Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 253/2013-T
Data da decisão: 2014-05-28  IRS  
Valor do pedido: € 10.815,49
Tema: IRS – Mudança de Regime de Tributação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de Janeiro de 2014, decide o seguinte

 

I - RELATÓRIO

 

1.      No dia 08 de Novembro de 2013 o Sr. A e a Sra. B, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 30 de Dezembro de 2013.

3.      Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 13 de Fevereiro de 2014.

5.      Em 24 de Fevereiro de 2014 os Requerentes responderam à excepção invocada pela AT.

6.      Em 20 de Março de 2014, teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

7.      Nessa reunião, e conforme consta da respectiva acta, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Requerente, tendo requerido a junção de um documento da autoria da Diretora de Serviços da AT.

8.      A Requerida não se opôs à junção do documento, tendo requerido um prazo de dez dias para se pronunciar.

9.      O Tribunal decidiu admitir a junção do documento e concedeu um prazo de dez dias para a AT se pronunciar.

10.  De seguida, os Requerentes requereram que as alegações de direito fossem realizadas por escrito, não se tendo a AT oposto.

11.  O Tribunal deferiu o requerido e notificou as partes para apresentarem alegações de direito por escrito.

12.  Em 09 de Abril de 2014 os Requerentes apresentaram as suas alegações de direito.

13.  Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2013 …, de 29/6/2013, relativa ao exercício de 2012, no valor global a pagar de € 10.815,49.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.      A AT enquadrou a Requerente mulher em sede de IRS no triénio 2012 a 2014 no regime simplificado de tributação.

2.       Esse enquadramento oficioso viola o disposto no art.º 28º, n.º1, n.º2, n.º3, n.º4, al. a), n.º5 e n.º10 do CIRS.

3.      A Requerente mulher deveria estar enquadrada no regime de contabilidade organizada.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. Por excepção, a AT alegou que os requerentes não invocaram qualquer vício imputável à liquidação.
  2. O vício invocado pelos Requerentes está a montante do acto de liquidação – enquadramento cadastral.
  3. Por conseguinte, esta questão não pode ser dirimida junto do Tribunal Arbitral, sendo este materialmente incompetente.
  4. Prossegue a AT alegando que, decorre, desde logo, do regime estabelecido no art. 28º do CIRS que o legislador apenas previu expressamente a cessação do regime simplificado, nada dizendo quanto ao regime de cessação do regime de contabilidade organizada.
  5. Atento, contudo, que o regime simplificado, abrange automaticamente os sujeitos passivos cujo volume de negócios é inferior a € 150.000,00, conclui a AT que o regime da contabilidade organizada também cessa quando esse limite não é atingido.
  6. Nada dispondo a lei quanto à cessação do regime da contabilidade organizada, conclui a AT que esta ocorre sempre que não estejam preenchidas as condições para a sua manutenção e isso acontece quando o sujeito passivo não atingiu o limite mínimo de volume de negócios estabelecido no nº 2 do art.º 28º do CIRS, independentemente de estar, ou não, em curso um triénio.
  7. Por fim, é alegado pela AT que o pedido não deve ser deferido na totalidade uma vez que os Requerentes apenas alegam vícios imputáveis a parte da liquidação (rendimentos da categoria B da Requerente mulher).

 

II. SANEAMENTO

 

É invocada uma excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral que cumpre apreciar previamente.

Alega a Requerida que os Requerentes não invocaram qualquer vício de que possa padecer a liquidação. No entender da AT o art.º 28º do CIRS não versa sobre as regras da liquidação. Está em causa um vício – enquadramento cadastral – a montante da liquidação. Assim, o Tribunal Arbitral não é materialmente competente para apreciar o vício a montante da liquidação.

 

Quid Juris?

Os Requerentes impugnaram expressamente a liquidação de IRS. Este é o acto sindicado. A competência material do Tribunal para apreciar a legalidade deste acto resulta expressamente do art.º 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro.

Quanto ao acto interlocutório (enquadramento cadastral) que ocorreu em data prévia à liquidação, o princípio da impugnação unitária (art.º 54º do CPPT) impõe que, caso padeça de algum vício, ele deva ser invocado aquando da impugnação da decisão final, ou seja, aquando da impugnação da liquidação. Qualquer ilegalidade anteriormente cometida pode ser invocada aquando da impugnação da decisão final. O acto interlocutório não é susceptível de impugnação autónoma até porque ele, em si mesmo, não é lesivo, ou seja não é susceptível de provocar efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte.

