Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 74/2014-T
Data da decisão: 2014-10-01  IRC  
Valor do pedido: € 72.778,95
Tema: Custos dedutíveis; Benefício fiscal à criação de emprego
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Acórdão Arbitral

 

I. RELATÓRIO

I.1. Em 30 de Janeiro de 2014, A..., S.A., pessoa colectiva com o n.º ..., com sede na Rua …, Alpiarça (de ora em diante a “Requerente” ou “A...”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em conjugação com os artigo 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, em 3 de Fevereiro de 2014, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”).

I.3. A Requerente não procedeu à designação de árbitro. Assim, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferida ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 11.º, ambos do RJAT, os signatários foram designados como árbitros para integrar o presente tribunal arbitral colectivo, tendo comunicado a aceitação no prazo legal.   

I.4. O Tribunal ficou constituído em 3 de Abril de 2014, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que se encontra junta aos autos.

I.5. A Requerente pede a declaração de ilegalidade parcial, e consequente anulação parcial, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2013 ..., relativa ao exercício de 2009, na parte em que a mesma reflecte as correcções à matéria colectável, no montante total de € 460.045,74, efectuadas pela inspecção tributária da Direcção de Finanças de …, pedindo igualmente a devolução do imposto correspondente e juros compensatórios, no montante global de € 116.371,53, acrescido de juros indemnizatórios.

I.6. Notificada para o efeito, ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

 

I.7. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

A ora impugnante foi sujeita a diversas inspecções tributárias por virtude de ter requerido a devolução do pagamento especial por conta (PEC) dos anos de 2005 a 2008.

 Posteriormente, foi sujeita a uma inspecção levada a cabo pela Direção de Finanças de …, entre 22.03.2013 e 28.06.2013, visando o IRC de 2009 e culminando com a liquidação adicional supra referida que parcialmente ora se impugna.

As correcções que a AT entendeu por bem efetuar foram, entre outras, dos seguintes montantes e reportaram-se aos seguintes factos (na parte relevante para o presente processo de impugnação):

  • Encargos não aceites fiscalmente referentes a trabalhos especializados, facturados pela empresa B... à A..., no quantitativo de €197.188,00;
  • Encargos não aceites fiscalmente referentes a publicidade, facturados pela C... à A..., no montante de 88.840,00€;
  • Dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de emprego para jovens, no montante de €7.790,62.

Das correcções efetuadas, a ora impugnante contesta integralmente as duas primeiras (encargos não aceites fiscalmente e facturados pela B... à A... e despesas de publicidade facturadas pela C... à A...) e parcialmente as deduções por benefício fiscal por criação de emprego.

A ora impugnante é uma empresa cujo objecto é a produção, o tratamento, a conservação e a comercialização de produtos alimentares, cujo capital social é de 10.500.000,00€ e em que os detentores do respetivo capital são maioritariamente duas empresas belgas, com uma percentagem de 49,982% cada uma, a saber a B... N.V. e a C... N.V.

Os restantes 0,037% do capital social são detidos pela própria A..., empresa que se dedica a produzir e a comercializar produtos agrícolas, sendo que uma parte significativa dos mesmos se destinam a ser vendidos às casas-mãe que, por seu turno, os vendem aos respectivos clientes.

As vendas contabilisticamente relevadas pela A..., no ano de 2009, foram de 36% para a B... e de 25% para a C..., tendo a facturação da A... que se realizou no mercado nacional rondado os 39% do total.

Ou seja, como é próprio de uma empresa que se insere num grupo multinacional, uma parte significativa da sua laboração tem como destinatários finais as suas casas-mãe que, por seu turno, comercializam os produtos e, em contrapartida, prestam um conjunto significativo de apoios e de serviços transversais à sua afiliada portuguesa, a ora impugnante, em áreas tão distintas, como a gestão de parte das compras e vendas, marketing, gestão financeira, investimento, recursos humanos afetos a tarefas de interesse comum, gestão de qualidade dos produtos, entre vários outros.

O valor das prestações de serviços postos em dúvida pela AT ascende a cerca de 286 mil euros, pouco mais de 2% do total da faturação da A... destinada às suas acionistas em referência, o que, convenhamos, é um valor manifestamente irrisório.

A AT viu-se perante diversas prestações de serviços vertidas num conjunto de facturas, passadas, no caso sub judice, pela B... à A..., concretamente com os números ..., de 31.3.2009; ..., de 17.6.2009; ..., de 17.6.2009; …, de 30.9.2009 e …, de 10.12.2009, totalizando um valor de 197.188,00€, facturas essas que descrevem sumariamente os serviços prestados (Doc.3).

Nelas se discriminam as grandes rubricas correspondentes aos serviços prestados, designadamente, custos gerais, gestão de compras, gestão da produção, marketing, gestão da cadeia de fornecedores, gestão de tecnologias de informação, gestão financeira, gestão de projetos de investimento, gestão de recursos humanos e gestão da qualidade, com a quantificação dos gastos incorridos.

Todavia, face a este conjunto de faturas, a AT fundamentou que não poderia considerar como custo tais faturas, por considerar que a A... não havia demonstrado a efetiva existência dos serviços que nelas constavam.

Assim, segundo a mesma AT, não foi possível aferir da indispensabilidade dos custos incorridos para efeitos do artigo 23.º do CIRC

No entender da AT a resposta dada pela A... no âmbito das fiscalizações aos exercícios de 2005 a 2008 não a satisfez porquanto a A... “descreve sumária e genericamente em que consistem os itens das prestações de serviços mencionadas nas facturas e identifica a percentagem dos custos a repartir em cada uma das prestações de serviços a distribuir pelas entidades do grupo”.

