Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 262/2013-T
Data da decisão: 2014-07-21  IRC  
Valor do pedido: € 108.125,04
Tema: IRC – Apuramento da matéria colectável sujeita a IRC, a imputar a cada exercício fiscal, à luz das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis ao sujeito passivo não residente com estabelecimento estável
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Juiz Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr António Rocha Mendes e Dr Armindo Fernandes Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-01-2014, acordam no seguinte:

 

I RELATÓRIO       

 

A…, SPA, NIF 9…, com sede na … Itália, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), formula pedido de pronúncia arbitral pedindo:

a) A anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa;

b) O deferimento da sobredita reclamação graciosa;

c) A anulação das liquidações de IRC dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios,

d) A condenação da AT ao pagamento da indemnização pela prestação indevida de garantia.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo aceite o encargo no prazo e demais termos legais.

 

Em 10-01-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27-01-2014.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 

Em 24-03-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que a requerente prescindiu da produção de prova testemunhal arrolada, tendo o Tribunal, com a concordância das partes, decidido que as alegações finais seriam produzidas por escrito.

Só a AT apresentou alegações[1], concluindo pela total improcedência do pedido.

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa.

 

III. FACTOS PROVADOS

 

Em causa está o apuramento da matéria colectável efectuada pela AT no âmbito das acções inspectivas externas efectuadas à Requerente, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativas aos exercícios de 2008 a 2010.

 

Não existe matéria de facto controvertida, sendo de considerar assente no probatório, atento o alegado pelas partes e a prova contida no processo administrativo, os factos que seguidamente se enunciam:

a) A Requerente, que é uma sociedade de direito italiano com sede e direcção efectiva nesse país, celebrou, no dia 19/01/2007, um contrato de empreitada com a sociedade de direito português B…, S.A. (B...), cuja execução se estendeu até ao exercício de 2011.

b) Durante o período de execução do contrato de empreitada, a Requerente manteve-se inscrita como sujeito passivo não residente sem estabelecimento estável, motivo pelo qual não entregou as declarações anuais (modelo 22) relativas a IRC relativa a esses exercícios.

c) A Requerente accionou a convenção para eliminar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Itália, entregando à B... os competentes certificados de residência fiscal, razão pela qual não foi efectuada qualquer retenção na fonte de IRC sobre os montantes pagos pela B... à Requerente.

d) O contrato de empreitada acima referido respeita ao fornecimento e instalação de equipamentos na fábrica da B..., no …, ascendendo o preço total do contrato inicialmente acordado ao montante de € 26.670.000,00.

e) Em 22/10/2009 as partes acordaram numa adenda ao contrato, nos termos da qual acordaram no seguinte: i) no pagamento de uma quantia adicional de € 1.170.000,00 relativa a equipamentos não incluídos no contrato inicial; ii) na obrigação de a Requerente pagar uma penalização por atrasos na execução da obra no valor de € 3.333.750,00; iii) e na obrigação da Requerente pagar uma compensação por defeitos da obra no montante de € 2.700.000,00.

f) Em Junho de 2010 a Requerente e a B... procederem à emissão dos seguintes documentos:

 

 

 

Emitente

Tipo doc.

Valor (sem IVA)

Requerente

Nota de crédito

2.700.000,00

Requerente

Factura

1.170.000,00

B...

Nota de débito

3.333.750,00

 

g) Para além das operações desenvolvidas no âmbito daquele contrato, a Requerente efectuou em 2009 uma prestação de serviços e uma transmissão de bens, conforme a seguir discriminado:

 

Documento

Tipo de operação

Valor

Factura emitida à Baptistas Reciclagem de Sucatas, S.A.

Venda de cabo eléctrico

6.660,00

Factura emtida à B...

Assistência técnica

9.880,60

Total

 

16.540,60

 

h) Os custos associados ao contrato, incorridos pela Requerente em cada exercício, e a percentagem do grau de acabamento calculada de acordo com o nº 4 do art. 19º do CIRC, foram os seguintes:

 

Exercício

Custos incorridos

Grau acabamento da obra

2007

210.620,96

0,77%

2008

25.969.831,94

94,48%

2009

1.126.106,54

4,10%

2010

176.231,07

0,64%

2011

4.815,50

0,01%

Total

27.487.606,01

100%

 

i) Em Outubro de 2012 a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária de …, de âmbito geral, aos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011.

