Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 449/2018-T
Data da decisão: 2019-05-17  IRC  
Valor do pedido: € 144.075,02
Tema: IRC – Especialização de exercícios; Financiamentos a participadas.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 10 de Setembro de 2018, A... S.A., NIPC..., com sede na ... n.º..., Km..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., do acto de demonstração de juros n.º 2018..., bem como do acto de demonstração de acerto de contas n.º 2018..., todos referentes ao exercício de 2013, no valor global de € 144.075,02.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese a ausência de fundamento de facto e de direito das correcções realizadas à matéria colectável, porquanto:

i.             A Requerente reconhece que os gastos com pessoal em causa respeitam ao período de 2012, mas esclarece que foi precisamente por esse motivo que foram registados contabilisticamente numa conta de resultados transitados, não afetando assim o resultado líquido do período de tributação de 2013;

ii.            A Autoridade Tributária deve proceder à correcção oficiosa do resultado fiscal do período de tributação a que os gastos respeitam;

iii.           Face aos argumentos apresentados e, em especial, ao princípio constitucional da tributação pelo lucro real, deve ser anulada a correcção realizada à sua matéria colectável do exercício de 2013 relativa a gastos de períodos anteriores, pelo facto de a Fazenda Pública não ter sido lesada no recebimento do IRC devido a final, considerando os dois períodos de tributação de 2012 e 2013;

iv.           Alternativamente devem ser imputados oficiosamente os gastos no valor de € 175.812,78 ao período de tributação de 2012, de onde resultará o reembolso do montante de € 46.590,37;

v.            Os empréstimos não remunerados foram concedidos pela Requerente às sociedades participadas com o objectivo de contribuir para a manutenção da valorização do seu investimento naquelas sociedades;

vi.           Pelo que os encargos financeiros por si suportados são dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

 

3.            No dia 11-09-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 31-10-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-11-2018.

 

7.            No dia 19-12-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2/a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente dedica-se, e dedicava-se em 2013, à actividade de fabricação de equipamentos e aparelhos de rádio e comunicação (emissores de rádio, telegrafia e telefonia), estudos, projectos, comercialização, instalação e conservação de equipamentos de telecomunicações, eléctricas e electromecânicos e construção de obras públicas e particulares.

2-            A Requerente é, e era à data dos factos, um sujeito passivo de IRC, com sede e direcção efectiva em Portugal.

3-            No âmbito das ordens de serviço n.º 012017.../..., a Requerente foi sujeita a uma inspecção tributária externa de âmbito geral relativamente ao período de tributação de 2013 e de âmbito parcial, em sede de IRC e de IVA, relativamente ao período de tributação de 2014.

4-            Oportunamente, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o respectivo direito de audição sobre as correcções propostas pela Autoridade Tributária, o qual exerceu dentro dos prazos legais.

5-            No dia 26 de Abril de 2018, a Requerente foi notificada, através do ofício n.º..., de 24 de Abril de 2018, do relatório de inspecção tributária, o qual manteve, sem qualquer alteração, as correcções previstas no projecto de relatório de inspecção.

6-            Nos termos do relatório, foram determinadas pela Autoridade Tributária duas correcções à matéria colectável de IRC da Requerente relativa ao período de tributação de 2013, a saber:

i.             € 175.812,78 relativos a gastos de períodos anteriores;

ii.            € 246.810/11 relativos a encargos financeiros não dedutíveis.

7-            Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, o seguinte:

a.            O “sujeito passivo deduziu no quadro 07 da declaração Modelo 22, linha 704 como variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período (art.º 24º), o montante de € 175.812/78.”;

b.            “este montante está relacionado com gastos de pessoal da sucursal de Angola, referentes ao exercício de 2012, que por lapso não foram especializados nesse exercício”;

c.            “nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, por não ser considerado gasto do exercício de 2013, deverá acrescer ao resultado líquido do exercício, no quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, a quantia de € 175.812,78, por respeitar a gastos de exercícios anteriores”;

d.            Da “análise efetuada aos elementos contabilísticos dos exercícios de 2013 [...] verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário”;

e.            “o sujeito passivo, em 2013 [...], ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes dos empréstimos que o mesmo contraiu, concedeu empréstimos a associadas e outras entidades, não tendo sido remunerado pelo valor dos empréstimos concedidos às empresas associadas”;

f.             “a totalidade dos referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo, cujo objetivo social, como já anteriormente referido, consiste na fabricação de equipamentos de rádio e comunicação, estudos, projetos, comercialização, instalação e conservação de equipamentos de telecomunicações, elétricos e eletrónicos e construção de obras públicas e particulares”;

g.            Por “não estarem relacionados com a atividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito de indispensabilidade da totalidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo, conforme estabelecido no artigo 23º do CIRC”;

h.            Pelo “que não será de aceitar fiscalmente a totalidade dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, mas apenas parte dos mesmos”.

