Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 234/2018-T
Data da decisão: 2018-11-27  Selo  
Valor do pedido: € 3.491.443,91
Tema: IS – Verba 17.1.14, da TGIS
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ACÓRDÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro Juiz José Poças Falcão (Presidente), a árbitra Dra. Rita Guerra Alves e o árbitro Dr. Jorge Carita (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de julho de 2018, acordam no seguinte:

I - RELATÓRIO

A – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Requerente: A..., S.A., com sede sita na ..., n.º..., em Lisboa, portadora do número de identificação fiscal de pessoa coletiva (NIPC) ..., abreviadamente doravante designada também como A..., Requerente, demandante ou sujeito passivo.

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

A Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como árbitros os signatários do presente acórdão, cuja nomeação foi aceite nos termos legalmente previstos.

Em 2018-06-28, as partes foram devidamente notificadas e não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 2018-07-18, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e, automaticamente, foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, no dia 2018-07-18, conforme consta da respetiva ata.

Assim, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído, sendo materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Ambas as partes concordaram com a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e foram apresentadas alegações escritas por ambas as partes.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

B – PEDIDO       

1.            A ora Requerente pretende a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto do Selo com o nº 2017... referente ao ano de 2015, que fixou um imposto montante de €3.491.443,91, bem como das liquidações de juros compensatórios associadas de €329.419,65, o que totaliza o montante de € 3.820.863,56 (três milhões oitocentos e vinte mil e oitocentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos). A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto do Selo, o seguinte:

2.            A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais.

3.            A Requerente à data dos fatos era detida em 43,16% pela B... SGPS, S.A. (doravante “B...”), em 29,33% pela C..., SGPS, S.A. e em 27,51% pela D... SGPS, S.A. (doravante “D...”).

4.            A Requerente sustenta que para fazer face às necessidades de financiamento (que se previam de curto prazo) da B... e da D... SGPS, S.A, a ora Requerente foi-lhes concedendo empréstimos, numa base pontual.

5.            A Requerente concedeu empréstimos de curto prazo a B... e D..., que ascendiam, no dia 01.09.2009, aos montantes de € 641.040.527,86, no caso da B..., e € 380.000,00, no caso da D... .

6.            Em 01.09.2009, a Requerente, a B... e a D... celebraram um contrato designado por “Acordo Financeiro”.

7.            Prevê-se no Acordo que a Requerente concede à B... e à D... uma linha de financiamento até ao montante máximo (no qual se incluem os montantes de crédito financiados em data anterior ao Acordo) de € 1.000.000.000.

8.            Nesse Acordo, foi estipulado que a linha de financiamento seria disponibilizada quando (em uma ou mais ocasiões) e na medida (montante) do que fosse sendo solicitado pela B... e pela D..., sem prejuízo de se estabelecer que tais solicitações teriam de ocorrer obrigatoriamente até ao final de 2017.

9.            Ficou ainda contratualmente expresso que os montantes utilizados pela B... e pela D...– incluindo as verbas que haviam sido disponibilizadas em data anterior ao Acordo – eram concedidos até ao dia 31.12.2019, data em que os mesmos tinham, necessariamente, de ser total e integralmente reembolsados.

10.          Mais previu o Acordo que a B... e a D... poderiam, em momento anterior ao prazo previsto na cláusula 1.5 (i.e., a 31.12.2019), proceder ao reembolso parcial ou integral do montante do crédito utilizado, com a condicionante de o capital eventualmente reembolsado não poder ser objeto de futura reutilização (vide cláusulas 3.2 e 3.3 do Acordo).

11.          Já depois da celebração do Acordo, a B... e a D... utilizaram, ao abrigo do referido Acordo, crédito concedido pela Requerente, nos seguintes montantes:

                2009

(após 01.09)       2010       2011      2012      2013      2014      2015

B...        

0,00       25.456.000,00    92.057.727,66    4.856.384,78      66.808.798,00    5.998.165,00      55.000,00

D...        

0,00      

41.000.000,00   

18.263.000,00   

16.410.500,00   

15.788.358,00   

14.767.836,00   

100.000,00

 

 

12.          A B... e a D... foram também procedendo a alguns reembolsos do crédito concedido, nos termos das cláusulas 3.2 e 3.3 do Acordo.

13.          Refere que, aquando da realização dos sucessivos desembolsos de fundos em prol da B... e D... acima mencionados, a Requerente não liquidou Imposto do Selo sobre os montantes de crédito concedidos àquelas, nos termos da verba 17.1.3, por considerar (erroneamente) que estes financiamentos intragrupo estavam isentos deste imposto.

14.          Sobre a aplicação da verba 17.1. 4 da TGIS, alega a Requerente: o que se encontra clausulado no Acordo, em particular nas suas cláusulas 1.5 e 3.4, crê-se que não haverá dúvidas que a Requerente, a B... e a D... consagraram um termo certo (ou determinado), sob a forma de uma data de calendário concreta e objetiva – 31.12.2019 – para que o reembolso das quantias mutuadas tenha, obrigatoriamente, de ocorrer.

15.          E nesse sentido o facto contratual mais certo (quando comparado com outras circunstâncias, tais como o cumprimento perfeito das obrigações nele assumidas) que decorre expressamente do Acordo é, precisamente, a ocorrência do prazo final de reembolso previsto nas cláusulas 1.5 e 3.4.

16.          Defende a Requerente que as partes outorgantes do Acordo (Requerente, B... e a D...), independentemente de terem acordado um prazo certo para que o reembolso tivesse de ocorrer também estipularam uma cláusula, supletiva e acessória, que possibilita (o emprego do verbo “poder” remete-nos para a existência de uma faculdade e não de uma obrigação) às entidades mutuárias a realização de reembolsos antecipados (ie., em momento anterior à data de 31.12.2019) com vista a amortizarem a dívida ao longo da vida do Acordo.

17.          Alega, que não é pela circunstância de se admitir o reembolso antecipado que o prazo concedido para a utilização do crédito se transforma, subitamente, em incerto, indeterminado e indeterminável.

18.          Mais defende, sobre a verba 17.1.4, da TGIS, e da sua inaplicabilidade ao caso em apreço, que o critério a que se subordina a verba 17.1.4, da TGIS, é o da indeterminação, presente ou futura, quanto à efetiva utilização do crédito.

19.          Para tal contribuem, inclusive, argumentos de índole sistemática presentes na verba em causa, em particular expressões como “crédito utilizado” ou “prazo de utilização”.

