Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 661/2018-T
Data da decisão: 2019-04-23  IRC  
Valor do pedido: € 704.280,85
Tema: Tributações autónomas – Interpretação autêntica – Constitucionalidade - SIFIDE
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Cristina Aragão Seia e Dr. João Taborda da Gama (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-02-2019, acordam no seguinte:

 

               

                1. Relatório

 

                A..., S.A. (adiante abreviadamente designada por "A..." ou “Requerente"), titular do número único de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., ..., ...-... ... concelho da ..., na qualidade de sociedade dominante do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS") do Grupo B... apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”)  pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário que correu termos sob o processo n.º ...2017..., por si apresentado relativamente à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC") n.º 2015..., emitida em 09-11-2015, referente ao exercício de 2014.

                A Requerente pede «a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, proferida no âmbito do processo n.º ...2017... e, por via disso, a anulação da liquidação de IRC n.º 2015..., relativa ao período de tributação de 2014, com todas as consequências legais», designadamente, «adição ao imposto apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, do montante de tributação autónoma apurada nos termos do artigo 88º do Código do IRC e, consequentemente, a dedução do benefício fiscal, apurado a título de SIFIDE, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, (...) e o reembolso do montante de imposto indevidamente pago em excesso pela ora Requerente relativo ao exercício de 2014, no valor de Euro 704.280,85 (setecentos e quatro mil, duzentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros indemnizatórios e das demais devidas e legais consequências».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-12-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-02-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-02-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 09-04-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            No ano de 2014, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades (“Grupo B...”)a que foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), e que era composto, no aludido período de tributação, por si e pelas sociedades:

 

b)           Por referência ao período de tributação de 2014, a ora Requerente procedeu, em 29 de maio de 2015, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 120.º e do artigo 70.º do Código do IRC, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC consolidada, identificada sob o número ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)            No seguimento da entrega da aludida Declaração, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015..., de 09 de setembro de 2015 (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)           Na referida liquidação de IRC foi apurado um montante total de coleta de Euro 111.732,52 (cento e onze mil, setecentos e trinta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), relativo ao exercício de 2014, sendo que, no âmbito da referida liquidação de IRC foi ainda apurado e pago, a título de tributação autónoma, o montante de 704.280,85 (setecentos e quatro mil, duzentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos);

e)           Resulta do Quadro 07 do Anexo D (relativo a benefícios fiscais que operam por dedução à coleta) da declaração de rendimentos Modelo 22 do grupo submetida pela Requerente, referente ao exercício de 2014, que esta possuía um saldo de benefícios fiscais apurado em exercícios anteriores e ainda não caducado, no montante total de Euro 67.327.391,68 (sessenta e sete milhões, trezentos e vinte e sete mil, trezentos e noventa e um euros e sessenta e oito cêntimos), passível de dedução à coleta no exercício em apreço, o qual respeita a créditos fiscais apurados no âmbito do SIFIDE referentes aos exercícios de 2009 a 2013, nos termos do quadro que segue:

 

f)            O crédito fiscal relativo ao SIFIDE de 2014, no montante de Euro 12.365.891,26 (doze milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e noventa e um euro e vinte e seis cêntimos) não consta da respetiva Declaração Modelo 22, pelo facto de, à data de submissão da mesma, ainda não ter sido submetida a respetiva candidatura ao SIFIDE;

g)            A Requerente entendeu que os créditos referidos podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas em IRC apuradas nesse mesmo ano, no montante de € 704.280,85; 

h)           Com esse fundamento a Requerente apresentou, no dia 29-12-2017 um Pedido de Revisão Oficiosa, com vista à correção do montante indevidamente pago, a título de tributação autónoma, no exercício de 2014;

i)             A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu um projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nos termos que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais o seguinte:

2 - Parecer

2.1 – Não se vislumbrou que, com o mesmo fundamento, tivesse sido deduzida Reclamação Graciosa (Art.68º e seguintes do CPPT), ou mesmo Impugnação Judicial (Art.99º e seguintes do CPPT).

