Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 173/2023-T
Data da decisão: 2023-09-26  IVA  
Valor do pedido: € 612.688,59
Tema: IVA - Cessão da Posição Contratual.
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SUMÁRIO:

I – A cessão da posição contratual condicionada por uma promessa unilateral de venda do cessionário ao cedente e pelo contrato de sublocação, não transmite o direito à transmissão da propriedade de um bem corpóreo que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que não se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os arts. 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA.  

II – O que releva, em termos jurídico-económicos, na cessão da posição contratual em juízo não é a directa transmissão do imóvel, que permanece na titularidade da entidade locadora, mas sim o complexo de direitos e obrigações associado à posição de locatário no contrato de locação financeira.

III – Tendo em conta o exposto constata-se que, em face da matéria dada como provada se verificou a cessão da posição contratual, encontrando-se esse facto tributário – cessão da posição contratual – sujeito a IVA, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA.

 

 

                                           DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

 

A... S.A., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., freguesia de ..., ...-..., em Lisboa, pessoa colectiva ..., vem apresentar pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT), dos actos de liquidação de IVA – Ano 2019, n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., de 3.11.2022 da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, “AT”), no montante global de €612.688,59 (Seiscentos e Doze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos), com fundamento em ilegalidade.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30.05.2023.

 

A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Por despacho de 8 de Julho de 2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as Partes sido notificadas para Alegações.

 

 

II. SANEADOR

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

 

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III.DO MÉRITO

 

III-1-Matéria de facto

 

III-1-1- Factos provados

 

Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente foi constituída em 19.12.2012 e iniciou a sua actividade para efeitos fiscais em 26.12.2012, para o exercício da “Compra e venda de bens imobiliários” (CAE 68100), enquanto actividade principal, e para o exercício de actividade de “Arrendamento de bens imobiliários (CAE 68200), enquanto actividade secundária, desde 04.04.2016”;
  2. Em termos de IVA, a Requerente está enquadrada, desde 01.01.2022, no regime normal de periodicidade trimestral, de acordo com a al. b) do n.º 1 do art.º 41.º do Código do IVA (e mensal no período em referência);
  3. Em 9.5.2017, a Requerente celebrou com o B... um contrato de locação financeira Imobiliária com o n.º ..., tendo por objecto o imóvel designado por fração autónoma letra “C”, correspondente ao piso dois, pertencente ao prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...:
  4. No âmbito da ordem de serviço n.º 012022..., a Requerente foi sujeita a inspecção Tributária, em sede de IVA e IRC, relativamente ao ano 2019;
  5. No âmbito do procedimento inspectivo, a Requerente juntou o contrato de cessão da posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda, relativamente ao imóvel sito na Avenida ......, inscrito na matriz predial sob o artigo ...-..., freguesia de ..., de 18.06.2019, em que são partes a A... e a C... (adiante Contrato 1);
  6. Conforme o Contrato 1 foi celebrado entre a Requerente (locatário cedente) e a sociedade C... UNIPESSOAL LIMITADA (doravante apenas C...) (locatário cessionário) e o B... (locador), um contrato de Cessão de posição contratual em contrato de locação - leasing (locação financeira imobiliária),

entre a Requerente e a sociedade C... foi celebrado um contrato de sublocação e promessa de venda, sob o contrato de cedência da posição contratual;