20.          Assim, os casos a que se aplica a verba 17.1.4, da TGIS, são todos aqueles em que seja totalmente desconhecida a duração da utilização do crédito, ou seja, nos quais seja permitido ao respetivo beneficiário uma utilização indefinida e sem qualquer tipo de delimitação temporal, do crédito que lhe é concedido.

21.          Termina a Requerente sustentando que as liquidações de Imposto do Selo ora contestadas deverão ser anuladas, porquanto as mesmas padecem dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

22.          A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

23.          Em 2009-09-01, a Requerente (então E..., S.A.) celebrou com duas das suas acionistas, a B... e a D... SGPS, S.A. (adiante também designada como D...), um contrato denominado por Acordo Financeiro, através do qual lhes concedeu uma linha de financiamento até ao montante máximo de mil milhões de euros.

24.          Atentas as relações societárias dos contraentes, à luz do artigo 486.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, verifica-se que a B... é a sociedade dominante do Grupo e a D... e a Requerente são sociedades ditas dependentes (ou dominadas), detendo aquela domínio total (100%) sobre estas.

25.          Sobre o acordo Financeiro celebrado, a Requerida alega que o mesmo não tem inscrito nenhum averbamento de isenção em sede do Imposto do Selo e, tendo a Requerente, quando questionada no âmbito do procedimento inspetivo a este propósito, indicado que as operações financeiras em apreço não foram tributadas em sede de IS, sem, no entanto, especificar ao abrigo de que norma.

26.          Sustenta, que a Requerente foi objeto da ação de inspeção ao ano de 2014, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI2016..., emitida em 2016-04-14.

27.          E, na sequência dessa ação inspetiva, ou seja, volvidos mais de 7 anos, em 14-12-2016, foi aditado ao Acordo Financeiro uma Primeira Adenda, alegadamente com o propósito de clarificar “a vontade das Partes relativamente ao prazo de concessão do crédito”.

28.          Mais sustenta, que contrariamente ao que a Requerente tenta afirmar, quer (i) dos respetivos documentos de suporte dos empréstimos concedidos, quer (ii) das notas anexas às demonstrações financeiras resulta que as partes não estipularam em concreto nenhuma data para o reembolso da quantia mutuada, não devendo ser relevada a referida adenda ou tentativa de correção de alegado lapso na contabilidade, elaborados muito posteriormente aos factos aqui em causa (e já no decurso de ações inspetivas).

29.          Sobre os documentos de suporte dos empréstimos concedidos - Operações realizadas com a B..., sustenta:

a.            que as operações realizadas no âmbito do Acordo Financeiro com a B... foram registadas na contabilidade da Requerente na conta «26611536 – Financiamentos concedidos – empresa mãe – curto prazo – B... SGPS, SA».

b.            O primeiro registo, que tem data de 2009-09-01, está em conformidade com o ponto 1.6 do Acordo Financeiro e, posteriormente, entre 2009-09-02 e 2015-12-31, a conta registou vários movimentos a débito e a crédito (75 e 28, respetivamente).

c.            Apesar dos empréstimos concedidos ao abrigo do Acordo Financeiro terem um prazo-limite para o seu reembolso (e não uma data que nele estivesse estipulada), procurou verificar-se se as Partes estipularam por cada operação realizada em concreto uma data para o seu reembolso.

d.            Da documentação de suporte ao empréstimo concedido constata-se que as Partes não estipularam em concreto, nesta operação, nenhuma data para o reembolso da quantia mutuada.

e.            Os documentos de suporte aos registos selecionados por amostragem, permitem concluir que à data da realização das operações, as Partes (B.../E...) não estipularam nenhuma data específica para o seu reembolso.

f.             E as operações realizadas com a C... ao abrigo do Acordo Financeiro foram registadas na contabilidade da Requerente na conta «266110002 – Financiamentos concedidos – empresa mãe – curto prazo –D... SGPS, SA», estando o primeiro registo, datado de 2009-09-01, está em conformidade com o ponto 1.6 do Acordo Financeiro.

30.          Sobre as Demonstrações Financeiras da E... SGPS, S.A, defende a Requerida:

a.            Demonstrações financeiras de 2015 que as contas da E... SGPS, foram elaboradas de acordo com as NCRF, a requerente apresentou ativos correntes e não correntes, e passivos correntes e não correntes, como classificações separadas na face do balanço, e isto em respeito pelo prescrito no parágrafo 10 da NCRF 1.

b.            As operações financeiras realizadas no âmbito do Acordo Financeiro foram contabilizadas numa subconta da conta SNC «26 Acionistas/sócios», mais precisamente na conta SNC «2661 – Financiamentos concedidos – empresa mãe – curto prazo» a qual apresentava, em 2015-12-31, um saldo devedor de € 717.260.839,30.

c.            Para efeito de apresentação das contas, aquele saldo devedor foi classificado na face do balanço como pertencente ao ativo corrente, tendo sido igualmente apresentado na nota explicativa às demonstrações financeiras como parte integrante do ativo corrente.

d.            Defende que os financiamentos concedidos ao abrigo do Acordo Financeiro foram lançados na contabilidade do mutuante numa conta destinada ao registo de créditos concedidos a curto prazo, isto é na conta SNC « 2661 – Financiamentos concedidos – empresa mãe – curto prazo»;

e.            Que os financiamentos concedidos ao abrigo do Acordo Financeiro foram classificados na face do balanço como elementos pertencentes ao ativo corrente do mutuante;

f.             E para efeitos da Certificação Legal de Contas, o ROC concluiu que as demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da E... SGPS em 2015-12-31.

g.            Alega a Requerida que a interpretação propugnada na Adenda segundo a qual “Todo e qualquer crédito utilizado ao abrigo do Acordo foi concedido por um prazo certo e determinado … [que] termina no dia 31-12-2019”, não reflete a realidade possível de observar através dos documentos de prestação de contas.

h.            Mais alega que a interpretação veiculada na Adenda, segundo a qual o crédito foi concedido por um prazo que termina no dia 2019-12-31, é incompatível não só com a contabilização do crédito concedido em rubrica de curto prazo, bem como com a classificação deste em ativo corrente, isto é com prazo de liquidação até doze meses após a data do balanço.