2.2 – A sociedade / exponente, em questão em questão [A...- Holding, S.A. (NIF:...)], tem legitimidade para apresentar, o Pedido de Revisão, ora em análise, nos termos previstos nos Art.9º, do CPPT e Art.65º, da LGT.

2.3 – Agora quanto à legalidade e tempestividade, do mesmo / presente Pedido de Revisão [enquadrado pela sociedade em questão (recorde-se), no nº1, do Art.78º, da LGT], cumpre-nos expor o seguinte:

2.3.1 – O Art.78º, nº1, da LGT, determina que a Revisão dos Atos Tributários, pela entidade que os praticou, pode ser efetuada, por iniciativa do sujeito passivo, no Prazo de Reclamação Administrativa e com fundamento, em qualquer “Ilegalidade”, ou ainda, pode ser efetuada, por iniciativa da Administração Fiscal / Tributária (mesmo que, a pedido do contribuinte), no prazo de 4 anos, após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo não estiver pago, com fundamento em “Erro Imputável aos Serviços”, sendo contudo que:

2.3.1.1 – Desde logo será de referir que, na data da apresentação do pedido de revisão, ora em análise (recorde-se: 29/12/2017), o prazo de reclamação administrativa, da liquidação “IRC/2014”, também ora em análise (recorde-se: Liquidação nº2015 ... de 09/09/2015), tanto aquele resulta do Art.70º, conjugado com a alínea b), do nº1, do Art.102º, do CPPT (sensivelmente: 20/01/2016), como aquele que resulta do Art.131º, do CPPT (sensivelmente: 29/05/2017), já se encontravam abundantemente ultrapassados;

2.3.1.2 – Agora, tendo em conta a posição da AT, em situações semelhantes, aquela que ora se analisa [posição da AT à qual (como é sabido), este Serviço se encontra vinculado], não vislumbramos, relativamente à Liquidação (e preenchimento), da já referida D.R. “IRC/M.22-2014”, referente à sociedade / exponente, em questão (repita-se: “...”, submetida em 29/05/2015), qualquer “Ilegalidade”, ou mesmo “Erro Imputável aos Serviços” (contrariamente ao invocado / alegado, pela sociedade / exponente em questão), senão vejamos:

A.3 – Para a AT, a coleta proveniente de tributações autónomas, afasta-se da restante coleta de IRC, na medida em que aquela (“coleta proveniente de tributações autónomas”), prossegue vários objetivos bastante específicos, como seja o propósito de evitar práticas de evasão e de fraude (quer através de despesas confidenciais, ou não documentadas, quer através de pagamentos realizados, a entidades localizadas em jurisdições, com regimes fiscais privilegiados, quer disfarçando / encobrindo, pagamentos / atribuições de vantagens / remunerações acessórias, sob a forma de despesas de representação, ou através da atribuição de viaturas, a trabalhadores e/ou membros de órgãos sociais);

B.3 – Para a AT, os “Benefícios Fiscais – IRC/2014” (Créditos Fiscais “SIFIDE”), apenas são dedutíveis à coleta de IRC/2014, baseada na matéria coletável, que se identifica com o lucro / rendimento do exercício, sujeito (por sua vez), às “taxas gerais” (digamos assim), do Art.87º, do CIRC/2014 [em oposição, portanto, à coleta de IRC/2013, baseada nos montantes das despesas / encargos / pagamentos, sujeitos às “Taxas de Tributação Autónoma” (Art.88º do CIRC/2014), pois estes, são uma espécie de realidade à parte, devido às suas finalidades muito específicas (conforme aliás, já se referiu)];

C.3 – Para a AT, o disposto no Art.12º, do CIRC/2014 (“As sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”), como que reforça o já referido carácter específico / à parte, da coleta de tributações autónomas, a qual [como aliás o próprio nome indica, bem como também o indica, a respetiva representação / localização, ao nível do Quadro 10 (“Cálculo do Imposto”), da D.R. “IRC/M.22-2014” (representação / localização essa, aliás, pacificamente aceite, pelo menos de uma forma geral, por todos os utentes, das mesmas D.R. M.22)], não é suscetível de qualquer tipo de dedução;

