Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 284/2013-T
Data da decisão: 2014-04-18  Selo  
Valor do pedido: € 35.107,00
Tema: Terrenos para construção; Verba n.º 28 TGIS
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Decisão Arbitral

 

  1. Relatório:

 

  1. A…, contribuinte fiscal n.º …, com domicílio profissional na Rua …, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança aberta por morte de B… (doravante designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal (NIF) …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 9 de Dezembro de 2013, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:
  1. a anulação, por ilegalidade, da decisão expressa de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente em 3 de Julho de 2013, onde contestou a liquidação de Imposto do Selo com o n.º 2013 …, no valor total de € 35.107,00 (trinta e cinco mil, cento e sete euros), relativa ao prédio inscrito sob o actual artigo … da freguesia de …, ex-artigo …, da extinta freguesia de …, e que deu origem ao processo de reclamação graciosa n.º ….;

 

  1. a anulação, por ilegalidade, da liquidação de Imposto do Selo referida na alínea a), com o número 2013 ..., no valor total de € 35.107,00, emitida pelo Serviço de Finanças do …, relativamente ao ano de 2012, ao abrigo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, tendo como objecto o prédio melhor identificado na alínea a) supra; e

 

  1. a declaração da inconstitucionalidade da Lei n.º 55-A/2012 e, bem assim, da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida, em 10 de Dezembro de 2013.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada como árbitra pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

  1. O presente tribunal arbitral foi constituído em 12 de Fevereiro de 2014, conforme despacho do Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD proferido em 14 de Fevereiro de 2014.

 

  1. Em 19 de Março de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

  1. Em 31 de Março de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT, foi realizada a primeira reunião arbitral, no CAAD, na qual a Requerente declarou prescindir da inquirição das testemunhas indicadas no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

  1. A liquidação em causa tem por objecto a tributação do prédio urbano inscrito na matriz sob o actual artigo … da freguesia de …, ex-artigo …, da extinta freguesia de …, correspondente a um terreno para construção, cujo valor patrimonial ascende ao montante de
    € 3.510.700,00 (três milhões, quinhentos e dez mil e setecentos euros).

 

  1. O referido prédio urbano, que, conforme referido, corresponde a um terreno para construção, não tem no seu solo erigida qualquer construção.

 

  1. A Lei n.º 55/2012 alargou o âmbito da incidência do Imposto do Selo à nova situação jurídica que resulta da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual sujeita a este imposto a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros), sendo os prédios com afectação habitacional sujeitos à taxa de 1%.

 

  1. Em diversas disposições do Código do Imposto do Selo é feita referência expressa ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) como sendo o diploma de aplicação subsidiária relativamente ao imposto previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Do artigo 6.º do Código do IMI, resulta que os prédios urbanos podem ter natureza (i) habitacional, (ii) comercial, industrial ou para serviços, (iii) terrenos para construção, e (iv) outros. 

 

  1. Pelo que alega, assim, a Requerente que “terreno para construção” e “prédio habitacional” são de espécie absolutamente distinta, na medida em que os prédios correspondem aos edifícios ou construções que tenham uma efectiva utilização habitacional, o que pressupõe a sua existência física. 

 

  1. Sustenta, ainda, a Requerente, que, para além da interpretação que defende resultar literalmente da norma em causa, também de acordo com o elemento histórico decorrente da Proposta de lei (n.º 96/XII-2.ª), é evidente que está em causa uma “taxa de luxo” sobre as casas de luxo e não sobre os terrenos para construção.

 

  1. Considera, também, a Requerente que o facto de o legislador não referir ou incluir expressamente os terrenos para construção na previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, referindo-se, apenas, a prédios com afectação habitacional, permite presumir, nos termos do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que foi esta a intenção do legislador.

 

  1. Sustenta, ainda, a Requerente, que a Administração tributária não pode discricionariamente atender a uma nova categoria de prédio, sob pena de violação clara dos princípios da capacidade contributiva, praticabilidade e igualdade, que teriam de legitimar a sua efectiva concretização.

