Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 286/2013-T
Data da decisão: 2014-05-02  IUC  
Valor do pedido: € 22.633,48
Tema: IUC - Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, com sede na Rua …, pessoa colectiva n.º … (a seguir designada por Requerente), apresentou em 11.12.2013, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação de trezentos e cinquenta e oito atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2012, no valor total de €22.633,48, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT).

 

a) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14.02.2014.

 

b) História processual

 

4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente peticiona a anulação das liquidações de IUC e de juros compensatórios respeitantes ao ano de 2012, objecto das demonstrações de liquidação que constam do doc. n.º 1 junto à PI e que se encontram enumeradas e especificadas no doc. n.º 5 junto à PI, para que se remete para efeitos da respectiva identificação, dando-se aqui como reproduzido.

Para fundamentar este seu pedido, invoca a Requerente errónea qualificação dos factos tributários nos termos do art. 99.º, alínea a) do CPPT, alegando que não é proprietária ou é locadora financeira dos veículos em causa à data do facto gerador do imposto.

 

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por considerar verificar-se a conformidade legal dos atos de liquidação impugnados.

 

6. Por despacho de 19.3.2014, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário  promover a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, por não estarem presentes as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do n.º 1 deste dispositivo, dado que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, não existem exceções a apreciar e não foram requeridas quaisquer diligências de prova pelas partes, constando dos autos os documentos relevantes.

Mais decidiu, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente expostas e definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como data para decisão arbitral o dia 2 de maio de 2014.

 

7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º, e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Explicita-se, no que concerne à Requerente, que a respectiva legitimidade para impugnar os atos de liquidação emitidos em relação à B…, pessoa colectiva n.º …, à C…, pessoa colectiva n.º …, e à D…, pessoa colectiva n.º …, resulta de ter incorporado por fusão as mencionadas sociedades (conforme docs. n.ºs 2, 3 e 4 juntos à PI), com a consequente transmissão global dos direitos e obrigações das sociedades fundidas, do que resulta o interesse da Requerente na anulação daqueles atos de liquidação (arts. 97.º, n.º 4, al. a) e 112.º, al. a) do Cód. das Sociedades Comerciais,  art. 9.º, n.º 4 do Cód. de Procedimento e Processo Tributário e art. 30.º, n.º 2 do Cód. de Processo Civil).

 

8. A cumulação de pedidos relativa aos trezentos e cinquenta e oito atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e de juros compensatórios objecto da PI mostra-se admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, dada a procedência dos pedidos depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.

 

9. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

II. Questão a decidir

 

10. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, prende-se com determinar se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do Imposto Único de Circulação liquidado em relação ao ano de 2012 quanto aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral, conforme listagem constante do doc. n.º 5 junto à PI, questão esta que implica elucidar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC em atenção ao disposto no art. 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), maxime se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição registal da titularidade, caso em que a pessoa em cujo nome se encontre registado o veículo constitui o sujeito passivo do imposto, ou o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, em atenção à propriedade ou a outra situação jurídica considerada tributariamente relevante, que é ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º da Lei Geral Tributária, por quem não é titular do veículo ainda que se encontre como tal, registado.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

11. Examinada a prova documental produzida e o processo administrativo tributário junto (a seguir PA), o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. A Requerente é uma instituição financeira de crédito que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com exceção da recepção de depósitos (conforme doc. n.º 4 junto à PI).

II. No âmbito da sua atividade, a Requerente concede aos seus clientes financiamentos destinados à compra de viaturas automóveis, os quais são consubstanciados em contratos de mútuo em que o mutuário concede à Requerente, como garantia, a reserva de propriedade do veículo automóvel até ao integral pagamento da quantia mutuada, ou em contratos de locação financeira (alegação não impugnada constante do n.º 9 da PI).