D.3 – Para a AT, portanto, a regra contida no já referido, nº21, do Art.88º, do CIRC/2016 (“às tributações autónomas de IRC, não são efetuadas quaisquer deduções”), já era (conforme já se referiu), pelo menos de forma genérica (apesar de não unânime), aceite e adotada, aquando da vigência da anterior redação, do mesmo Art.88º, do CIRC [nomeadamente, aquando da vigência, da respectiva redação, ao longo do ano em análise (2014)], pelo que não se trata, de qualquer “regra nova” (isto é, vigente apenas, para o ano de 2016 e seguintes), mas sim de uma regra / lei interpretativa, ou seja, com carácter de retroatividade (aliás, constitucionalmente permitida, em situações como a que ora se descreve), sendo que (acrescente-se ainda):

D.3.1 - O Art.135º, da Lei do Orçamento de Estado para 2016 (Lei nº7-A/2016, de 30/03), ao qualificar, como “Lei Interpretativa” [portanto com carácter de retroatividade, permitida constitucionalmente (conforme já se referiu)], o já referido nº21, do Art.88º, do CIRC/2016, não vem fazer mais, do que sedimentar / consolidar, um entendimento que no fundo, já era anteriormente adotado e aceite, pelo menos de forma genérica (conforme já se referiu);

E.3 – A AT reforça ainda que:

E.3.1 - Embora em matéria fiscal, os princípios constitucionais da legalidade e da proibição, da retroatividade da lei [prevista (conforme já se referiu) no Art.103º, da CRP], imponham algumas restrições ao legislador, não existe uma proibição constitucional genérica, de leis fiscais interpretativas [portanto, com carácter de retroatividade (conforme já se referiu)];

E.3.2 – A admissibilidade constitucional, de leis interpretativas, em matéria fiscal (tal como relativamente, a quaisquer normas, de natureza fiscal), deverá ser aferida em função das matérias, sobre as quais versam e do respetivo, conteúdo normativo, uma vez que a proibição constitucional, da retroatividade da lei fiscal, se cinge (apenas) às matérias de incidência (objetiva, subjetiva, temporal e territorial), do imposto [matérias estas (aliás), que não se afigura, estarem propriamente em questão, na presente análise];

E.3.3 – Desde a criação, da figura jurídico-fiscal das “Tributações Autónomas”, no início da década de 90, passando pela respetiva evolução legislativa, sempre foi pacífico que as “Tributações Autónomas”, não admitiam (nem admitem), qualquer dedução, sendo que (e enfatize-se), o já referido, Art.135º, da Lei do OE/2016, ao qualificar, como “Lei Interpretativa” (portanto, com carácter de retroatividade), o já referido nº 21, do Art.88º, do CIRC/2016, não se afasta (o mesmo Art.135º, da Lei do OE/2016), das soluções, que já antes se viam firmadas, quer pela Lei, quer pela prática jurídico-tributária, pelo que o teor, do mesmo / já referido, nº21, do Art.88º, do CIRC/2016, não se poderá classificar / qualificar, de forma alguma, como uma “solução inovatória”, sendo ainda que (acrescente-se também):

E.3.3.1 – É inquestionável, que o julgador e o intérprete, em face dos “textos antigos” (leia-se: versões anteriores a 2016), não podiam sentir-se autorizados, a adotar outra solução, que não a solução / regra, preconizada pelo teor, do já referido, nº21, do Art.88º, do CIRC/2016;

E.3.3.2 – Assim, isto é, tendo em conta o exposto até aqui (isto é, no ponto 2.3.1.1, 2.3.1.2 e respetivos sub-pontos, da presente informação), entendemos que o mesmo / referido disposto, no nº1, do Art.78º, da LGT, não poderá ser invocado, pela sociedade em questão, no Pedido de Revisão, ora em análise.

3 – Conclusão

3.1 – Deste modo, é nosso entendimento propor o indeferimento, do presente Pedido de Revisão, na medida em que o mesmo não se enquadra, no invocado (pelo contribuinte), nº1 do Art.78º, da LGT.

