Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2018-T
Data da decisão: 2019-05-31  IRC  
Valor do pedido: € 194.799,98
Tema: IRC - EBF: Artigo 22.º/6; Fundo de Investimento Imobiliário; Rendimentos prediais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

Em 20-09-2018, a sociedade anónima A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., na qualidade de única participante do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO), com o número de identificação fiscal..., ambos com sede na ..., ..., ..., sala ..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018 ... e n.º 2018 ... e das demonstrações de liquidação e juros n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., relativas aos períodos de tributação e 2013 e 2014, no valor total de 194.799,98 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 21-09-2018 e notificado à Requerida na mesma data.

Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram, em 12-11-2018, designados os árbitros do Tribunal Coletivo, que ficou assim constituído: José Baeta de Queiroz, árbitro Presidente e árbitros auxiliares Suzana Fernandes Costa e Paulo Jorge Nogueira da Costa, que comunicaram ao Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-12-2018.

Em 04-12-2018, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 22-01-2019, a Requerida apresentou a sua resposta e em 23-01-2019 foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), uma vez que não foi pedida a produção de prova adicional, nem suscitada questão alheia ao fundo da causa que importe discutir. No mesmo despacho, convidaram-se ainda as partes a alegar por escrito, querendo, no prazo sucessivo de dez dias, contando-se o da Requerida a partir da notificação das alegações da Requerente. Mais se solicitou o envio das peças em word.

Em 21-02-2019, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo. Na mesma data, a Requerida veio aos autos afirmar que não apresentava alegações e que dava por integralmente reproduzido o aduzido em sede de resposta.

A Requerente optou por não apresentar alegações.

Em 25-02-2019, foi proferido despacho a designar o dia 03-05-2019 como a data para a prolação da decisão arbitral, a solicitar o envio das peças produzidas em formato word editável, e a advertir a Requerente para dar cumprimento à disposição do artigo 4º nº 3 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. Em 03-05-2019 foi proferido despacho transferindo para o dia 31-06-2019 a prolação da decisão.

Em 20-03-2019, a Requerente veio juntar aos autos o substabelecimento a favor dos Advogados Drs. C..., D... e E... .

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, nem as há, de conhecimento oficioso, que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

3. Posição das partes

A Requerente começa por referir que o FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B... (LIQUIDADO) era, à data dos factos, um fundo fechado de investimento imobiliário de distribuição integral, constituído por subscrição particular, nos termos e ao abrigo do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (RJFII).

Segundo a Requerente, a constituição do Fundo ocorreu em 13-07-2016, tendo iniciado a atividade em 28-07-2016, com a duração prevista de 5 anos, e que incumbia à F..., SA, a administração, gestão e representação do Fundo, sendo que as funções de depositário do fundo foram assumidas pelo G..., SA, que teve a custódia de todos os ativos mobiliários, sendo todas as aplicações do fundo realizadas com este banco.

De acordo com a Requerente, o objeto social do Fundo consistia em alcançar, numa perspetiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente de capital, através da constituição e gestão de uma carteira de imóveis caraterizados como “Retail Parks” localizados fora dos centros urbanos e em território português.

A Requerente alega que na prossecução do respetivo objetivo, o Fundo adquiriu dois “Retail Parks”, um sito em ... e outro em ..., ambos os imóveis constituídos em propriedade total com divisões suscetíveis de utilização independente.

A Requerente alude ao facto de, em 23-09-2012, o imóvel sito em ... ter sido consumido por um incêndio que o destruiu quase na íntegra, tendo originado elevados prejuízos para o Fundo.

A Requerente refere que no seguimento da deliberação da liquidação do Fundo, a F... requereu à AT, em janeiro de 2016, a realização de uma inspeção tributária de âmbito geral aos anos de 2013 e 2014, tendo a ação de inspeção iniciado em 15-06-2016.

Na sequência desta inspeção, a Requerente indica que o Fundo foi notificado do relatório de inspeção em 14-05-2018, e das liquidações adicionais de IRC e demonstrações de liquidação de juros em 22-05-2018, tendo sido apurado um valor de IRC em falta de 171.823,17 €, relativamente a rendimentos prediais.