Conforme assevera Jorge Lopes de Sousa: “Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por esse acto e, por isso, em regra, será ele e apenas ele o acto lesivo e contenciosamente impugnável.” In CPPT Anotado, Áreas Editora, I Vol., 6º Edição, 2011, pág. 468

Em cumprimento do disposto no art.º 54º do CPPT, a ilegalidade do enquadramento cadastral só pode ser sindicada judicialmente em sede de impugnação da liquidação, tal como os Requerentes fizeram.

Face ao exposto, nos termos do art.º 2º, n.º1, al. a) do D.L. n.º10/2011 de 20 de Janeiro, o Tribunal conclui que é materialmente competente, improcedendo, portanto, a invocada excepção[1].

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se a AT pode alterar oficiosamente o regime de tributação do contribuinte enquadrado, por opção própria, no regime de contabilidade organizada antes de decorrido o período mínimo de permanência, em virtude de ter apresentado um rendimento anual ilíquido inferior a €150.000,00 no exercício anterior.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.      A Requerente mulher encontrou-se enquadrada, na categoria B de IRS, no regime geral de tributação – contabilidade organizada - no triénio 2008 -2010, com início em 1/1/2008.

2.       Em 2010, a Requerente mulher obteve rendimentos da categoria B, no valor de €190.209,89.

3.       Em 2011, a Requerente mulher obteve rendimentos da categoria B, no valor de €127.498,15.

4.       Em 12/3/2012, a Requerente mulher encontrava-se enquadrada pela AT, em sede de IRS, no regime da Contabilidade Organizada, desde 1/1/2011.

5.      Posteriormente a AT enquadrou a Requerente mulher em sede de IRS no triénio 2012-2014 no regime simplificado de tributação.

6.      Tal alteração nunca foi comunicada à Requerente.

7.      Os Requerentes lograram submeter a respectiva declaração modelo 3 de IRS de 2012, com a declaração dos rendimentos da categoria B da Requerente apurados com base na contabilidade, mas o sistema informático da AT não o permitiu.

8.      Pelo que, os Requerentes apresentaram a declaração de IRS de 2012, com a declaração dos rendimentos da categoria B da Requerente apurados com base no regime simplificado de tributação.

9.      A liquidação sub judice foi determinada com o apuramento do rendimento tributável da categoria B da Requerente, segundo as regras do regime simplificado de tributação.

10.  Os Requerentes procederam ao respectivo pagamento

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 10 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pelos Requerentes (docs. 1 a 2 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e documento junto em 20.03.2014).

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

A questão a decidir está relacionada com a interpretação do art.º 28º do CIRS, nomeadamente o período mínimo de permanência no regime de contabilidade organizada e as condições de cessão deste regime.

À data dos factos em análise, 2012, o art.º 28º do CIRS tinha a seguinte redação:

 

Artigo 28.º
Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos: 

a) Na declaração de início de actividade;

b) Até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

7 - Os valores de base necessários para o apuramento do rendimento tributável são passíveis de correcção pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos do artigo 39.º, aplicando-se o disposto no número anterior quando se verifiquem os pressupostos ali referidos.

8 - Se os rendimentos auferidos resultarem de serviços prestados a uma única entidade, excepto tratando-se de prestações de serviços efectuadas por um sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o sujeito passivo pode optar pela tributação de acordo com as regras estabelecidas para a categoria A, mantendo-se essa opção por um período de três anos.

9 - Sempre que da aplicação dos indicadores de base técnico-científica a que se refere o n.º 1 do artigo 31.º se determine um rendimento tributável superior ao que resulta dos coeficientes estabelecidos no n.º 2 do mesmo artigo, pode o sujeito passivo, no exercício da entrada em vigor daqueles indicadores, optar, no prazo e nos termos previstos na alínea b) do n.º 4, pelo regime de contabilidade organizada, ainda que não tenha decorrido o período mínimo de permanência no regime simplificado.

10 - No exercício de início de actividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de actividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o n.º 3.

11 - Se, tendo havido cessação de actividade, esta for reiniciada antes de 1 de Janeiro do ano seguinte àquele em que se tiverem completado 12 meses, contados da data da cessação, o regime de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais a aplicar é o que vigorava à data da cessação.

12 - O referido no número anterior não prejudica a possibilidade de a DGCI autorizar a alteração de regime, a requerimento dos sujeitos passivos, quando se verifique ter havido modificação substancial das condições do exercício da actividade.

