Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2023-T
Data da decisão: 2023-09-21  IRS  
Valor do pedido: € 45.194,16
Tema: IRS – art.º 46.º, n.º 3 do Código do IRS; custos de construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 23 de maio de 2023, decide no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes

Requerentes: A..., com o número de identificação fiscal... e B..., com o número de identificação fiscal..., casados, ambos residentes em..., Reino Unido (doravante “Requerentes”), abrangidos pela área de competência do Serviço de Finanças de Loulé - ..., doravante designados por “Requerentes” e individualmente “Requerente A...” e “Requerente B...”,

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

Os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 13.03.2023, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 05.05.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 23.05.2023, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 12.07.2023, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, determinando-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentarem alegações escritas facultativas pelo prazo simultâneo de dez dias.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º
112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Pedido

Os Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), peticionando relativamente à Requerente A... a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2023 ..., no valor de € 21.183,11 e, por cautela, do ato tributário de liquidação n.º 2021..., no valor de € 45.194,16, ambos referentes ao período de tributação de 2020 e respetiva liquidação de juros compensatórios, e ainda a anulação da decisão parcial da reclamação graciosa com o n.º ...2022..., que teve por objeto o ato de liquidação anterior; e relativamente ao Requerente B..., a anulação do ato tributário de liquidação n.º 2023... no valor de € 24.677,93, e, por cautela, do ato tributário de liquidação n.º 2021..., no valor de € 52.693,96, e respetiva liquidação de juros compensatórios, ambos referentes ao período de tributação de 2020, e ainda a anulação da decisão parcial da reclamação graciosa com o n.º ...2022..., que teve por objeto o ato de liquidação anterior, bem como o reembolso do impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

  1. Causa de Pedir

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral por entenderem ter-lhes sido ilegalmente imputada a realização de mais-valias imobiliárias decorrentes da alienação de um imóvel no ano de 2020, os Requerentes alegaram com vista à declaração de anulação dos respetivos atos de liquidação de IRS, o seguinte:

Em 01.10.2003, os Requerentes adquiriram, em partes iguais, o talhão de terreno para construção urbana sito na freguesia de ..., concelho de Loulé, com o valor patrimonial de € 13.739,57.

O referido terreno foi adquirido pelo preço global de €128.700,00, tendo sido então liquidada e paga SISA no valor de € 8.365,50.

 

 

Aquando da celebração do contrato promessa, em 25.07.2003, os Requerentes haviam celebrado um contrato de empreitada para construção de uma moradia de tipologia T2 no referido lote de terreno, pelo valor de € 405.088,00, a qual foi executada na sequência da respetiva aquisição do lote de terreno.

Referem os Requerentes que foram ainda realizadas obras adicionais relativas à construção de uma cave, no montante de € 56.000,00, bem como obras relativas à substituição de azulejos, no montante de € 10.864,40.

No total, os custos relacionados com a aquisição do terreno e construção do imóvel ascenderam a € 600.652,40, totalmente pagos pelos Requerentes, respeitando o montante de € 405.088,00 ao referido contrato de empreitada, e € 66.864,40 a trabalhos extra de construção (ou seja,
€ 56.000,00 relativos à construção de uma cave e € 10.864,40 relativos à substituição de azulejos).

Em 04.07.2012, procedeu-se à entrega de Modelo 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), para atualização da respetiva matriz predial (artigo matricial provisório P...), tendo decorrido da avaliação o valor patrimonial tributário (VPT) de € 151.060,00.

Nos anos de 2016, 2017 e 2020 foram realizadas benfeitorias na referida moradia, no total de
€ 45.372,32.

Em 04.12.2020 os Requerentes procederam à venda do imóvel pelo preço total de € 550.000,00, tendo sido pagos € 21.285,00 à sociedade imobiliária que intermediou a venda.

Referem os Requerentes que à data da alienação os Requerentes, incluindo todo o ano de 2020, eram residentes no Reino Unido, não sendo, desta forma, residentes para efeitos fiscais em Portugal.

A 22.06.2021, os Requerentes submeteram as respetivas declarações periódicas de rendimentos modelo 3 de IRS, referentes ao ano de 2020, nas quais declararam a transmissão do imóvel (moradia), mencionando no respetivo quadro 4 do anexo G, na proporção da quota-parte de cada comproprietário. Desta forma, entenderam que o valor de aquisição corresponde a 50% do valor de aquisição do terreno acrescido dos custos de construção (correspondendo desta forma a € 300.326,20).