  1. A cessão de posição contratual foi realizada pelo preço de €3.500.000, sendo €1.131.284,90 correspondente à divida remanescente do contrato de leasing imobiliário para com o B... e o remanescente foi de €2.368.715,10 euros;
  2. Com autorização do locador (B...), a C... subloca o locado à A..., assumindo esta a posição de sublocatário do imóvel por um período de três anos;
  3. Pela sublocação, a A..., pagou à C... de renda mensal €29.166,67, liquidando à data do acordo o valor de €350.000, correspondentes a três meses de renda mais nove meses de caução.
  4. De acordo com o Contrato 1, a C... concede à A... enquanto sublocador e durante o período de sublocação, a primeira opção de compra do mesmo imóvel pela A... pelo preço de €3.500.000;
  5. Com a celebração do Contrato 1, a A... registou uma perda de €91.329,72;
  6. Com a celebração do Contrato 1, a A... transmitiu para a C... os direitos e obrigações inerentes ao mesmo contrato;
  7. Em sede de pedido arbitral, a Requerente anexa o contrato intitulado “Contrato de cessão de posição contratual de locatário do contrato de locação financeira imobiliária n.º ...”, em que são partes a Requerente, a C... e a entidade bancária “Banco B....”, de 18.06.2019 (adiante Contrato 2);
  8. De acordo com o Contrato 2, a A... garante à C... a existência da posição contratual transmitida e a C... aceita-a sem reservas e declara ter total conhecimento dos direitos e obrigações para si resultantes dessa cessão de posição contratual, obrigando-se ao total cumprimento do contrato de locação financeira do qual tomou conhecimento;
  9. Nos termos do Contrato 2, a C... declara ter recebido da A... o imóvel locado e que o mesmo foi devidamente entregue pela A...;
  10. O Contrato 2 não faz qualquer referência ao contrato de cedência da posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda;
  11. A 31.12.2019, o imóvel identificado em e. não consta da matriz predial como sendo da propriedade da A...;
  12. A 16.12.2021, a A... exerceu a opção de compra do imóvel pelo preço de €3.500.000 e alienou-o a um terceiro pelo preço de €5.950.000;
  13. Do procedimento inspectivo resultaram correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, bem como no apuramento do IRC e IVA devido a final, que se encontram descritas e quantificadas no capítulo V do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), conforme resume o Parecer do Chefe de Equipa: (…)- Em sede de IVA – 2019.06, apurou-se a falta de liquidação de IVA, face ao disposto nos art.º 4.º e 16.º, conjugados com os artigos 18.º e 27.º, todos do CIVA, no montante total de € 544.804,47”.
  14. Segundo a informação dos SIT, elaborada e remetida a propósito do actual pedido de pronúncia e processo administrativo:

43. De facto, existem dois contratos de cessão de posição contratual:

- O que foi apresentado pela requerente no âmbito do procedimento inspetivo, em que as partes são a A... e a C..., e que prevê a hipótese de exercício de uma opção de compra pela A... no prazo de três anos.

- O que foi apresentado pela requerente no âmbito da impugnação judicial junto do tribunal arbitral, em que são parte a A..., a C... e o locador B..., e em que a opção de compra pela A... à C... é omitida.

Por outro lado, neste contrato a A... garante à C... a existência da posição contratual transmitida e a C... aceita-a sem reservas e declara ter total conhecimento dos direitos e obrigações para si resultantes dessa cessão de posição contratual, obrigando-se ao total cumprimento do contrato de locação financeira do qual tomou conhecimento. Finalmente a C... declara ter recebido da A... o imóvel locado e que o mesmo foi devidamente entregue pela A... (vide cláusulas terceira e quarta).

44. Em termos da substância e da forma, a sujeição a IVA no momento de celebração do contrato de cessão da posição contratual efetiva-se pelo preenchimento dos requisitos legais para a sua sujeição no momento em que o mesmo é outorgado (18 junho de 2019). Ou seja, é consensual que a cessão de posição contratual em contrato de locação financeira configura uma transmissão de um direito, e que em sede de IVA consubstancia uma prestação de serviços como enunciado no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, que considera "operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens" como prestações de serviços, em harmonia com o entendimento do TJUE e a jurisprudência interna e atendendo ao disposto no artigo 24.º da Diretiva IVA, que estatui “qualquer operação que não constitua uma entrega de bens”.

45. Nestes termos, a cessão da posição contratual do locatário — que se analisa na

transmissão do complexo de direitos e obrigações e das demais situações ativas e passivas, que decorrem para essa parte da relação contratual estabelecida com o locador, operando a sua substituição no contrato base, que passa a vigorar e a operar os seus efeitos entre a cedida e a cessionária (cfr arts. 424.º e seguintes do Código Civil) — não se reconduz a uma transmissão da propriedade de um bem corpóreo, que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os arts. 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA.

46. Assim, o "serviço" (para efeitos do IVA) que aqui é objeto de análise é a própria cessão da posição contratual de locatário, portanto a cedência da situação negocial complexa de que era titular o cedente no contrato de locação financeira imobiliária, cujo valor económico suscetível de ser encarado como um bem é a "síntese das vantagens e sacrifícios económicos que o contrato encerra" (MOTA PINTO, Cessão da posição contratual Coimbra, 1982, p. 397).