13 - Exceptuam-se do disposto no n.º 11 as situações em que o reinício de actividade venha a ocorrer depois de terminado o período mínimo de permanência.

 

Os Requerentes impugnaram a liquidação do exercício de 2012 com fundamento em incorrecto enquadramento da contribuinte mulher no regime simplificado de tributação.

A contribuinte em 2008 optou pelo regime de contabilidade organizada. Nos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011 ela foi tributada em IRS pelo regime de contabilidade organizada.

 

Em 2011 a contribuinte declarou rendimentos da categoria B no valor de €127.498,15.

A AT alega que, tendo a contribuinte declarado um rendimento inferior a €150.000,00 em 2011, e não tendo feito a opção pelo regime de contabilidade organizada até Março de 2012, deve ser enquadrada no regime simplificado.

 

Face ao exposto, qual seria o regime de tributação em vigor para 2012? Tendo em conta o valor do rendimento da contribuinte de 2011, será que deveria, em Março de 2012, ter optado formalmente pelo regime de contabilidade organizada?

Nos termos do art.º 28º, n.º5 do CIRS o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes (simplificado ou com base na contabilidade) é de três anos, prorrogável por iguais períodos.

Em 2008 a contribuinte optou pelo regime de contabilidade organizada, mantendo-se nesse regime em 2009 e 2010.

Em 2011 iniciou-se um novo ciclo. No exercício de 2011 a contribuinte foi tributada de acordo com as regras da contabilidade organizada.

Contudo, no exercício de 2012 a AT enquadrou a contribuinte no regime simplificado, alegando que a contribuinte teve um rendimento inferior a €150.000,00 no exercício de 2011 e não optou pelo regime de contabilidade organizada.

Devemos ter presente que o regime simplificado é um regime supletivo, ou seja, os contribuintes por ele abrangidos podem optar pelo regime de contabilidade organizada (art.º 28º, n.º3 do CIRS).[2]

No caso em apreço, a contribuinte tomou opção pela contabilidade organizada em 2008.

A Lei n.º53-A/2006 de 29/12 alterou a redacção do n.º5 do art.º 28º e impôs a obrigatoriedade de permanência por um período minino de três anos em qualquer dos regimes. Esta alteração aplica-se ao caso em julgamento.

Assim, o primeiro ciclo de permanência de contabilidade organizada decorreu ao longo dos exercícios de 2008, 2009 e 2010. Não tendo a contribuinte optado por essa alteração, nos termos da parte final do art.º 28º, n.º5 do CIRS, é evidente que automaticamente se prorrogou, por igual período, o período de permanência da mesma no regime de contabilidade organizada por que esteve abrangida no triénio anterior. Em 2011 iniciou-se um novo ciclo de três anos no regime de contabilidade organizada, que se prolonga por 2012 e 2013.

Seguindo os ensinamentos do Prof. José Xavier de Bastos: “Com a nova redacção do n.º5 do art.º 28º e a consequente fixação do período de permanência em qualquer dos regimes, de três anos, fechou-se assim a uma fonte de dificuldades para os contribuintes que decidem optar pelo regime de contabilidade. Sabem agora que a opção é válida por três anos, prorrogáveis por iguais períodos e que só se pretenderem a alteração do seu regime (no caso, obviamente de preencher para tanto as condições) é que são obrigados a comunica-lo através de declaração de alterações.” In IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 181

Tendo a contribuinte auferido rendimentos inferiores €150.000,00 em 2011 será que lhe era exigido que comunicasse até Março de 2012 a opção pelo regime de contabilidade organizada?

As excepções que fazem cessar o período mínimo de três anos estão previstas no art. 28º, n.º6 do CIRS:

“A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.”

No caso da norma citada, o regime simplificado cessa e o contribuinte passa, no exercício seguinte, obrigatoriamente, independentemente de ter, ou não, decorrido o ciclo obrigatório de três anos, para o regime de contabilidade organizada.

Sucede que, o legislador não previu qualquer situação que faça cessar o regime de contabilidade organizada durante o ciclo de três anos. Não tendo o legislador previsto essa situação, não pode o intérprete entender que o regime cessa quando o contribuinte não tenha rendimentos superiores a €150.000,00 e não tenha feito a opção pela contabilidade organizada.