Invoca, ainda, a AT o argumento de que, como a entidade que prestou os serviços em causa é não residente, sem estabelecimento estável no território nacional, não lhe é possível recolher junto dessa entidade informação relativa às ditas prestações de serviços.

Quanto às despesas de publicidade facturadas pela C... à A..., a AT faz um raciocínio similar às despesas faturadas pela B....

Começa a AT por mencionar que “não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos da publicidade efectuada pela NV C... à A..., nomeadamente provas das participações nas feiras identificadas no contrato, dos anúncios publicados nas revistas especializadas, dos folhetos publicitários ou de outras acções de cariz publicitário”.

Na óptica da AT, “não é possível confirmar da indispensabilidade dos encargos de publicidade registados neste exercício, nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC”.

E, uma vez mais, a AT invoca o facto de a prestadora ser não residente em Portugal para não poder confirmar os serviços prestados.

Das restantes correcções efectuadas pela AT, importa ainda relevar a que se refere à desconsideração da dedução de €1.575 relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no tocante a D....

A AT não considerou a dedução daquele montante pela criação líquida de emprego relativamente aquela funcionária, alegando que a mesma era esposa de um administrador da A... (pgs. 20 e 33 do relatório) e, nessa medida, não poder ser considerada como custo ao abrigo do artigo 19º, nº 4, do EBF.

Os elementos relativos às prestações de serviços, bem como o racional da determinação do seu montante, foram solicitados no âmbito de inspeções aos anos de 2005 a 2008 sendo que, tendo a AT considerado a resposta da A... insatisfatória no que se refere a esses anos, presumiu que a resposta seria a mesma para 2009, já que se limitou a perguntar à ora impugnante se as prestações de serviços deste ano haviam sido efetuadas ao abrigo do mesmo contrato de prestação de serviços existente.

Como a resposta da A... à pergunta formulada, fosse afirmativa, isso bastou para que a AT considerasse, sem mais, válidas todas as observações e comentários relativos aos anos anteriores como sendo apropriados para 2009, servindo os mesmos de fundamentação para as correções efetuadas neste ano no âmbito do relatório de inspeção.

Isto só por si, faz com que o acto de fundamentação da liquidação adicional de IRC de 2009, nesta parte, deva considerar-se inválido por manifesta  falta de fundamentação, pelo que deverá, consequentemente, ser anulado.

Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que as prestações de serviços existiram e têm diretamente a ver com a atividade produtiva da A... e respetivos proveitos, pelo que devem, naturalmente, ser considerados custos desta ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

O capital social da requerente é quase completamente detido por dois grandes grupos multinacionais belgas, os já referidos C... e B....

Esta última, é quem detém o know how ao nível das produções industriais, constituindo todo o suporte operacional das suas unidades espalhadas pela Europa, através de uma estrutura central, designada por B... (B...), que fornece o conhecimento e assistência técnicas, formação, merchandising e assumiu também as ações de vendas nos mercados internacionais.

Com vista a coordenar as ações de interesse comum é na B... que reúnem os administradores delegados das várias unidades produtivas para definirem as estratégias de mercado, elaborarem os orçamentos anuais e para analisarem as performances das diferentes unidades produtivas.

 O valor orçamentado pela B... é repartido pelas 18 unidades produtivas em função da ocupação de gastos previstos para os vários items.

 Por outro lado, depois de determinado o orçamento pela B..., a C... responsabiliza-se por metade dos custos relativos à comercialização internacional, repartindo também ela esses custos pelas unidades produtivas instaladas nos vários países europeus.

Como lapidarmente resulta dos esclarecimentos prestados pela A... no âmbito das inspeções a que foi sendo sujeita (cfr. Doc. 4), a forma de relacionamento desta com as casas-mãe processa-se em termos normais para as situações em que haja relações de profunda interligação.

Observa-se que a empresa portuguesa se especializou na produção de certo tipo de bens alimentares, em particular o pimento, que, como atrás se mencionou, é maioritariamente comercializado no exterior através das suas B...ionistas.

Em contrapartida, como é usual no relacionamento entre sociedades com relações privilegiadas ou preferenciais, as sociedades mãe prestam um conjunto significativo de serviços às filhas, como supra mencionámos, pelos quais necessariamente têm de ser reembolsadas.

As prestações de serviços da B... à A... materializaram-se através de um conjunto de facturas passadas, no caso sub judice, pela B... à A....

A A..., explicitou muito detalhadamente em que consistiam tais prestações de serviços e a forma como os mesmos eram remunerados em documento enviado à AT no âmbito de anterior fiscalização (cfr. Doc.4 já mencionado, em particular o n.º 5 do mesmo), que só não forneceu no âmbito da inspeção ao exercício de 2009 porque para tal não foi instada.

Em síntese, tais pagamentos destinavam-se a compensar a casa-mãe, neste ponto especificamente a B..., pelos custos incorridos com a prestação de tais serviços.

A cada factura corresponde um fluxo financeiro devidamente registado pela contabilidade da A... e que foi pago mediante transferência bancária (cfr. Doc. 3, em que a seguir à fatura surge o comprovativo do pagamento da mesma).

O relacionamento da requerente com as suas B...ionistas estriba-se em contratos e acordos de parceria que, ao contrário do que parece pretender a AT, não são meros escritos particulares sem qualquer valor jurídico. 

Nesses acordos estabelecem-se, com todo o rigor, os direitos e deveres das partes envolvidas.