47. O sujeito passivo defende (§ 32 e seguintes) que analisando o Contrato de cessão de posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda, identifica três tipos de contratos:

- Cessão de posição contratual de leasing imobiliário;

- Contrato de sublocação;

- Contrato unilateral de venda do imóvel dado em doação.

48. Atendendo aos argumentos do sujeito passivo e da feitura dos dois contratos apresentados pelo sujeito passivo (o primeiro à inspeção tributária e o segundo no âmbito da impugnação arbitral), concluímos que efetivamente estamos perante dois tipos de contratos independentes:

- Cessão de posição contratual de leasing imobiliário;

- Contrato de sublocação com opção de venda do imóvel dado em doação.

49. Conforme fundamentos constantes do relatório da inspeção — e aceites pelo sujeito passivo — a cessão de posição contratual é um contrato sujeito a IVA e dele não isento.”

  1.  A 20.03.2023, a Requerente apresentou petição arbitral dos actos de liquidação oficiosa de IVA.º 2022..., de 3.11.2022 e n.º 2022... .

 

 

III-2- MATÉRIA DE DIREITO

 

III-2-1- Posição das Partes

 

A Requerente sustenta o seu pedido no direito à isenção de IVA aplicável à locação de imóveis à operação de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira devidamente identificado nos autos, considerando que a cessão da posição contratual condicionada por uma promessa unilateral de venda do cessionário ao cedente e pelo contrato de sublocação, não transmite o direito à transmissão da propriedade de um bem corpóreo que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que não se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os arts. 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA.

 

Quanto à vicissitude da cessão da posição contratual do locatário, visto que não se dá a transmissão do direito real de propriedade do cedente para o cessionário, não há lugar a pagamento de IMT. A propriedade está e permanecerá na titularidade do locador com a cedência da posição contratual do locatário.

 

Entende, por sua vez a AT, que, em termos da substância e da forma, a sujeição a IVA no momento de celebração do contrato de cessão da posição contratual efectiva-se pelo preenchimento dos requisitos legais para a sua sujeição no momento em que o contrato é outorgado (18 junho de 2019).

 

É consensual que ao apresentar dois contratos distintos (num são outorgantes a A... e a C... enquanto que no outro são outorgantes a A..., a C... e o B...), é vontade expressa das partes que a sublocação e a opção de venda do imóvel dado em locação são negócios independentes, porquanto a cessão da posição contratual deve ser analisada de per si, sem qualquer ligação com o segundo.

 

Assim, o que releva, em termos jurídico-económicos, na cessão da posição contratual em juízo não é a directa transmissão do imóvel, que permanece na titularidade da entidade locadora, mas sim o complexo de direitos e obrigações associado à posição de locatário no contrato de locação financeira, no qual se destaca o direito de adquirir o imóvel no termo do contrato pelo valor residual estabelecido, mas uma vez pagas as prestações convencionadas

reportadas ao momento da transmissão da posição contratual e cumpridos os demais deveres

contratuais fixados.

 

 Deste modo, não se pode concluir pela neutralidade da operação, para logo a seguir se argumentar que não se aplica o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA; a aplicação da norma e a sujeição

da operação a IVA resulta do preenchimento dos requisitos para que a cessão seja tributada,

não se podendo fazer depender tal sujeição ou não sujeição / isenção da concretização de uma condição futura de compra do imóvel.

 

Conclui, assim, a AT que a cessão da posição contratual é um contrato com fins diferentes e autónomo e sem caráter acessório relativamente ao exercício da opção de compra pela A... .

 

 

III-2-2- Thema decidendum

 

Em face do pedido e dos argumentos das Partes, entende-se que a questão central consiste em determinar se à situação sub judice é aplicável o direito à isenção de IVA previsto no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

 

A Requerente invoca como causas de pedir a ilegalidade dos actos impugnados, por erro de direito acerca dos factos ou por erro sobre os pressupostos de facto ou, subsidiariamente por erro de fundamentação, sustentando o direito à isenção de IVA e a ilegalidade da correcção levada a cabo pela AT.

 

No fundo, em face dos factos e argumentos de direito invocados pelas Partes, importa determinar se o contrato de cessão da posição contratual em contrato de locação financeira está isento de IVA, por se configurar como uma operação de locação financeira e não como uma cessão da posição contratual, atendendo ao contrato de sublocação com opção de compra associado ao mesmo.

