Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 464/2018-T
Data da decisão: 2019-05-21  IRC  
Valor do pedido: € 422.839,81
Tema: IRC – Gastos com financiamentos a participadas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 21 de Setembro de 2018, A..., Lda, NIPC..., com sede ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRC referente ao exercício de 2014 com o número 2018... e os consequentes actos de liquidação de juros com os números 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstrações de acerto de contas com o número 2018..., e referente ao exercício de 2015 com o número 2018 ... e o consequente acto de liquidação de juros com o número 2018..., consubstanciados na demonstrações de acerto de contas com o número 2018..., no valor total de € 422.839,81 (quatrocentos e vinte e dois mil oitocentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos).

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a correcção operada pelos referidos actos tributários, traduzida na desconsideração de encargos financeiros suportados pela requerente, enferma de vícios de forma por falta de fundamentação das correcções determinadas, e de violação de lei, por erro nos pressupostos de aplicação do art.º 23.º do CIRC e por violação do princípio constitucional da tributação pelo lucro real.

 

3.            No dia 24-09-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 12-11-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 03-12-2018.

 

7.            No dia 21-01-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 19-03-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente e pela Requerida.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma empresa familiar, constituída em Outubro de 1981, pelos seguintes sócios:

 

2-            Os sócios C... e D... alienaram as suas participações às sociedades B..., SA e E... em 2007 e 2012, respectivamente.

3-            A Requerente construiu as instalações industriais em 1982 e arrancou a produção em Janeiro de 1983.

4-            A principal actividade da Requerente consiste, desde a sua criação, na cozedura de matérias primas em pó para produzir peças de tungsténio.

5-            Dos estatutos da Requerente vigentes à data dos factos tributários sub iudice consta que o seu objecto social consiste «no fabrico e comércio de ferramentas de metal duro e outras similares e máquinas-ferramentas. Fabricação e maquinação de produtos metálicos diversos».

6-            Dos mesmos Estatutos consta, ainda, que «A sociedade poderá participar no capital social de outras sociedades, mesmo com objecto diferente do seu e em sociedades reguladas por leis especiais ou agrupamentos complementares de empresas».

7-            A requerente tem um processo produtivo específico e muito amadurecido, e tem um grande cliente, a F..., GMBH, que adquire cerca de 80% dos outputs da actividade da Requerente.

8-            À data dos factos tributários sub iudice, a Requerente detinha participações sociais nas seguintes sociedades:

 

9-            Do Dossier de preços de transferência da Requerente, consta, para além do mais, o seguinte:

“A... LDA.

A A... constitui-se como sociedade por quotas em Outubro de 1981, construiu as instalações industriais em 1982 e arrancou com a produção em Janeiro de 1983. A sua atividade principal é a produção de Metal Duro com o qual fábrica peças e ferramentas de alta precisão para uma multiplicidade de indústrias, tais como: indústria automóvel, metalurgia e metalomecânica, farmacêutica, química, cerâmica, petróleo e gás e outras. Dispondo de recursos técnicos, financeiros e humanos adequados à concretização dos seus objetivos, a A... tem conseguido manter uma sustentada posição, quer no mercado interno, quer no mercado externo. Tem vindo a fazer sucessivos investimentos em diversos domínios, nomeadamente: na melhoria do sistema de garantia da qualidade; na inovação e modernização; na investigação e desenvolvimento; no aumento da capacidade e incremento da produtividade; na formação profissional e nos sistemas de comunicação e informação, na melhoria das condições de higiene, saúde e segurança e na preservação do ambiente.

A atividade principal da A... é a produção de Metal Duro (designação pela qual é conhecido o produto metálico que se obtém por sintetização de pós prensados de carboneto de tungsténio e de cobalto, aos quais se adicionam, em certos casos e em percentagens variáveis, os carbonetos de titânio e de tântalo), com o qual se fabricam peças e ferramentas de alta precisão. Entre muitas outras gamas de peças e ferramentas fabricadas destacamos: peças resistentes ao desgaste e corrosão para as indústrias química e cerâmica; fieiras e mandris de extrusão para a produção de tubos e barras; ferramentas de prensagem para as indústrias química, farmacêutica, automóvel e metalurgia de pós; matrizes de estampagem para a produção de parafusos, rebites e embalagens metálicas, peças para válvulas da indústria do petróleo e gás.