Na respetiva declaração de rendimentos da Requerente A... foi ainda inscrito como despesas e encargos o montante correspondente a 50% dos custos incorridos com a moradia, correspondendo desta forma a € 37.511,41.

Alegam os Requerentes que, através da análise das liquidações emitidas pela AT, foi possível concluir que não foram apurados valores tributáveis relativos à venda do imóvel, na medida em que, dos valores declarados, decorre o apuramento de menos valias.

Em 14.09.2021, os Requerentes foram notificados, na pessoa do seu representante fiscal, do início de procedimentos de inspeção tributária. Sobre o entendimento da AT, referem os Requerentes estar em causa a comprovação do valor da construção do imóvel, tendo sido considerado que, na medida em que o sujeito passivo não apresentou as faturas, referentes ao custo de construção do imóvel, o valor de aquisição do imóvel corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz no fim da construção na data de entrega da modelo 1 (14.05.2012). Ou seja, € 151.060,00, pelo que o valor de aquisição que o sujeito passivo deveria ter inscrito na declaração de rendimentos seria de € 75.530,00, referente a 50% do valor patrimonial do prédio.

Os Requerentes optaram por submeter o pedido de redução de coima e respetivas declarações de substituição, tendo a AT posteriormente emitido as liquidações de IRS no montante de
€ 45.194,16 com referência à Requerente A... e de € 52.693,96 com referência ao Requerente B..., por não terem sido consideradas as despesas de construção realizadas em 2003 e 2004, bem como de 2016, 2017 e 2020 no que respeita ao Requerente B... .

Referem os Requerentes que procederam ao pagamento das notas de cobrança emitidas, tendo sido apresentadas reclamações graciosas, sobre as quais incidiu despacho de deferimento parcial.

Ambas as decisões de deferimento parcial assentam no facto de a declaração de quitação apenas falar no recebimento do valor acordado no contrato de empreitada, sem que faça qualquer discriminação dos trabalhos executados, não permitindo por essa razão decidir quanto à elegibilidade dos respetivos custos. Argumentam ainda o facto de a firma responsável pela empreitada, não ter, relativamente aos anos de 2003 e 2004, feito constar o contribuinte, aqui reclamante, do anexo O – IVA – Mapa Recapitulativo de Clientes da Declaração Anual, por forma a comprovar os valores, datas, cheques e transferências que constam de um anexo de origem desconhecida que fez juntar à dua reclamação. Reconheceu então a AT que, ainda que a lei não o exija, será de todo prudente que os documentos comprovativos dos custos de construção sejam arquivados enquanto durar a posse do imóvel.

Assim sendo, tendo em conta o VPT de € 151 060,00 resultante da avaliação feita ao imóvel após a sua inscrição, e considerando o valor de aquisição do terreno para construção que consta da respetiva escritura, a saber € 128.700,00, sem que possam ser considerados os custos de construção, pelas razões acima apontadas, o valor a ter em conta como valor de aquisição será o maior dos valores, que, no caso em análise, será o VPT de € 151 060,00, na proporção de 50% (quota respeitante à contribuinte), ou seja, de € 75.530,00.”

No seguimento daquela decisão foram os Requerentes notificados das liquidações de IRS que aqui se contestam, respetivamente, no valor de € 21.183,11 com referência à Requerente A... e de € 24.677,93 com referência ao Requerente B... .

Os Requerentes alegam assim que não se conformam com o deferimento parcial das reclamações graciosas nem com as liquidações emitidas, o que fundamenta o presente pedido arbitral.

Em causa reside o disposto no artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, nos termos do qual “O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.”

Entendem os Requerentes que não existe qualquer exigência de comprovação de despesas através de fatura no Código do IRS, sendo claro que o legislador, no âmbito da reforma de 2014 do Código do IRC, aditou tal requisito apenas no âmbito da tributação das empresas.

Nestes termos, é claro para os Requerentes que os custos de construção por si suportados e comprovados pela declaração de quitação emitida pela C... se enquadram nestas disposições e interpretação.

Relembram que é absolutamente inequívoca a efetiva existência da construção da moradia no lote de terreno em causa, e que a construção da mesma foi realizada pelos Requerentes. Argumentam ainda que foi a própria AT que determinou o VPT da moradia, em € 151.060,00, após a submissão da Modelo 1 do IMI pelos sujeitos passivos.