A Requerente refere que os rendimentos prediais obtidos pelo Fundo eram os provenientes dos dois imóveis, um sito em ... e o outro sito em ..., e decorriam do pagamento de rendas dos lojistas com os quais o Fundo celebrou contratos de utilização de espaço.

Na posição da Requerente, a AT, na inspeção, considerou que deveriam ter sido consideradas as rendas recebidas e não as contabilizadas, que quanto aos encargos dedutíveis, apenas deveriam ser considerados aqueles que foram efetivamente pagos, quanto às lojas que não produziram qualquer rendimento, não deviam ser deduzidos encargos, e a dedução dos encargos deveria ser limitada à concorrência dos rendimentos de cada loja. A AT também não aceitou, segundo a Requerente, os ajustamentos de dívidas vencidas por não se enquadrarem na alínea a) do n.º 6 do artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e considerou que os encargos relativos a consultoria técnica não integram o conceito de despesas de manutenção e conservação, não devendo ser deduzidos.

A Requerente alega ainda que, quanto a 2014, a AT acresceu o montante de 128.135,29 € aos rendimentos indicados pelo Fundo, correspondente aos recebimentos líquidos da H..., I... e J... .

Aa Requerente não concorda com a posição da AT de considerar que os montantes apurados a título de rendimentos prediais resultam das rendas efetivamente recebidas em cada um dos anos, bem como dos encargos com seguros, Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e conservação das lojas que obtiveram rendimento, em função da área ocupada.

E para a Requerente, o relatório de inspeção não se encontra devidamente fundamentado.

A Requerente alega que procedeu ao apuramento dos rendimentos prediais do Fundo tendo por base o rendimento contabilístico relevante e não os pagamentos e recebimentos efetivos, elencando o principio base constante do n.º 2 do artigo 3º do Código do IRC, isto é, que a tributação deverá ter como base os valores expressos na contabilidade dos sujeitos passivos de IRC, e nada em contrário é mencionado no regime fiscal dos FII a propósito dos rendimentos prediais.

Quanto à dupla tributação das rendas recebidas, a Requerente menciona que deveriam ter sido desconsideradas enquanto rendas tributadas aquelas que, embora tendo sido recebidas em 2013 ou 2014, respeitem ao ano de 2012 ou anteriores e já foram objeto de tributação.

A Requerente refere que em 31-12-2012, o Fundo apresentava um valor a receber de rendas de 52.641,00 €, sendo que 47.946,13 € foram recebidas em 2013 e 2014, mas que não poderiam ser tributadas nesses anos, uma vez que já tinham sido tributadas em anos anteriores.

Quanto à desconsideração de encargos com lojas que não geraram rendimentos, a Requerente alega que a AT não aceitou como dedutíveis os encargos suportados com frações que estiveram arrendadas mas cujos arrendatários não pagaram as rendas. E em relação à não dedução de encargos em montante superior às rendas recebidas, a Requerente discorda do procedimento da AT, segundo o qual os encargos de manutenção e conservação deveriam ser apenas dedutíveis até ao limite das rendas recebidas, loja a loja.

Relativamente ao acréscimo de rendimentos respeitantes a recebimentos pelo Fundo da H..., I... e J..., a Requerente refere que, quanto ao primeiro a correção decorre da lógica de caixa adotada pela AT, que contesta. Quanto ao segundo, trata-se de um reembolso de uma caução, que deveria ser considerada como custo e não como proveito. E em relação ao terceiro no valor de 24,39 €, a Requerente não contesta por se tratar de um valor irrisório.

A final, a Requerente pede o reembolso dos montantes indevidamente pagos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta alegando a conformidade legal do ato tributário objeto do pedido arbitral.

A AT começa por referir que o regime fiscal previsto no EBF, enquanto benefício fiscal, tem de ser interpretada restritivamente, conforme se decidiu, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2012, proferido no processo n.º 0529/12.

E assim, para a AT, não estando previstas a provisões enquanto “encargos” dedutíveis para apuramento do rendimento dos rendimentos prediais, não podem ser deduzidos.