As aplicações de metal duro estendem-se a uma multiplicidade de indústrias : automóvel, eletrónica, química, metalomecânica , cerâmica, de madeiras e muitas outras. O metal duro usado para o corte de outros metais é constituído fundamentalmente por ferramentas para o torneamento e fresagem de produtos de difícil desbaste com ferramentas de aço e utilizado sob a forma de "pastilhas", que são aplicadas em suportes concebidos para o efeito, por via da soldadura e fixação mecânica.

 

G..., SL

Sedeada em ..., a G..., está presente no mercado espanhol, tendo como principal objetivo o apoio administrativo e técnico à comercialização de peças e ferramentas em metal duro de alta precisão efetuada diretamente pela A... .

 

H..., LTDA.

A H... Brasil, Ltda foi fundada em Dezembro de 1990 e tem sede e instalações fabris em ..., na região metropolitana de ... (Brasil). Em termos comerciais possui ainda um escritório em ... .

A unidade Brasileira é responsável pelo atendimento da América Latina nomeadamente Brasil, Argentina, Chile, Equador e México. Oferecendo uma ampla gama de peças e ferramentas de aço e metal duro de grande precisão (de acordo com desenho ou amostra pelos seus clientes), a empresa está certificada de acordo com a norma ISO 9001/2000 pelo BVQI. Atua numa vasta linha de produtos que são utilizados nos sectores da siderurgia, cerâmica, auto-peças, mineração, petróleo e gás, entre outros.

 

I... SA

A I... foi constituída em 7 de Agosto de 1990. A sociedade está localizada no concelho de ... .

O objeto social da sociedade é o da fabricação de moldes metálicos bem como da fabricação de artigos de plástico. Os materiais utilizados na fabricação dos moldes são o aço, cobre eletrolítico, grafite, entre outros. A juntar a estes materiais são ainda necessários alguns componentes como guias, casquilhas, sistema de injecção, extractores, etc.

 

J..., SA

A J... é uma empresa do Grupo A..., constituída em 28 de Agosto de 2008, com sede e instalações na ... .

Adquiriu por trespasse o estabelecimento da K... com os equipamentos e trabalhadores existentes a 1de Setembro de 2008.

A atividade principal consiste na produção de peças maquinadas de precisão em aço, ferro fundidos, ligas não ferrosas e plásticos técnicos. Fornece um produto final aos seus clientes que inclui a prestação de um serviço de maquinação por arranque de apara segundo desenho do cliente, a aquisição de matérias-primas, revestimento, tratamento térmico, montagem e teste.

 

L..., SA

A L..., SA foi constituída em 15 de Novembro de 2006 no âmbito do grupo A... .

A L... possui capacidade para produzir peças em aço ou em ferro fundido, entre 1 kg e 4000 kg, à medida do cliente, com ou sem tratamento térmico, com elevada qualidade e grande rapidez.

Todo o processo de fabrico e o próprio produto é garantido por meios de controlo, adequados à tecnologia da fundição. Possui capacidade para, a partir do desenho do cliente, projetar os sistemas de gitagem e alimentação, com recurso ao software de simulação "Quickcast", que lhe garante a obtenção de peças isentas de defeitos, entregues fielmente dentro dos prazos requeridos.

 

M... LDA.

A M..., Lda, foi fundada em 31 de Julho de 1984, a sua constituição resultou da necessidade de preencher uma lacuna verificada no domínio dos equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, centrando-se aí a sua principal atividade.

 

N..., AS

A N... é uma sociedade anónima localizada na cidade de ..., cuja fundação remonta a 2000. O objecto social da empresa passa: pela produção de revestimentos por projeção técnica, desenvolvimento de aplicações avançadas de engenharia do produto e pela produção de peças por conformação com recurso a cerâmica, metais e outros compósitos.

 

B..., SA

Com sede em ... a B..., foi constituída em 29 de Dezembro de 2003, com o seguinte objeto social: compra e venda de bens imobiliários, revenda de imóveis adquiridos para esse fim e prestação de serviços de consultadoria de gestão e negócios.

 

O..., LDA.

A O..., Lda é uma PME, localizada em ... (Distrito de ...), com capitais exclusivamente nacionais. A sua fundação data de 1982, tendo sido adquirida em 1992 pela A... . A sua principal actividade é o comércio e produção de tubos fabricados em matérias plásticas (PVC, PU, EVA, EPDM, PE, etc.).

 

P..., LDA.

A P..., Lda, é uma sociedade por quotas pertencente ao grupo A... com a sua sede social em ... . A empresa tem por objectivo manter uma forte presença no mercado da produção de Vidros e Composições para Pavimentos e Revestimentos Cerâmicos e Louça Artística .