Entendem ainda que a mera consulta do anexo O – IVA – Mapa Recapitulativo de Clientes da Declaração Anual, relativo aos anos de 2003 e 2004, da sociedade responsável pela empreitada, não corresponde, de forma alguma, ao cumprimento das diligências necessárias à descoberta da verdade material. Ao que acresce o entendimento de acordo com o qual a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando apenas um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação.

Em suma, salientam ser claro que os proprietários gastaram efetivamente na construção da moradia o montante de € 600.652,40, encontrando o respetivo suporte documental na declaração emitida pela construtora com quem foi celebrado o contrato de empreitada.

Acresce que, alguns dos factos em causa decorreram nos anos de 2003 e 2004, o que justifica que a construtora já não tenha em seu poder as faturas para fornecer à Requerente a fim de serem apresentadas nestes autos.

Relativamente ao caso em concreto do Requerente B... salientam a não aceitação da documentação existente para efeitos de consideração das despesas incorridas com a aquisição e alienação do imóvel, nem os encargos incorridos em 2016 e 2017.

Nesta senda, peticionam os Requerentes a anulação dos competentes atos tributários, alegando o respetivo direito à perceção de juros indemnizatórios.

 

  1. Em resposta ao requerimento apresentado a 29.06.2023 pela Requerida foi proferido despacho pela Árbitra aqui signatária, na mesma data, determinando-se a prorrogação pelo prazo de 5 dias, o prazo para apresentar a sua Resposta e junção do processo administrativo.
  2. Da resposta da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

Começa por identificar o objeto central do pedido dos Requerentes, referindo que a questão central do presente caso se refere à determinação da suficiência da prova documental que serve de suporte à pretendida liquidação de IRS.

Atentos os factos com interesse para a boa decisão da causa, e considerada a prova documental junta, entende a Requerida que houve uma indevida aplicação do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Relembra a Requerida que, nos termos da referida norma, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação.

Desta forma, para que tais gastos possam ser aceites e dedutíveis fiscalmente, os Requerentes têm de demostrar que aqueles materiais e mão-de-obra foram efetivamente utilizados em cada imóvel em causa e que suportaram os custos, juntando faturas/recibo comprovativas dos respetivos pagamentos, devendo as mesmas cumprir os requisitos cumulativos contidos no
art.º 36.º, n.º 5 do Código do IVA.

Salienta a Requerida que não se encontra em causa se foram efetuadas obras de beneficiação/reabilitação no imóvel alienado, mas sim a prova do custo das mesmas, o que os Requerentes não lograram comprovar, não tendo cumprido com o ónus da prova que sobre os mesmos recaí (art.º 74.º, n.º 1 da LGT).

No que concerne aos juros indemnizatórios, considera a Requerida que, atentos os elementos constantes dos autos, o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), verifica-se que não havendo lugar a qualquer anulação das liquidações ora em crise, dada a sua inteira legalidade, não assiste à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios a que se arrogou.

 

  1. Por despacho de 12.07.2023 proferido pela Árbitra aqui signatária, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 2 do RJAT, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime e o consequente prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentação de alegações escritas facultativas pelo prazo simultâneo de dez dias.

 

  1. Em resposta ao despacho de 12.07.2023 proferido pelo CAAD, a Requerente veio apresentar as suas alegações escritas no prazo concedido para o efeito, identificando os factos que considera relevantes e entende como provados.

Salienta que, ao contrário do afirmado pela Requerida, não podem existir dúvidas sobre o cumprimento dos requisitos para aplicação do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, bem como de que os proprietários gastaram efetivamente na construção da moradia o montante de €600.652,40. Os custos suportados pelos Requerentes encontram suporte documental na declaração emitida pela construtora com quem foi celebrado o contrato de empreitada, pelo documento relativo às formas de pagamento, bem assim como pelas faturas, extratos de conta corrente e orçamentos, como consta da matéria assente. Acresce que, alguns dos factos em causa decorreram nos anos de 2003 e 2004, o que justifica que a construtora já não tenha em seu poder as faturas para fornecer à Requerente a fim de serem apresentadas nestes autos. Conclui que, há uma realidade factual que é incontornável: a empresa construtora, emitiu uma declaração pormenorizada, com data de agosto de 2019, donde se extrai o valor final suportado com a construção, e, por fim, atesta que todos os valores foram pagos.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção.

