Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 4/2014-T
Data da decisão: 2014-07-11  Selo  
Valor do pedido: € 2.227,71
Tema: Verba 28.1 TGIS: Pressuposto legal de incidência do IS relativamente a casos de compropriedade
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Decisão Arbitral

 

Autora / Requerente: A…

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 30-12-2013, A…, contribuinte n.º …, residente na …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral onde requer, de forma imediata, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, e, de forma mediata, a declaração de ilegalidade da liquidação e Imposto de Selo n.º 2012 …, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de 2.227,71€. Dita liquidação diz respeito ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artigo …, e foi efetuada nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

A Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso da quantia paga relativa a essa liquidação acrescida de juros indemnizatórios.

A Requerente alega que o imóvel referido é detido em compropriedade e que ela Requerente detém apenas 28/81 do referido imóvel, a que corresponde um valor patrimonial tributário de 334.156,66 €, pelo que, no seu entender, não se verificaria o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

Alega ainda a Requerente que a liquidação de Imposto de Selo em causa é ilegal por violar o princípio da igualdade e da proporcionalidade consagrados na Constituição da República Portuguesa.

A Requerente refere também que a liquidação em crise seria sempre ilegal por a cobrança da receita prevista na verba 28.1 da TGIS não ter sido objeto de inscrição orçamental. Pelo que se verificaria uma violação do disposto no artigo 42 n.º 3 alínea e) da Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 52/2011 de 13 de outubro (Lei de Enquadramento Orçamental), e uma violação do disposto no artigo 105º da Constituição da República Portuguesa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 07-04-2014, defendendo que a quota de um comproprietário não constitui um prédio para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS e que o imposto desta verba recai sobre o coletivo dos comproprietários e não sobre a quota ideal de cada comproprietário. A AT defende ainda que o limite de 1.000.000 € a que se refere a verba 28.1 da TGIS, deve ser aferido em função do valor patrimonial total do prédio objeto do direito de compropriedade.

Foi designada como árbitro único, em 17-02-2014, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04-03-2014.

Foi agendada a reunião do tribunal arbitral para o dia 02-07-2014 pelas 14:00 horas.

Em 23-05-2014, a AT requereu a dispensa da realização da reunião e a dispensa da produção de alegações.

Ouvida a Requerente, que se pronunciou no sentido da aceitação da dispensa da reunião, da produção e prova e da realização de alegações, foi decidido pelo tribunal em 12-06-2014, dispensar-se a realização da reunião, uma vez que não existem exceções a serem apreciadas. Foi também dispensada a realização das alegações. Foi nessa data ainda fixada como data para prolação da decisão o dia 11-07-2014.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária, na quota-parte de 28/81, do prédio urbano sito na …, freguesia da …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia (caderneta predial junta ao pedido pela Requerente como documento 3);
  2. O referido imóvel tem um valor patrimonial de 1.288.890 € (um milhão, duzentos e oitenta e oito mil, oitocentos e noventa euros);
  3. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2012 …, no valor de 2.227,71€, relativa ao referido imóvel, e tendo por objeto a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS (documento 2 junto ao pedido);
  4. A liquidação em causa aplicou a taxa de 0,5 % à quota-parte propriedade da Requerente, 28/81, sobre o valor patrimonial tributário de 1.288.890 €;
  5. A Requerente apresentou em 19-04-2013 uma reclamação graciosa da referida liquidação de Imposto de Selo (documento 4 junto ao pedido);
  6. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 26-09-2013, conforme (documento 1 junto ao pedido);
  7. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação e Imposto de Selo no valor de 2.227,71 €, (conforme documento 5 junto ao pedido).

 

2.2. Factos não provados:

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios detidos em compropriedade, se aplica ao VPT global do imóvel ou se se afere em função da quota-parte de cada comproprietário.

Mais se analisa a título subsidiário a eventual inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGSI por violação do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade e a eventual falta de autorização para a cobrança do Imposto de Selo.

 

3.2. Questão do valor patrimonial tributário relevante para aplicação da verba 28.1 da TGIS

O quadro alegatório em que se sustenta o pedido de pronúncia arbitral pode sintetizar-se nos termos seguintes:

Para a Requerente a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS é determinada pela verificação de três requisitos cumulativos: o contribuinte ser titular de direito de propriedade, direito de usufruto ou direito de superfície, o prédio ter um VPT igual ou superior a 1.000.000 €, e tratar-se de um imóvel com afetação habitacional.

A Requerente entende que é ilegal o entendimento de acordo com o qual os prédios urbanos destinados à habitação com um valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, detidos em compropriedade, estarão sujeitos a Imposto de Selo, sempre que a proporção do valor patrimonial tributário atribuível a cada comproprietário com base na respetiva quota-parte seja inferior a um milhão de euros.

Para a AT, dado que o VPT do imóvel é superior a 1.000.000 € há lugar a incidência de imposto de selo, sendo que cada comproprietário paga imposto de selo na proporção da quota-parte que detém.

Vejamos:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

Por sua vez o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

A norma de incidência constante da verba 28 da TGIS refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo Código.

O imposto desenhado na verba 28.1 TGIS é um imposto real, criado pelo legislador sem ter em conta as características pessoais ou familiares do contribuinte, e que se baseia de forma objetiva no conceito de prédio do CIMI.