j) No âmbito dessa acção inspectiva, a AT concluindo que a Requerente, por força da execução da referida empreitada, possuiu um estabelecimento estável em Portugal nos exercícios de 2008 a 2011, procedeu às correspondentes correcções técnicas à matéria colectável, apurando os valores a seguir discriminados:

 

Exercício

2008

2009

2010

2011

Lucro/prejuízo declarado

-

-

-

-

Lucro/prejuízo corrigido

332.935,97

30.977,40

- 6.031.490,70

61,74

Matéria colectável

332.935,97

30.977,40

0,00

0,00

 

k) A Requerente concorda com a existência de um estabelecimento estável em Portugal e com o método de periodização do lucro tributável imputável ao referido estabelecimento estável. i.e. o método da percentagem de acabamento (nos termos do disposto no nº 1 e nº 2 do art. 19º do CIRC). A Requerente e a Requerida não divergem, tão-pouco, quanto ao valor dos réditos e dos gastos considerados para efeitos de apuramento do rendimento colectável.

l) A Requerente não concorda, contudo, com a forma de apuramento do rendimento tributável subjacente às correcções técnicas à matéria colectável realizadas pela AT, entendendo que o método de imputação de rendimento a cada exercício fiscal não foi correctamente aplicável, à luz das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis.

m) Por este motivo, a Requerente apresentou, no dia 30/04/2013, Reclamação Graciosa, a qual se considerou tacitamente indeferida, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.

n) A Requerente, a fim de suspender os processos de execução fiscal n. … 2013 …, relativo ao IRC de 2008, e n. … 2013 …, relativo ao IRC de 2009, prestou garantias bancárias para o valor global de € 137.833,62.

 

 

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

 

O DIREITO

Questão decidenda

 

A questão decidenda consiste meramente numa questão de direito, mais concretamente em determinar a forma de apuramento da matéria colectável sujeita a IRC, a imputar a cada exercício fiscal, à luz das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis ao sujeito passivo (não residente com estabelecimento estável).

 

Considerando que a actividade exercida pela Requerente respeita a uma obra de caracter plurianual, o apuramento da matéria tributável segue as regras estabelecidas no artigo 18.º e no artigo 19.º, do CIRC.

 

Nos termos destes artigos, a imputação a cada exercício dos resultados da execução de contratos de construção plurianuais é efectuada mediante o critério da percentagem de acabamento, que consiste na inclusão no lucro tributável do valor total do contrato na proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato.

 

A Requerente e a Requerida estão de acordo quanto à aplicação do critério da percentagem de acabamento da obra, quanto à proporção de acabamento a considerar no final de cada período de tributação, quanto aos gastos estimados para a conclusão da obra e quanto às perdas sofridas pela Requerente na referida obra[2].

 

As partes discordam apenas quanto ao preço total do contrato, valor que, como vimos, serve de base para o cálculo da matéria colectável imputável a cada exercício económico.

 

A Requerente entende que esse valor corresponde:

  • Nos exercícios de 2007 e 2008, ao montante € 26.670.000,00, i.e., o preço inicialmente acordado entre a Requerente e a B...; e
  • Nos exercícios de 2009 a 2011, ao montante de € 21.806.250,00, i.e., o preço que resulta dos seguintes ajustamentos realizados em 2009:
    • Um acréscimo de valor ao contrato, relativo ao fornecimento de equipamentos adicionais, no montante de € 1.170.000; e
    • Uma redução do valor do contrato, relativa às importâncias de € 3.333.750,00 e de € 2.700.000,00, resultantes da penalização e da compensação por defeitos e atrasos na execução da obra, num total de € 6.033.750,00.

A AT discorda da tese propugnada pela Requerente, tanto no que se refere ao valor inicialmente apurado a título de proveitos do contrato, como no que se refere ao desdobramento do referido montante (i.e. considerar montantes distintos antes e após a adenda de 2009).

 

A AT entende que o valor correcto de proveitos do contrato é o montante de € 27.840.000,00.

 

Este montante corresponde ao preço inicialmente acordado de € 26.670.000,00 acrescido do valor dos equipamentos adicionais, cujo fornecimento foi acordado na adenda ao contrato, no montante de € 1.170.000,00.

 

Ou seja, a AT entende que não são dedutíveis ao valor dos proveitos do contrato o montante de € 6.033.750,00 resultante da penalização e da compensação por defeitos e atrasos na execução da obra, argumentando que estes são custos extraordinários que não afectam o valor do contrato.

