Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2013-T
Data da decisão: 2014-06-05  IRS  
Valor do pedido: € 13.874,37
Tema: IRS – Mútuo e adiantamento por conta de lucros, responsabilidade subsidiária
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 271/2013-T

Tema: IRS – Mútuo e adiantamento por conta de lucros, responsabilidade subsidiária

Requerente: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Rogério M. Fernandes Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de Janeiro de 2014 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 30 de Janeiro de 2014), acorda no seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A)    Relatório:

 

1.      A (doravante designado por “Requerente”), contribuinte fiscal n.º …, com domicílio fiscal na …, do concelho de …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 27 de Novembro de 2013, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 10 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

2.      O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:

(i)     a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2012 ..., referente ao exercício de 2008, no montante de € 13.874,37;

 

(ii)   condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento da dívida até à data da restituição das importâncias indevidamente pagas.

 

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida, em 30 de Janeiro de 2014.

 

4.      O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      Em 3 de Março de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

6.      Em 18 de Março de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT, foi realizada a primeira reunião arbitral, no CAAD.

 

7.      A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

(i)                 A liquidação adicional de IRS, referente ao exercício de 2008, no montante de € 13.874,37, resultou de uma correcção realizada pela Requerida, face à declaração de rendimentos obtidos naquele ano entregue, em 21 de Maio de 2009, juntamente com a Senhora B (cônjuge).

 

(ii)               O Requerente sustenta que beneficiou de um mútuo, no montante de
€ 30.000,00, prestado pela sociedade Y, contribuinte n.º …, com sede no distrito de ….

 

(iii)             O Requerente alegou, ainda em sede procedimental que, devolveu a quantia de € 15.177,73 à sociedade Y, Lda., na sequência do alegado mútuo de
€ 30.000,00.

 

(iv)             Relativamente ao facto de a Requerida ter considerado que estava em causa um adiantamento por conta de lucros, no que se refere ao montante de € 30.000,00, o Requerente alega que, ainda assim, só podia ser chamado como responsável subsidiário, caso o devedor originário, no âmbito de um processo de execução fiscal, não tivesse bens disponíveis.

 

(v)               Alega ainda o Requerente que, se se considerasse que recebeu lucros e adiantamentos por conta de lucros, ainda assim, neste caso, não tinha sido exercida a sua opção pelo englobamento.

 

(vi)             Com efeito, na sequência do não exercício desta faculdade, o Requerente alega que a Requerida o substituiu nessa opção, ainda que não estivesse mandatada para tal.

 

(vii)           Sustenta, também, o Requerente que, na correcção realizada à sua declaração de rendimentos, relativa a 2008, por parte da Requerida, foi efectuado o englobamento, como lucros (rendimentos de capitais), da totalidade do valor que a Requerida qualificou como adiantamento por conta de lucros, quando deveria, apenas, ter sido considerado 50% desse valor.

 

(viii)          Em suma, o Requerente pretende que a liquidação contestada seja anulada, com fundamento em erro sobre os pressupostos do direito de liquidação e, bem assim, que a Requerida seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento da dívida até à data da restituição das importâncias indevidamente pagas.

 

 

7.      A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:

 

(i)                 A declaração de rendimentos, referente ao exercício de 2008, entregue pelo Requerente, originou a liquidação n.º 2009..., datada de 31 de Agosto de 2009, que apurou imposto a pagar no montante de € 1.951,94, tendo em consideração um rendimento global no valor de € 136.282,50. 

 

(ii)               Tendo sido detectada a transferência bancária efectuada pela sociedade Y a favor do Requerente, a Requerida deu início ao procedimento de inspecção interna, com a Ordem de Serviço n.º..., na qual foi proposta uma correcção referente aos rendimentos incluídos pelo Requerente na Declaração Mod.3 de IRS, relativa a 2008, acrescendo o valor de € 30.000,00, relativo a rendimentos de capitais.

 

(iii)             Assim, foi emitida uma nova liquidação com o n.º 2012..., datada de 29 de Outubro de 2012, na qual se apurou um montante de imposto a pagar de € 14.201,94, acrescido juros compensatórios de € 1.624,37, tendo em consideração um rendimento global que ascendeu a € 166.282,50.

 

(iv)             O Requerente, administrador e accionista da sociedade X, contratou com a sociedade Y, a prestação de serviços de construção civil, no montante de € 66.000,00, em 2008, tendo esta realizado uma transferência bancária no valor de € 30.000,00 para a conta bancária do Requerente, em 2008, sem que para o efeito tenha procedido à competente retenção na fonte.

 

(v)               Refere, ainda, que o montante da transferência acima mencionado para se tratar de um mútuo carece de forma, invocando, assim, o artigo 1143.º do Código Civil, que exige que o mesmo seja celebrado por escritura pública e, por isso, alega que o Requerente não fez mais do que uma mera alegação, desprovida de qualquer conteúdo ou meio de prova.