 

F..., GMBH

A F... representa o Grupo na Alemanha , onde comercializa peças e ferramentas em metal duro de alta precisão .

 

Q..., LTDA.

A filial brasileira da I... Portugal e é produtora de moldes para injeção de plásticos com capacidade para fabricar moldes de até 30 toneladas.”

10-         No exercício de 2016 foram criadas as empresas R... e S... SGPS Lda e foi extinta a J... por fusão e incorporação na A... .

11-         As sociedades em que a Requerente tinha participações sociais, atrás referidas tinham a seguinte composição do seu capital social:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12-         Na contabilidade da Requerente, na rúbrica de Juros, dividendos e Outros rendimentos similares, constava o seguinte:

 

13-         Relativamente a gastos e perdas financeiras da Requerente, constava o seguinte:

 

14-         Em 2014, 2015 e 2016, o valor registado em Acionistas/Sócios e Outros Activos Financeiros corresponde a cerca de 39%, 38% e 40% do total do Activo.

15-         A rubrica de Acionistas/Sócios representa 13%, 12% e 13% do Ativo da A... nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 e contém empréstimos concedidos a Acionistas – B... e a empresas participadas pela A...

16-         A rúbrica de Outros Activos Financeiros engloba a conta 41 - Investimentos Financeiros em associadas e representa os financiamentos efectuados às empresas associadas, correspondendo a 26% do total do Activo da empresa nos exercícios de 2014 e 2015 e 27% em 2016.

17-         Da contabilidade da Requerente, contava, ainda, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

18-         Em 2014, 2015 e 2016, os Financiamentos Obtidos corresponderam a cerca de 81%, 76% e 73% respetivamente do Passivo da Requerente.

19-         O total de financiamentos obtidos pela Requerente que venceram juros é o seguinte:

 

20-         Na Conta SNC 69 (gastos e perdas de financiamento relativos aos juros suportados com empréstimos bancários) da contabilidade da Requerente, foram relacionados os gastos associados ao endividamento daquela nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, correspondentes aos montantes identificados no seguinte quadro:

 

21-         Na Conta SNC 26 (empréstimos concedidos a empresas subsidiárias) e na Conta SNC 41 (Investimentos Financeiros) dos exercícios de 2014, 2015 e 2016, a Requerente inscreveu os seguintes montantes de empréstimos concedidos a empresas participadas:

 

 

22-         Na Conta SNC 791 (Juros Obtidos) nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 foram registados os seguintes montantes de juros facturados pela Requerente a empresas relacionadas:

 

23-         A Requerente, a 31 de Dezembro dos exercícios de 2014, 2015 e 2016 mantinha no seu activo empréstimos e outras facilidades de financiamento a terceiros relacionados, não remunerados, nos montantes conforme quadro abaixo:

 

24-         Durante o ano de 2018, com base num procedimento inspectivo iniciado em 2017, a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) efectuou correcções ao lucro tributável declarado pela Requerente com referência aos exercícios de 2014, 2015 e 2016.

25-         Naquele procedimento, concluiu a AT que a dedução dos encargos financeiros nos seguintes valores era incorrecta, porque não se comprovava a sua indispensabilidade, nos termos do artigo 23.º do CIRC aplicável:

 

 

26-         Na sequência, foram acrescidos pela AT os seguintes valores em cada um dos exercícios:

 

27-         Do Relatório de Inspecção Tributária consta, para além do mais, o seguinte:

“Verifica-se que a necessidade de um interesse próprio da sociedade como requisito para a dedutibilidade dos gastos constitui uma consequência da respetiva personalidade jurídica e tributária que se funda na autonomia patrimonial da sociedade , ou seja, na circunstância de a sociedade ter um património próprio, diferente e independente dos patrimónios dos respetivos sócios ou de outras sociedades do grupo económico em que eventualmente se insiram, e as mune de capacidade contributiva própria que não se confunde com a dos sócios nem com essas outras sociedades.

Em síntese, a autonomia jurídica reclama um benefício pessoal e egoísta de cada ente que não se pode confundir com o interesse do grupo económico em que a sociedade se insere ou, sequer, com os dos seus acionistas.

Um dos pilares que sustenta esta argumentação é o facto de os contribuintes não serem livres de moldarem os resultados das empresas, através da localização dos lucros e prejuízos onde mais lhes convier.