 

  1. Entende, pois, a Requerente que a situação em causa configura uma situação de duplicação de colecta, por redundar num imposto com as mesmas características a incidir sobre a mesma propriedade e no mesmo período temporal e, bem assim, numa dupla tributação da mesma propriedade por dois impostos diferentes (IMI e Imposto do Selo), de onde resulta a violação dos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei Geral Tributária, que transpõem princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito de propriedade, na medida em que a Administração tributária pretende submeter a um imposto periódico um terreno desprovido de qualquer utilização, que não gera nenhum rendimento para a Requerente, mas sim diversas despesas, e cuja edificabilidade é meramente virtual.

 

  1. Assim, a Requerente considera que é ilegal e inconstitucional o entendimento segundo o qual os terrenos para construção se enquadram no conceito de “prédio com afectação habitacional”, previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Alega, ainda, a Requerente que a própria Avaliação Geral dos Prédios, nomeadamente através da definição dos coeficientes de avaliação e da previsão de um regime de salvaguarda, teve em conta a respectiva adequação ao período de instabilidade do mercado imobiliário.

 

  1. Argumenta a Requerente que a atribuição da afectação habitacional dos prédios é atribuída pela Câmara Municipal, no âmbito do procedimento de licenciamento que termina com a emissão da licença de utilização, tendo, no caso concreto, a Requerida simplesmente considerado na avaliação do imóvel em causa, a eventual construção a edificar e a eventual e futura utilização maioritária, o que não releva para o efeito da distinção dos tipos de prédios previstos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

  1. Tendo, aliás, tais coeficientes de afectação, previstos no artigo 41.º do Código do IMI, sido pensados e quantificados para prédios edificados e em função da sua utilização efectiva.

 

  1. Concluindo, por isso, a Requerente pela ilegalidade da posição assumida pela Requerida na decisão expressa de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, também ela anulável.

 

  1. Sustentando, assim, a Requerente que o acto de liquidação em causa deverá ser anulado, por violação da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo, por erro nos pressupostos de direito e por violação dos princípios da capacidade tributária, da praticabilidade e da igualdade e, bem assim, o princípio da tipicidade qualitativa, pelo facto de a cobrança da receita decorrente da tributação da verba em causa não ter sido autorizada pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, ou, pelo menos, de não ter sido feita a correcta inscrição orçamental.

 

  1. Alega, ainda, a Requerente que o facto tributário de onde emerge a obrigação do pagamento do imposto em causa foi antecipado, atento o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 31 de Dezembro de 2012 para 31 de Outubro de 2012, pelo que jamais poderia haver nova liquidação reportada a 31 de Dezembro de 2012, sob pena de duplicação da tributação e consequente ilegalidade.

 

  1. Em suma, a Requerente pretende que a liquidação contestada seja anulada, com fundamento na respectiva ilegalidade, e por ter sido emitida nos termos da Lei n.º 55-A/2012 e da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo, que deverão ser julgadas inconstitucionais, e, bem assim, que seja declarada a ilegalidade, e consequente anulação, da Decisão expressa de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

  1. A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, impugnando, desde logo, todos os argumentos aduzidos pelo Requerente e alegando, em síntese, que:

 

  1. O prédio em causa tem a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação deve ser mantido por consubstanciar uma correcta interpretação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo. 

 

  1. Sustenta a Requerida que, na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional em sede de Imposto do Selo, há que recorrer subsidiariamente ao Código do IMI, conforme decorre do artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo.

 

  1. A Requerida alega que a noção de afectação de prédio urbano está assente na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a finalidade incorpora o valor do imóvel constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

 

  1. Sustenta a Requerida que o legislador optou por aplicar a metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do Código do IMI.

 

  1. Defende a Requerida a seguinte ordem de raciocínio: (i) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, conforme decorre do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária; (ii) o artigo 67.º do Código do Imposto do Selo manda aplicar subsidiariamente o Código do IMI; (iii) a afectação do imóvel constitui um coeficiente tido em conta na respectiva avaliação, aplicável aos terrenos para construção; (iv) a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo refere-se ao conceito de “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies de prédios previstas no artigo 6.º do Código do IMI.

 

  1. Pelo que a Requerida conclui que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo refere-se quer aos prédios edificados quer aos terrenos para construção, atento o elemento literal.