 

(vi)             Por outro lado, não se encontrava relevado contabilisticamente qualquer empréstimo ao Requerente, de acordo com a informação prestada pela Direcção de Finanças de … e pela Direcção de Finanças de …, no âmbito de uma acção de inspecção efectuada à sociedade Y.

 

(vii)           Assim, entendeu a Requerida que, não tendo a sociedade Y – substituído tributário – retido na fonte o imposto devido aquando do pagamento do montante acima referido, deve o Requerente ser responsável, por via da substituição tributária, pela retenção na fonte daquele montante.

 

 

B) Saneador

 

8.      O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

9.      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

10.  Não se verificam nulidades, nem questões prévias, que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

11.  No âmbito da primeira reunião arbitral realizada, nos termos do artigo 18.º, do RJAT, em 31 de Março de 2014, foi realizado o depoimento de parte do Requerente.

 

12.  A produção do depoimento de parte do Requerente foi aceite, nos termos do princípio da descoberta da verdade material, previsto no artigo 13.º do CPPT, ex vi artigos 16.º, 19.º e 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

13.  Foram produzidas alegações orais pelos representantes da Requerente e Requerida e, bem assim, foram entregues, também, alegações escritas.

 

14.  A sociedade Y e a sociedade X foram notificadas para informar o Tribunal arbitral sobre a natureza e o fim do montante que foi transferido para o Requerente e, que ascendeu a € 30.000,00, objecto de análise do pedido de pronúncia arbitral.

 

15.  A sociedade X respondeu por carta registada com aviso de recepção, em 16 de Abril de 2014, referindo que, aquela empresa celebrou, em 6 de Junho de 2008, contrato de empreitada com a sociedade Z, tendo sido efectuado o pagamento de € 66.000,00, a título de comissão pela intermediação, à sociedade Y, em 24 de Abril de 2007.

 

16.  Não obstante, na medida em que a sociedade Z incumpriu o referido contrato (facto dado como provado no âmbito do processo n.º...) e que a Y assumiu esse cumprimento até € 125.000,00, a sociedade X manteve um crédito relativamente à Y, no referido valor, já que, até à daa, esta ultima sociedade não regularizou ainda essa dívida.

 

 

C) Objecto da pronúncia arbitral

 

17.  Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

(i)                 Deverá ser declarada anulada a liquidação adicional de IRS n.º 2012..., e bem assim, ser a Requerida condenada no reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios?

 

(ii)               Deverá o Requerente ser considerado responsável pelo imposto alegadamente devido, na medida em que este deveria ter sido retido na fonte pela entidade devedora?

 

 

D) Matéria de facto (Factos provados)

 

18.  Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

(i)                 Em 21 de Maio de 2009, o ora Requerente e a sua mulher entregaram a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2008, tendo esta originado a liquidação de IRS n.º 2009..., de 31 de Agosto de 2009, havendo imposto a pagar no valor de € 1.951,94.

 

(ii)               Através da ordem de serviço n.º OI..., foi determinado o procedimento interno de inspecção em sede de IRS e relativamente ao ano de 2008, com base numa informação remetida pela Direcção de Finanças de …, nos termos da qual, na sequência de uma inspecção à sociedade Y, foi detectada uma transferência bancária, em 4 de Julho de 2008, a favor do Requerente, no valor de € 30.000,00 (conforme ordem de transferência do banco …, em anexo ao Ofício n.º..., de 25 de Outubro de 2011, da Direcção de Finanças de …).

 

(iii)             Pelo Ofício n.º..., de 22 de Março de 2012, foi o ora Requerente notificado para prestar esclarecimento sobre a que titulo foi efectuada a referida transferência bancária.

 

(iv)             Nos termos do Ofício n.º..., de 10 de Agosto de 2012, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do …, foi o ora Requerente notificado do projecto de correcções do relatório de inspecção, para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre as correcções aos rendimentos declarados na declaração modelo 3 de 2008, acrescendo um valor de € 30.000,00.

 

(v)               Em 4 de Setembro de 2012, o Requerente exerceu o seu direito de audição, tendo esclarecido que os € 30.000,00 nada têm a ver com a relação comercial estabelecida entre a sociedade X e a sociedade Y e, bem assim, que a mesma provem de um contrato de mútuo, não reduzido a escrito, entre o próprio Requerente e a Y, tendo sido restituído o montante de € 15.177,73, em 18 de Maio de 2010, e prevendo-se a restituição do remanescente quando houver disponibilidade para tal, e tendo ainda anexado cópia do extracto da conta bancária da Y, de onde consta a creditação daquele valor.