Importa referir que esta situação se mantém mesmo no contexto de aplicação do regime especial de tributação do grupo de sociedades , porque mesmo nessa situação , a aceitação de um custo depende sempre da verificação dos requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC no âmbito da determinação do respetivo lucro tributável individual, dependendo, pois, a respetiva dedutibilidade da existência de uma ligação desse custo com os proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou a manutenção da fonte produtora dessa entidade.

Ora bem, subsumindo os factos descritos no ponto 111.1.1do presente relatório ao quadro legal e interpretativo que se acaba de enunciar, forçoso é concluir que os encargos financeiros (juros) suportados pelo SP A... com os fundos obtidos para conceder suprimentos ou empréstimos não remunerados não cumprem o requisito da indispensabilidade naquela sociedade, não podendo, pois, ser dedutíveis para a determinação do lucro. (...)

Ao obter, nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 financiamentos remunerados da banca e ao manter no seu ativo financiamentos não remunerados às suas participadas a empresa está a suportar gastos que não se enquadram dentro da sua atividade e do seu objeto societário.

Para enquadrar a materialidade dos valores contabilizados como empréstimo às suas participadas podemos observar que:

- no exercício de 2014 a A... teve rendimentos de € 17.109.276,92, possuindo no seu ativo €13.323.975,79 de empréstimos a associadas não remunerados, ou seja cerca de 78% do seu volume de negócios .

- no exercício de 2015 a A... teve rendimentos de € 16.698.473,82, possuindo no seu ativo €13.539.472,09 de empréstimos a associadas não remunerados, ou seja cerca de 81% do seu volume de negócios.

- no exercício de 2016 a A... teve rendimentos de € 15.376.610,14, possuindo no seu ativo €14.304.701,89 de empréstimos a associadas não remunerados, ou seja cerca de 93% do seu volume de negócios.

O objeto social da A... é o fabrico e comércio de ferramentas de metal duro e outras similares e de máquinas-ferramentas e fabricação e maquinação de produtos metálicos diversos . O financiamento das suas participadas não faz parte do objeto social da A... .

Se observarmos, nos exercícios objeto deste procedimentos inspetivos, a percentagem do valor que a empresa tem com o financiamento não remunerado das suas participadas relativamente ao seu volume de negócios, podemos concluir que existe um claro desfasamento entre o objeto social da A... e a sua afetação de recursos.

Os encargos financeiros suportados com o financiamento obtido e com a realização e manutenção de prestações acessórias, prestações suplementares e das prestações acessórias, sob o mesmo regime legal e suprimentos em favor das sociedades participadas, não são dedutíveis  a coberto do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 23o do CIRC, na medida em que aqueles encargos não são aplicados na atividade de exploração da A... mas antes em beneficio exclusivo das sociedades participadas.

Consideramos , pois, acompanhando a doutrina e a jurisprudência que já se pronunciava nesse sentido, que a expressão "para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC" deverá ser interpretada no sentido de que são dedutíveis os gastos incorridos pela sociedade, desde que estes se mostrem suscetíveis de gerar rendimentos que contribuam para a determinação do lucro tributável da sociedade que realiza prestações acessórias, prestações suplementares ou prestações acessórias, sob o regime das prestações suplementares.”

Conforme resulta das notas anteriormente referidas, não restam dúvidas de que quando a A... utiliza capitais alheios remunerados e realiza empréstimos a empresas relacionadas não está, nem de forma direta nem de forma indireta, a prosseguir o seu objeto social.

Consideramos, pois, ser de acompanhar o entendimento segundo o qual os encargos financeiros suportados pela A... com a realização de suprimentos, prestações acessórias, suplementares e acessórias sob o regime das prestações suplementares não são indispensáveis à manutenção da fonte produtiva, uma vez que estes empréstimos não se enquadram no objeto social da sociedade e esta não retira das mesmas quaisquer contrapartidas para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Apenas serão dedutiveis os juros suportados com recurso a financiamento a terceiros se esses recursos forem aplicados, diretamente, na atividade da sociedade que recorre a esse financiamento.

Em face do exposto podemos concluir que a parte dos encargos financeiros (juros) correspondente aos financiamentos obtidos junto das entidades de crédito, de sócios e de outros não configuram um gasto com relevância fiscal na esfera do SP A..., nos termos do artigo 23º do CIRC, devendo por isso ser acrescido ao resultado tributável declarado nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 no montante de € 806.887,99, €704.393,59 e € 604.506,93 respetivamente, conforme quadro seguinte:

 

28-         As correcções operadas deram origem aos actos tributários de liquidação ora impugnados, com os n.ºs 2018... e 2018... (liquidações adicionais de IRC) e 2018..., 2018... e 2018... (liquidações de juros compensatórios), os quais se consubstanciam nas demonstrações de acerto de contas com os n.ºs 2018... e 2018... .