31.          Sobre as Demonstrações Financeiras da B..., defende a Requerida:

a.            À semelhança das contas da E... SGPS, SA, também as demonstrações financeiras da B... foram elaboradas de acordo com as NCRF, inexistindo derrogações às mesmas tendo assim apresentado ativos correntes e não correntes, e passivos correntes e não correntes, como classificações separadas na face do balanço, e isto em respeito pelo prescrito no parágrafo 10 da NCRF 1.

b.            Ora, as operações financeiras realizadas no âmbito do Acordo Financeiro foram contabilizadas na B... numa subconta da conta SNC «25 Financiamentos obtidos», mais precisamente na conta SNC «254110023 – E... SGPS, SA» a qual apresentava, em 2015-12-31, um saldo credor de € 714.453.003,30.

c.            Para efeito de apresentação das contas, o saldo credor antes referido foi classificado na face do balanço da B... como pertencente ao passivo corrente. Pelo que, mais uma vez se concluiu no RIT que a interpretação propugnada na Adenda, acima já citada, não reflete a realidade possível de observar através dos documentos de prestação de contas da B... .

d.            Defende, que a interpretação veiculada na Adenda segundo a qual o crédito foi concedido por um prazo que termina no dia 2019-12-31 é incompatível não só com a contabilização do crédito concedido em rubrica de curto prazo, bem como com a classificação deste em passivo corrente, isto é, com prazo de liquidação até doze meses após a data do balanço.

32.          Sobre as Demonstrações Financeiras da D..., sustenta a Requerida:

a.            Que tal como sucedeu com as contas da E... SGPS, SA e da B..., também as contas da D... foram elaboradas de acordo com as NCRF, sem derrogações (conforme expresso na nota 2 às demonstrações financeiras de 2015), tendo assim apresentado ativos correntes e não correntes, e passivos correntes e não correntes, como classificações separadas na face do balanço, e isto em respeito pelo prescrito no parágrafo 10 da NCRF 1.

b.            As operações financeiras realizadas no âmbito do Acordo Financeiro foram contabilizadas na D... numa subconta da conta SNC «25 Financiamentos obtidos», concretamente na conta SNC « 254120023 – E... SGPS, SA» a qual apresentava, em 2015-12-31, um saldo credor de € 2.807.836,00.

c.            Defende que a interpretação propugnada na Adenda não reflete a realidade possível de observar através dos documentos de prestação de contas da B... .

33.          A Requerida, quanto aos fatos, defende-se no seguinte sentido:

a.            As quantias devedoras e credoras emergentes da implementação do Acordo Financeiro foram classificadas na face do balanço do seguinte modo: pela entidade que concedeu a abertura da linha de crédito, como respeitantes a ativos correntes, e pelas sociedades que dela beneficiaram como respeitantes a passivos correntes.

b.            A classificação das quantias devedoras e credoras emergentes da implementação do Acordo Financeiro em ativos ou passivos correntes teve a anuência dos Revisores Oficiais de Contas no âmbito do trabalho de Certificação Legal de Contas.

c.            A interpretação veiculada na Adenda segundo a qual o crédito foi concedido por um prazo certo e determinado que termina no dia 2019-12-31 é incompatível não só com a contabilização efetuada pelos contratantes em rubricas de curto prazo, bem como a sua classificação na face do balanço em ativos e passivos correntes – data da liquidação até doze meses após a data do balanço.

d.            Pelo que, contrariamente ao que pretende fazer crer a Requerente, dos múltiplos documentos da sua responsabilidade, bem como de terceiros, resulta evidente que a interpretação veiculada na Adenda, segundo a qual o crédito foi concedido por um prazo certo e determinado que termina no dia 2019-12-31 é incompatível não só com a contabilização efetuada pelos contratantes em rubricas de curto prazo, como também com a sua classificação na face do balanço em ativos e passivos correntes – data da liquidação até doze meses após a data do balanço.

e.            E, não é credível a existência de um qualquer lapso, como vem a Requerente invocar.

f.                         É que, repare-se que aquando da elaboração dos múltiplos documentos referidos (seus ou de terceiros), em momento algum tal lapso foi detetado.

g.            Nem sequer aquando do seu exame por entidade externa, que não manifestou qualquer reserva ou enfâse a respeito dos financiamentos obtidos.

h.            Ou seja, como se explicita em sede de direito, para que se remete, dificilmente se está perante um lapso, vindo a Requerente, uma vez mais, elaborar documentos a posteriori.

i.             Por fim, como resulta da consulta às atas das reuniões do Conselho de Administração realizadas entre 2007-10-26 e 2011-03-21, não existe uma única deliberação que verse sobre a concessão de uma linha de crédito até ao montante máximo de mil milhões de euros.

34.          Mais alega que ao abrigo do Acordo Financeiro, as Partes podiam realizar (e realizaram) várias operações de financiamento, sem estipular em concreto, operação a operação, uma data específica para o reembolso das quantias mutuadas, podendo os saldos dos montantes em dívida ser reembolsados a qualquer momento (como foram, em muitas situações, de 2009 a 2015), sem autorização prévia do credor e à medida das necessidades das beneficiárias, razão pela qual, credor e beneficiárias, classificaram as operações realizadas como componentes “correntes” do balanço, portanto, com um prazo de liquidação previsível inferior a um ano.

35.          Deste modo, e mesmo depois de lançar mão a outros elementos complementares de análise, não pode senão concluir-se que a prática concreta das partes envolvidas no Acordo Financeiro é consistente com as respetivas cláusulas contratuais, apontando, inequivocamente, para a não determinação do prazo de reembolso do crédito concedido e utilizado.

36.          Não é pois possível concluir que ab initio seja determinado ou determinável o prazo ou período de utilização do crédito concedido, tanto mais que não se pode estabelecer uma identificação entre fundos reembolsados e fundos entrados, pelo que a solução de considerar que o prazo de utilização do crédito deve ser determinado tendo em conta o termo do contrato, não tem suporte na lei, até porque conduz a admitir prazos de utilização meramente teóricos.

37.          Esta situação verifica-se, no caso sub judice, já que as partes não definiram uma data específica para o fornecimento dos fundos e para os reembolsos – que podem ser parciais ou totais – do crédito concedido, apenas foram estipuladas duas datas-limite, para a utilização e para o reembolso integral, ficando o resto na disponibilidade das mutuárias, o que leva a concluir pelo enquadramento na verba 17.1.4 da TGIS, constituindo a obrigação tributária (alínea g) do n.º 1 do art.º 5.º CIS) no último dia de cada mês e sendo o imposto calculado pela aplicação da taxa de 0,04%à média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.Assim sendo e, uma vez que as operações em causa não se enquadram nos conceitos de conta corrente nem de descoberto bancário, cabem na verba 17.1.4 abrangidas pela qualificação de crédito utilizado sob “qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável”.