III. A Requerente incorporou por fusão em 2004 a B…, pessoa colectiva n.º … e a C…, pessoa colectiva n.º …, e em 2003 a D… (conforme docs. n.ºs 2, 3 e 4 juntos à PI)

IV. A Requerente, ou as sociedades por ela incorporadas antes mencionadas, por constituírem as entidades em nome das quais os veículos se encontravam registados, foram objecto das notificações constantes do doc. n.º 6 junto à PI, que se dão por reproduzidas, para exercer o direito de audição prévia em relação à liquidação oficiosa de IUC respeitante ao ano de 2012 relativa aos veículos aí identificados e em que se refere que: “com base nos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe, V. Exa. era o proprietário/locatário do veículo com a matrícula..., da categoria. .., em...” e que: “Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) [ou c) em função da categoria do veículo], conjugado com os artigos 3.º, 4.º e 6.º, todos do Código de Imposto Único de Circulação, e por aplicação da taxa prevista no artigo 9.º [ou 11.º em função da categoria do veículo] do CIUC, é devido o imposto respeitante ao(s) ano(s) de (...) 2012.”.

V. A Requerente, ou as sociedades por ela incorporadas mencionadas em III, foram objecto das liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC) respeitante a 2012 constantes das demonstrações de liquidações relativas às viaturas nelas identificadas que constam do doc. n.º 1 junto à PI, que se dá por reproduzido, e que se enumera na listagem constante do doc. n.º 5 junto ao PI.

VI. Em todas as liquidações referidas no ponto anterior, se consigna, em sede de “fundamentação”, o seguinte: “Liquidação efectuada nos termos da alínea a) [ou b) ou c) ou d) ou e) em função da categoria do veículo] do n.º 1 do art. 2.º, conjugado com os arts. 3.º, 4.º, 6.º e 9.º [ou 10.º ou 11.º ou 12.º ou 13.º em função da categoria do veículo], todos do Código do Imposto único de Circulação, por não ter sido liquidado nem pago, até à data da liquidação e no mês referidos no quadro, o imposto referente ao veículo identificado neste documento”.

VII. Os veículos automóveis identificados na listagem objecto do doc. n.º 5 junto à PI, e nos termos aí referidos que se dão aqui por reproduzidos, a que respeitam as liquidações de IUC mencionadas no antecedente ponto n.º V, já tinham sido objecto de venda pela Requerente, ou pelas sociedades por ela incorporadas mencionadas em III, em data anterior a 2012 (316 veículos), ou encontravam-se no ano de 2012 locados por força de contrato de locação financeira (42 veículos), conforme cópias das facturas constantes do doc. n.º 7 junto à PI, cópias dos contratos de locação financeira constantes do doc. n.º 8 junto à PI, bem como facturas e documentos constantes a páginas do PA numeradas com os n.ºs 5, 8, 13, 16, 19, 22, 25, 28, 31, 34, 37, 40, 43, 46, 47, 52, 55, 58, 61, 64, 67, 70, 75, 78, 81, 84, 87, 90, 93, 96, 99, 102, 105, 108, 111, 113, 116, 119, 122, 125, 128, 131.

 

12. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos juntos aos autos e constantes do PA e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.  Assinala-se, em especial, que a realidade das situações negociais respeitantes aos diversos veículos a que respeitam as liquidações impugnadas e de que se dá conta no ponto n.º VII não é questionada pela Requerida.

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

IV. Do Direito

 

a) Quadro jurídico

 

13. Importa começar por descrever o quadro jurídico essencial que é relevante para a decisão do caso sub judice, o qual se prende com o disposto nos arts. 2.º, n.º 1, 3.º, 4.º e 6.º, n.º 1 do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29/06, com as alterações posteriores relevantes ratione temporis (ano de 2012).

Estabelece, então, o n.º 1 do artigo 2.º do CIUC, epigrafado “Incidência objectiva”, o seguinte:

O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:

a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código;

b) Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;

c) Categoria C: Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500 kg, afectos ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades;

d) Categoria D: Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500 kg, afectos ao transporte público de mercadorias, ao transporte por conta de outrem, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades;

e) Categoria E: motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos, tal como estes veículos são definidos pelo Código da Estrada, matriculados desde 1992;

f) Categoria F: Embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW, registados desde 1986;

g) Categoria G: Aeronaves de uso particular”.