Existe um acordo de parceria (joint venture agreement between NV B... and NV C..., datado de 8.11.2004) (Doc. 5), onde no seu número 17 se consigna expressamente: “As partes concordam que irão cobrar à A... uma compensação pelos custos e serviços prestados em benefício da A.... A B... CC irá apresentar anualmente uma proposta de compensação a ser cobrada pela B... CC e pela C... pelos serviços a serem prestados à A... durante esse ano”.

E, não só neste documento, mas também como resulta do Service Agreement (contrato de prestação de serviços) (Doc. 6) celebrado entre a B... e a A..., a primeira, através do já mencionado B... (B...), “acorda prestar à A... um ou mais dos serviços infra enumerados” (ponto I do contrato).

E esses serviços vão desde a centralização de actividades financeiras e factoring, passando por refacturação e pagamento da dívida, coordenação de gestão de pessoal e gestão de controlo, contabilidade e serviços administrativos, serviços de informação, nelas se incluindo a recolha e divulgação de informações, incluindo dados de marketing, informações sobre condições de mercado, coordenação de viagens de negócios, publicidade, entre outros.

Sendo assim claramente abusiva a conclusão, como parece pretender o relatório de inspecção da AT (referente aos anos de 2005 a 2008) ao afirmar que tais serviços não existiram ou não se fez prova da sua existência.

Ao contrário, o que resulta de uma análise ponderada do contrato e dos demais elementos disponíveis é que a melhor materialização e a melhor prova foi, naturalmente, a efectiva prestação dos serviços, a sua formalização através da emissão das facturas e dos correspondentes pagamentos.

Refere a AT (pg. 12 do relatório de inspecção) que “na situação presente, acresce ainda que a entidade que prestou os serviços em causa é não residente, sem estabelecimento estável no território nacional, não sendo por isso a estes Serviços de Inspecção possível recolher junto dessa entidade informação relativa às ditas prestações de serviços”.

Esta afirmação peca por ser pouco rigorosa e, face aos princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade enunciados nos artigos 55.º e seguintes da LGT, é totalmente inaceitável.

Ora se a AT tinha dúvidas quanto às prestações de serviços em apreço, poderia socorrer-se dos mecanismos da cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, previstos na Convenção com a Bélgica, na Directiva 2011/16/UE, de 15 de Fevereiro de 2011 (que substituiu a Directiva 77/799/CEE, de 19/12/77), no Regulamento de Execução n.º 1156/2012, de 6 de Dezembro, e no Decreto-Lei n.º  61/2013, de 19 de Maio (que substituiu o Decreto-Lei n.º 127/90, de 17 de Abril), amplamente utilizados pelas administrações fiscais em  muitas situações semelhantes.

Ainda que o relatório de inspecção o não afirme expressamente, a verdade é que a não aceitação dos custos suportados pela impugnante pode ter por base preocupações da administração fiscal quanto à eventual deslocalização de proveitos para as empresas belgas em detrimento da sua tributação em Portugal.

Quanto a esta questão caberia perguntar a que título é que as empresas mãe quereriam ter mais proveitos provenientes da sua participada em Portugal se, em 2009, aqueles se encontravam sujeitas a uma tributação estatutária máxima em IRC na Bélgica à taxa de 33,99% (vide o relatório de 2009 da Comissão Europeia denominado “Taxation trends in the European Union”) e não beneficiavam de nenhum regime especial de tributação, quando em Portugal a taxa era de 26,5% e os dividendos distribuídos de potenciais lucros da sociedade filha eram totalmente isentos de retenção na fonte em Portugal e na Bélgica, ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º da Directiva do Conselho 90/435/CE, de 23 de Julho de 1990, bem como isentos de tributação na esfera das sociedades mãe, nos termos do n.º 1 do art.º 4.º da mesma Directiva?

Neste sentido, a conclusão lógica é a de que as duas empresas mãe não teriam qualquer interesse em deslocalizar lucros para o seu Estado de residência, em virtude de o seu regime ser aí mais desfavorável do que o aplicável à sua afiliada A... em Portugal.

Para que não subsistam quaisquer dúvidas quanto à substância e à materialidade das operações, junta-se (Doc. 8) um documento explicativo das vantagens económicas, financeiras e outras retiradas pela A... por cada serviço intragrupo prestado pelas empresas mãe (B... e C...) que estão enunciadas nas facturas (v.g. purchasing, marketing, general, B...ounting, entre outras), onde são prestados esclarecimentos detalhados quanto ao teor das mesmas.

Entre essas vantagens, destaca-se, a título meramente exemplificativo, o fornecimento a clientes, ou mercados, que foram angariados, exclusivamente, pelas empresas mãe e sem qualquer intervenção da A..., como é o caso do acordo entre a E... e a B... (Doc. X) e que poderão por si só justificar a indispensabilidade, nomeadamente, da intervenção das áreas, ou serviços, "General", "Supply Chain" e "Marketing".

Por outro lado, a negociação de financiamentos realizada centralmente e exclusivamente pelas empresas mãe evidencia, parcialmente, a importância das áreas, ou serviços, “General”, e que, como é muito bem referido no Doc.8, "a A... tem acesso a financiamento em volume e condições que nunca obteria se agisse por si no mercado financeiro global".

Adicionalmente, um último exemplo, extraído desse documento, a centralização das compras, realizada pela área ou serviço Purchasing, permite que sejam conseguidas as "melhores condições de preço e pagamento do que as que seriam obtidas pelas A..., isoladamente" e "economias de escala que permitem à A... o acesso a produtos que, de outra maneira, não conseguiria".