 

Vejamos antes de mais o enquadramento em termos de IVA da operação negocial de cessão da posição contratual do locatário no contrato de locação financeira imobiliária, atendendo aos factos descritos no probatório.

 

III-2-3 – Contrato de Cessão da Posição Contratual em contrato de locação financeira

 

A transmissão da posição jurídica, designa-se mais comummente por cessão da posição contratual, a qual tem previsão nos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, dispondo o n.º 1 do artigo 427.º, o seguinte:

“1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”

 

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela: “A cessão da posição contratual (a propósito da qual se fala também em cessão do contrato ou assunção do contrato) distingue-se da cessão ou transmissão de créditos ou das dívidas, pois tem por conteúdo a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações.


A cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato base. E envolve três sujeitos: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser a contraparte do cessionário (contraente cedido ou, simplesmente, o cedido). A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que se passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário.

 

Trata-se, pois, de uma modificação subjectiva, através da qual uma das partes do contrato é substituída por outra que passa a ser titular dos seus direitos e obrigações contratuais, ou seja, o contrato não se extingue, não há a celebração de um novo contrato, há apenas a substituição de um dos sujeitos que irá ocupar o lugar de um dos contraentes

 

III-2-4 – Contrato de Locação Financeira

 

Por sua vez, o contrato de locação financeira encontra-se disciplinado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho (diploma com as seguintes alterações: DL n.º 265/97, de 02/10; Decl. Rect. N.º 17-B/97, de 31/10; DL 285/2001, de 03/11 e DL 30/2008, de 25/02), que estabelece logo no seu artigo 1.º a definição de locação financeira da seguinte forma;


Artigo 1.º (Noção)


Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

Por sua vez, o artigo 11.º deste diploma (na redação do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de outubro) permite a transmissão das posições jurídicas do locatário, desde que não haja oposição do locador.


Assim, o locatário (a parte que goza temporariamente do bem) pode ceder a sua posição contratual, ficando o adquirente ou cessionário com os direitos inerentes ao contrato (como a utilização do bem), e os deveres inerentes ao cumprimento do contrato (como o pagamento das rendas devidas até final do contrato de locação financeira).

 

 

III-2-5 - Da qualificação das operações para efeitos de IVA

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) em matéria de interpretação e integração de lacunas, o seguinte:

 

1 – Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de interpretação analógica.

 

Tendo em conta a questão sub judice - a isenção de IVA prevista para a locação financeira de imóveis – são, também, aplicáveis ao caso concreto as regras comunitárias de interpretação do IVA, em especial ao princípio da neutralidade que determina que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço comunitário.

 

Resulta da Jurisprudência comunitária que as normas de isenções concedidas às actividades económicas deverão ser interpretadas de forma estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos de 5 de Junho de 1997, SDC, C-2/95, Colect., p. I-3017, n.° 20, e Kügler, já referido, n.° 28). Todavia, a interpretação dos termos utilizados nesta disposição deve estar em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA

 

Mais tem sido entendido que quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, para determinar se essa operação dá lugar, para efeitos do IVA, a duas ou mais prestações distintas ou a uma prestação única (além da averiguação dos seus elementos característicos), há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, o seu objectivo económico e o interesse dos destinatários das prestações: Acórdão de 19 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, C-153/17, n.º 29;  Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, n.º 21;  Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ‘94, C 208/15, n.os 28 e 29; Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19);

 

Tendo em conta o exposto constata-se que, em face da matéria dada como provada se verificou a cessão da posição contratual, encontrando-se esse facto tributário – cessão da posição contratual – sujeito a IVA, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA.

 

Considerando a transmissão dos elementos essenciais do contrato-base, isto é, o contrato de locação financeira para a C..., que determina a modificação subjectiva do contrato, do qual a Requerente deixa de ser parte, o contrato de locação financeira entre a C... e o B... está isento de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA.

 

O contrato de sublocação celebrado entre a Requerente e a C... não comporta os direitos e obrigações do contrato de locação financeira celebrado entre a C... e a Requerente.

 

A promessa de venda do imóvel associado ao contrato de sublocação celebrado entre a C... e a Requerente não dispensa o locador-B... de autorizar o negócio, podendo ou não fazê-lo.