 

Com base nas teses sustentadas pelas partes, o preço do contrato seria:

 

 

Exercício

Preço do contrato segundo a Requerida

Preço do contrato segundo a Requerente

2007

27.840.000,00

26.670.000,00

2008

27.840.000,00

26.670.000,00

2009

27.840.000,00

21.806.250,00

2010

27.840.000,00

21.806.250,00

2011

27.840.000,00

21.806.250,00

 

Com base nestes valores, a matéria colectável relativamente a cada exercício seria:

Segundo a Requerente:

Exercício

Prejuízo do contrato, cfm. Reqte

2007

- 5.261,96

2008

- 772.015,94

2009

- 4.864.772,17

2010

- 36.671,07

2011

- 2.634,88

 

Segundo a Requerida:

 

 

Lucro/prej

do contrato

Proveitos extraord.

Custos

Extraord.

Matéria colectável

(IRC)

2007

 

 

 

 

2008

332.935,97

 

 

332.935,97

2009

14.436,80

16.540,60

 

30.977,40

2010

2.259,30

 

6.033.750,00

-

2011

61,74

 

 

-

Total

 

 

 

 

 

 

 

Divergência quanto ao valor de proveitos do contrato

 

Como vimos, a aplicabilidade do método contabilístico da percentagem de acabamento aos contratos de construção está prevista, para efeitos fiscais, no artigo 19.º do CIRC. Este artigo, tanto na sua redacção actual como na redacção em vigor até à Reforma do IRC de 2014, não contém qualquer regra relativa à forma de cálculo do preço do contrato. Assim sendo, nos termos do artigo 17.º do CIRC, valem para efeito de apuramento dos proveitos tributáveis as regras contabilísticas em vigor, em particular a Directriz Contabilistica n.º 3, até ao exercício de 2009, e a NCRF 19, nos exercícios subsequentes (cfr. parágrafo 42 da NCRF[3] 19).

 

Nos termos de ambas as normas contabilísticas, no método de percentagem de acabamento, o rédito e os custos associados ao contrato de construção devem ser reconhecidos como rédito e gastos, respectivamente, com referência à fase de acabamento da actividade do contrato à data do balanço (cfr. parágrafo 22 NCRF 19).

 

Para esses efeitos, nos termos dos parágrafos 11 e 12 da NCRF 19[4], o rédito do contrato é mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber e deve compreender: a quantia inicial de rédito acordada no contrato; e as variações no trabalho, reclamações e pagamentos de incentivos do contrato.

 

Por se tratar de contratos que se desenvolvem em vários exercícios, o rédito do contrato tem que ser apurado com base em estimativas, que, naturalmente, podem ser afectadas por uma variedade de incertezas e que dependem do desfecho de acontecimentos futuros.

Essas estimativas necessitam muitas vezes de ser revistas à medida que os acontecimentos ocorram e as incertezas se resolvam. Por isso, a normativa contabilística admite que o valor do contrato possa variar entre períodos, indicando-se expressamente na NCRF 19 expressamente as seguintes situações em que tal pode ocorrer:

  • Uma entidade contratada e um cliente podem acordar variações ou reivindicações que aumentem ou diminuam o rédito do contrato num período subsequente àquele em que o contrato foi inicialmente acordado;
  • A quantia de rédito do contrato pode diminuir como consequência de penalidades provenientes de atrasos causados pela entidade contratada na conclusão do contrato.

Quando assim seja, as estimativas alteradas devem ser usadas na determinação da quantia de rédito e de gastos reconhecidos na demonstração dos resultados no período em que a alteração seja feita e nos períodos subsequentes (cfr. parágrafo 38 da NCRF 19).

 

Ora, no caso em apreço, após a adenda ao contrato acordada em 2009, a estimativa do valor do contrato deveria ser ajustada, em conformidade com a normativa contabilística, através do acréscimo do valor de trabalhos suplementares e da dedução do valor das penalidades por atrasos (cfr. os parágrafos 11 e 12 da NCRF 19).

 

Note-se, porém, que a Requerente não preparou a sua contabilidade de acordo com a normativa contabilística portuguesa nem entregou declarações de rendimentos nos períodos em apreço.

 

A questão do reconhecimento do valor do contrato surge apenas em 2012, em sede de liquidação de imposto realizada pela Requerida, e da respectiva reclamação pela Requerente.

 

Nesta altura já o contrato de construção estava terminado, sendo conhecidos os valores exactos dos gastos suportados e dos réditos totais, razão pela qual não se justifica realizar o cálculo e a imputação dos rendimentos desse contrato com base em estimativas que se sabem ser incorrectas.