No caso em apreço não vem alegado nem provado qualquer tipo de utilização independente de partes ou frações do prédio (o que poderia influenciar a decisão material a tomar) mas tão só a detenção do prédio em compropriedade.

A Requerente alega que não é proprietária de nenhum imóvel com VPT igual ou superior a 1.000.000 €, uma vez que o VPT do imóvel em causa é de 1.288.890 € mas a sua quota-parte é de apenas 28/81.

A lei estabelece expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o Imposto de Selo incide  “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.” (sublinhado nosso).

Para efeitos de IMI o VPT a ter em conta é o VPT global do imóvel, e não a parte do VPT que corresponde a cada um dos comproprietários. Idêntica conclusão haverá que extrair-se para efeitos da verba 28.1 da TGIS.

Assim conclui-se se que a matéria coletável que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário determinado nos termos do CIMI para cada prédio, sendo que cada comproprietário é responsável pelo pagamento na proporção da quota-parte que detém sobre o imóvel.

Por outro lado, não havendo utilização independente de parte sou frações, é irrelevante que o prédio seja detido em compropriedade para efeitos do preenchimento da norma de incidência da tabela 28 da TGIS. O que determina a sujeição ao imposto é a existência de um prédio que caiba na definição do CIMI, avaliado nos termos deste Código com VPT superior a um milhão de euros. Um diferente entendimento faria com que prédios que manifestamente pudessem ser considerados luxuosos e evidenciadores de uma capacidade contributiva excecional detidos em compropriedade ficassem fora da tributação em imposto de selo, em manifesta desigualdade com idênticos prédios detidos apenas por um proprietário.

Como se lê no acórdão do CAAD n.º 50/2013-T em que é relatora Maria do Rosário Anjos:

“O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

O legislador entendeu que o valor de um milhão de euros, quando imputado a uma habitação, traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

Haverá assim que concluir que os imóveis com afetação habitacional e com VPT igual ou superior a 1.000.000 € estão sujeitos à verba 28.1 prevista na TGIS. Caso o imóvel seja detido em compropriedade, cada comproprietário é responsável pelo pagamento na proporção da sua quota-parte. 

 

3.3 Eventual violação do princípio da igualdade tributária e da proporcionalidade

O legislador, na verba 28.1 TGIS, optou por tributar prédios de valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros. Na ótica do legislador, este valor evidencia uma capacidade contributiva elevada, que justificará a sujeição a uma tributação acrescida face aos detentores de prédios de valor inferior. 

Veja-se que, por ex.º, para efeitos de manifestações de fortuna, o valor patrimonial tributário escolhido pelo legislador é bastante inferior: 250.000 euros (art.º 89-º-A LGT).

Esta diferença revela que na verba 28.1 TGIS o legislador quis criar uma tributação de caráter excecional, aplicável apenas a prédios cujo valor evidencie uma capacidade contributiva manifestamente superior à normal.

O princípio da igualdade fiscal e da proporcionalidade, na situação concreta, não estão, a nosso ver, a ser violados. Desde logo porque o valor escolhido pelo legislador abrange apenas prédios de valor manifestamente elevado, e revelam uma elevada capacidade contributiva; por outro lado, o comproprietário paga apenas o imposto correspondente à sua quota-parte do prédio, estando assim assegurado que contribua para o pagamento do imposto apenas na medida em que detém os seus direitos sobre o imóvel considerado luxuoso. 

Finalmente, os princípios da igualdade e da proporcionalidade têm de ser compatibilizados com o dever fundamental de pagar impostos, com o princípio da equidade social e com o da justiça fiscal, sendo legítimo aos Estados, com respeito pelo princípio da legalidade, a criação de impostos para prossecução dos fins de interesse comum. 

Acresce que, nas várias decisões proferidas pelo CAAD sobre a verba 28.1 TGIS (como as proferidas nos processos 218/2013-T e 132/2013-T), as situações em que se considerou haver violação do princípio da igualdade abrangem situações que não se identificam com a situação dos presentes autos (por ex.º a detenção de frações com utilização independente em prédios em propriedade vertical).

Há assim, em nosso entender, que concluir pela inexistência das alegadas inconstitucionalidades alegadas pela Requerente.

 

3.4. Quanto à eventual falta de autorização para a cobrança do Imposto de Selo.

Alega a Requerente existir falta de autorização da cobrança prevista na verba 28 TGIS na LOE 2012.

A falta de autorização da cobrança do imposto é, salvo melhor opinião, fundamento de oposição à execução, previsto no art.º 204.º, 1, a) CPPT e não de reclamação, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral.

Assim, poderia a mesma ser invocada dentro de um processo desse tipo e não em sede de pedido de pronúncia arbitral, pelo que não conheceremos do alegado vício no presente processo.

 

3.5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

A Requerente pede, ainda, o reembolso da quantia paga, relativa à liquidação de Imposto de Selo em crise. E pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido dessa liquidação.

Não sendo declarada ilegal a liquidação de Imposto de Selo, improcede o pedido de devolução da quantia paga e dos respetivos juros indemnizatórios.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar totalmente improcedente o pedido formulado pela Requerente quanto à legalidade da liquidações de Imposto de Selo n.º 2012 …, no valor de 2.227,71€.

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas  nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 2.227,71 €.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Requerente.

Notifique.

 

Lisboa, 11 de julho de 2014.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

 

Suzana Fernandes da Costa