Apresentam-se vários documentos e dados que permitem, ainda que a título exemplificativo, confirmar a efetiva realização das prestações de serviços em causa (vd. Doc. 8), por natureza desmaterializadas.

Entre estes documentos incluem-se mensagens electrónicas (v.g. emails trocados com cada um dos departamentos relevantes da B...).

Incluem-se dados referentes a registos de deslocações pessoais de funcionários daqueles departamentos, geradores de serviços intragrupo, às instalações da A..., bem como a outros locais ao serviço da A..., e a indicação de algumas reuniões realizadas entre funcionários da A... com aqueles funcionários ou representantes das empresas mãe, tudo evidenciado na coluna “contactos, viagens e outras evidências”.

 

Sobre a questão dos encargos com publicidade debitados pela C... à A..., existe, também neste caso, um contrato explícito ao abrigo do qual tais custos são justificados, o qual incide sobre a distribuição dos custos de publicidade e feiras celebrado entre aquela sociedade e a A... (Doc. 10), onde expressamente se diz que a C... efectua despesas com publicidade nos mercados mais importantes, como o inglês, o belga, o francês, entre outros e está presente num conjunto de feiras identificadas no contrato, pelo que a A... pagou um montante de €88.840 à C... como forma de a ressarcir dos custos que tal participação em feiras e salões internacionais comporta, bem como aos custos com a publicidade aos produtos.

Relativamente à criação de emprego líquido e, concretamente, à desconsideração pela AT da dedução de €1.575 relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no tocante a D..., com fundamento no facto de esta senhora ser esposa de um administrador da A... (pgs. 20 e 33 do relatório), não tem fundamento tal desconsideração porquanto não é passível de aplicação o artigo 19.º, n.º 4, do EBF no caso, na medida em que a entidade patronal é uma sociedade comercial.

Os serviços em apreço têm a natureza de serviços intragrupo e têm o seu regime fiscal previsto, a nível da legislação portuguesa interna, no artigo 12.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que regulamenta o regime de preços de transferência constante no artigo 63.º do Código do IRC e, ao nível da legislação convencional, no artigo 9.º da Convenção entre Portugal e a Bélgica para Evitar a Dupla Tributação, publicada no Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de Dezembro.

A este respeito, saliente-se que os serviços intragrupo não são redundantes nem existe qualquer duplicação de funções face àquelas que são exercidas pela A..., numa lógica de delegação e centralização de funções assumidas pelas empresas mãe, sobretudo pela B..., que é prática comum dos grupos multinacionais pela racionalidade económica daí decorrente, conforme se demonstra no Doc. 7 (quadro comparativo e descritivo dos serviços realizados, internamente pela A..., e, externamente, pelas empresas mãe).

Acresce que o regime interno português segue de perto, na matéria em apreço, o 7.º capítulo das recomendações da OCDE constante do relatório “Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais” que visa interpretar a aplicação do art.º 9.º da Convenção Modelo da OCDE, que é seguida, regra geral, na política de negociação convencional portuguesa e, em particular, na convenção celebrada com a Bélgica, supramencionada.

No que concerne ao preço praticado, na comparação face à facturação acrescida e às poupanças decorrentes da centralização de serviços nas empresas mães, fica claro que o valor praticado é manifestamente reduzido, em termos relativos, e sem dúvida inferior ao que uma entidade independente estaria disposta a suportar pelo acréscimo de rendimentos daí decorrentes.

Todavia, a AT furtou-se à demonstração de que o preço de transferência inerente aos serviços prestados era desajustado à realidade, pelo que, mais uma vez se reitera que, também por esta razão, o ato de liquidação adicional do IRC de 2009 enferma de ilegalidade por falta de fundamentação, devendo, pois, ser anulado.

Sintetiza a Requerente os fundamentos do pedido nas seguintes conclusões:

1.ª) O capital social da ora impugnante é maioritariamente (mais de 99%) detido por duas empresas com sede na Bélgica e sem qualquer estabelecimento estável situado em Portugal;

2.ª) As detentoras do capital social da ora impugnante são igualmente detentoras do capital social doutras empresas sedeadas em diversos países europeus;

3.ª) Esta interligação social faz com que a maioria das vendas da ora impugnante, como foi demonstrado, tenha como destinatárias as suas participadas e, através delas, outras empresas do grupo e clientes em diversos países;

4.ª) Sendo assim bem se compreende que as empresas-mãe, mesmo antes da criação da ora impugnante, tenham estruturado o funcionamento do seu grupo empresarial em termos de concentrar nelas próprias um conjunto de serviços de interesse comum a todas as participadas repartindo os respetivos custos entre elas;

5.ª) Assim, como se argumenta e prova na presente petição, para custear os serviços adquiridos a fornecedores terceiros e os prestados pelas empresas mãe a favor das participadas, foram celebrados acordos de partilha de custos, a que a ora impugnante aderiu;

6.ª) Entre os serviços que as empresas mãe adquiriram a terceiros ou foram por elas próprias prestados às suas participadas incluem-se os que, sendo de interesse comum, são conexos com a gestão de compras e vendas, marketing, gestão financeira, investimento, recursos humanos afectos a tarefas de interesse comum, gestão de qualidade dos produtos, entre vários outros;

7.ª) Foram, pois, estes custos que lhe foram debitados e devidamente facturados pelas detentoras do seu capital social, além obviamente dos demais suportados internamente, que a ora impugnante registou na sua contabilidade;