Admite-se a cumulação de pedidos e a coligação de autores, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelos Requerentes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto

  1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos ao presente processo.

  1. Os Requerentes eram residentes para efeitos fiscais no Reino Unido no ano de 2020, conforme cópia da dos certificados de residência emitidos pela HMRC.
  2. Emissão de liquidação de IRS n.º 2021..., no montante de € 45.194,16, referente ao ano de 2020, relativamente à Requerente A... .

 

  1. A Requerente A... apresentou procedimento de reclamação graciosa relativamente ao ato de liquidação de IRS n.º 2021 ... (ano de 2020), sobre o qual foi proferido despacho de deferimento parcial, conforme documentação junta aos autos.

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Emissão de liquidação de IRS n.º 2023..., no montante de € 21.183,11, referente ao ano de 2020, relativamente à Requerente A... .

 

 

  1. Emissão de liquidação de IRS n.º 2021..., no montante de € 52.693,96, referente ao ano de 2020, relativamente ao Requerente B... .

 

  1. O Requerente B... apresentou procedimento de reclamação graciosa relativamente ao ato de liquidação de IRS n.º 2021...  (ano de 2020), sobre o qual foi proferido despacho de deferimento parcial, conforme documentação junta aos autos.

 

 

 

 

 

  1. Emissão de liquidação de IRS n.º 2023..., no montante de € 24.677,93, referente ao ano de 2020, relativamente ao Requerente B... .

 

 

  1. Compra do terreno pelos Requerentes pelo montante de €128.700,00, conforme cópia da escritura junta aos autos.

 

  1. Liquidação e pagamento do Imposto municipal de SISA no montante de €8.365,50, tendo por base o preço de €128.700, conforme cópia do termo de declaração junta aos autos.

 

 

 

  1. Os Requerentes lograram provar a celebração do contrato promessa de compra e venda e de construção com a Sociedade C... pelo montante de 406.088,00, não datado e não assinado.

 

 

 

  1. Inscrição predial para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), conforme cópia da matriz predial apresentada:

 

 

  • Os Requerentes assinaram um documento nominado como “Declaração de Quitação”, com data de 29 de agosto de 2019, conforme cópia junta aos autos.

 

 

  1. Celebração de contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, no qual os Requerentes procederam à venda da moradia identificada nos presentes autos (Lote/...), pelo montante de € 550.000,00.

 

 

  1. Factos não provados

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. Questões decidendas

Atenta as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:

  1. Da declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de referentes a 2020;
  2. Do direito a juros indemnizatórios.

 

 

IV. 2. Matéria de Direito

  1. Declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IRS referentes a 2020: valor dos custos de construção para efeitos do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS

A matéria central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral reconduz-se à validade e comprovação das despesas e encargos, conforme declarados pelos Requerentes para efeitos de determinação do valor de aquisição (artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS). Em síntese, a questão central prende-se com a determinação do valor de aquisição a considerar para efeitos de determinação do IRS a pagar pelos Requerentes e suficiência da prova documental que serve de suporte à comprovação dos custos de construção.

A matéria jurídica em questão foi já objeto de análise em várias decisões do CAAD, as quais naturalmente beneficiam o presente pedido de pronúncia pela exposição técnica aportada.

No que respeita ao respetivo enquadramento legal, refere-se o disposto nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS (redação em vigor à data - 2020), “1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; (…)”.

Sendo que “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (..)” [artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRS].

Para efeitos de determinação do valor de aquisição, refere o disposto no artigo 46.º do Código do IRS (Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis) que:

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2. Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3. O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

4. Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.os 1 e 2 deste artigo. (…)”.

Sendo de salientar para efeitos da controvérsia em análise nos presentes autos, a aplicação do n.º 3 acima transcrito (artigo 46.º), cabe ainda referir o disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) (Despesas e encargos) do Código do IRS, nos termos do qual “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; (…)”.

Atentos os factos com interesse para a boa decisão da causa, e considerada a prova documental junta, não permanecem dúvidas quanto à efetiva existência da construção da moradia no lote de terreno em causa, e que a construção da mesma foi realizada. 

A questão objeto de controvérsia reconduz-se assim à determinação do valor de aquisição, entendendo a Requerida ser de aplicar o VPT correspondente a € 151.060,00 por não ter sido junto suporte documental que permita concluir pela verificação do disposto no artigo 46.º,
n.º 3 do Código de IRS quando refere “acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”.