 

A utilização do imóvel pela Requerente resultante dos negócios celebrados não é correspondente à posição de locatária em contrato de locação financeira, uma vez que os direitos e obrigações desse negócio foram transmitidos para a C... .

 

A transmissão da posição contratual constitui, no contexto dos negócios realizados, um facto tributário próprio e independente sujeito a tributação, não sendo os negócios simultâneos realizados entre outras partes contratuais susceptível de conferir diferente substância económica à transmissão da posição contratual.

 

Na verdade, por força da transmissão da posição contratual para a C..., a Requerente desreconheceu o activo associado ao contrato de locação financeira transmitido, assim como as dívidas associadas ao mesmo, que passaram a ser da responsabilidade única da C... .

 

Não há, assim, qualquer dúvida nem tal é contestado nos autos de que se verificou a transmissão da posição contratual.

 

Apesar de simultaneamente à transmissão da posição contratual, a C... ter sublocado o imóvel, objecto de locação financeira, à Requerente, conferindo a esta a opção de compra do mesmo e vinculando-se a vender o imóvel à Requerente, no prazo de 3 anos, o negócio celebrado pela Requerente está para além de uma operação de locação financeira de imóvel, assenta em contratos independentes e com Partes diferentes. (v. acórdão de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, n.º 14; acórdão de 17 de janeiro de 2013, BG Leasing, C 224/11, n.º 29; e acórdão de 16 de abril de 2015, Wojskowa Agencja C 42/14, n.º 30 e jurisprudência referida).

 

Prevendo-se expressamente na Lei a transmissão das posições jurídicas do locatário, subsistindo integralmente o contrato de locação financeira, apenas ocupando o adquirente a mesma posição jurídica do antecessor, existe uma integral transmissão jurídica do contrato-base, no caso para a C... .

 

Mesmo que a tal cedência esteja associado um contrato autónomo de sublocação, a posição jurídica da Requerente no contrato de locação financeira foi efectivamente transmitida para a C..., verificando-se com a realização do negócio de cessão da posição contratual a verificação da incidência da operação a IVA, nos termos previstos no artigo 4.º, n.º .. do Código do IVA.

 

O contrato de cessão da posição contratual, para efeitos de IVA, configura um contrato de prestação de serviços, pois o cedente entrega o contrato-base, que correspondem à contraprestação da contrapartida recebida. – Vide Acórdão do TCA Norte. Proc. 860/122BEAVR.


Conforme refere Conceição Soares Fatela, nos “Cadernos IVA 2015”, os elementos componentes do contrato-base, para além de outros, serão tidos em consideração no valor do contrato de cessão da posição contratual, mas não podem ser tributados autonomamente, por não disporem de dependência económica ou jurídica.

 

Atentas as regras de interpretação nacionais e comunitárias em matéria de isenções fiscais e as características do negócio, o direito à isenção invocado pela Requerente não tem cabimento na base legal invocada, estritamente aplicável à locação financeira de imóveis.

 

Na verdade, estabelecendo no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA a isenção da locação de bens imóveis, e não tendo a Requerente celebrado um contrato de locação financeira, mas sim de sublocação, com direitos e deveres diferentes dos que resultam do contrato de locação financeira-base – não é tal isenção aplicável à cessão da posição contratual, no âmbito do negócio celebrado pela Requerente,


Em face do exposto, resulta então que a base tributável em sede de IVA deve corresponder ao valor do contrato de cessão da posição contratual, segundo o valor dado pelas partes, atendendo a que o mesmo não foi colocado em causa pela Inspeção Tributária.

 

Uma vez que o Tribunal, na formulação do juízo de legalidade dos actos sindicados tem que atender, sem mais, aos termos como eles ocorreram, apreciando essa legalidade em função da respectiva fundamentação contextual, improcede, pois, o pedido de anulação dos actos tributários identificados nos autos.

 

 

 

IV. Decisão

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral de anulação dos actos de liquidação de IVA n.º, n.º 2022..., de 3.11.2022  e n.º 2022..., referente ao período de tributação de 2018.

 

V. Valor da causa

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €612.688,59 (seiscentos e doze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos).

 

 

VI. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €9.180,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 26 de Setembro de 2023

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

_________________________________

 

Fernanda Maças (Árbitro Presidente)

 

 

 

_________________________________

Magda Feliciano

(Árbitra Adjunta e Relatora)

 

 

__________________________

Nuno M. Morujão

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

 

 

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)