8.ª) Obviamente que quando os agentes da Administração Tributária pretenderam, neste aspecto com toda a legitimidade, comprovar os referidos custos, não poderiam deixar de ter em conta a especificidade do funcionamento do grupo empresarial em que a ora impugnante se insere, o que não fizeram;

9.ª) E isto pela simples razão, como está amplamente provado, de que não foi a ora impugnante a encomendar e pagar diretamente esses custos aos seus prestadores, nem a organizar e manter serviços e recursos que os produzissem internamente, tendo antes delegado essas tarefas nas suas participantes não residentes;

10.ª) Como a Autoridade Tributária teve ocasião de constatar, se a ora impugnante, cuja produção foi colocada no mercado exterior em mais de 60%, tivesse que montar uma “máquina” para, em diversos países, promover e publicitar os seus produtos, para fazer a sua armazenagem e distribuição, para gerir clientes, para obter financiamentos, entre outras aquisições de bens e serviços, teria certamente custos bem mais elevados do que aqueles que suportou pagando a quem em maior escala e com mais meios desempenhou essas funções;

11.ª) A ora impugnante pagou, como prova com a junção das respetivas faturas e demais documentação, um quantitativo previamente fixado para custear esses e outros serviços que pouco ultrapassou os 2% do seu volume de vendas;

12.ª) A situação acabada de sumariar e que a petição descreve e prova amplamente não poderá deixar de ser tida em conta quando se pretenda comprovar a verdade tributária em matéria de formação do lucro tributável da impugnante;

13.ª) Considerar a prova insuficiente, como pretende a autoridade tributária, é manifestamente violador dos princípios da verdade tributária, da justiça e da proporcionalidade que devem nortear a sua função de liquidar e cobrar receitas fiscais;

14.ª) O principal argumento invocado no relatório de inspecção para a impossibilidade da própria AT comprovar a efetividade dos custos contabilizados pela A... foi o facto das empresas participantes serem não residentes (vd. supra artigos 21.º e 25.º);

15.ª) Ora, a verdade é que a autoridade tributária tinha à sua disposição mecanismos legais, de que se destaca a convenção entre Portugal e a Bélgica e a Directiva 2011/16/UE relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, para comprovar ou infirmar os factos e os números que lhe foram apresentados;

16.ª) A repartição de custos praticada pelo grupo empresarial em que a ora impugnante se integra é comum a muitos grupos multinacionais, pelas poupanças e pelos ganhos de produtividade que induz nos referidos grupos;

17.ª) Em termos fiscais, os serviços em causa têm o seu regime previsto na Portaria n.º 1446-C/2001, no Código do IRC, e na Convenção com a Bélgica, como se desenvolve na presente petição, tendo-se a AT furtado a demonstrar que o preço de transferência inerente aos serviços prestados pelas participantes da ora impugnante eram desajustados ou inaceitáveis;

18.ª) Ao fazer tábua rasa da documentação que lhe foi apresentada, ao ser insensível à especificidade colocada por um grupo empresarial com estas características, ao não lançar mão dos mecanismos da cooperação administrativa para dissipar as suas dúvidas, ao não invocar legislação fiscal que rege as situações em que a impugnante se insere e ao remeter-se a uma posição cómoda de obrigar a ora impugnante a apresentar provas como se nada disto existisse, a inspeção tributária elabora um relatório claramente inconsistente para suportar a liquidação adicional ora impugnada.

I.8. Na sua Resposta a AT, contestou o pedido e seus fundamentos, alegando, em síntese:

a) O projecto de relatório relativo à ação inspectiva, de âmbito parcial, em sede de IRC, relativa ao exercício de 2009 foi notificado à requerente em 4-7-2013, tendo a Requerente exercido o direito de audição prévia nos termos do anexo 6 àquele relatório;

b) Foi, em 23-8-2013, proferido despacho concordante com as conclusões do relatório de que a requerente foi notificada em 26-8-2013;

c) O procedimento inspectivo não está ferido de qualquer ilegalidade e/ou falta de fundamentação porquanto foi a Requerente que pediu a inspecção a 2009, em conjunto com outros exercícios (2005 a 2011), com vista à restituição dos “pagamentos especiais por conta” (PEC’s) relativos a 2005, 2006 e 2007, sendo que a Requerente sabia quais eram os esclarecimentos pretendidos pela AT no âmbito dessa inspecção;

d) Era ónus da Requerente demonstrar a indispensabilidade dos encargos que lhe foram facturados pela B..., sendo que realidade desses encargos não é posta em causa pela AT;

e) Em causa está o efetivo enquadramento jurídico-tributário, designadamente para efeitos de dedutibilidade, considerando que na facturação não estão especificados esses serviços;

f) As facturas discriminadas a fls. 8 do relatório inspectivo, num total de €197.188,00, não especificam ou concretizam as prestações de serviços, tendo a Requerente informado, a solicitação da AT, que tais serviços eram os mesmos que já haviam sido objecto de uma acção inspectiva para os exercícios de 2005 a 2008;

g) E sendo tais serviços os mesmos dessa anterior acção inspectiva, a inspecção tributária manteve também as mesmas considerações anteriormente feitas sobre tal matéria;

i) A Requerente ou não prestou os esclarecimentos que foram sendo solicitados ou estes revelaram-se insuficientes para comprovar a indispensabilidade dos custos em causa;

j) Os documentos de suporte aos registos contabilísticos da requerente resumem-se a um contrato de prestação de serviços celebrado entre a requerente e a B... cujo teor não permite justificar minimamente tais custos;