29-         O total das referidas correcções traduziu-se num ajustamento, ao nível da matéria colectável da Requerente, que ascendeu a € 2.115.788,51, o qual, por sua vez, deu origem a um saldo de imposto e juros a pagar no valor de € 422.839,81, para cujo pagamento voluntário foram determinadas as datas limite de 6 e 8 de Agosto de 2018, respectivamente.

30-         Para cobrança das liquidações referidas foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs ...2018... e ...2018....

31-         Em ordem a obter a suspensão dos mesmos, a Requerida constituiu hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... e ... .

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que os gastos com encargos financeiros (juros) contabilizados pela Requerente na conta SNC 69 dos anos de 2014, 2015 e 2016, respeitantes aos empréstimos de financiamento contraídos, tenham servido, no todo ou em parte, para financiar/manter os empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados, concedidos por aquela às suas participadas.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

O facto dado como não provado radica na prova em sentido contrário que foi produzida.

O facto em questão está subjacente às correcções operadas, conforme consta do RIT e da Resposta da Requerida (cfr. art.º 41.º), e é contestado pela Requerente (cfr. art.ºs 168.º e ss. do Requerimento inicial).

Da prova testemunhal produzida, todavia, resulta que a Requerente teria cerca de 20 milhões de euros em reservas incorporadas.

Esta circunstância, designadamente, foi afirmada pela testemunha T..., apresentada pela Requerente, e confirmada pela testemunha U..., apresentada pela AT, sendo esta testemunha o autor do Relatório de Inspecção Tributária.

Tendo em conta aquela referida circunstância, de a Requerente possuir, nas datas relevantes, cerca de 20 milhões de euros em reservas incorporadas, não se poderá dar como provado, para lá de qualquer dúvida razoável, que os empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados concedidos por aquela às suas participadas, em causa nos autos, hajam sido financiados ou mantidos à custa dos financiamentos contraídos pela mesma Requerente, uma vez que a mesma dispunha de meios financeiros próprios, em volume suficiente, para realizar os empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados que concedeu, e a que se referem os factos dados como provados.

Não se deram como provadas nem são provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

                Começa a Requerente (ponto IV., al. a), do seu Requerimento inicial [RI]) por arguir a ilegalidade das liquidações impugnadas por erro quanto aos pressupostos de facto.

                A este respeito, e no que para o que ora releva, alega a Requerente que a realização dos financiamentos às suas participadas “não esteve nunca dependente da contratação imediatamente anterior de um financiamento bancário” (art.º 171.º do RI), e que existiam razões para os financiamentos contraídos pela Requerente que não passavam “directa ou indirectamente, pela necessidade de capitalizar as suas subsidiárias” (art.º 172.º do RI), concluindo que a “AT não é capaz de individualizar a realização de prestações acessórias e suplementares como um dos fins dos empréstimos contraídos” (art.º 174.º do RI).

                A Requerida, na sua Resposta, por seu lado, alega que os encargos financeiros (juros) que a requerente contabilizou na conta SNC 691 do ano de 2014, 2015 e 2016, respeitantes aos empréstimos de financiamento contraídos, “de acordo com as evidências recolhidas e relatadas acima, parte deles terão servido para financiar/manter empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados” (art.º 41.º da Resposta).

                Sustenta a Requerida que “o método adoptado pela AT para determinar os encargos financeiros alegadamente relacionados com as prestações acessórias e suplementares constituídas pela requerente (...) se evidencia (...) no RIT na fundamentação a pág. 23 do RIT e vários quadros demonstrativos apresentados” (art.º 59.º da Resposta), e que “Resulta claro do RIT, cfr. cálculos resumidos a pág. 23 do mesmo, que a requerente recorre a tal financiamento para aportar fundos às participadas” (art.º 110.º da Resposta).

                Não se pode, todavia, ratificar este entendimento da Requerida.

                Efectivamente, compulsado quer o RIT quer os articulados da Requerida em sede arbitral, nada mais se pode retirar que não a de que foi considerado que os financiamentos foram contraídos para “financiar/manter empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados”, porquanto existiam estes e aqueles.

                Ora, a relação de causalidade entre dois factos não se poderá inferir, meramente, da existência dos mesmos, devendo antes assentar num juízo fundamentador que à luz da normalidade das coisas permita concluir que tal causalidade se verifica.