Depois, prevê o art. 3.º do CIUC, sobre “Incidência subjetiva”, que:

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

Por seu lado, o art. 4.º, sobre “Incidência temporal” refere o seguinte:

1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita.

2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G”.

Determina, por fim, o n.º 1 do art. 6.º do CIUC, sobre “Facto gerador e exigibilidade” que:

O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”.

 

b) Argumentos das partes

 

14. Tendo em atenção este quadro jurídico, a Requerente na sua PI alega, no essencial, o seguinte:

i) no n.º 1 do art. 3.º do CIUC o legislador presume que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, nos termos de uma presunção implícita ilidível (arts. 33 e 37 da PI);

ii) a presunção estabelecida no artigo 3.º do atual CIUC já estava consagrada nos impostos anteriores, abolidos aquando da entrada em vigor do Código do IUC, como resultava do art. 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) que estabelecia que “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados” e do art. 2.º do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) que estabelecia que “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados” (arts. 34 a 37 da PI);

iii) “o facto de o legislador do IUC ter optado por uma presunção implícita (utilizando a termologia considerando-se) em vez de uma presunção expressa (utilizando a terminologia presumindo-se) como acontecia nas anteriores normas de incidência (constantes dos Regulamentos do Imposto sobre Veículos e do Imposto de Circulação e de Camionagem), em nada afectou em substância, no que a esta matéria diz respeito, o conteúdo e o âmbito da delimitação do sujeito passivo do imposto” (art. 45 da PI);

iv) “O legislador do IUC não sentiu a necessidade de manter no teor da nova norma de incidência uma presunção expressa e ilidível, uma vez que após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (1999), “as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário” (cfr. Artigo 73.º da LGT), razão pela qual seria redundante (de incorreta técnica legislativa) manter no teor da norma de incidência do IUC a expressão “presumindo-se como tais, até prova em contrário” (art. 38 da PI);

v) “a presunção legal ora em apreço é ilidível, pelo que o sujeito passivo do IUC é o proprietário (ou locatário financeiro ou o adquirente com reserva de propriedade), ainda que não figurem no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo” (art. 64 da PI);

vi) “ a compra e venda e a locação são contratos com eficácia real (quod effectum) no sentido de que a transferência da propriedade ou da posse se verifica em consequência do próprio contrato, pelo que também é manifesto e inequívoco que os documentos juntos ao presente articulado, os quais titulam os respetivos contratos de venda e de locação, são documentos bastantes para provar a propriedade e a posse do veículo no período de tributação em análise” (art. 72 da PI).

 

15. Pelo seu lado, na sua resposta, sustenta a AT, no essencial, o seguinte:

i)  “o sentido interpretativo a atribuir a equiparação contida no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC é o de que quando certo veículo automóvel seja objecto de um contrato de locação financeira, de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade ou de um contrato de locação com opção de compra, o locatário financeiro, o adquirente com reserva de propriedade e o titular do direito de opção de compra, por forca do contrato de locação, respectivamente, deve ser tratado como [ou equiparado a] proprietário, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito legal. O que significa que, nos casos enunciados e taxativamente previstos no preceito, são sujeitos passivos do imposto os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade e os titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, nos mesmos termos que o proprietário” (art. 13.º da resposta);

ii) “O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, não tendo usado a expressão “presumem-se”, “como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, pelo que “entender que o legislador consagrou aqui uma presunção seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem” (arts. 27.º, 28.º, 33.º e 34.º da resposta);

iii) O elemento sistemático da interpretação, dado o disposto no art. 6.º do CIUC, revela que a interpretação da Requerente não tem fundamento, pois da “articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.º) geram o nascimento da obrigação de imposto” (arts. 39.º e 42.º da resposta);

iv) “a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC (...) constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veiculo tal como constante do registo automóvel”, pois o “CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública” (arts. 54.º e 55.º da resposta);

v) “Dos debates parlamentares em torno da aprovação do DL n.º 20/2008 de 31 de janeiro resulta inequivocamente que o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos” (arts. 56.º a 59.º da resposta);

vi) “a luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo Código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel” (art. 62.º da resposta);

vii) “a Requerente não cumpriu sequer a obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC, que impõe ao Locador que forneça a Administração Tributária a identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados em regime de locação financeira, de locação operacional ou de aluguer de longa duração” (art. 63.º da resposta).