3.2 – Propõe-se ainda, que a mesma sociedade em questão [A..., S.A. (NIF:...)], seja notificada da presente Informação / Projeto de Indeferimento, no sentido de exercer (se assim o entender, naturalmente), o respetivo Direito de Audição, conforme disposto na alínea b), do nº1, do Art.60º, da LGT.

 

 

j)             A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nos termos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)            Por despacho de 11-10-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais o seguinte:

2.1 - Insistimos que, a coleta proveniente de tributações autônomas, afasta-se da restante coleta de IRC (e por esse facto não esta sujeita a quaisquer deduções, bem entendido), na medida em que aquela coleta (de tributações autónomas), prossegue vários objetivos bastante específicos, como seja o propósito de evitar praticas de evasão e de fraude (quer através de despesas confidenciais, ou não documentados, quer através de pagamentos realizados, a entidades localizadas em jurisdições, com regimes fiscais privilegiados, quer disfarçando/encobrindo, pagamentos/atribuições de vantagens/remunerações acessórias, sob a forma de despesas de representação, ou através de atribuição de viaturas, a trabalhadores e/ou membros de Órgãos sociais):

2.1.1 - Daí alias o termo "Autónomas", bem como a respetiva localização, ao nível da DR. "IRC/M.22" [Quadro 10» Campo 365 (não sujeito a qualquer dedução, note-se)];

2.2 - De referir também que, para alem de continuarmos a invocar (conforme já se viu), a "Posição da AT”, no nosso entendimento, de que relativamente ao "Pedido de Revisão Oficiosa", ora em análise, não se aplica o nº1, do Art.78º, da LGT ("Erro Imputável aos Serviços”), invocamos ainda a mesma “Posição da AT", no nosso entendimento, de que não se aplicam, igualmente, os nº4 e 5, do Art.78º, da LGT ("injustiça Grave ou Notória”), sendo ainda de acrescentar, para este mesmo efeito (justificação, da não existência / não aplicação, da designada “injustiça Grave e Notória"), o seguinte:

2.2.1 - Não tendo a sociedade em questão, relativamente à liquidação "iRCI2014", cuja contestação / pedido de revisão, ora se analisa (recorde-se: Liquidação nº2015..., de 09/09/1201 5), exercido a competente reclamação administrativa, tendo sido, portanto, ultrapassado o prazo para o exercício de tal direito, a AT entende que tai facto, configura um "comportamento negligente", por parte da sociedade em questão (daí também, repita-se, a impossibilidade de aplicação, dos já referidos, nº4 e 5, do Art.78º, da LGT, ao Pedido de Revisão, ora em análise);

2.3 - Em suma, a AT considera que a referida liquidação (cujo Pedido de Revisão, ora se analisa), está correta, isto e não enferma de qualquer "ilegalidade", ou "Erro imputável aos serviços" (nº1, do Art.78º, da LGT), ou mesmo de "injustiça Grave ou Notória" (nº4 e 5, do An.78º, da LGT), peão que (e finalmente):

2.3.1 - Propomos que o "Pedido de Revisão Oficiosa", ora em questão (referido, nomeadamente, no ponto 1.1 e respetivos sub - pontos, do já referido "Projeto de indeferimento”, anexado à presente informação), deverá ser, agora em definitivo, objeto de indeferimento.

 

l)             O sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentação da declaração modelo 22 não permite deduzir os montantes de benefícios fiscais à colecta derivada de tributações autónomas;

m)          Em 21-12-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Quanto ao facto relativo ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira é aceite por esta, no ponto 2.1.1. da decisão do pedido de revisão oficiosa.

 

 

3. Matéria de direito

 

A questão que é objecto do processo é a de saber se as despesas de investimento que beneficiam do SIFIDE podem ser deduzidas às quantias devidas a título de tributações autónomas em IRC relativas ao exercício de 2014.

 

3.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente durante o ano de 2014:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efectuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.

9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças, no ano de 2014, entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. (   )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. (   )

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa (   ), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

3.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC

à colecta de IRC resultante de tributações autónomas

 

Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.

 Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.

Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».

Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.

No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.

Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».

Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.

Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária.

Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da liquidação e da decisão do pedido de revisão oficiosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». (   )

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» (   ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.

 Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

A isto acresce que, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial (   ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.

Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». (   )

                Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir (   ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ( )

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.

E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.

Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.

É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

 

 

3.3. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II).

Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.

Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º).

Em 2014, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

 

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido o pedido de revisão oficiosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, assente que o IRC inclui as tributações autónomas [como resulta do teor expresso do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC de 2014], por mera interpretação declarativa se conclui que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas (   ) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e as resultantes da aplicação da cláusula geral antiabuso que consta do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. (   ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (   ).

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções. Na verdade, é manifesto que algumas tributações autónomas não têm em vista desincentivar despesas, como é o caso das relativas a transacções com residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (n.º 8 do artigo 88.º do CIRC) ou tributação de lucros distribuídos (n.º 11 do mesmo artigo). E também, obviamente, não é imaginável uma intenção legislativa de desincentivar o pagamento de IUC e outros impostos incidentes sobre a posse ou utilização de veículos, sobre que os n.ºs 4 r 5 do artigo 88.º do CIRC fazem incidir tributações autónomas, pois é o próprio Estado que impõe o pagamento desses impostos.

Mas, quando se visa o desincentivo de comportamentos, ele é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é factor decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

Proposta de Lei n.º 5/X

 

A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.

(...)

Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.

 

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento

Empresarial II (SIFIDE)

 

Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

                 Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

                Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

                Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2014 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

                Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no anos de 2011 a 2014, mais de metade das declarações de IRC não registavam lucro tributável (   ), e menos de 1/3 dos contribuintes pagou imposto com base em IRC liquidado com base no lucro tributável, sendo a maior parte dos pagamentos de IRC efectuados «por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.)». (   ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Trata-se, por isso, da solução manifestamente mais acertada e que, por o ser, tem de se presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

                Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

                Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o que estabelece o SIFIDE, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroactividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de normas especiais de diplomas avulsos, como são os que prevêem o SIFIDE.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». (   )

De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:

 

«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.

Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante das global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

A tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro na medida em que premeia a rendibilidade do investimento (uma pretensa intenção de premiar as empresas lucrativas) não tem qualquer apoio na letra da lei, antes conflitua com o teor expresso do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC em que se estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1». Na verdade, mesmo que se entenda que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas, os investimentos efectuados que não tenham proporcionado lucros serão dedutíveis desde que haja lucro tributável do grupo: por exemplo, a circunstância de os investimentos terem sido efectuados numa empresa do grupo que teve prejuízos, não afasta a dedutibilidade dos investimentos previstos no SIFIDE ao lucro tributável do grupo, como resulta do teor expresso do referido no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE visaram incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos nos períodos entre 01-01-2006 e 31-12-2010 e entre 01-01-2011 e 31-12-2015 (e, com o CFI de 2014, 01-01-2014 a 31-12-2020), pelo que, sendo o benefício fiscal de dedução à colecta de IRC a contrapartida anunciada por aqueles diplomas para a adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017, na nova redacção que deu ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

                Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pois são ilegais a autoliquidação e a decisão do pedido de revisão oficiosa que a confirmou.

Estas ilegalidades justificam a anulação da autoliquidação, na parte em causa, e da decisão do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.4. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

3.4.1. Princípio da igualdade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a dedução de benefícios fiscais à colecta de tributação autónoma, viola o princípio da igualdade tributária.

As normas que prevêem benefícios fiscais implicam sempre um tratamento diferenciado para aqueles que deles beneficiam, mas isso não implica violação do princípio da igualdade, pois, quanto aos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do sujeito passivo, quem cria as condições para obter benefícios fiscais não está em situação idêntica a quem não os efectua.

Pelo contrário, o que se reconduzira a violação do princípio da igualdade, para além do princípio da confiança, seria não reconhecer o benefício fiscal a quem adoptou o comportamento previsto na lei para dele usufruir.

No que concerne à avaliação legislativa dos interesses conflituantes subjacente à criação de benefícios fiscais, designadamente saber se se justifica sacrificar o interesse da tributação para atingir outros interesses públicos que se sobrepõem ao interesse da tributação e se o benefício é adequado ao comportamento, ou se deveria ser exigido outro requisito para o conceder (a ideia do prémio a quem obtém lucros que a Autoridade Tributária e Aduaneira propugna e não tem qualquer suporte legal) trata-se de matéria inserida no âmbito da discricionariedade legislativa, em que qualquer intromissão da Autoridade Tributária e Aduaneira (ou dos Tribunais) envolveria violação do princípio da separação dos poderes.