 

É que, a necessidade de utilização de estimativas na mensuração dos resultados do contrato configura uma importante limitação na apresentação da informação financeira. A utilização do método da percentagem de acabamento origina distorções significativas nos resultados apurados em cada exercício, sempre que as estimativas de custos a incorrer não se venham a revelar correctas.

 

Por essa razão, apenas são aceites como método de periodização do lucro tributável quando sejam reputadas como fiáveis, sendo nos demais casos aplicados métodos alternativos, nomeadamente o método do lucro zero previsto nas normas contabilísticas e admitido, para efeitos fiscais, pelo n.º 3 do artigo 19.º do CIRC.

 

Assim sendo, estando as partes à data da liquidação e da contestação na posse de todos os valores definitivos em relação ao contrato em apreço, não se justifica o recurso às estimativas que teriam sido realizadas nesses exercícios (com base na informação então disponível), uma vez que essas estimativas, sabemos agora de forma segura, são incorrectas para o apuramento e periodização do lucro tributável da Requerente.  

 

Assim sendo, o valor do contrato a utilizar para efeitos de apuramento dos respectivos proveitos, através da aplicação do método da percentagem de acabamento, deverá ser corresponder ao montante de € 21.606.250,00.

 

Resultando na seguinte imputação do prejuízo global do contrato:

 

 

 

 

 

Custos incorridos no contrato

% de Acabamento

Preço do contrato

Proveitos do contrato

Resultado negativo do período

Matéria coletável período (IRC)

2007

210.620,96

0,77

21.806.250,00

167.908,13

-42.712,83

0,00

2008

25.969.831,94

94,48

21.606.250,00

20.602.545,00

-5.367.286,94

0,00

2009

1.126.106,54

4,1

21.806.250,00

894.056,25

-232.050,29

0,00

2010

176.231,07

0,64

21.806.250,00

139.560,00

-36.671,07

0,00

2011

4.815,50

0,01

21.806.250,00

2.180,62

-2.634,88

0,00

Total

27.487.606,01

100

21.806.250,00

21.806.250,00

5.681356,01

0,00

 

Por este motivo, aceita-se a posição da Requerente, que não se conforma com o cálculo da matéria colectável imputada ao estabelecimento estável nos anos de 2008 a 2010.

 

Da indemnização em caso de garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização pelas garantias indevidas que prestou, no valor global de € 137.833,62.

 

Por força do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, estabelece o artigo 171.º do CPPT, que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Naturalmente que nos prejuízos a que alude o nº 1 do citado artigo 53º estão englobados não só os prémios e outras despesas pagos ao Banco pela prestação da garantia como qualquer outro lucro cessante ou dano emergente. Tudo porém limitado nos termos estabelecidos pelo nº 3, do artigo 53º, da LGT.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros do acto de liquidação de IRC são imputáveis à AT, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

 

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

 

 

V. DECISÂO

 

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido de anulação do indeferimento tácito e o pedido de deferimento da Reclamação Graciosa, anulando-se em conformidade as liquidações de IRC dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios.

 

Condena-se ainda a AT ao pagamento da indemnização pela prestação indevida de garantia a liquidar em execução de julgado uma vez que do processo não resultam elementos para a liquidação da indemnização. 

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC e n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 108.125,04

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixo o montante das custas em € 3.060 (TRÊS MIL E SESSENTA EUROS), calculadas em conformidade com a Tabela I do RCPAT em função do valor do pedido, a cargo da requerente.

  • Notifique-se

Lisboa, 21-7-2014

Os árbitros,

 

 

José Poças Falcão

 

 

António Rocha Mendes

 

 

Armindo Fernandes Costa



[1] A Requerente apresentou, no respetivo prazo, alegações mas não respeitantes ao presente processo [eram relativas ao processo nº 59/2013-T) e que, por isso, não foram consideradas [cfr despacho de 24-4-2014].

[2] No final da execução do contrato, a diferença entre gastos incorridos - no montante de € 27.487.606,01 - e os proveitos obtidos - no montante de € 21.806.250,00 - originam um prejuízo no montante de € 5.681.356,01.

[3] Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 11 - Contratos de Construção, adotada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.

Sempre que na presente norma existam remissões para as normas internacionais de contabilidade, entende-se que estas se referem às adotadas pela União Europeia, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Julho e, em conformidade com o texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.

 

[4] O Plano Oficial de Contabilidade e a DC 3 eram omissos quanto aos elementos que deviam ser aceites como réditos do contrato.