 

c) Apreciação do Tribunal

 

16. A discordância entre as partes no que concerne à questão jurídica decidenda (cfr. n.º 9), como resulta das posições acima descritas (n.ºs  14 e 15) prende-se, antes de mais nada, com a “letra da lei” (cfr. art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e art. 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária), mais especificamente com o teor semântico a atribuir ao vocábulo “considerando-se” que consta, como se citou (n.º 13) do n.º 1 do art. 3.º do CIUC (“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”).

Para a Requerida, em oposição à Requerente que considera que o art. 3.º, n.º 1 consagra uma presunção legal, o uso da expressão “considerando-se” inviabilizaria, de modo absoluto, uma leitura em chave presuntiva do disposto no art. 3.º, n.º 1 do CIUC (cfr. supra n.º 15, ii)).

Ora, como primeiro ponto relevante, importa rejeitar claramente esta exclusão semântica que a Requerida pretende imputar à locução “considerando-se”. Com efeito, esta locução, bem como outras palavras com a mesma base lexical como “considera-se”, “considerar” ou “considerando”, são amiúde adoptadas no nosso ordenamento jurídico precisamente para consagrar presunções, possuindo, pois, um valor de uso presuntivo. Por exemplo, no campo tributário, cite-se o art. 191.º, n.º 6 do CPPT que menciona o seguinte: “A citação considera-se efetuada no 25.º dia posterior ao seu envio caso o contribuinte não aceda à caixa postal eletrónica em data anterior”, estabelecendo depois o n.º 7 do mesmo preceito que: “A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo citado quando, por facto que não lhe seja imputável, a citação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º”.  Fora do campo fiscal, cite-se, por exemplo, o art. 2315.º, n.º 1 do Código Civil: “Se o testamento cerrado aparecer dilacerado ou feito em pedaços, considerar-se-á revogado, excepto quando se prove que o facto foi praticado por pessoa diversa do testador ou que este não teve intenção de o revogar ou se encontrava privado do uso da razão”.

Deste modo, tal como já se encontra assinalado em outras decisões arbitrais proferidas neste CAAD em relação à mesma matéria (cfr. as decisões proferidas nos processos n.ºs 14/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, nas quais é possível encontrar exemplos de disposições legislativas, distintas das acima invocadas, em que igualmente ocorre o uso da expressão “considerando-se” ou “considera-se” com o significado de presunção), não só não se pode dizer, de modo algum, que a atribuição de um significado presuntivo à expressão “considerando-se” não possui “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do art. 9.º do Cód. Civil), como, mais do que isso, deve mesmo reconhecer-se a tal vocábulo uma correspondência corrente e normal a esse sentido presuntivo. 

Por isso, não assume peso decisivo o facto de, diferentemente do que sucedia com a enunciação literal “presumindo-se” que antes se encontrava no artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos, o legislador ter passado a usar no CIUC a fórmula “considerando-se” que consta do atual art. 3.º desse Código, porquanto esta expressão tem perfeita virtualidade semântica para envolver a consagração de uma presunção.

Evidentemente, este mesmo vocábulo “considerando” também é normalmente utilizado fora de contextos presuntivos, pelo que afirmar que possui uma correspondência normal com esse sentido não implica sustentar, de modo algum, que o tenha sempre, antes pelo contrário. Destaque-se por isso, atento o que a Requerida alega nos arts. 29.º a 32.º da sua resposta sobre outras previsões normativas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, que estas expressões possuem uma pluralidade de sentidos, pelo que entender que no caso específico do art. 3.º, n.º 1 do CIUC a expressão em causa implica uma presunção, não significa que isso suceda em todo e qualquer outro caso. É uma regra de ouro da interpretação que o sentido de um vocábulo está na dependência do contexto em que surge, em termos de coerência pragmático-funcional – como escreve OLIVEIRA ASCENSÃO[2]: “Nenhum preceito pode ser interpretado isoladamente do contexto”; “Atender ao contexto é situar uma disposição”.