38.          Termina a Requerida sustentando que em face de todo o exposto, nenhuma crítica merece a correção promovida em sede de ação inspetiva, devendo o pedido arbitral ser julgado improcedente.

 

E-            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

39.          Para a apreciação das questões sub juditio, cumpre descrever a matéria factual relevante, baseada na análise crítica da prova documental carreada pelas partes para os autos e considerando a não impugnação do processo administrativo tributário e de que foi junta cópia pela AT.

40.          Assinale-se que o juiz ou o árbitro,  não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC e consignar se a considera provada e/ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

 

Factos provados

41.          Assim, em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assentes os seguintes factos:

42.          A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais.

43.          A B... é a sociedade dominante do Grupo e a D... e a Requerente são sociedades detidas em 100% por esta.

44.          A Requerente à data dos fatos era detida em 43,16% pela B... SGPS, S.A., em 29,33% pela C..., SGPS, S.A. e em 27,51% pela D... SGPS, S.A.

45.          A Requerente concedeu empréstimos de curto prazo à B... e à D..., que ascendiam, no dia 01.09.2009, aos montantes de € 641.040.527,86, no caso da B..., e € 380.000,00, no caso da D... .

46.          Em 01.09.2009, a Requerente, a B... e a D... celebraram um contrato designado por “Acordo Financeiro”, pelo qual concedia a estas duas entidades uma linha de crédito até ao montante máximo de €1.000.000, que seria disponibilizada, na medida das suas necessidades, até ao dia 31 de dezembro de 2017, e cujos montantes que viessem a ser utilizados seriam reembolsados integralmente até ao dia 31 de dezembro de 2019.

47.          Prevê-se no Acordo que a Requerente concede à B... e à D... uma linha de financiamento até ao montante máximo de € 1.000.000.000, no qual se incluem os montantes de crédito financiados em data anterior ao Acordo.

48.          Prevê igualmente, que as entidades beneficiárias de utilização de crédito poderiam reembolsar, parcial ou integralmente, os montantes de crédito utilizado em qualquer momento anterior ao prazo limite de 31 de dezembro de 2019, prevista na cláusula 3.2.

49.          Sendo que o capital que reembolsado nos termos da cláusula 3.2., não pode ser subtraído ao montante de crédito já utilizado, ou seja não pode ser reutilizado

50.          À data da celebração do acordo, a Requerente era já titular de um crédito sobre a B..., no montante de € 641.040.527,86, e de um crédito sobre D..., no montante de €380.000,00, que passaram a ser considerados como utilização de crédito, disponibilizado nessa data, para efeitos do acordo.

51.          Já depois da celebração do Acordo, a B... e a D... utilizaram, ao abrigo do referido Acordo, crédito concedido pela Requerente, nos seguintes montantes:

                2009

(após 01.09)       2010       2011      2012      2013      2014      2015

B...        

0,00       25.456.000,00    92.057.727,66    4.856.384,78      66.808.798,00    5.998.165,00     

55.000,00

D...        

0,00      

41.000.000,00   

18.263.000,00   

16.410.500,00   

15.788.358,00   

14.767.836,00   

100.000,00

 

 

52.          As entidades beneficiárias procederam a diversos reembolsos antecipados dos fundos utilizados.

53.          A Requerente na vigência do “Acordo Financeiro” não concedeu às entidades beneficiárias um crédito superior ao limite máximo estabelecido de €1.000.000,00€.

54.          A Requerente não liquidou ou enquadrou o Acordo Financeiro em qualquer das verbas de Imposto do Selo.

55.          A Requerente foi objeto da ação de inspeção tributária ao ano de 2014, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI2016..., emitida em 2016-04-14.

56.          Em resultado desta ação inspetiva, as operações financeiras realizadas ao abrigo do citado “Acordo Financeiro”, foram sujeitas a tributação em sede de imposto do Selo à taxa prevista no Verba 17.1.4, da Tabela anexa ao CIS,

57.          Tendo sido apurado imposto em falta e ulteriormente liquidado, relativo ao exercício de 2014, no montante de €3.498.821,22, de harmonia com os cálculos assim sintetizados:

 

58.          Em 14-12-2016, estando em curso a citada ação inspetiva, foi aditado ao Acordo Financeiro uma Primeira Adenda – Cfr Doc nº9, junto pela Requerente.

59.          Uma Adenda interpretativa, cujo objetivo foi esclarecer o sentido das cláusulas do “Acordo de Financiamento” números 1.5 e 3.4, referentes ao prazo de modo a entender-se que todo e qualquer crédito utilizado ao abrigo desse acordo foi concedido por um prazo certo e determinado que se inicia na data da disponibilização do crédito e termina em 31 de dezembro de 2019

60.          Com vista ao pagamento coercivo das liquidações de imposto de selo e de juros compensatórios objeto destes autos, foi instaurado pela AT o processo de execução número ...2018... e...

61.          ... para garantia da quantia exequenda e demais encargos até ao limite de €4.827.308,99, a demandante constituiu a favor do Estado, penhor irrevogável sobre 480.000 ações ordinárias tituladas e nominativas com o valor nominal de €5,00 cada, por si detidas e representativas de cerca de 48% do seu capital social...

62.          ...penhor que foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 2-3-2018.

 

F-            FACTOS NÃO PROVADOS

63.          Não há outros factos para o objeto do litígio, provados ou não provados, essenciais para o objeto do litígio.

 

G-           QUESTÕES DECIDENDAS

Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada uma  apresentados, embora sem vinculação ou obrigação do Tribunal à sua apreciação [os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes – é o que tem sido repetidamente afirmado desde há muito pela Jurisprudência (Cfr.,  inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094), constitui questão central a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:

A)                           Da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto do Selo com o nº 2017... referente ao ano de 2015, que fixou um imposto montante de €3.491.443,91, bem como das liquidações de juros compensatórios associadas de €329.419,65, que totalizam o montante de € 3.820.863,56 (três milhões oitocentos e vinte mil e oitocentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos).

B)           Do pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida.

