Paralelamente, a Constituição consagra dimensões ou elementos constitutivos da autonomia, decorrentes do princípio da autonomia local, que garantem que o desempenho pelas autarquias, como entes democráticos locais, das suas atribuições não se encontra indevidamente condicionado pelo Governo (a autonomia orçamental, regulamentar, ou de pessoal). A existência de órgãos das autarquias com legitimidade democrática direta - que são eleitos pela população local e perante esta responsáveis - seria incompatível com a sujeição da sua organização ou funcionamento a uma qualquer relação de hierarquia ou sujeição a tutela de mérito pela administração do Estado. Caso contrário, os titulares do poder local poderiam ser politicamente responsabilizados por opções que não foram por si livremente tomadas.

Encontrando-se a autonomia local, tal como consagrada na Constituição, funcionalmente ligada à prossecução dos interesses próprios das populações (artigo 235.º, n.º 2), também os elementos dessa autonomia, onde se insere a autonomia em matéria de pessoal, são instrumentais face às atribuições das autarquias e essenciais para a sua prossecução. Um desses elementos, a autonomia financeira das autarquias locais, já foi «pacificamente reconhecida como um pressuposto da autonomia local», sem a qual «não há condições para uma efetiva autonomia», pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 631/99, n.º 5). Como se afirma no Acórdão n.º 398/2013, n.º 3, ainda quanto à proteção constitucional da autonomia financeira das autarquias locais:

«A consagração constitucional da autonomia local traduz [...] o reconhecimento da existência de um conjunto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas circunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos. Este reconhecimento tem pressuposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e receitas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente, dos interesses específicos e próprios das respetivas populações. Assim, para que possam levar a cabo o conjunto de tarefas que estão incluídas nas suas atribuições e competências, é colocada à disposição das autarquias locais um conjunto de mecanismos legais e operacionais suscetíveis de as tornarem exequíveis, designadamente a possibilidade de disporem de património e receitas próprias, gozando, assim, de autonomia financeira.»»

 

23. Vertendo estas judiciosas considerações ao regime jurídico-tributário do AIMI, não logramos percecionar qualquer afrontamento do princípio da autonomia local pela tributação em AIMI, pelo que também não se verifica esta alegada inconstitucionalidade. 

 

24. Noutra ordem de considerações, a Requerente alega, ainda, que como abrange todo o seu património, a tributação em AIMI constitui uma dupla tributação, uma vez que aquele mesmo património já foi tributado em sede de IMI.

Como afirma Casalta Nabais (ob. cit., p. 227), «a dupla tributação configura uma situação de concurso de normas, isto é, uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias. Como requisito da identidade do facto tributário, costuma exigir-se a regra das quatro identidades, ou seja, a identidade do objecto, a identidade do sujeito, a identidade do período da tributação e a identidade do imposto.»  

O AIMI incide sobre o valor patrimonial tributário global dos prédios urbanos afetos a habitação e terrenos para construção, de pessoas coletivas, bem como de pessoas singulares quando, neste último caso, esse valor exceder € 600.000,00. O AIMI aplica-se a partir dos elementos constantes das matrizes prediais, sendo um tributo anual e produzindo-se o facto gerador da respetiva obrigação tributária, no dia 1 de janeiro de cada ano.   

Casalta Nabais (Por um Estado Fiscal Suportável, Estudos de Direito Fiscal, Volume V, Coimbra, Almedina, 2018, p. 345) alerta para a circunstância de que, «do ponto de vista da técnica tributária, não estamos, em rigor, perante um verdadeiro adicional ao IMI, uma vez que não incide sobre a colecta deste, mas antes face a um adicionamento, porquanto incide sobre o valor patrimonial tributário do IMI, o qual é, todavia, objecto de uma importante dedução no respeitante às pessoas singulares.» 

O AIMI não comunga das características essenciais do IMI, particularmente porque não se trata de um imposto real, mas pessoal; de facto, o AIMI incide sobre pessoas, sendo o seu valor tributável determinado pela soma do valor patrimonial tributário dos prédios de que uma determinada pessoa é proprietário, usufrutuário ou superficiário. Por conseguinte, o AIMI distingue-se do IMI porque este último é um imposto sobre prédios e não sobre pessoas, uma vez que o que determina a sujeição e a liquidação do imposto é, fundamentalmente, a situação de cada prédio e não a situação pessoal ou familiar do respetivo titular. Por outro lado, o âmbito de incidência real, pessoal e temporal são diferentes relativamente ao IMI. Ademais, o AIMI tem isenções específicas, os períodos de pagamento e os procedimentos de liquidação são também distintos e autónomos. Assim, estas diferenças estruturais face ao IMI tornam verdadeiramente o AIMI num imposto de natureza diferente do IMI; sendo que, como preconiza José Maria Fernandes Pires (ob. cit., p. 42), «o AIMI que incide sobre as pessoas coletivas se aproxima mais de um imposto geral sobre o património imobiliário. Podemos então dizer que se trata de um imposto sobre a fortuna imobiliária, embora parcial, relativamente às pessoas singulares, e de um imposto geral, mas parcial, sobre a riqueza imobiliária, relativamente às pessoas coletivas.»    

 

25. Nesta conformidade, contrariamente ao alegado pela Requerente, a tributação em AIMI não consubstancia uma situação de dupla tributação, em virtude de o seu património imobiliário ser igualmente objeto de tributação em IMI. 

 

26. Sempre se dirá que, caso se verificasse a invocada dupla tributação, como nos diz Casalta Nabais (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, 4.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 511 e 512), «o legislador fiscal não está constitucionalmente impedido (…) de estabelecer situações de dupla tributação (…) já que ele não pode deixar de gozar de ampla liberdade relativamente à configuração concreta do sistema fiscal. (…) Ora, em qualquer das situações de cumulação de impostos, o legislador goza de ampla liberdade, estando apenas impedido, por um lado, que dessa cumulação resulte uma tributação excessiva ou com carácter confiscatório e, por outro lado, de estabelecer duplas tributações que se revelem arbitrárias quanto ao âmbito de sujeitos abrangidos, por submeterem a uma sobrecarga fiscal determinados contribuintes e não outros com idêntica situação em termos de capacidade contributiva.»    

Neste mesmo sentido, encontramos, entre outros e para além dos que são citados pela Requerida na sua Resposta, o acórdão n.º 520/2018 do Tribunal Constitucional, de 17.10.2018, processo n.º 1015/2016, no qual se afirma que «a Constituição não consagra qualquer proibição autónoma da dupla tributação. Esta é proibida na exata medida em que ofende o princípio da igualdade, do qual se extrai a exigência de que os contribuintes suportem a carga fiscal na proporção da sua capacidade contributiva.»    

 

§4. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

27. Uma vez que é de manter a liquidação de AIMI controvertida, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento destas questões suscitadas pela Requerente. 

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28. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos;

b)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 9.662,00 (nove mil seiscentos e sessenta e dois euros).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

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Notifique.

 

Lisboa, 3 de maio de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)