Desta forma, nada obsta, no ponto de vista do elemento literal da interpretação, ao entendimento de que, no quadro do art. 3.º do CIUC, está em causa, no segmento normativo constante da segunda parte do n.º 1 dessa disposição, a consagração de uma presunção. 

 

17. Pois bem, este entendimento sobre a presença de uma presunção no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, para além de encontrar, como se disse, perfeita cobertura na letra da lei, é aquele que se deve ter como adequado em face da ratio legis subjacente à regulação tributária em apreço.

Conforme resulta logo do art. 1.º do CIUC, segundo o qual o IUC “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que este provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”, constitui relevante escopo a que se dirige tal tributo, para além da obtenção de receitas, fazer suportar pelos titulares de direitos de utilização dos veículos (n.ºs 1 e 2 do art. 3.º do CIUC) os custos viários e ambientais que por eles são causados. Veja-se, a este respeito, o que se consignou no texto introdutório do CIUC anexo à Proposta de Lei n.º 118/X, que está na base da Lei n.º 22-A/2007, de 29.06 que procedeu à reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação e abolindo, em simultâneo, o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem: “Como elemento estruturante e unificador destas categorias, consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária. É este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização”.

Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registal, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo.

A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registal da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).

 

18. Deste modo, a lógica do imposto, a ratio legis da normatividade tributária em apreço leva a concluir que o legislador considerou como sujeitos passivos do imposto os efetivos proprietários dos veículos ou, então, os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, servindo o registo simplesmente como presunção da propriedade ou dos outros direitos sujeitos a registo a que se atribuiu relevância para efeitos da subordinação ao imposto.

E bem se compreende – na sequência, aliás, de sólida tradição (recorde-se, apenas, o antecedente representado pelo artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos) – que o legislador tributário tenha consagrado uma tal presunção, pois, precisamente, é esse o efeito essencial associado ao registo. Destaque-se, na verdade, que, segundo o n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, sendo que, nos termos do art. 7.º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no art. 29.º do referido Decreto-Lei n.º 54/75 (que determina que: “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas de regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respectivo regulamento”): “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”.

Assim, cabe entender que, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, o legislador, ao definir a incidência subjetiva do imposto, consagrou, em ordem à respectiva demonstração, uma presunção pela qual, na base do facto conhecido do registo, se deduz o facto presumido da propriedade ou da titularidade de outro direito relevante para efeitos do IUC.

 

19. Diga-se que este entendimento tem também por si o elemento sistemático da interpretação. É que, se não estivesse em causa no art. 3.º, n.º 1 do CIUC uma presunção, relevante, como tal, para efeitos probatórios, como se compreenderia que, como assinala a Requerida (cfr. supra n.º 15, vii)), se imponha no art. 19.º do CIUC que: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados”, pois pareceria suficiente, então, a mera referência ao que constasse do registo. Do mesmo modo, como se compreenderia que no art. 18.º, n.º 2 do CIUC, relativo à liquidação oficiosa, se diga que isso é realizado pela AT “com base nos elementos de que disponha”, não se limitando a remeter para o que resulta do registo.

Por outro lado, explicite-se, a este respeito, que não é relevante para contrariar o carácter presuntivo assim assumido no competente segmento normativo do art. 3.º, n.º 1 do CIUC o disposto no art. 6.º, n.º 1 do CIUC. É que esta disposição, ao regular o facto gerador do imposto, surge dirigida simplesmente a determinar o momento constitutivo da relação jurídico-tributária (cfr. art. 36.º, n.º 1 da LGT), o facto a partir do qual nasce originariamente a obrigação de imposto, cujo fundamento objectivo (“veículos matriculados ou registados em Portugal”) e subjetivo (“proprietários dos veículos” ou “locatários financeiros”, “adquirentes com reserva de propriedade”, “outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”) são estabelecidos pelos arts. 2.º e 3.º do CIUC. Assim, este preceito serve estritamente para fixar o momento a partir do qual passa a ocorrer a sujeição a IUC em território nacional (“a propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”). Recorde-se, neste âmbito, que, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de outubro (com as alterações posteriores), “o certificado de matrícula é emitido quando se efetue o primeiro registo de veículo importado, admitido, montado, construído ou reconstruído em Portugal” e que, nos termos do art. 117.º do Cód. da Estrada (sem prejuízo, porém, do regime particular do Decreto-Lei n.º 67/2009, de 20 de março), “Os veículos a motor e os seus reboques só são admitidos em circulação desde que matriculados” (n.º 1), sendo que: “A matrícula do veículo deve ser requerida à autoridade competente pela pessoa, singular ou coletiva, que proceder à sua admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional” (n.º 4).