Assim, a Requerida refere que apenas aceita a dedução dos encargos (reais e não contabilísticos) e, dentro destes, atenta a alteração da norma levada a cabo para o ano de 2013, apenas os efectivamente suportados, sendo que também considera a Requerida, apenas as rendas efectivamente recebidas.

A Requerida alega ainda que teve em conta as rendas recebidas nos períodos em análise que já tivessem sido tributadas em períodos anteriores.

A AT refere que a norma do EBF prevê que às rendas sejam deduzidos os encargos “efectivamente suportados”, pelo que nunca provisões poderiam ser deduzidas e, tendo a Requerida tido em conta, de entre as rendas efectivamente recebidas, as que já tivessem sido tributadas em períodos anteriores, considerar as rendas efectivamente recebidas em detrimento das convencionadas (que incluem também as não recebidas), só determina um resultado favorável à Requerente, ou justo, se se preferir.

Por outro lado, a Requerida alega que sendo o regime aplicável aos rendimentos prediais e não à soma dos rendimentos prediais, deve o mesmo ser aplicado prédio a prédio, que no caso, significa, fracção autónoma a fracção autónoma.

Assim, para a AT a correção promovida pelos serviços de inspeção tributária não padece de qualquer vício, devendo, assim, ser julgado o pedido arbitral improcedente.

 

4. Matéria de facto

4. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            A Requerente era, em 2013 e 2014, a única participante do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B... (liquidado).

2.            O Fundo foi constituído com um capital inicial de 32.242.705,00 €, representado por 6.448.541 unidades de participação com o valor unitário de 5,00 €.

3.            O Fundo tinha por objetivo alcançar, numa perspetiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente de capital, através da constituição e gestão de uma carteira de imóveis caraterizados como “Retail Parks” localizados fora dos centros urbanos e, obrigatoriamente, em território português.

4.            O Fundo adquiriu dois imóveis denominados “Retail Park”, sendo um sito na..., freguesia de ..., concelho de ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., e outro sito nas ..., ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

5.            Ambos os imóveis foram constituídos em propriedade plena com divisões suscetíveis de utilização independente.

6.            Em 22-09-2012 um incêndio destruiu grande parte do Retail Park de ..., com a resolução dos contratos de utilização ao tempo em vigor.

7.            O Fundo foi objeto de uma ação de inspeção tributária de âmbito geral aos anos de 2013 e 2014, visando apurar se a situação tributária do Fundo se encontrava totalmente regularizada.

8.            A Requerente foi notificada, em 14-05-2018, do relatório de inspeção tributária, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

9.            Nesse relatório entendeu-se, designadamente:

- que deviam ser consideradas as rendas efetivamente recebidas, e não as contabilizadas;

- que os encargos dedutíveis deviam ser os efetivamente pagos;

 - que os encargos com os espaços que não deram rendimento não deviam constituir componente negativa para efeito dos rendimentos prediais sujeitos a imposto;

 - que os encargos com os espaços, quando superiores ao valor das respetivas rendas, não deviam ser deduzidos para além desse valor;

- que os encargos com consultoria técnica não deviam ser deduzidos, por não constituírem despesas de manutenção e conservação;

- que os recebimentos líquidos da H..., I... e J... constituíam rendimentos prediais e não reembolso de caução.

10.          O montante de €1.545,00, recebido de I..., constitui um reembolso de caução (doc. n.º 10, junto aos autos pela Requerente).

11.          A Requerente foi notificada, em 22-05-2018, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018 ... e n.º 2018 ... e das demonstrações de liquidação e juros n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., relativas aos períodos de tributação e 2013 e 2014.

12.          Nessas liquidações foram concretizadas as correções propostas no relatório de inspeção.

13.          A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 20-09-2018.

 

4.2. Factos não provados

Não há factos relevantes que não tenham sido provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção dos árbitros fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas.

 

5. Apreciação da matéria de direito

 

No processo sub judice está em discussão parte das correções efetuadas pela AT com referência ao IRC dos exercícios de 2013 e 2014, relativos a rendimentos prediais, conforme melhor descrito supra.