 

  1. Sustenta a Requerida que a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa, pelo que o artigo 45.º do Código do IMI manda separar as duas partes do terreno (isto é, a parte onde vai ser implantado o edifício a construir, e a área de terreno livre), sendo o valor do terreno adjacente à área de implantação apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente.

 

  1. A Requerida refere, ainda, que o regime jurídico da urbanização e edificação tem como pressuposto as edificações já construídas, devendo determinados elementos constar obrigatoriamente do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas, assim como do alvará de operações de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção, e, bem assim, dos Planos Directores Municipais, pelo que, muito antes de efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.    

 

  1. Relativamente à alegada violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República, entende a Requerida que a previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo não consubstancia qualquer violação deste princípio, na medida em que se trata de uma norma geral e abstracta, aplicável indistintamente a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito aí estatuídos.

 

  1. O mesmo considera a Requerida quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Requerida sustenta que a tributação em sede de Imposto do Selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se indistintamente a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

 

  1. Pelo exposto, conclui a Requerida que a liquidação em causa consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não violando a lei nem a Constituição da República Portuguesa, devendo julgar-se improcedente a pretensão do Requerente e absolver-se a Requerida do pedido.

 

B) Saneador

 

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. Não se verificam nulidades, nem questões prévias, que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. As partes prescindiram da inquirição de testemunhas, no âmbito da primeira reunião arbitral realizada, nos termos do artigo 18.º, do RJAT, em 31 de Março de 2014, na medida em que o tribunal pode conhecer oficiosamente de todas as questões de direito colocadas, através da prova documental junta pelas partes.

 

C) Objecto da pronúncia arbitral

 

  1. Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

  1. Deverá ser declarada ilegal a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, em 3 de Julho de 2013, na qual foi contestada a liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 ..., no valor global de € 35.107,00, relativa ao prédio inscrito na matriz sob o actual artigo … da freguesia de …., ex-artigo …, da extinta freguesia de …, e que deu origem ao processo de reclamação graciosa n.º ...?

 

  1. Deverá ser anulada a liquidação de Imposto do Selo melhor identificada em (i) supra, emitida nos termos da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo Serviço de Finanças do …, e relativa ao ano de 2012?

 

  1. Deverá ser declarada a inconstitucionalidade da Lei n.º 55-A/2012 e da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo?

 

D) Matéria de facto (Factos provados)

 

  1. Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

  1. De acordo com a habilitação de herdeiros (cfr. documento 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral), a Requerente é a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B…, aqui representada por A…, na qualidade de cabeça de casal.

 

  1. Nos termos da respectiva certidão permanente do registo predial e da respectiva caderneta predial (cfr. documentos 2 e 3 juntos ao pedido de pronúncia arbitral), de entre os bens que constituem a Herança, ora Requerente, encontra-se o prédio urbano inscrito na matriz com o actual artigo … da freguesia de …, ex-artigo …, da extinta freguesia de …, o qual está classificado como “terreno para construção”.

 

  1. De acordo com a respectiva caderneta predial (cfr. documento 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral), o prédio urbano em causa tem o respectivo valor patrimonial tributário fixado em € 3.510.700,00, tendo este sido calculado considerando o coeficiente de localização aplicável aos prédios urbanos destinados a habitação.

 