Por isso, nesta matéria, num Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), em que a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), o comportamento constitucionalmente imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira é acatar a opção legislativa, em vez de a discutir e procurar sobrepor ao critério legislativo a ponderação de interesses que faria a Autoridade Tributária e Aduaneira se fosse a ela que a Constituição atribuísse o poder legislativo.

O mesmo sucede com os Tribunais, que estão sujeitos à Lei (artigo 203.º da CRP), pelo que quem exerce o poder jurisdicional tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Para além disso, quanto ao argumento (que se afigura nada ter a ver com o princípio da igualdade) de que estão em causa pagamentos e operações que indiciam as mais graves práticas de planeamento abusivo e evasão fiscal, para além de não ter qualquer suporte na matéria de facto fixada, não tem qualquer correspondência com a realidade jurídica. Na verdade, práticas de planeamento abusivo e evasão fiscal não são, na perspectiva legislativa, incompatíveis com a possibilidade de dedução à colecta de IRC, como é evidente quanto à aplicação da cláusula geral antiabuso (artigo 38.º, n.º 2, da LGT) ou correcções baseadas em preços de transferência (artigo 63.º do CIRC): a colecta de IRC que for apurada com base em correcções à matéria tributável baseadas nessas normas anti-abuso não tem tratamento distinto da restante colecta.

O que essas práticas abusivas podem justificar é que não lhes seja dada relevância para afastar a tributação que deveria existir se elas não ocorressem. Mas, uma vez determinada a colecta de IRC que deveria existir se essas práticas não tivessem ocorrido, não há qualquer obstáculo a que sejam aplicadas as deduções à colecta previstas na lei, designadamente as relativas a benefícios fiscais, para prossecução de fins que o legislador considera mais importantes que o imposto que poderia arrecadar com base nas normas anti-abuso.

É isso que se passa também quanto à colecta de IRC resultante de tributações autónomas. Uma vez definida a colecta respectiva, determinando um montante de IRC que o sujeito passivo não pagaria se não fosse aplicada a norma que prevê a tributação autónoma, não há qualquer obstáculo em que, em coerência, o legislador considere mais importante a prossecução do fim extra-fiscal do que o dinheiro que poderia arrecadar.

O que poderia ser considerado discriminatório, eventualmente, seria distinguir, para efeitos de benefícios fiscais, entre as práticas evasivas corrigidas por uma cláusula geral e as que resultam de correcções baseadas em normas especiais.

De resto, não se vê qualquer razão para duvidar que, legislativamente, se «permite que empresas que realizam despesas confidenciais, práticas remuneratórias evasivas ou operações com territórios offshore se furtem por inteiro às consequências que a lei lhes associa, desde que a sua actividade envolva despesas relevantes de investigação e desenvolvimento (I&D)».

Na verdade, nunca se questionou, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira o faz na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que as empresas que têm comportamentos desses tipos podem deduzir os benefícios fiscais do SIFIDE.

A divergência entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Requerente é apenas sobre a possibilidade de os benefícios fiscais poderem ser usufruídos quando não há lucro tributável do grupo.

Mas, nunca se defendeu que, pelo facto de adoptarem comportamentos que justificam tributações autónomas, as empresas possam ficar privadas de benefícios fiscais, mesmo aquelas que têm relações com territórios ou países de tributação privilegiada, como, por exemplo, o Luxemburgo, a Irlanda, a Holanda, a Bulgária (todos integrados na União Europeia) ou a Zona Franca da Madeira ou a Zona Franca da Ilha de Santa Maria (artigo 33.º do EBF).

Nem se vislumbra qualquer razão para discriminar negativamente as empresas que têm de pagar tributações autónomas, pois estas são uma forma de tributação legalmente prevista, sendo mesmo uma excelente fonte de receita do Estado que lhe permite obter receitas fiscais como se comprova pelo presente processo, em que foram asseguradas receitas fiscais em sede de IRC apesar de o grupo ter prejuízos.