k) Relativamente à factura n.º 01/…, de 2-10-2009 – Encargos de publicidade - €88.840,00, não foi igualmente considerada a dedutibilidade fiscal pelo carácter genérico do respectivo descritivo e a insuficiência ou ausência dos esclarecimentos da Requerente, sendo que a apresentação de um contrato não é, por si só, susceptível de comprovar concreta, específica e discriminadamente a que respeitam as facturas debitadas;

l) Relativamente à correcção respeitante à dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de emprego para jovens no que concerne ao valor de €1.575,00  relativo a D..., a desconsideração resulta do facto desse funcionária ser cônjuge do administrador F... (cfr. artigo 19.º, n.º 4, do EBF);

m) Os juros indemnizatórios, em caso de procedência do pedido, só incidirão sobre o capital da liquidação uma vez que o pagamento foi efetuado ao abrigo do Decreto-Lei  n.º 151-A/2013, isto é, sem juros compensatórios;

n) Inexiste na liquidação sub juditio erro imputável aos serviços;

o) As custas, em caso de procedência, deverão ser imputadas à Requerente uma vez que foi esta que deu azo à acção.

 

I.9. No dia 16 de Junho de 2014, decorreu na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que se encontra junta aos autos.

I.10. No dia 25 de Julho de 2014, pelas 11 horas, teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Nessa mesma sessão o Tribunal, considerando o decurso do período das férias judiciais, fixou em 5 dias o prazo para apresentação sucessiva de alegações e comunicou que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 2 de Outubro.

I.11. A Requerente e a Requerida juntaram as suas alegações no prazo fixado pelo Tribunal, mantendo, no essencial, as posições defendidas nos respectivos articulados.   

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer vícios que invalidem o processo. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. Factos provados

III.1.1. A Requerente é uma sociedade de direito português cujo capital pertence maioritariamente a duas sociedades belgas: a empresa B... N.V e a empresa C... N.V. Cada uma destas sociedades possui uma participação de 49,8% na Requerente.

III.1.2. Não há qualquer relação de capital entre as empresas B..., N.V. e C... N.V.

III.1.3. Uma parte muito significativa da produção da requerente destina-se a vendas às duas empresas belgas. Em 2009, as vendas à B... pesaram 36% e as à C..., 25%, no volume de negócios total da Requerente.

III.1.4. Quer a B..., quer a C..., prestam um conjunto de serviços diversos à Requerente.

III.1.5. A B... tem poder de decisão sobre o volume e especificidade da produção da Requerente e acompanha de forma muito próxima os seus processos de compras, produção, controlo de qualidade, divulgação comercial, acompanhamento do mercado, cadeia de fornecimentos, actividades financeiras e gestão de recursos humanos.

III.1.6. A B... factura à Requerente, pela diversidade de serviços prestados, através do centro de coordenação do grupo (B... “B... Coordination Center”). O descritivo das respectivas facturas refere serviços prestados nas áreas gerais, compras, produção, marketing, cadeia de fornecimentos, tecnologias de informação, contabilidade, investimento, recursos humanos e qualidade.

III.1.7. O centro de coordenação do grupo B... emprega 30 colaboradores responsáveis por serviços prestados a diversas fábricas que produzem para o grupo, entre as quais a da Requerente. Para efeitos de facturação dos serviços prestados, os custos operacionais do centro são alocados a cada uma das fábricas em função do peso das respectivas vendas no volume total.

III.1.8. A C... factura à Requerente serviços de carácter comercial, incluindo participação em feiras e “roadshows”. O descritivo das facturas refere sucintamente intervenção publicitária e feiras de exibição.

III.1.9. A determinação do valor a facturar pela C... segue um critério específico de imputação de gastos, que atende, igualmente, ao peso das vendas da Requerente no volume total.

III.1.10. O acordo de parceria celebrado entre a B... e a C... prevê a prestação de serviços à Requerente e a discussão e aprovação dos valores a facturar anualmente em conselho de administração.

III.1.11. A B... e a Requerente celebraram um contrato de prestação de serviços do qual consta a possibilidade da Requerente solicitar à primeira a realização de 15 tipos diversos de serviços de gestão.

III.1.12. A C... e a Requerente celebraram, igualmente, um contrato de prestação de serviços comerciais.

III.1.13. D... é funcionária da Requerente.

III.1.14. D... é esposa de F..., membro do conselho de administração da Requerente.

III.1.15 A AT procedeu à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2013 ..., relativa ao exercício de 2009, reflectindo as correcções à matéria colectável, no montante total de € 460.045,74, efectuadas pela inspecção tributária da Direcção de Finanças de ….

III.1.16  Essas correcções foram, entre outras, dos seguintes montantes e reportaram-se aos seguintes factos (na parte relevante para o presente processo de impugnação):

  • Encargos não aceites fiscalmente referentes a trabalhos especializados, facturados pela empresa B... à A..., no quantitativo de €197.188,00;
  • Encargos não aceites fiscalmente referentes a publicidade, faturados pela C... à A..., no montante de €88.840,00;
  • Dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de emprego para jovens, no montante de €1.575,00, relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no tocante a D....

III.1.17 A Requerente procedeu ao pagamento, em 06.09.-2013, da liquidação adicional de IRC mencionada supra em III.1.15, na importância de €103.296,72, sem acréscimo de juros compensatórios, nos termos do Dec.-Lei nº 151-A/2013 [cfr prints – Doc 1, junto com a resposta.

III.2. Factos não provados

Não existem factos essenciais não provados com relevância para a decisão da causa.