Verifica-se existir divergência entre as Partes na interpretação do artigo 22.º, n.º 6, al. a) do EBF, cujo texto, na redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em vigor à data dos factos, prevê o seguinte:

“6 - Os rendimentos dos fundos de investimento imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:

a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25 %, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora, até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;”

 

 

 

A Requerente entende que as liquidações são ilegais com fundamento: (i) em erro no método de apuramento dos rendimentos prediais; (ii) na dupla tributação de rendas; (iii) na desconsideração de encargos com lojas que não geraram recebimentos; (iv) na não dedução de encargos em montante superior às rendas recebidas. Relativamente ao acréscimo de outros recebimentos, a Requerente contesta (v) o acréscimo respeitante ao recebimento do montante de €1.545,00, de I... .

Segundo a Requerente, o apuramento dos rendimentos prediais sujeitos a imposto obedece ao regime jurídico previsto no artigo 22.º do EBF e demais regras aplicáveis aos sujeitos passivos de IRC, devendo ter por base os rendimentos contabilísticos relevantes (incluindo no que se refere à variação das provisões), pelo que considera ilegal a consideração pela AT dos fluxos de caixa.

Em sentido oposto, entende a Requerida que não se pode misturar o regime fiscal previsto no EBF, quanto ao apuramento da matéria coletável, taxa, modo de liquidação e pagamento, com o regime previsto no IRC.

Segundo a Requerida, o preceito contido no artigo 22.º, n.º 6, al. a) do EBF, por prever um benefício fiscal, tem de ser interpretado restritivamente. E, não estando as provisões previstas no referido preceito enquanto “encargos” dedutíveis, não podem os respetivos montantes ser deduzidos.

Deste modo, a Requerida apenas aceita a dedução dos encargos reais (e não os contabilísticos) efetivamente suportados, e apenas considera as rendas efetivamente recebidas.

A Requerida entende ser aplicável a definição de rendimentos prediais que vigora para a categoria F do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), prevista no n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), bem como o conceito amplo de renda definido no n.º 2 do mesmo artigo. Daqui conclui pela indispensabilidade da existência de arrendamento para que se possa falar em rendas efetivamente recebidas, em conformidade com o entendimento vertido na Circular 20/94-NIR, de 13/07/1994.

Não assiste, porém, razão à Requerida.

Conforme resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) são sujeitos passivos de IRC, encontrando-se sujeitos às regras e princípios deste imposto, coma as adaptações decorrentes da aplicação de regras especiais previstas para alguns rendimentos, como sucede com a norma contida no artigo 22.º, n.º 6, al. a), do EBF. Este preceito contém uma regra especial relativa à tributação de rendimentos prediais dos FII, mas não afasta a aplicabilidade das normas gerais de IRC quanto ao que nele não esteja previsto, designadamente o princípio da especialização dos exercícios (artigo 18.º do CIRC).

Importa salientar que os FII estão vinculadas às regras do Plano de Contabilidade dos Fundos de Investimento Imobiliário – publicado no Diário da República, II Série, N.º 96/2005, de 18 de Maio – aprovado pelo Regulamento da CMVM n.º 2/2005, e cujo ponto 2.2. do Capítulo 2, sob a epígrafe “Princípios contabilísticos e critérios valorimétricos”, adota, entre outros, o princípio da especialização, nos seguintes termos: “Especialização – Os elementos patrimoniais do fundo devem ser valorizados e reconhecidos de acordo com a periodicidade do cálculo do valor das unidades de participação independentemente do seu recebimento ou pagamento devendo incluir-se nas demonstrações financeiras do período a que dizem respeito, bem como os seus ajustamentos de valor daqui decorrentes”.

Deste modo, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios é de aplicação obrigatória pelos FII, o que se apresenta coerente com a previsão normativa do artigo 18.º IRC.

Não existe, pois, fundamento legal para a Requerida afastar a aplicação do referido princípio.