                No caso, e tendo em conta que a Requerente disporia de reservas incorporadas em montante superior aos “empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados” concedidos às suas participadas, não se pode concluir, há falta de mais (como é o caso), que estes hajam sido realizados à custa dos financiamentos contraídos pela Requerente, e não, por exemplo, à custa das reservas incorporadas de que aquela dispunha.

                Deste modo, não se pode considerar demonstrado, para lá de qualquer dúvida razoável, que os encargos com financiamentos desconsiderados pela AT hajam sido incorridos no “interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto”, conforme jurisprudência pacífica citada pela própria Requerida.

                É certo, e será incontornável, que a situação fáctica apurada pela AT indicia a ocorrência de operações fiscalmente questionáveis, consubstanciadas nos financiamentos gratuitos concedidos pela Requerente às suas participadas.

                Daí que, quer o RIT, quer a Requerida, em sede arbitral, apontem que “Caso a requerente repercutisse os gastos associados aos empréstimos concedidos estaria a gerar ganhos na sua esfera que seriam tributados em IRC, aumentando a receita fiscal (via IRC e Derrama). Por sua vez, algumas das empresas relacionadas estariam em condições de reconhecer os gastos com o financiamento obtido, mas tais gastos não teriam impacto na receita fiscal, uma vez que só iria aumentar ou gerar prejuízos nessas empresas relacionadas, dado que estas não apresentam lucro tributável ou têm um lucro reduzido e têm elevados saldos de prejuízos fiscais.” (art.º 116.º da Resposta).

                Não obstante, tem-se por igualmente claro que o regime legal que visa acudir a patologias como a apontada é o dos preços de transferência, e não o regime geral da necessidade dos gastos, plasmado no art.º 23º do CIRC, não se podendo este Tribunal substituir à AT na aplicação do regime legal que, porventura, poderia caber ao caso.

                Por outro lado, poderia eventualmente igualmente ser questionada a necessidade dos gastos com encargos decorrentes dos financiamentos contraídos pela Requerente, tendo em conta a circunstância de a mesma dispor de meios financeiros suficientes para realizar a sua actividade, designadamente as reservas incorporadas de que se deu conta.

                Não obstante, e por um lado, como a própria Requerida o reconhece (cfr. art.º 75.º da Resposta) é sobre a fundamentação imprimida no RIT, e não outra, que pode incidir o juízo do Tribunal.

                Por outro lado, verifica-se ainda que da discussão da causa resultou que os financiamentos contraídos pela Requerente poderão, efectivamente, ter uma explicação empresarialmente atendível, decorrendo, designadamente, de vinculações resultantes de programas de apoio público (como o CREN).

                De todo o modo, e tendo em conta o facto dado como não provado, não se demonstrando que, efectivamente e como é pressuposto das correcções operadas pela AT e ora contestadas pela Requerente, os financiamentos cujos encargos financeiros foram desconsiderados tenham sido contraídos para “financiar/manter empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados”, haverá que concluir que, conforme arguido pela Requerente, enfermam aquelas correcções de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso ser anuladas.

                Deverá, por isso, proceder o pedido arbitral formulado, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente, com excepção do pedido acessório de indemnização por prestação de garantia indevida, que se analisará de seguida.

 

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                Com o pedido principal anulatório formulado, cumula a Requerente o pedido acessório de indemnização por prestação de garantia indevida, tendo em conta a hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...da freguesia de ... e ..., que constituiu, para suspender os processos de execução fiscal n.ºs ...2018... e ...2018..., instaurados para cobrança das liquidações objecto da presente acção arbitral.

                Conforme se escreveu no Ac. do STA de 10-10-2018, proferido no processo 0469/14.6BELRS 033/18:

“I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53º nº 1 da LGT e 171º do CPPT.

II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.

III - É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.”

                Tendo em consideração da doutrina do aresto referido, haverá que julgar improcedente o pedido acessório ora em apreço.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido principal formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação de IRC referente ao exercício de 2014 com o número 2018... e os consequentes actos de liquidação de juros com os números 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstrações de acerto de contas com o número 2018..., e referente ao exercício de 2015 com o número 2018... e o consequente acto de liquidação de juros com o número 2018..., consubstanciados na demonstrações de acerto de contas com o número 2018...;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 422.839,81 (quatrocentos e vinte e dois mil oitocentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.732,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido principal foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Maio de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 

O Árbitro Vogal

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)