  1. A Requerente foi notificada do acto de liquidação de Imposto do Selo
    n.º 2013 ..., no valor global de € 35.107,00, a ser pago em três prestações (cfr. documentos 4, 5 e 6 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente não procedeu ao pagamento das prestações acima referidas, tendo prestado garantia, mediante a constituição de hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BF”, inscrita na matriz predial urbana no artigo …, da freguesia de …, cujo valor patrimonial ascende a € 68.170,00, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal (cfr. documento 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente apresentou, em 3 de Julho de 2013, no Serviço de Finanças de …, reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2013 ..., relativa a Imposto do Selo, no valor de € 35.107,00, com base na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (cfr. documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral e páginas 1 e seguintes do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. Por Despacho de 16 de Julho de 2013, do Ex.mo Senhor Chefe do Serviço de Finanças do …, foi o processo de reclamação graciosa em causa, a que foi atribuído o n.º ..., remetido para o Ex.mo Senhor Director de Finanças do … (cfr. página 30 do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. Por Despacho de 18 de Outubro de 2013, da Ex.ma Senhora Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa, da Área da Justiça Tributária, da Direcção de Finanças do …, foi o processo de reclamação graciosa em causa, a que foi atribuído o n.º ..., devolvido ao Serviço de Finanças do … (cfr. página 33 do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. A Requerente foi notificada, através do Ofício, de 30 de Outubro de 2013, da Direcção de Finanças do …, do projecto da decisão de indeferimento do pedido efectuado no âmbito do processo de apreciação da reclamação graciosa apresentada, identificado com o número ..., nos termos do qual foi contestada a liquidação n.º 2013 ..., emitida pelo Serviço de Finanças do … (cfr. documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral e páginas 38 a 42 do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. Por Ofício de 27 de Novembro de 2013, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso, proferida pelo Ex.mo Senhor Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças do …, no âmbito do processo de apreciação da reclamação graciosa apresentada, identificado com o número ... (cfr. documento 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral e página 46 do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. Em 9 de Dezembro de 2013, a Requerente informou a Requerida – concretamente, a Área de Justiça Tributária da Direcção de Finanças do …, de que impugnou, através do presente pedido de pronúncia arbitral, o indeferimento expresso da reclamação graciosa por si apresentada e à qual foi atribuído o número de processo ..., relativa à contestação da liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 ... (cfr. página 47 do processo administrativo em anexo à resposta apresentada pela Requerida).

 

  1. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

E) Do Direito

 

  1. Da apreciação da legalidade dos actos contestados através do presente pedido de pronúncia arbitral:

 

  1. A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com a correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos – isto é, previamente à entrada em vigor da nova redacção decorrente das alterações introduzidas através da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2014 -, por forma a saber se os terrenos para construção integram o conceito de “prédios com afectação habitacional” e, consequentemente, saber se estão, por isso, sujeitos a Imposto do Selo nos termos que decorrem daquela norma de incidência.

 

  1. A verba 28 foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, passando aí a dispor-se que integram o campo de incidência do imposto “28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1. - Por prédio com afectação habitacional - 1 %;”.

 

  1. Nos termos das disposições transitórias previstas na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, para aplicação da referida regra de incidência ainda no ano de 2012, estabeleceu-se que: (i) o facto tributário se considerou verificado em 31 de Outubro de 2012, (ii) a Autoridade tributária e Aduaneira deveria efectuar a liquidação do imposto devido até ao final do mês de Novembro desse ano, (iii) os sujeitos passivos deveriam efectuar o pagamento do imposto liquidado nesses termos até ao dia 29 de Dezembro de 2012 e, bem assim, (iv) a taxa aplicável nesse ano era de 0,5% para prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI e de 0,8% para prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI.

 

  1. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou, também, o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual estabeleceu que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

  1. Atento o enquadramento legislativo mencionado e estando em causa a interpretação do conceito de “prédio com afectação habitacional”, cabe indagar, antes de mais, sobre a existência de uma definição legal do referido conceito.

 

  1. Constatando que o legislador não definiu o conceito de “prédio com afectação habitacional” na própria Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nem no Código do Imposto do Selo, nem na Tabela Geral do Imposto do Selo, há que procurar se a referida definição legal existe no Código do IMI, em virtude da remissão constante do n.º 2, do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.

 

  1. O artigo 4.º do CIMI, sob a epígrafe “Prédios urbanos”, define-os como sendo “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos”.

 

  1. Dispõe, ainda, o artigo 6.º, n.º 1, do CIMI que os prédios urbanos se dividem em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e, residualmente, outros.

 

  1. O legislador estabeleceu, no artigo 6.º, n.º 2, do CIMI, que os prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

  1. No artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, o legislador consagrou que os terrenos para construção são “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

 

  1. Atento o exposto, o Código do IMI também não contém uma definição expressa do que sejam “prédios com afectação habitacional”.

 

  1. Decorre do artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

 

  1. Assim, e atendendo ao disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, quando refere que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, procedemos à análise dos elementos interpretativos possíveis. São eles: o elemento gramatical e o elemento lógico.