E também não existe fundamento legal para afastar a aplicação do artigo 17.º, n.º 1, do  Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), referente à determinação do lucro tributável, que prevê que “[o] lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Conforme é afirmado no Acórdão arbitral proferido no âmbito do Processo n.º 653/2017-T, de 21 de agosto de 2018, “… os FII, enquanto sujeitos passivos de IRC (v. artigo 2.º do CIRC), devem ser tributados nos termos das regras do respectivo Código, com as adaptações necessárias à aplicação do artigo 22.º/6 do EBF, o que significa, para além do mais, a aplicação do artigo 17.º/1 do CIRC aplicável, ou seja, e no que diz respeito aos rendimentos prediais, a sua determinação com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC”.

Neste sentido, é de admitir a relevância fiscal das provisões quando em causa estejam rendimentos prediais, nos termos gerais previstos no CIRC (artigo 39.º), contrariamente ao que defende a Requerida.

Ou seja, é entendimento do tribunal que a dedutibilidade dos “encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados” prevista no artigo 22.º, n.º 6, al. a) do EBF, não afasta a dedutibilidade das provisões nos termos gerais previstos no CIRC.

Pelos fundamentos expostos, também não tem razão a Requerida quando sustenta que sendo o regime [previsto no artigo 22.º, n.º 6, al. a) do EBF] aplicável aos rendimentos prediais, e não à soma dos rendimentos prediais, deve aquele ser aplicado prédio a prédio, nem quando, seguindo a mesma linha argumentativa, defende que não é possível, relativamente a cada prédio, deduzir encargos em montante superior ao valor das rendas efetivamente recebidas.

Tal como é sustentado no Acórdão arbitral proferido no âmbito do Processo n.º 163/2018-T, de 28 de dezembro de 2018, sendo os FII sujeitos passivos de IRC, devem “… ser considerados rendimentos prediais aqueles que nos termos das normas contabilísticas são qualificáveis como tais, deduzidos dos gastos que pela sua natureza possam ser considerados como tal, sem qualquer outro tipo de restrição”, sendo que “[a] tal não obsta o facto de os custos admitidos serem superiores aos proveitos”.

Em síntese, entende o tribunal não existirem fundamentos legais para a Requerida, no caso sub judice, relativamente aos anos 2013 e 2014, ter considerado as rendas efetivamente recebidas e os encargos efetivamente pagos, ter desconsiderado os encargos relativos às lojas que não geraram qualquer rendimento, ter desconsiderado os ajustamentos das dívidas vencidas e de não ter admitido a dedução dos encargos no montante que excedeu o valor das rendas. Daqui resulta a ilegalidade das liquidações adicionais na parte correspondente às correções que tiveram as referidas motivações.

Considerando o tribunal ilegais as correções feitas com base na consideração dos fluxos de caixa, não há necessidade de apreciar o argumento da Requerente relativo à alegada dupla tributação de rendimentos.

Quanto ao acréscimo de outros recebimentos, decorre do exposto que o montante recebido da H... deve ser considerado no exercício de 2013, e não no de 2014, o que, de todo o modo, não tem impacto no apuramento do imposto agregado dos referidos exercícios.

A Requerente contesta o acréscimo respeitante ao recebimento do montante de €1.545,00, de I..., por entender tratar-se de um reembolso de caução, pelo que deve ser considerado pela Requerida como custo e não como proveito. Nesta questão tem razão a Requerente, considerando a documentação junta aos autos (Doc. n.º 10), que mostra que se trata, efetivamente, de um reembolso de caução.

 

6. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade parcial das seguintes liquidações, referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014:

a.            Liquidação de IRC n.º 2018..., de 14 de maio de 2018;

b.            Liquidação de juros n.º 2018..., de 16 de maio de 2018;

c.            Liquidação de IRC n.º 2018..., de 14 de maio de 2018;

d.            Liquidação de juros n.º 2018..., de 17 de maio de 2018;

b)           Anular os atos de liquidação identificados na alínea anterior, exceto na parte que resulte das correções não contestadas pela Requerente;

c)            Condenar a Requerida na restituição dos valores pagos pela Requerente;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 194.799,98.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de maio de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Baeta de Queiroz)

 

O Árbitro Vogal

(Suzana Fernandes da Costa)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Nogueira da Costa)