Ainda no que concerne ao princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se presente que as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia tributária concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, invocado ela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.

Por outro lado, como se vê pelas explicações legislativas que foram dadas para a criação dos benefícios fiscais referidos, é claro que na perspectiva legislativa, havia interesses extra-fiscais que justificavam que se abdicasse de parte da colecta de IRC, não se afigurando que se esteja perante uma opção legislativa desnecessariamente, inadequada ou desproporcionada, tanto no que concerne a abdicar de IRC resultante de lucro tributável, como no que respeita a prescindir do IRC resultante de tributações autónomas.

Diga-se, finalmente, que nem se percebe como a Autoridade Tributária e Aduaneira pode considerar generalizadamente «comportamentos desviantes – como pagamento com ajudas de custo ou despesas de representação, ou mesmo pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais», quando é manifesto que a lei admite, inclusivamente no âmbito do Estado, pagamento de ajudas de custo e despesas de representação.

E quanto a pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais, nem está prevista qualquer sanção ou tributação autónoma para quem os faz, mas apenas para quem não faz a prova de que «correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado» (artigo 88.º, n.º 8, do CIRC). Para além, como já se referiu, de não ser claro que haja repugnância legislativa generalizada quanto a pagamentos a residentes em territórios de tributação privilegiada, designadamente aos residentes na «Zona Franca da Madeira e Zona Franca da ilha de Santa Maria» (artigo 33.º do EBF), aos residentes em países com quem foram celebradas recentemente convenções para evitar a dupla tributação (como Hong-Kong e Panamá), e decerto, também aos residentes em países que integram a União Europeia, como a Irlanda, o Luxemburgo, a Holanda e a Bulgária, cuja discriminação negativa nem é admitida pelo Direito da União.

Pelo exposto, entende-se que não se considera que a interpretação das referidas normas do CIRC e do SIFIDE sejam incompatíveis com o princípio constitucional da igualdade.

 

3.4.2. Princípio da separação de poderes

 

Quanto ao princípio da separação dos poderes, há que lembrar que a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis.

No caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não com outro.

Por isso, a presente decisão arbitral é uma concretização do princípio da separação de poderes.

Assim, a interpretação efectuada, no sentido de que, antes da Lei n.º 7-A/2016, havia legislação especial de que resultava a aplicabilidade de deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que foi explicitamente confirmada pela Lei n.º 114/2017, com natureza interpretativa, não é incompaginável com o princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP).

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia indevidamente paga, de 704.280,85, acrescida de juros indemnizatórios,

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso

 

O n.º 4 do artigo 4.º do SIFIDE estabelece que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

O artigo 3.º, n.º 6, da Lei n.º 49/2013, relativa ao CFEI, estabelece que «a importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes».

Não foi apresentada prova de que não foi deduzido qualquer montante do SIFIDE nos exercícios subsequentes.

Por isso, não se pode considerar demonstrado que a Requerente deva ser reembolsada dos montantes referidos, sendo matéria que só pode ser decidida com conhecimento actualizado da globalidade da situação tributária da Requerente, o que só será viável em execução de julgado

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne a juros indemnizatórios, o regime substantivo é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no caso em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

 

Como se vê pela alínea c) do n.º 3 deste artigo, pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte.

Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em dia 29-12-2017 e a decisão de indeferimento foi proferida em 11-10-2018, pelo que não decorreu o período de um ano para além do qual há direito a juros indemnizatórios.

Pelo exposto, o pedido de juros indemnizatórios deve ser julgado improcedente.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação, na parte respectiva, bem como a decisão do pedido de revisão oficiosa;

b)           Julgar improcedente o pedido de reembolso, sem prejuízo de ser apreciado em execução de julgado;

c)            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 704.280,85.