 

  1. Recorrendo, no caso concreto, ao elemento gramatical, verificamos que o legislador utilizou a expressão “prédios com afectação habitacional”, parecendo, assim, indicar que estão em causa os prédios habitacionais, tal como são definidos no artigo 6.º, n.º 2 do CIMI, ou seja, aqueles que são como tal licenciados ou que estão destinados a esse fim, porque apenas estes poderão ter uma verdadeira “afectação habitacional”.

 

  1. No que respeita ao elemento lógico, o mesmo integra, em si mesmo, três categorias distintas de aspectos ou “sub-elementos” a considerar: o aspecto ou elemento racional, o sistemático e, por último, o histórico, relevando, quanto aos três aspectos, a ratio legis subjacente à introdução da norma em causa no nosso ordenamento jurídico.

 

  1. Na “Exposição de Motivos” constante da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve subjacente à aprovação da Lei n.º 55-A/2012 que aditou a verba 28 à TGIS, o legislador refere apenas que “é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros”.

 

  1. Também do Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública sobre a referida Proposta de Lei[1] não consta qualquer esclarecimento expresso sobre o referido conceito de “prédio com afectação habitacional”, embora, nas discussões públicas que tiveram lugar na Assembleia da República, tenham sido efectuadas algumas referências à tributação das ditas “casas de luxo”, o que nos poderá ajudar no esclarecimento do verdadeiro significado que o legislador pretendeu atribuir ao conceito de “prédios com afectação habitacional” previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Assim, não podemos deixar de considerar que os indícios existentes apontam para o facto de que, no aditamento da verba 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo, o legislador considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir tal tributação.

 

  1. A este respeito, também na decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 50/2013, de 29.10.2013, se refere que “Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as «casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”.

 

  1. Não podemos, também, ignorar a alteração legislativa introduzida com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, e que nos parece constituir um argumento a favor do entendimento segundo o qual o conceito de “prédio com afectação habitacional” não integrava, na redacção anterior a esta alteração e que é a que aqui está em causa, os terrenos para construção.

 

  1. Atento o exposto, não podemos deixar de perfilhar o entendimento segundo o qual o conceito de “prédio de afectação habitacional”, constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos, implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, estando subjacente à criação daquele conceito a correspondência com o conceito de “prédio urbano habitacional”.

 

  1. Também na decisão arbitral n.º 144/2013 foi considerado que “um terreno para construção pela sua própria natureza não pode estar associado à afectação habitacional conforme é referido na verba 28.1 da TGIS”.

 

  1. Com efeito, considera-se que o conceito de “terreno para construção” não cabe na previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção anterior à actual, conforme tem sido perfilhado por este Tribunal, veja-se as Decisões arbitrais proferidas: 42/2013, 48/2013, 49/2013, 53/2013, 75/2013 e 158/2013.

 

  1. Concluímos, pois, que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo corresponde ao conceito de “prédio urbano habitacional”, previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CIMI e, também, na primeira parte da actual redacção da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Pelo que, estando em causa, no presente pedido de decisão arbitral um terreno para construção de que é proprietária a Herança Requerente, o mesmo não integra o âmbito da norma de incidência constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos, o que fere de ilegalidade o acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 ..., relativo ao ano de 2012 e no valor de € 35.107,00, a pagar em três prestações, e, bem assim, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, a cuja apreciação foi atribuído o número de processo ..., e objecto do presente processo arbitral, tornando, assim, procedente o pedido da Requerente.

 

  1. Atento o exposto, deixa de fazer sentido, e de ter utilidade, a apreciação acerca da duplicação de colecta e da (in)constitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo sustentada pela Requerente.

 

F) Decisão:

 

  1. Termos em que se decide julgar procedente o pedido da Requerente, anulando a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada e, bem assim, a liquidação de imposto impugnada, com as devidas consequências legais.

*

 

  1. Fixa-se o valor da acção em € 35.107,00 (trinta e cinco mil e cento e sete euros), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos do disposto no artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

A redacção do acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, 18 de Abril de 2014

                  

A Árbitra

 

Mónica Respício Gonçalves

 



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