 

H – MATÉRIA DE DIREITO

64.          Considerando a posição assumida pelas partes, nos articulados apresentados, a questão central a dirimir por este Tribunal Arbitral, consistirá em decidir se o ato de liquidação de Imposto do Selo, nº 2017... referente ao ano de 2015, que fixou um imposto a pagar de €3.491.443,91 se baseou na errónea interpretação e aplicação da verba 17.1.4 da TGIS.

65.          Para tanto, atenta a matéria de facto fixada como provada, iremos então determinar o direito aplicável, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, à análise dos vícios do ato de liquidação, para uma mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente.

66.          Iremos assim, proceder à análise dos vícios por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação, quanto à questão da tributação da presente concessão de crédito, à luz dos princípios e normas conforme o disposto no Código do Imposto do Selo e da verba 17.1.4. da TGIS.

67.          Ora, da análise do probatório dos presentes autos, resulta que, estamos perante uma concessão de crédito pelo montante máximo de € 1.000.000.000, celebrado através de um contrato (de ora em diante denominado de Acordo Financeiro).

68.          Do Acordo Financeiro, resulta um crédito concedido no valor de €641.040.527,86€.

69.          Passaremos a analisar a legislação aplicável ao caso sub judice.

70.          A Tabela 17.1 do TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 12-A/2010 de 30 de Junho, aplica-se ás operações que resultem da utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e ás operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo.

71.          Assim é que a verba 17.1.4., aplica uma taxa de 0.04% ao crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

72.          Deveremos também ter em especial atenção, a constituição da obrigação tributária, ou seja, o nascimento da obrigação tributária nas operações de crédito, consagrado no artigo 5.º n.º 1 alínea g) do CIS, o qual estabelece: nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.

73.          Desta forma e conforme consagrado no artigo 5.º n.º 1 alínea g), do CIS, o imposto nos contratos com prazo determinado é instantâneo, ocorrendo no momento em que o crédito é efetivamente realizado e incide sobre o valor de cada utilização.

74.          Sobre a incidência do Imposto do Selo nas concessões de crédito, há muito que se tem entendido, quer na jurisprudência quer na doutrina, que o imposto do Selo incide sobre a efetiva utilização do crédito e não sobre o contrato que lhe é subjacente.

75.          Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA processo 0800/17 de 14-03-2018, que decidiu:

“A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito O facto tributário eleito para tributação em imposto do Selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro-. A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito. (…) Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito.”

76.          A este respeito, um excerto ilustrativo da obra de J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS:

2. Sob a epígrafe “operações financeiras”, incluem-se no âmbito da incidência do imposto do selo a concessão do crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros e comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em imposto do selo se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

3. Nos termos do n.º 1, a concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido e não o contrato que lhe é subjacente. Pode, assim, ser celebrado um contrato de concessão de crédito sem que tal traduza facto tributário deste imposto, o que ocorrerá sempre que a utilização de crédito não seja imediata ou se não houver utilização efectiva desse contrato. (…)

Salienta-se, contudo, que o facto tributário tipificado nesta verba é a concessão de crédito ou seja, a utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito, cujos elementos essenciais se traduzem na prestação de um bem presente contra a promessa de restituição futura. Não é, pois, abrangido pela incidência do imposto todo e qualquer financiamento mas tão-somente o que, reunindo as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito. Está, assim, afastado da tributação, por exemplo, o chamado crédito ao consumo, sempre que o financiamento consista em mero diferimento no tempo do pagamento dos bens ou dos serviços adquiridos concedido pelo respectivo vendedor ou prestador” – cf. dos autores citados “Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados”, 1ª Edição, 2005, Lisboa, Engifisco, pp. 732 e 733.

77.          Refere também JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES: “É no domínio das operações financeiras, particularmente no crédito, que se operaram as mais relevantes inovações do novo Código do Imposto do Selo na reforma operada no ano 2000. Como veremos adiante, quando tratarmos da tributação do crédito utilizado através de contrato de aberturas de crédito, o novo Código introduz duas inovações fundamentais relativamente ao anterior. Por um lado, o imposto passa a incidir sobre as utilizações de crédito e não sobre a celebração dos contratos que lhes dão origem (…). Por outro lado, o tempo de duração da relação creditícia passa a ser determinante para a determinação do imposto a pagar (…). As operações de crédito são tributadas nos termos da verba nº 17.1 da Tabela Geral. A lei enuncia alguns tipos contratuais de concessão de crédito, como é o caso da cessão de créditos, o factoring, as operações de tesouraria, a abertura de crédito em conta corrente e o descoberto bancário. Porém, esta enunciação é meramente exemplificativa, dado que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente (“a concessão de crédito a qualquer título”, como determina a referida verba da Tabela Geral). Como antes vimos, mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário.” - cf. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2ª Edição, 2013, Lisboa, Almedina, pp. 443 e 444

78.          Igualmente, como sublinham J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, “Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados”, Lisboa, Engifisco, 2005, p.734 “O facto gerador da obrigação tributária é, de acordo com a alínea g) do artigo 5º, a utilização do crédito, não sendo, pois, as aberturas de crédito especialmente tributadas enquanto tal utilização não se verifique.”

79.          Aqui chegados, é altura de abordar, em especial, a questão suscitada, se a concessão de crédito se enquadra na verba 17.1.4 do TGIS, porque o seu prazo de utilização não é determinado ou determinável.

80.          Recorde-se a este propósito que o facto tributário surge da consideração pela AT de que os financiamentos concedidos pela E... às sociedades B... e D... ao abrigo do AF, preenchendo o conceito de crédito para efeitos de tributação nos termos do CIS e TGIS, essa tributação deveria ser concretamente processada, como foi, nos termos da Verba 17.1.4 e não nos termos das Verbas 17.1.1 a 17.1.3, da TGIS.

81.          Recorde-se igualmente que em matéria de contencioso de legalidade ou de anulação, é apenas à luz da fundamentação externada pela AT contemporânea da liquidação que pode tal legalidade ser sindicada pelo Tribunal (Cfr. v. g., Ac do STA de 23.9.2015, Proc nº 01034/11).

82.          O AF é o instrumento que constitui a base da liquidação de IS efetuada pela AT. Foi este a base considerada pela AT para a liquidação de imposto de selo e não, por exemplo, quaisquer outros instrumentos ou acordos de concessão de crédito onde poderia a AT eventualmente basear a liquidação adicional, designadamente considerando que créditos houve renovados ou reutilizados à revelia ou em desarmonia com a proibição estabelecida no AF (cf 3.3 , do AF).