III.3. Fundamentação da matéria de facto

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo e nos depoimentos das testemunhas da requerente prestados perante o Tribunal e que se afiguraram credíveis e isentos (cfr. acta respetiva), tudo ponderado e analisado de forma crítica de molde a, designadamente, formar a convicção unânime dos árbitros da indispensabilidade dos custos elencados supra, em III.1.16 dos factos provados para garantir ou obter os rendimentos sujeitos a IRC.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

IV.1.   Questões a decidir

São, em síntese, colocadas pela Requerente as seguintes questões:

1.ª) O acto tributário sindicado enferma de ilegalidade por falta de fundamentação?

2.ª) São fiscalmente dedutíveis os serviços prestados pela B... à A..., devidamente facturados com o descritivo genérico de serviços das áreas gerais, compras, produção, marketing, cadeia de fornecimentos, tecnologias de informação, contabilidade, investimento, recursos humanos e qualidade?

3.ª) São fiscalmente dedutíveis os serviços prestados pela C... à A..., devidamente facturados com o descritivo genérico de serviços de intervenção publicitária e feiras de exibição?

4.ª) É dedutível ao abrigo do artigo 19º do EBF o montante suportado a título de criação líquida de emprego relativa a uma funcionária, esposa de um administrador?

 

IV.2. Da alegada falta de fundamentação do acto de liquidação adicional de IRC

A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser expressa, clara, congruente, suficiente e contemporânea do acto. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o acto (os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.

Para o acto estar fundamentado, mostra-se essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não noutro.

Ora de toda a economia do processo desde a fase administrativa, com a audição da Requerente, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, resulta evidenciada a clara percepção pela Requerente das razões invocadas pela AT para a prática do acto.

E, tanto assim é, que no exercício do invocado direito de audição, não se surpreende na posição da Requerente qualquer indício de justificada impossibilidade ou dificuldade de apreensão quanto ao percurso argumentativo da AT para concluir pela liquidação adicional. Naturalmente que existe a discordância; todavia esta não se confunde com falta de fundamentação.

Improcede assim a invocada ilegalidade formal.

 

IV.3.   Do enquadramento dos encargos suportados pela A... com serviços prestados pela B... e pela C...

De acordo com o n.º 1 do então artigo 23.º do Código do IRC, consideram-se custos ou perdas dedutíveis fiscalmente aqueles que “comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Seguidamente, o artigo exemplifica, por alíneas, custos que se consideram abrangidos, das quais é pertinente destacar:

“a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação”;

“b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias”;

“d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social”;

“e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta”.

Importa referir, em primeiro lugar, que a AT não põe em causa a existência dos serviços facturados pela B... e pela C..., nem a veracidade das facturas, mas tão só a especificação desses serviços de modo a poder aferir da sua dedutibilidade para efeitos fiscais (cf. artigos 28.º a 34.º da sua Resposta).  

Com efeito, as facturas emitidas pela B... e pela C... descrevem serviços das áreas gerais, compras, produção, marketing, cadeia de fornecimentos, tecnologias de informação, contabilidade, investimento, recursos humanos, qualidade, intervenção publicitária e feiras de exibição.

O descritivo genérico das facturas emitidas não permite, efectivamente, aferir a especificidade dos serviços prestados para poder concluir da sua indispensabilidade e do seu adequado enquadramento no mencionado artigo 23.º do Código do IRC.

Não obstante, a realização de prestações de serviços pela B... e pela C... encontram-se previstas contratualmente:

  • No contrato de parceria celebrado entre a B... e a C...;
  • No contrato de prestação de serviços celebrado entre a B... Coordination Center e a Requerente;
  • No contrato de contribuição nos custos de publicidade e feiras celebrado entre a C... e a Requerente.

Sendo uma parte muito significativa das vendas da Requerente destinadas à B... e à C..., que depois revendem a mercadoria adquirida, é razoável admitir que estas duas empresas asseguram um conjunto de serviços destinados a garantir uma maior qualidade de produção, sucesso comercial e organização administrativa, os quais potenciam a produção e venda dos produtos fabricados na Requerente. É razoável entender que, na ausência deste conjunto diversificado de serviços de gestão, o nível de produção e de vendas da Requerente não atingiria o nível actual.

Da análise documental, bem como da audição das diversas testemunhas, o Tribunal ficou convicto que os serviços, considerados demasiados genéricos numa mera leitura do descritivo das facturas, e, eventualmente, dos descritivos dos contratos referidos, são efectivamente substanciais, oportunos e indispensáveis à manutenção da fonte produtora e às vendas da requerente.

Assinale-se que a questão da indispensabilidade dos custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC tem sido efectivamente objeto de análise doutrinária e da jurisprudência.

Assim, e como acentua António Moura Portugal (“A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, pgs. 171/172), “(...) a dedutibilidade ou aceitação de custos contidos no balanço deixou de ser uma questão de facto e passa a ser uma questão de direito, com reflexos ao nível do ónus da prova, que deixa de caber ao contribuinte (...).         A solução legal de aceitação da contabilidade do sujeito passivo dota os registos do contribuinte de uma presunção de veracidade, no sentido de que se aceita que esta informação traduz uma situação fiel e verdadeira da situação patrimonial da empresa, transladando o ónus de prova da incongruência ou falsidade dessa informação como representação fiel para o Fisco”.

Aliás este princípio encontra-se espelhado também no âmbito da LGT, nos artigos 74.º e 7.5º que se referem, respetivamente ao ónus da prova e à declaração e outros elementos do contribuinte.