A este respeito, aproveita este Tribunal o entendimento proferido no Processo n.º 261/2019-T do CAAD quando explica que: “Interpretando esta norma o primeiro critério a ser utilizado é, segundo este nº. 3, o critério do custo real e só na falta ou impossibilidade de se determinar o custo da construção do prédio é que se deve adoptar o valor patrimonial inscrito na matriz. A teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização.” [nosso sublinhado]

Sobre a matéria em apreço, cabe aproveitar igualmente o entendimento proferido no Processo
n.º 416/2020-T: “O que a AT questiona é, outrossim, o valor probatório dos documentos apresentados, porquanto considera que os mesmos não constituem documentos legais suscetíveis de provarem inequivocamente as despesas suportadas. Na perspetiva da AT, apenas a Fatura, acompanhada do respetivo recibo de pagamento, poderiam ser aceites. Será assim?

21. É entendimento jurisprudencial dominante, nos nossos Tribunais superiores, bem assim como nos Tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, que cabe aos Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar e documentar as despesas e encargos em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal. Ao que acresce que a declaração de rendimentos, modelo 3, IRS do ano de 2018 apresentada pelos Requerentes beneficia da presunção de veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo também certo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º, no seu nº 2 e nas alíneas a) e b).

É, ainda, entendimento do nosso S.T.A. vertida, entre outros, no Acórdão de 9.9.2015, proferido no processo 028/15, que “tratando-se de gastos sem suporte documental externo compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal.”

Este entendimento é ainda corroborado pela consideração, vertida na mesma jurisprudência citada, de que em sede de IRS o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades legais exigidas para as faturas em sede de IVA.

 

 

Quer isto dizer que a prova dos custos suportados pode ser efetuada por qualquer meio ao alcance do sujeito passivo, incluindo a prova testemunhal. Ora, assim sendo, por maioria de razão, há que admitir a prova a partir de documentos, cheques, declaração de quitação ou outros, que não faturas ou faturas-recibo. [nosso sublinhado]

Sendo certo que este Tribunal reitera o entendimento acima exposto no que concerne ao recurso aos meios de prova admitidos, não decorrendo da letra da lei que apenas a fatura ou faturas-recibo são documentos idóneos como meio de prova dos custos de construção, importa atender à necessidade de comprovação de realização do custo na esfera dos Requerentes. O que aqui está verdadeiramente em causa, é averiguar se a prova documental apresentada pelos Requerentes, vista no seu todo, foi suficiente para provar o quantum desses custos de construção.

Refere-se no processo n.º 191/2021-T que, “Como é bom de ver, o que o Código do IRS exige é que os custos de construção sejam devidamente comprovados. Não há nenhuma remissão genérica para o Código do IVA nem, muito menos, especificamente dirigida às exigências formais das facturas impostas por esse diploma. Não havendo essa remissão, como não há, não se pode, pura e simplesmente laborar como se ela existisse. O que se exige, no Código do IRS, é que os custos de construção sejam comprovados de maneira a não oferecerem qualquer dúvida quanto ao facto de terem sido despendidos naquela edificação. [nosso sublinhado]

É neste contexto que se questiona a suficiência dos documentos apresentados, não tendo sido junto aos autos, nomeadamente, de comprovativos de pagamento à sociedade construtora da obra, o que difere da situação a que se refere o Processo acima citado (n.º 191/2021-T), no qual os Requerentes apresentaram diversos cheques emitidos ao empreiteiro. De igual modo, o recurso a prova testemunhal.

Sendo de considerar o teor do documento de quitação apresentado, não pode este Tribunal deixar de atender à natureza presuntiva do mesmo, conforme artigos 786.º e 787.º do Código Civil: “Importa ter presente que a regra geral nesta matéria é a de que o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta. Sendo certo que sobre esta temática, a jurisprudência tem sido unívoca na afirmação do seguinte entendimento: «1. A força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. 2. Ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.» Dito de outra forma: apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.” -Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado no Processo: 73700/20.YIPRT.C1- [nosso sublinhado].

No caso em análise, os Requerentes apresentam como único documento de prova no que respeita aos custos de construção (€ 405.088,00), a cópia do contrato promessa de compra e venda e de construção com a Sociedade C... (assinalando-se que consta o montante de 406.088,00), não assinado e não datado.