83.          O AF tem duas partes distintas:

a.            Uma relativa ao crédito concedido (€641.420.527,86) até 1.9.2009 (data do AF), que é reconhecido ter sido até então concedido pela E... às sociedades B... e D... e

b.            outra relativa aos créditos abertos (€358.579.472,14) ou linha de crédito ou de financiamentos, às sociedades B... e D... .

84.          Em qualquer destes casos – créditos concedidos e os financiamentos nos termos da linha de crédito aberta – tinham claramente um prazo certo de vencimento: 31-12-2019.

85.          Importa então apurar se enferma ou não de ilegalidade o ato de tributação pela Verba 17.1.4, dos créditos concedidos pela E... à luz do AF.

86.          Ou seja: se, como considerou a AT, se trata aqui de créditos indeterminados ou indetermináveis na medida em que são estes os que devem ser tributados à luz da Verba 17.1.4, da TGIS.

Vejamos então.

87.          Nos contratos em que o prazo de utilização não é determinado ou determinável, o fato tributário tem uma natureza continuada e, para estes casos, o artigo 5.º n.º 1 alínea g) do CIS, para a verba 17.1.4, prevê um critério diferente, no qual o imposto é devido no ultimo dia de cada mês, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, aplicando-se uma taxa de 0,04% a essa média.

88.          Nessas situações, o imposto incide sobre os saldos apurados em cada mês, sendo apenas nesse sentido que pode atribuir-se relevância ao fator temporal.

89.          Da análise do probatório, resulta que, o Acordo Financeiro (conforme cláusula 1.5), a utilização do crédito foi concedido por um prazo contratualmente determinado, fixado em 31 de dezembro de 2019, momento em que os montantes que tenham sido disponibilizados devem encontrar-se integralmente restituídos (data de vencimento).

90.          O AF é um contrato [(tipificado ou inominado?), embora qualificação não seja particularmente relevante , considerando, designadamente, a redação abrangente da Verba 17.1.4, da TGIS],  a termo certo, inicial e final, pelo qual é ou foi concedido um crédito de mil milhões de euros, com cerca de 2/3  utilizado à data do AF e o remanescente para fruir até 31-12-2017, com vencimento ou reembolso obrigatório até 31-12-2019.

91.          Não há assim que, fundadamente, considerar o prazo de utilização indeterminado ou indeterminável.

92.          Certo que o referido Acordo Financeiro, também contempla uma cláusula que permite o reembolso antecipado do crédito, de forma parcial ou total.

93.          Tal, porém, não prejudica a estrutura da obrigação que é de prazo certo ou determinado.

94.          A possibilidade ou direito potestativo, se se quiser, de cumprimento antecipado, reveste a natureza de estipulação contratual condicional com reflexos evidentes na relação contratual mas não no âmbito da incidência do imposto do selo [Cfr artigo 5º-g), do CIS – 1ª parte].

95.          Ou seja: a tributação da operação em IS deveria ter ocorrido à luz da Verba 17.1.3 e não, como foi, à luz da Verba 17.1.4, ambas da TGIS.

96.          E para tal conclusão torna-se absolutamente despicienda ou inútil a “interpretação” do AF operada pela Adenda de 14-12-2016 (Doc 9, com o PPA).

97.          Ainda sobre a cláusula de reembolso antecipado nas operações de crédito, cujo acordo de concessão tenham contratualmente estipulado um prazo, como é o caso dos presentes autos, a jurisprudência já se pronunciou, em particular, no acórdão arbitral do CAAD, Processo n.º 544/2017 de 6 de Abril de 2018, junto pela demandante com o pedido (Doc 5), com as mesmas partes e tendo por objeto a liquidação de imposto do selo e juros compensatórios, por referência ao ano de 2014, com base nos mesmos factos essenciais dos presentes autos.

Aí se afirma:

“6. Enfrentando a questão, deve começar por dizer-se que a cláusula de reembolso antecipado inscrita no acordo de financiamento é uma cláusula acessória com a natureza de estipulação condicional, que confere aos devedores uma mera faculdade de reembolso antecipado - que poderia não ter sido sequer accionada -, e que, à partida, se reflete na relação contratual estabelecida entre as partes e não no âmbito de incidência do imposto.

Como se fez notar, a norma de incidência do imposto limita-se a tributar a operação de crédito, sendo no momento em que ela é realizada que se considera constituída a obrigação tributária e se confere eficácia ao facto tributário, quer para efeitos da exigibilidade do imposto, quer para a contagem do prazo do direito à liquidação (artigo 5.º, alínea g), do CIS).

Em regra, a taxa aplicável deverá corresponder ao prazo que medeie entre o momento do saque dos fundos disponibilizados e o momento em que, nos termos do contrato, deva ocorrer o reembolso. No entanto, essa regra só pode ser validamente implementada, em aplicação directa da norma de incidência objectiva, quando seja possível determinar previamente, com rigor, o prazo efectivo de utilização e seja possível fazer corresponder os movimentos financeiros que representem o desembolso e o respectivo reembolso (neste sentido, LUIS MAGALHÃES, “O Novo Código do Imposto do Selo. Principais reflexos no crédito”, in Fisco, n.º88-89, maio-junho de 2008, Ano XI, pág.22).

Subsistindo uma dificuldade prática no apuramento da duração efectiva utilização do crédito, naturalmente que o prazo a considerar será aquele que decorra entre o desembolso e prazo que estiver contratualmente fixado.

Tem-se presente que o que releva para a incidência do imposto é a efectiva utilização dos fundos e não o contrato de concessão de crédito que lhe está subjacente (cfr.acórdão do tribunal arbitral de 5 de novembro de 2014, Processo n.º 24/2014-T). O certo é que as partes, na situação do caso, firmaram um contrato que prevê o reembolso integral dos montantes que tenham sido utilizados num prazo determinado que coincide com o prazo de cessação de vigência do contrato. A possibilidade de reembolso antecipado, que consta da cláusula do, constitui uma mera eventualidade que não poderá ter a virtualidade de transformar o prazo certo contratualmente previsto num prazo indeterminado ou indeterminável.

Por outro lado, a cláusula do reembolso antecipado, quando accionada, não poderia ter como efeito a indeterminabilidade do prazo de utilização do crédito, mas antes a redução do prazo contratualmente estabelecido, pelo que a solução a adoptar, no plano fiscal, seria a de corrigir a liquidação inicial mediante a aplicação da taxa correspondente ao prazo mais curto que tenha sido efectivamente aplicado.