Não é posto em causa que a contabilidade da Requerente evidencia determinados custos, estribados em facturas passadas pelas sociedades B... e C..., tendo havido, como se comprovou (e aliás não é igualmente posto em causa pela AT), o fluxo financeiro correspondente da A... para as suas participantes emitentes das facturas, tudo estribado em contratos e demais documentação que sustenta as operações sub juditio com demonstração da sua materialidade através da explicitação detalhada em que consistiram os serviços prestados, acompanhada da prova da troca de emails e outros meios comprovativos da existência das prestações de serviços em causa, não se revela justificada ou aceitável a não consideração de tais custos como essenciais e inerentes à actividade da Requerente e o facto de não haver, nas facturas uma discriminação ou especificidade de tais serviços, essa circunstância não é de molde a afastar a natureza de indispensabilidade de tais custos para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Só pondo em causa, com êxito, a contabilidade da Requerente – cujo ónus competiria à AT – é que poderia eventualmente concluir-se pela não indispensabilidade desses custos.

Tal, porém, não ocorreu, sendo que também a AT não se socorreu dos mecanismos de cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (no caso, além da Convenção com a Bélgica, a Directiva n.º 2011/16/UE, de 15 de Fevereiro de 2011, no Regulamento de Execução n.º 1156/2012, de 6 de Dezembro, e no Decreto-Lei n.º 61/2013, de 19 de Maio).

Em síntese, e quanto a este aspecto, o Tribunal ficou convicto de que:

1. Os serviços em causa consubstanciam-se numa diversidade de tarefas de centralização de actividades contabilísticas e financeiras, coordenação de gestão do pessoal, realização de controlo de qualidade, realização de serviços de informação, tratamento de dados e marketing, coordenação de contactos e serviços de divulgação e publicidade.

2. Intervieram na prestação destes serviços responsáveis da B... ou da C..., consoante o tipo de serviços prestados.

3. A afectação do custo dos serviços prestados segue uma forma objectiva e transparente, ainda que possa ser considerada complexa, que merece a aceitação de duas empresas que possuem maioritariamente o capital da Requerente, mas que não têm entre si qualquer relação de capital.

 

Pelo exposto, deverão ser considerados dedutíveis os custos suportados pela Requerente com os serviços prestados pela B... e pela C..., não procedendo, pois, a argumentação da AT em sentido contrário.

Em conclusão, a correcção efetuada à matéria colectável não tem fundamento legal, pelo que enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.

 

IV.4.   Da desconsideração da dedução relativa ao benefício de criação de emprego conforme artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

De acordo com o n.º 4 do artigo 19.º do EBF “para efeitos de criação líquida de postos de trabalho não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal”.

A Requerida considerou não dedutíveis os encargos suportados com a funcionária D..., esposa de um administrador da Requerida. Ora, a entidade patronal desta funcionária é, efectivamente, a Requerente (a qual, por ser pessoa colectiva não possui agregado familiar) e não o seu Conselho de Administração.

Refira-se, a este respeito, que a argumentação da AT explanada nos pontos 45 a 96 da sua Resposta poderá eventualmente relevar numa perspectiva de jure constituendo mas não pode ser aceite de jure constituto.

A AT viola frontalmente as boas regras de hermenêutica jurídica quando considera resultar do texto da lei a interpretação que defende, ou seja, de que na expressão “entidade patronal” do texto do artigo 19.º, n.º4, do EBF, se incluem os órgãos daquela, designadamente os membros do Conselho de Administração (porque não também os membros do Conselho Fiscal? E da Mesa da Assembleia Geral?).

Assim, considera este Tribunal igualmente improcedente a não consideração da dedução a título de criação líquida de emprego alegada pela Requerida, entendendo que, também quanto a este ponto, a correcção à matéria colectável efectuada não tem fundamento legal, pelo que enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.

 

 

V. SOBRE O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O processo de impugnação judicial ou arbitral admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, a ilegalidade do acto de liquidação agora parcialmente anulado é imputável à Requerida, visto que o praticou sem suporte legal.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, à taxa calculada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT.    

 

 

VI. DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

a) Julgar procedente o pedido, anulando-se parcialmente, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de direito, o acto de liquidação adicional na parte em desconsiderou como custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC, os encargos referentes a trabalhos especializados, facturados pela empresa B... à Requerente, no quantitativo de €197.188,00; os encargos referentes a publicidade, facturados pela C... à Requerente, no montante de €88.840,00 e a dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de emprego para jovens, no montante de€ 1.575,00€, relativamente ao benefício constante do artigo 19.º do EBF (criação de emprego), no tocante a D....

 

b) Condenar a Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira) a restituir à Requerente o imposto pago em resultado da anulação parcial da liquidação nos  termos mencionados em a) e

 

c) Condenar ainda a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal nos termos anteriormente expostos, sobre o excesso liquidado e pago pela requerente desde a data desse pagamento até à data de emissão da respetiva nota de crédito;

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 72.778,95 – importância estimada do excesso liquidado e pago pela requerente - nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VIII. Taxa de arbitragem

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento [A requerente embora visasse, no proémio do seu requerimento, a anulação parcial de IRC e juros compensatórios, a final e na formulação do pedido, apenas pede a anulação de IRC, no montante de € 72.778,95 – valor que, aliás, não foi contestado pela AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de Outubro de 2014  

 

Os Árbitros,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

Luísa Anacoreta

 

 

 

 

Luís Máximo dos Santos

 

 

 

[A redacção do presente Acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990].