 

(vi)             Por Despacho de 24 de Setembro de 2012, do Chefe da Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária de Direcção de Finanças do …, foi emitido o relatório final de conclusões do procedimento de inspecção em causa, mantendo-se as correcções propostas ao rendimento colectável de IRS de 2008 do ora Requerente, a enquadrar na categoria E (rendimentos de capitais).

 

(vii)           De acordo com o auto de notícia, de 17 de Setembro de 2012, foi instaurado nesta data, no Serviço de Finanças de …, o processo de contra-ordenação n.º..., por alegada violação do artigo 119.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, tendo o mesmo ficado suspenso, ao abrigo do disposto no artigo 55.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (cfr. Documento 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

(viii)         O Requerente foi notificado do acto de compensação n.º 2012..., decorrente do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2012... e, bem assim, do acto de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2012 ..., de onde resulta um valor a pagar de € 13.874,37, até ao dia 12 de Dezembro de 2012 (cfr. documento 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

(ix)             O Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o referido acto de liquidação de IRS, junto do Serviço de Finanças do …, cujo procedimento correu termos sob o n.º... (cfr. páginas 47 a 50 do processo administrativo junto à Resposta).

 

(x)               Pelo Ofício n.º…, de 21 de Março de 2013, foi o ora Requerente notificado para exercer o seu direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

(xi)             O ora Requerente exerceu o seu direito de audição, em 15 de Abril de 2013, tendo propugnado pela revogação do projecto de decisão e pela anulação do imposto liquidado adicionalmente.

 

(xii)           Por Despacho de 23 de Abril de 2013, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contencioso da Direcção de Finanças do …, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, tendo este sido notificado desse indeferimento, pelo Ofício n.º…, de 29 de Abril de 2013.

 

(xiii)         O Requerente apresentou, em 10 de Maio de 2013, na Direcção de Finanças do …, recurso hierárquico contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2012..., na sequência da notificação, pelo Ofício n.º..., do indeferimento do processo de reclamação graciosa n.º... (cfr. documento 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral e páginas 14 a 19 do processo administrativo junto à Resposta).

 

(xiv)         O Requerente foi notificado através do Ofício n.º..., de 18 de Dezembro de 2013, ou seja, já depois de apresentado o pedido de pronúncia arbitral pelo Requerente, pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, da decisão de provimento parcial do recurso hierárquico n.º ..., tendo determinado a aplicação da taxa liberatória de 20% sobre a importância alegadamente auferida pelo Requerente, a título de adiantamento por conta de lucros, passando a ser o imposto a pagar de € 6.000,00 (cfr. requerimento apresentado em 13 de Janeiro de 2014, e junto ao presente processo, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).

 

(xv)           Por carta de 16 de Abril de 2014, a sociedade X informou o tribunal de que celebrou, em 6 de Junho de 2008, contrato de empreitada com a sociedade Z, no qual interveio como intermediária/angariadora a sociedade Y, tendo esta recebido a título de comissão, em 24 de Abril de 2007, o montante de € 66.000,00. Mais informa aquela empresa que nos termos do acordo de intermediação, a Y garantiu o cumprimento do contrato de empreitada até ao valor de € 125.000,00.

 

(xvi)         Considerando que, conforme consta ainda da referida carta, a sociedade Z incumpriu o contrato, a X constituiu-se credora da Y, em € 125.000,00, não tendo até àquela data, sido liquidada a referida dívida. Não foi junto qualquer documento comprovativo dos factos alegados na carta enviada ao tribunal.

 

19. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

 

E) Do Direito

 

20.  Da apreciação da legalidade dos actos contestados e da condenação da Requerida no reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios:

 

(i)                 A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral tem em consideração a transferência bancária efectuada pela sociedade Y para o Requerente, no montante de € 30.000,00, nos termos da qual se pretende analisar se está em causa um mútuo ou um aditamento por conta de lucros e, consequentemente, saber se o Requerente estaria obrigado a efectuar a retenção na fonte, por ser considerado responsável subsidiário.

 

(ii)               Assim, cumpre desde já, determinar se o que está em causa é realmente um adiantamento por conta de lucros, como invoca a Requerida.

 

(iii)             A Requerida entendeu que a transferência efectuada pela sociedade Y para o Requerente, no montante de € 30.000,00, se tratou de um adiantamento por conta de lucros, na medida em que sabia da existência de uma dívida da sociedade Y para com a sociedade X, de que o Requerente era administrador.

 

(iv)             Não obstante, a Requerida qualifica a importância recebida pelo Requerente sem dispor de elementos, factuais e de direito, que alicercem as conclusões em que baseiam as correcções efectuadas ao rendimento auferido em 2008, pelo Requerente.