É patente, face a todo o exposto, que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. o que, manifestamente, não se verificava no caso sub judice.”

98.          Com efeito, acolhemos, no essencial, a posição desse acórdão arbitral e nesse sentido se entende, como, aliás, já anteriormente se assinalou, que a cláusula que estipula o reembolso antecipado é uma cláusula acessória com a natureza de estipulação condicional, que confere aos devedores uma mera faculdade de reembolso antecipado. Constitui uma mera eventualidade que não poderá ter a virtualidade de transformar o prazo certo contratualmente previsto, num prazo indeterminado ou indeterminável.

99.          Conforme já anteriormente exposto, o Acordo Financeiro, prevê o montante máximo de crédito, no valor de € 1.000.000.000, a utilizar durante a vigência do Acordo, e a possibilidade de reembolso parcial ou total antes do prazo de devolução integral a ocorrer em 31.12.2019; todavia, o valor dos reembolsos antecipados não poderiam ser reutilizados face ao máximo do crédito.

100.       A referida cláusula de reembolso, sendo de natureza acessória, não obriga nenhuma das partes ao reembolso parcial antecipado de um dos créditos.

101.       O facto de permitir o reembolso antecipado, e de terem sido efetuados diversos reembolsos, por si só, não torna o prazo incerto ou indeterminado.

102.       Assim é que, face a todo o exposto, a taxa prevista na verba 17.1.4 é aplicável a efetiva utilização do crédito, restringindo-se às situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar o prazo ou o momento exato em que deverá ocorrer o reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente.

103.       Concretizando melhor: a taxa prevista na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre contratualmente ou previamente definido o prazo de utilização do crédito e não se insira  nas restantes verbas do item 17.1, da TGIS,  o que, face ao probatório dos presentes autos, legislação, jurisprudência e doutrina anteriormente citadas, se conclui pela sua não aplicação ou aplicabilidade no caso sub juditio. É que, como se viu, a concessão de crédito aqui em analise tem um prazo contratualmente definido, pelo que não está abrangida na verba 17.1.4., da TGIS.

104.       Nem se argumente com a forma como a contabilidade da demandante e das empresas financiadas trataram os financiamentos.

105.       É que, nesta matéria, não é a contabilidade que define a natureza, interpretação ou qualificação dos contratos mas antes é aquela que se tem de conformar ou harmonizar com estes.

106.       En passant e a este propósito se dirá que não é inadmissável ou inaceitável a tese da demandante, da continuação dos lançamentos pela forma como eram feitos antes do Acordo Financeiro de 2009: os financiamentos eram até então de curto prazo [cfr a), do AF] e, como tal, registados pela entidades envolvidas nas rubricas de curto prazo [Cf., v. g., Balanço de 31-12-2008 – Doc 10, com o PPA]; após o AF continuaram, erradamente, a ser registados na mesma rubrica até à inspeção realizada pela AT ao exercício de 2015, só sendo então corrigido esse lapso  (cfr Relatório e Contas – Doc 11, junto com o PPA), de modo a alinhar os registos contabilísticos com as caraterísticas substantivas dos financiamentos. Como seria normal.

107.       À luz do exposto, o presente Tribunal dará provimento ao pedido da Requerente nesta parte, e consequentemente julgará procedente a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto do Selo nº 2017..., referente ao ano de 2015, por vicio de lei e erro nos pressupostos de facto e de direito.

108.       O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pelo Requerente ou pela Requerida, designadamente, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a pedido de pronúncia, ressalvado o pedido que segue.

 

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA

109.       De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

110.       Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

111.       Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

112.       Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

113.       Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços» e, a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

114.       Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

115.       Equivalentes à garantia bancária para este efeito, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida (será o caso, por exemplo, do seguro-caução a favor do Estado, com regime previsto nos artigos 6º e 7º, do DL nº 183/88, na redação do DL nº 31/2007) – Cfr Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de  Processo Tributário, 6ª Edição, Áreas Editora, p. 242.

116.       O que significa que a constituição de outras garantias, v. g., penhor ou hipoteca, não estão abrangidas pelo conceito de equivalência à garantia bancária e, consequentemente, o eventual direito a indemnização por constituição indevida como garantia duma dívida fiscal em execução, não pode ser exercido ou requerido no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

Sendo este o caso dos autos, uma vez que a garantia foi prestada através de penhor de ações, tal significa a inadmissibilidade do respetivo pedido indemnizatório formulado.

 

J – DECISÃO

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de imposto do selo nº 2017... e respetivos juros compensatórios, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na importância total de € 3.820.863,56 e

– julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização, nos termos expostos supra, por garantia indevida prestada através da constituição de penhor de ações.

*

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 306º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.820.683,56, conforme correção ulterior da demandante relativamente ao valor inicial indicado, nos termos do despacho proferido em 25-9-2018.

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 48.348,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

             Notifique-se.

Lisboa, 27 de Novembro de 2018

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Arbitro Presidente)

 

Rita Guerra Alves

(Arbitra Vogal)

 

Jorge Carita

(Arbitro Vogal).

Com a declaração de voto que segue.

 

 

 

 

 

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Declaração de Voto

 

Embora acompanhando o Tribunal na decisão final de anulação da liquidação objecto do presente pedido de pronuncia arbitral, o signatário entende que o Tribunal poderia ter ido mais longe face à necessidade de executar e cumprir o princípio da descoberta da verdade material, como se entende, salvo o devido respeito, que o Tribunal também  não valorou devidamente alguns factos dados como provados, como o deveria ter feito.

 

Dos elementos juntos aos autos, resulta claramente o Acordo Financeiro em causa de 1 de setembro de 2009, em que, nos termos do Considerando d), as partes pretenderam regular contratualmente a relação de financiamento existente à data da sua celebração, ao abrir, nos termos das Cláusulas 1.1., 1.2. e 1.3., a favor de dois contratantes uma linha de crédito no montante de 1.000.000.000,00, configurar uma abertura de crédito, conferindo aos devedores um direito potestativo de utilização do crédito.

 

Tal abertura de crédito não se baseia como um regime de deve-haver, de créditos e débitos recíprocos, perdurando até ao vencimento da conta, com a consequente tributação nos termos da verba 17.1.4. da Tabela Geral.

 

Contudo, essa caracterização é incompatível, na verdade, com as Cláusulas 3.2., 3.3. e 3.4. do referenciado Acordo.