 

7. Custas

 Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

Lisboa, 23-04-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Aragão Seia) - (com voto de vencido, conforme declaração anexa)

(João Taborda Gama)

 

 

 

Voto de vencido

 

Discordo da posição que fez vencimento nos presentes autos, através da qual se admitiu a dedutibilidade do benefício fiscal resultante do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) à colecta de IRC resultante das taxas de tributação autónoma e, consequentemente, se julgou ilegal o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e o acto de autoliquidação de IRC da Requerente relativo ao exercício de 2014, no que se refere à não dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma do montante do benefício fiscal do SIFIDE apurado pela Requerente.

A minha posição assenta nas razões constantes do Acórdão Arbitral proferido no processo nº 722/2015-T, para que remete o voto de vencido da Senhora Conselheira Fernanda Maçãs no processo 5/2016-T, que aqui acompanhamos, cujo teor passo a reiterar, ainda que de forma resumida:

«A divergência fundamental que nos separa da tese do presente acórdão diz respeito, em primeiro lugar, à natureza das tributações autónomas, uma vez que sufragamos a jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional sobre a matéria. Jurisprudência esta iniciada com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010, onde se pode ler que: “Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta (…).”

Por Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes, nos termos seguintes:

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com carácter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com carácter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa.”

Esta jurisprudência foi reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015.No mesmo sentido, pode ver-se a jurisprudência do STA vazada, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.

Mesmo que se admitissem dúvidas a este respeito, as mesmas teriam de considerar-se ultrapassadas. Com efeito, o próprio legislador reconhece que as “tributações autónomas” não são IRC quando, no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas» inculca a ideia desta evidente diversidade de realidades. Se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não tinha necessidade de o acrescentar neste preceito após referir o IRC, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas, a seguir-se a orientação que fez vencimento.

É, por outro lado, aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas radicam na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objecto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar formalmente um gasto da pessoa colectiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto. Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e “evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros das empresas, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionariam…” (CASALTA NABAIS, Idem, p. 542). No mesmo sentido, cfr. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406.

As tributações autónomas configuram, assim, normas anti - abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efectivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

Como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 697/2014-T, de 13 de Maio de 2015, “Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com  a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo de exercício constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador”.

Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, perderem a sua raiz dogmática própria.

Como se refere no Acórdão 722/2015-T, por apelo ao elemento lógico racional, temos que “a colecta total do IRC não seja uma realidade unitária, mas composta (…)” é, assim, possível descortinar, no apuramento do IRC uma “colecta total do imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC (…), que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas colectivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados”.

“A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso”.

Atenta a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores, a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaracterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com tais incentivos, quer com as tributações autónomas.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, está em causa o SIFIDE) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Finalmente, seguindo a doutrina do Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T, seria de concluir, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes, como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto. O que dispensa a aplicação retroactiva daquela norma.»

Não posso, assim, acolher a posição que fez vencimento, a qual reputou a disposição do n.º 21 do art. 88.º do CIRC como inovadora. Pelo contrário, penso que esta intervenção do legislador, que teve por escopo fixar o sentido de um conjunto de normas jurídicas que suscitou dúvidas quanto ao seu alcance (art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016), elegeu um dos sentidos controvertidos resultantes da aplicação da regulação anterior, tendo, portanto, resolvido uma questão jurídica, que era até então matéria de debate, dando-lhe uma solução nos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida, pelo que, em conformidade com o princípio da separação de poderes, se impunha o seu acolhimento na resolução do caso sub judice (art. 8.º, n.º 2 do Código Civil).

Entendo, pois, que a norma do n.º 21 do art. 88.º do CIRC é materialmente – e não apenas formalmente (dada a disposição auto-qualificadora constante do art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016) – interpretativa, pelo que se integra na lei interpretada (art. 13.º do Código Civil), aplicando-se aos factos aqui em apreço.

Nestes termos, a determinação do n.º 21 do art. 88º do CIRC de que não são efectuadas “quaisquer deduções” ao montante global apurado, confirma a inviabilidade, que já se deveria preconizar em face dos textos legal anteriores, da dedução à colecta das taxas de tributação autónoma dos montantes do benefício fiscal reconhecidos por força do SIFIDE relativamente ao exercício de 2014 da Requerente.

Pelos motivos expostos, não posso acompanhar a posição que fez vencimento.

 

 

Cristina Aragão Seia