 

(v)               Com efeito, na resposta ao Recurso Hierárquico interposto pelo Requerente, a Requerida limitou-se a invocar como fundamento legal para a qualificação dos rendimentos em causa como “adiantamento por conta de lucros”, o artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS, nos termos do qual se dispõe que constituem rendimentos de capitais os “lucros das entidades sujeitas a IRC, colocados à disposição dos associados ou titulares”.

 

(vi)             Ora, como decorre dos autos, o Requerente não é sócio da Y, não participando, portanto, do respectivo capital social.

 

(vii)           Não se vê, por isso, como pode a quantia em causa de € 30.000,00 transferida para a conta bancária do Requerente, qualificar como “adiantamento por conta de lucros”, atenta a factualidade descrita.

 

(viii)         Com efeito, para que a quantia em causa pudesse ser imputada ao Requerente com base no normativo legal invocado pela Requerida, teria este de provar, o que não logrou fazer, que o Requerente era associado ou titular do capital da sociedade Y, conforme resulta do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária.

 

(ix)             Assim, o que efectivamente se verificou foi uma transferência do montante de € 30.000,00, efectuada pela sociedade Y ao Requerente, que é administrador e sócio de uma outra sociedade, a sociedade X e, bem assim, que em termos societários não havia qualquer relação entre o sócio Requerente e a sociedade Y, verificando-se apenas uma relação de prestação de serviços de construção civil, entre as empresas em causa.

 

(x)               Mais, a Requerida não logrou também provar se, no âmbito do procedimento de inspecção realizado à sociedade Y e à sociedade X, estava relevada contabilisticamente a transferência em causa.

 

(xi)             Pelo que, não pode também a Requerida sustentar que a transferência a favor do Requerente foi efectuada por contrapartida do pagamento da dívida que a sociedade Y mantinha para com a sociedade X. Note-se que, é a própria Administração tributária que considerou na Ordem de Serviço n.º... que, de acordo com o extracto de conta-corrente da sociedade X, se encontrava por saldar a referida dívida, de onde decorre que, efectivamente, – a assumir-se a credibilidade da contabilidade desta sociedade – que a Requerida nunca colocou em causa – a divida não foi regularizada – em virtude da transferência efectuada a favor do Requerente.

 

(xii)           Por outro lado, conforme decorre dos elementos contantes dos autos, foi, entretanto transferido o montante de € 15.177,73 pelo Requerente, à sociedade Y, em 21 de Maio de 2010, embora o Requerente também não tenha logrado provar a existência de um contrato de mútuo, resulta da prova produzida a fundada dúvida sobre a existência e qualificação do facto tributário (alegado pela Requerida), pelo que, nos termos do artigo 100.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve o acto impugnado ser anulado, escusando-se o tribunal a pronunciar sobre a questão da responsabilidade subsidiaria do Requerente, na medida em que esta fica prejudicada pela decisão quanto à (in)existência do facto tributário.

 

(xiii)         Neste sentido, veja-se a Decisão Arbitral n.º 20/2011-T, nos termos da qual “Como refere Jorge Lopes de Sousa (CPPT, Anotado, 3ª edição, Vislis, 2002), o nº1 do Art. 100º do CPPT estabelece “o princípio de que as dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário são valoradas a favor do contribuinte, conduzindo à anulação do acto impugnado”, sendo um corolário da “presunção de veracidade dos actos do cidadão-contribuinte” e que “consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no art. 74º, nº1 da LGT” (págs. 500 e 501, nota 2 ao art. 100º do CPPT).”

 

(xiv)         Conclui-se, assim que no caso em apreço não está em causa um adiantamento por conta de lucros de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS, pelo que a Requerida deve ser condenada na devolução do montante indevidamente pago pela Requerente, no valor de € 13.874,37, sendo que este mesmo montante já foi parcialmente anulado, de acordo com a decisão de (in)deferimento parcial do recurso hierárquico, proferida pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, determinando-se a inutilidade superveniente da lide quanto à parte deferida.

 

(xv)           Em face do exposto, a Requerente deve ser reembolsada do montante pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, na medida em que houve um erro imputável aos serviços.

F) Decisão:

 

Termos em que se decide julgar procedente o pedido do Requerente, na parte indeferida pela decisão de Recurso Hierárquico emitida entretanto por Ofício n.º..., de 18 de Dezembro de 2013, julgando-se pela inutilidade superveniente da lide na parte deferida pela referida decisão, consequentemente anulando a liquidação de imposto impugnada e determinando o reembolso da totalidade do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor.

 

*

 

Fixa-se o valor da acção em € 13.874,37 (treze mil e oitocentos e setenta e quatro euros, e trinta e sete cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos do disposto no artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

A redacção do acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, 5 de Junho de 2014

                       

O Árbitro

 


 

 

 

Rogério M. Fernandes Ferreira