A interpretação da AT não tem qualquer correspondência com a letra da lei e por isso é contrária ao disposto no art.º 9º, n.º2 do CC, aplicável por remissão do art. 2º, al. d) da LGT.

Mais, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art.º 9º, n.º3 do CC). Não tendo o legislador previsto qualquer situação que faça cessar o regime de contabilidade organizada durante o ciclo de três anos, deve o intérprete concluir que a sua inexistência é a solução mais acertada.

Mesmo que se entenda que exista uma lacuna, que no entender deste Tribunal não existe, ela não seria susceptível de integração analógica por tal estar expressamente vedado pelo art.º 11º, n.º 4 da LGT.

 

Acresce que, aquando da primeira reunião do Tribunal Arbitral realizada em 20/03/2014 os Requerentes juntaram um email de 14.03.2014 da Director de Serviços da IRS, remetido para os serviços, com o seguinte conteúdo: “Tendo sido suscitadas dúvidas na interpretação do artigo 28º do código do IRS no que se refere aos sujeitos passivos que, tendo exercido opção pelo regime da contabilidade organizada, foram reenquadrados pelo serviços em regime diferente, foi, por despacho do substituto legal do Director Geral, de 2014.01.31, sancionado o entendimento, em síntese, de que uma vez efetuada a opção pelo regime de contabilidade organizada, essa opção é válida e mantém-se durante o triénio, sendo este prorrogável por iguais períodos, pelo que o sujeito passivo só terá de regressar ao regime simplificado pela sua própria iniciativa, nos termos do disposto no n.º5 do artigo 28º do Código do IRS, não relevando assim, para efeitos de enquadramento, as variações do montante ilíquido do rendimento da categoria B ocorridas.”

Junto este documento, a requerida optou por nada dizer. Ora, a orientação da Sra. Directora de Serviços vai de encontro à interpretação gizada por este Tribunal.

Destarte, o enquadramento da contribuinte B no regime simplificado no exercício de 2012 efectuado pela AT, com fundamento de que os seus rendimentos em 2011 foram inferiores a €150.000,00 e que ela não tomou a opção pela contabilidade organizada até Março de 2012 carece de fundamento legal[3]. A contribuinte está obrigatoriamente no regime de contabilidade organizada no triénio de 2011, 2012 e 2013.

A liquidação impugnada viola o disposto no art.º 28º, n.º5 do CIRS, devendo por isso ser anulada.

 

A AT, nos artigos 35º a 37º da sua resposta, sem conceder, alega que o pedido não deve ser deferido na totalidade uma vez que os Requerentes apenas alegam vícios imputáveis a parte da liquidação (rendimentos da categoria B da Requerente mulher).

É verdade que o acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.[4]A anulação parcial está admitida no art. 100º da LGT.

Sucede que, há casos em que a anulação parcial não é possível. No caso em apreço, a alteração da determinação do rendimento tributável e a possível alteração das taxas aplicáveis por efeito da alteração de escalões, implica necessariamente, uma nova liquidação.

Face ao exposto, a anulação parcial não é possível.[5] Deste modo, decide-se anular a liquidação na totalidade.

 

VI. SOBRE O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art.º43, nº1, da LGT, são os seguintes:


1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

 

A anulação da liquidação de IRS objecto do processo de impugnação apenso ficou a dever-se a uma incorrecta interpretação e aplicação da Lei. A incorrecta interpretação da Lei conduz à consequente anulação do consequente acto tributário que o tenha por base.

A incorrecta interpretação e aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foi efectuado o pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

VII. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a)      Julgar improcedente a arguida excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar procedente, por violação de lei, a presente impugnação, anulando-se a liquidação impugnada;

c)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento da liquidação até ao momento da restituição da quantia indevidamente liquidada e paga.

 

Fixa-se o valor do processo em €10.815,49 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 28 de Maio de 2014  

 

O árbitro

André Festas da Silva

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Neste sentido cfr. decisão arbitral proferida em 08.01.2012, proc. n.º97/2012 T.

[2] Cfr. Rui Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2ª Ed., 2008, pág. 94

[3] Neste sentido cfr. decisão arbitral proferida em 08.01.2012, proc. n.º97/2012 T.

[4] Neste sentido cfr. Acórdão do Pleno do STA da Secção do Contencioso Tributário, de 10/4/2013, Rec. nº 298/12.

[5] Neste sentido cfr. Ac. do STA de 10/10/2012, proc. n.º 533/12 e Ac. do STA de 27/11/2013, proc. 79/13.