 

Tal Cláusula 3.2. permite aos dois devedores, aí designadas por 2º e 3º contraentes, reembolsar parcial ou integralmente, em qualquer montante anterior à data prevista na Cláusula 1.5., o montante do crédito utilizado, sem necessidade de consentimento do credor, o 1º contraente.

 

No entanto, segundo a Cláusula 3.3., o capital que venha a ser reembolsado nos termos da Cláusula anterior, não pode ser reutilizado nos termos do Acordo, não podendo designadamente os montantes reembolsados serem subtraídos ao montante do crédito já utilizado no cômputo das futuras utilizações do crédito, para efeitos do montante máximo previsto na Cláusula 1.1..

 

Confirmando essa disciplina, a Cláusula 3.4 estabelece que todos os montantes utilizados pelos 2º e 3º contraentes ao abrigo do Acordo, devem estar integralmente amortizados na data de vencimento do acordo, 31 de dezembro de 2019.

 

Assim, pode concluir-se que, de acordo com o referido contrato, o capital reembolsado não pode ser reutilizado. – o que na realidade não sabemos se aconteceu, situação que, pela sua importância para se encontrar o veredicto final, o Tribunal podia e deveria ter apurado.

 

Sem essa averiguação, é evidente que esse contrato configura uma típica abertura de crédito simples, em que o crédito concedido pode ser utilizado uma única vez, ainda que mediante sucessivos levantamentos parciais.

 

De acordo com o Ponto II, 26, da Circular nº 15/2000, de  5 de Julho, da Direção-Geral dos Impostos (DGCI), no caso de aberturas de crédito, simples ou no regime de conta corrente, em que o prazo de reembolso das respetivas utilizações se encontre determinado ou for determinável, nos termos do respetivo contrato, a tributação faz-se nos termos dos pontos 17.1.1 a 17.1.3 da Tabela Geral.

 

Note-se, para esse efeito, segundo esse Ponto II),26, dessa Circular, que o prazo em questão é o que medeia entre cada utilização e o reembolso, nos termos contratados.

 

Ora, nos termos da Cláusula 1.5. do Acordo, aqui em análise, todo e qualquer crédito concedido ao seu abrigo é concedido até ao final do ano civil de 2019, data em que o montante deve ser restituído nos termos da identificada Cláusula 3.

 

Poderia a AT ter demonstrado que a soma das utilizações efetuadas pelos devedores ultrapassaram o montante da linha de crédito concedida, com a consequente violação da proibição contratual da Cláusula 3.3?.

Sim, mas não o fez.

 

Nem isso foi referenciado pela Requerente.

Mas era precisamente isso que ao Tribunal importava apurar, o que não foi feito.

 

Caso as utilizações efetuadas pelos devedores não tenham ultrapassado o montante de linha de crédito concedido – ou seja mil milhões de euros, assim se respeitando o disposto na clausula 3.3 do Acordo, a liquidação controvertida não poderia manter-se.

 

Caso contrário, a liquidação estaria bem efetuada.

 

Ou seja, no caso das utilizações efetuadas pelos devedores terem ultrapassado o montante da linha de crédito concedido, em violação do disposto na cláusula 3.3 do Acordo, situação em que se passaria a estar perante um crédito concedido em regime de “revolving”, o que, como já se referiu, ocorre quando o credor tem a possibilidade de reconstituição do direito de saque mediante entregas efetuadas ao longo do contrato.

 

Face a esta situação e à dificuldade que se possa sentir de análise dos movimentos efectuados, a crédito e a débito da respetiva conta corrente, manifestei a minha opinião que o Tribunal, face à prioridade que deve ser dada à aplicação prática do princípio da descoberta da verdade material, deveria averiguar complementarmente este simples facto:

 

A Requerente devedora utilizou mais do que o valor do crédito fixado no contrato, em violação da cláusula 3.3 do Acordo?

 

O que, no entanto, não foi feito.

 

Repare-se, que no art.º 22º. do RI a Requerente referiu que as empresas devedoras “… foram também procedendo a alguns reembolsos do crédito concedido, nos termos das clausulas 3.2 e 3.3 do Acordo”, importando, por isso, saber se as verbas devolvidas vieram a ser reutilizadas.

 

Importa realçar que a própria Requerente reconhece não ter “erroneamente” liquidado o imposto do selo da verba 17.1.3 (Vd. art.º 23.º do RI).

 

Importa ainda referir, o aditamento ao Acordo de 14 de dezembro de 2016.

 

É verdade que esse aditamento considera ser certo e determinado o prazo em causa, mas ele não se pode sobrepor aos efeitos económicos do contrato já produzidos nos termos do nº 1 do art. 38º da Lei Geral Tributária (LGT) . No entanto, tal aditamento nada traz de novo relativamente à redação originária.

 

Por outro lado, sou de opinião que o Tribunal não valorou suficientemente a realidade que de seguida se refere.

 

Efectivamente, as partes do contrato de concessão de crédito, credor e devedores, registaram essas operações em ativo corrente ou passivo corrente, que correspondem respetivamente a créditos e dívidas de curto prazo, quando, do enquadramento dos factos efetuado no pedido de pronúncia arbitral, que defende o prazo de vencimento das utilizações do crédito ser  31 de dezembro de 2019, conduziria logicamente à qualificação do ativo e passivo associado a essas operações como não correntes.

 

E esta prática foi seguida pela Requerente desde o início da execução do “Acordo Financeiro”.

 

Nestas circunstâncias tal classificação contabilística contradiz certamente o enquadramento efetuado pela Requerente do Acordo da operação de financiamento em causa, e poderia, em última instância, justificar a aplicação da verba 17.1.4. da Tabela Geral, que pressupõe a indeterminabilidade do prazo de concessão de crédito.

 

E constitui uma indicação de que não teria sido essa a visão que “ab inicio” as partes tiverem do contrato, daí também terem sentido a necessidade do referenciado aditamento.

 

E esta parece-me uma questão relevante, porque a contabilização assumida pelas partes não é assim tão irrelevante como possa parecer. O tratamento dado à questão ao longo dos anos, o entendimento que contabilistas, administradores e revisores, tiveram ao longo dos anos relativamente a esta questão, está longe da visão que agora a Requerente defende, depois de uma ação de inspeção que conduziu, como se sabe, à produção de Acordos complementares, como se de uma norma interpretativa se tratasse.

 

O Árbitro

Jorge Carita