Não sendo controvertida a propriedade do imóvel, questiona-se apenas os encargos tidos com a construção (materiais e atividade da construção), neste caso, mediante pagamentos à Sociedade C... enquanto empresa responsável pela construção.

Para o efeito, e ao contrário de outras situações já analisadas pelo CAAD no âmbito das quais, se salienta a diferente prova apresentada, sem prejuízo da identidade/proximidade factual relativamente à que se discute nos presentes autos, é aqui apresentada uma declaração de quitação datada de 2019 e de um documento de trabalho interno com referência indicativa a diferentes fases de pagamento (registo de recebimento) e meios de pagamento efetuados pelos Requerentes, mas sem que qualquer outra evidência documental (ou mesmo mediante testemunho) seja apresentada.

 

 

Como bem se refere no processo n.º 578/2020-T com o qual a matéria em questão apresenta similitudes, foi determinante para o Tribunal a intervenção de uma instituição financeira, atendendo à execução de um contrato de empréstimo. Entendeu o Tribunal que “(…) a existência da consignação de um montante mutuado ao pagamento dos custos da construção [e] permitindo alguma quantificação destes custos, com segurança e aproximação à verdade material. Entende-se ser das regras da experiência comum que as instituições bancárias, em defesa dos seus interesses creditícios, fiscalizam as entregas de valores mutuados para construção de edificações, entregando-os apenas aos mutuários, com o desenvolvimento, vistoriado, das obras de construção.

Como igualmente se refere no processo n.º 191/2021-T a respeito das faturas apresentadas referentes à construção, sendo ali discutido se seria inequívoco o destino dos materiais e serviços cuja aquisição titulam, entendeu o Tribunal que: “Os documentos que titulam as despesas são meramente instrumentais. E a sua instrumentalidade cinge-se à demonstração de que as despesas que titulam dizem efectivamente respeito à construção em causa. Mesmo que na factura dos materiais de construção não se diga que eles se destinam a ser aplicados numa obra determinada numa precisa morada, é razoável admitir-se que a obra em causa precisou daqueles materiais. E se o sujeito passivo apresenta uma factura referente a materiais que sempre seriam precisos numa obra daquela natureza, e não se lhe conhecendo outra qualquer obra que tivesse estado simultaneamente a realizar, então, o mais certo, é que à dita obra respeite. Tanto mais que os Requerentes vieram, depois, apresentar declarações complementares de vários fornecedores, referindo-se à obra em questão.”

A respeito da norma legal em questão, não subsistem dúvidas de que o Código do IRS exige que os custos de construção sejam comprovados de forma a não oferecerem qualquer dúvida quanto ao facto de terem sido despendidos naquela edificação, constituindo um encargo para os sujeitos passivos em respeito pela respetiva capacidade contributiva. Nestes termos, e ao contrário da comprovação efetuada com respeito ao montante de € 66.864,40 referente a trabalhos extra de construção (ou seja, € 56.000,00 relativos à construção de uma cave e € 10.864,40 relativos à substituição de azulejos), os custos com a construção não possuem um suporte documental (ou outro) que assegure a este tribunal a firme convicção de que o referido montante foi totalmente despendido na obra/processo de construção daquela edificação
(€ 405.088,00 conforme indicam os Requerentes).

Com base na factualidade apresentada e à luz dos requisitos legalmente exigidos, com enfoque no artigo 46.º, n.º 3 do Código de IRS, entende este tribunal que não se mostram verificadas as exigências de comprovação respeitantes aos encargos com a construção do imóvel.

 

  1. Pedido de pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º,
n.º 1 da LGT.

Como resulta do exposto, foi julgado improcedente o pedido arbitral formulado de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS referentes ao ano de 2020 dos Requerentes e respetivas liquidações de juros compensatórios e, subsequentemente, da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa. Sendo assim, fica prejudicado o pedido de reembolso das quantias pagas a este título e correspondentes juros indemnizatórios. 

 

  1. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, tendente à anulação dos atos de liquidação de IRS identificados relativos ao ano de 2020 dos Requerentes, nos termos dos quais se apurou imposto a pagar no valor de € 45.194,16;
  2. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 45.194,16 (quarenta e cinco mil, cento e noventa e quatro e dezasseis cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2 142.00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo dos Requerentes.

 

Notifique-se.

Lisboa, 21 de setembro de 2023

 

A Árbitra do Tribunal Arbitral

 

Ana Rita Chacim