Diga-se ainda que, no que concerne ao elemento histórico da interpretação, mais especificamente em sede de trabalhos preparatórios, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 118/X e no texto introdutório ao CIUC não se encontra nenhuma explícita indicação de que o legislador pretendeu que o registo automóvel passasse a funcionar como facto constitutivo da incidência tributária do IUC e não como simples presunção da propriedade dos veículos probatoriamente relevante para efeitos da sujeição tributária. Alude-se, é certo, no texto introdutório ao CIUC constante dessa Exposição de Motivos às “inúmeras faltas e atrasos na regularização dos registos de aquisição ou transmissão de veículos ou nos cancelamentos das respectivas matrículas, em caso de abate entretanto ocorrido” e à necessidade de “mecanismos simplificados e menos onerosos que permitam uma regularização dos registos de propriedade das viaturas e garantam a fiabilidade necessária à futura liquidação do novo imposto”, mas não se declara que o registo não constitui apenas presunção da titularidade relevante para efeitos da tributação. Pelo contrário, a preocupação com o adequado funcionamento e fiabilidade do registo automóvel evidencia que, para o legislador, o que é decisivo são as situações substantivas a que o registo se destina a dar publicidade e que faz presumir, não a própria inscrição registal em si mesma considerada.

Acrescente-se que a invocação que a Requerida faz dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei n.º 20/2008 de 31 de janeiro (vd. supra n.º 15, v)) não parece pertinente, porquanto o que assim se convoca são materiais que não dizem diretamente respeito à história da legislação tributária aqui em aplicação, mas sim a normatividades distintas, já que esse diploma se dirigiu a introduzir diversas alterações às regulações atinentes ao certificado de matrícula e ao registo automóvel, não no âmbito de matéria fiscal. De qualquer modo, não parecem conclusivas as posições assumidas no âmbito desses debates parlamentares a que alude a Requerida.

Deste modo, este Tribunal considera que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC deve ser interpretado no sentido de que nele se consagra uma presunção legal para efeitos da determinação da incidência subjetiva do imposto.

 

20. Disto isto, segue-se imediatamente afirmar que a presunção assim consagrada no art. 3.º, n.º 1 do CIUC é ilidível.

As presunções legais, consabidamente, podem ser ilidíveis (iuris tantum) ou inilidíveis (iure et de iure) consoante admitem ou proíbem a prova do facto contrário e, portanto, possibilitam ou impedem a demonstração de que o facto presumido não é verdadeiro (art. 350.º, n.º 2 do Código Civil).

Ora, como resulta do n.º 2 do art. 350.º do Cód. Civil, como regra as presunções legais são iuris tantum, constituindo as presunções inilidíveis a exceção (“as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir”). Nestes termos, quando a lei não proíba a prova em contrário, deve-se entender que a presunção é ilidível.

Isto mesmo é atualmente objecto de explícita prescrição normativa em sede de sistema jurídico-tributário já que, como é sabido, o art. 73.º da LGT estabelece o carácter necessariamente ilidível das presunções em matéria de incidência tributária ao afirmar que: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

Acrescente-se mesmo que a consideração como presunção ilidível do disposto no art. 3.º, n.º 1 do CIUC se deve ter como exigência resultante de uma interpretação conforme à Constituição, pois este Tribunal não pode deixar de dar relevo ao conhecido entendimento do Tribunal Constitucional, afirmado no acórdão n.º 348/97, de 29.4.1997 e reiterado no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, quanto à inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”.

Nestes termos, conclui-se que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC estabelece uma presunção iuris tantum, pelo que a pessoa que se encontra inscrita no registo automóvel como titular do direito de propriedade ou de outra situação jurídica tributariamente relevante, e que, como tal, seja tida como sujeito passivo do IUC, pode ilidir essa presunção, demonstrando não ser a proprietária ou a titular da situação jurídica tributariamente relevante em relação ao veículo em causa.

 

21. Atento o exposto, decide-se, em suma, que o art. 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção ilidível, pelo que, não obstante o registo da titularidade do veículo se encontrar em nome de certa entidade, esta pode demonstrar, pelos meios de prova admitidos em Direito, que não é proprietário do veículo ou titular de outra situação tributariamente relevante (art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC) à data do período de tributação (art. 4.º do CIUC), não constituindo, consequentemente, o sujeito passivo do imposto e não respondendo, pois, pelo respectivo pagamento.

 

d) Aplicação ao caso sub judice

 

22. Em face do acima referido, sintetizado no número antecedente, resta conferir, em relação ao caso em apreço, a situação jurídica da Requerente, ou das sociedades por ela incorporadas (vd. supra n.º 7 e facto provado sub III) quanto aos veículos automóveis objecto das liquidações oficiosas de IUC em causa nos presentes autos, em atenção ao disposto no art. 3.º do CIUC.

Ora, a este propósito, em face da factualidade dada como provado no n.º VII do probatório, verifica-se que, no período de tributação de 2012, não obstante o que possa continuar a resultar do registo, os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas já tinham sido alienados pela Requerente ou pelas sociedades por ela incorporadas (vd. supra n.º 7) ou encontravam-se locados em virtude de contrato de locação financeira.

Com efeito, como foi dado como provado que 316 veículos objecto das liquidações impugnadas nos presentes autos foram alienados pela Requerente antes do ano de 2012, pelo que, operando a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato, nos termos do art. 408.º, n.º 1, do Cód. Civil, se segue que a Requerente não é proprietária dos veculos objecto das  relaçvevo dop IUC.

ntrato, nos termos do art. 408.º, n.º 1, do Cículos indicados no período de tributação em causa, pelo que não constitui sujeito passivo do IUC respeitante a tais veículos nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CIUC.

Por outro lado, em relação aos restantes 42 veículos objecto das demais liquidações impugnadas nos presentes autos foi dado como provada a existência de contratos de locação financeira vigentes no período de tributação em análise. Ora, em tal caso, por força do disposto no n.º 2 do art. 3.º do CIUC, como, aliás, defende a Requerida nos arts. 13.º a 16.º da sua resposta, não obstante o locador financeiro ser ainda e sempre proprietário do veículo, é o locatário que constitui, em exclusivo, o sujeito passivo do IUC, dado ser “equiparado a proprietário”, pelo que a Requerente não assume, então, a qualidade de sujeito passivo do IUC.

Nestes termos, mostra-se ilidida a presunção estabelecida no art. 3.º, n.º 1 do CIUC.

 

23. Em consequência, a Requerente não constitui, em atenção ao disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC, sujeito passivo do IUC liquidado em relação ao ano de 2012 quanto aos veículos identificados no doc. n.º 5, pelo que os 358 atos tributários de liquidação de IUC e de juros compensatórios enfermam de vício de violação de lei determinativo da sua ilegalidade, o que implica a sua anulação nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, como se decide.

 

 

V. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo) os atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação e de juros compensatórios relativos ao exercício de 2012, no valor total de €22.633,48, a que se reportam os documentos de demonstração de liquidação juntos como doc. n.º 1 à PI, relativos aos veículos identificados no doc. n.º 5 junto à mesma PI;

b) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 22.633,48, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

 Notifique-se.

 

 

Lisboa, 2 de maio de 2014.

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 



[1] Adopta-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efectuadas.

[2] O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed, Coimbra, 2005, p. 410.