8-            No dia 8 de Junho de 2018, a Requerente liquidou o valor da liquidação efectuada com base no referido RIT, no montante de € 144.0751,02, cujo termo do prazo de pagamento era a 11 de Junho de 2018.

9-            No período de tributação de 2012, a Requerente apurou na respetiva declaração Modelo 22 de IRC:

i.             lucro tributável no montante de € 978.951,27;

ii.            colecta de IRC no montante de € 244.737,82;

iii.           derrama municipal no montante de € 14.684,27.

10-         Os referidos montantes foram integralmente suportados mediante a autoliquidação de IRC de onde resultou um montante pago de € 103.5211 09.

11-         A Requerente recorreu a financiamentos através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontrava contabilizado nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos), cujo saldos finais credores em 2013 e 2014 eram os seguintes:

 

 

12-         Pela Requerente foram suportados nos exercícios de 2013 e 2014 os seguintes encargos financeiros:

 

13-         Pela Requerente foram concedidos empréstimos não remunerados a sociedades nas quais detinha participações sociais, no exercício de 2013 e 2014, conforme quadro infra:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

a. da matéria de excepção

                i.  da caducidade do direito de acção

 

                Começa a Requerida a sua defesa arguindo a caducidade do direito de acção, porquanto, em suma, a Requerente deverá considerar-se notificada do acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., a 19-05-2018, e, no entender da Requerida, deverá começar a contar-se, no dia seguinte, o prazo a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do Art.º 10.º do RJAT.

                Não tem, contudo, razão a Requerida.

                Com efeito, o referido art.º 10.º/1/a) do RJAT dispõe, no que para o caso importa, que:

“1 — O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

                Dispondo, o art.º 102.º/1/a) do CPPT que:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;”.

                Por sua vez, o art.º 110.º/1 do CIRC, refere que:

“Nos casos de liquidação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o sujeito passivo é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação.”

                Deste modo, o prazo de exercício do direito de acção, cuja caducidade foi arguida, deverá começar-se a contar no dia seguinte termo do prazo de pagamento da liquidação em questão.

                Tendo por base a data da notificação indicada pela própria Requerida, o termo do prazo legal para pagamento voluntário pela Requerente findaria a 19-06-2018.

                Daí que, contado a partir do dia seguinte, o prazo para apresentação do pedido arbitral apenas findou no dia 18-09-2018.

Mesmo tendo por base o prazo para pagamento – incorrectamente – indicado pela AT, de 11 de Junho de 2018, apenas se iniciaria a contagem para a apresentação do pedido arbitral no dia 12 de Junho de 2018.

                Tal prazo, findaria a 10 Setembro de 2018, pelo que aquando da apresentação do pedido arbitral não tinha, em qualquer caso, caducado o direito de acção da Requerente.

                Não se detecta, nem é compreensível, ao contrário do que a Requerida alegou, qualquer incoerência violação dos princípios da boa-fé e/ou da proporcionalidade, já que o prazo para pagamento voluntário não resulta das “Demonstrações de Acerto de Contas”, mas da lei, notando-se ainda que o acórdão arbitral citado pela Requerida em abono da sua posição , julgou improcedente a questão da tempestividade suscitada por aquela.

                Face ao exposto, deverá improceder a excepção em apreço.

 

*

                ii.  da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

                Seguidamente, sustenta a Requerida “a incompetência do Tribunal Arbitral Colectivo, com vista a apreciar o pedido formulado pela Requerente, para mandar repercutir no exercício de 2012 os encargos que foram desconsiderados em 2013, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei, designadamente no Art.º 2.º n.º 1, Art.º 4.º n.º 1 do RJAT e da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março.”.

                Compulsado o pedido formulado pela Requerente, verifica-se ser o seguinte o seu teor:

“i) Dar como provado o presente pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as demonstrações de liquidação de IRC n.º 2018..., de liquidação de juros n.º 2018... e de acerto de contas n.º 2018..., todas associadas à compensação n.º 2018..., em virtude da ausência de fundamento de facto ou de Direito para as correções realizadas à matéria coletável da Requerente relativa ao exercício de 2013, por violação do disposto, nomeadamente, dos artigos 18.º e 23.º do CIRC;

ii) Em consequência da anulação das referidas demonstrações de liquidação de IRC, de liquidação de juros e de acerto de contas:

a) proferir decisão a ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas, pela Requerente, a título de IRC no exercício de 2013, no valor de € 144,075,02; ou, caso assim não se entenda, o que se coloca em tese sem se conceder,

b) em alternativa, no que toca à correção relativa a gastos de períodos anteriores, determinar a imputação oficiosa do gasto de € 175.812,78 ao período de tributação de 2012 com as consequências daí decorrentes ao nível do reembolso de IRC e derrama municipal a favor da Requerente, que se computam em € 46,590,39;

iii) Proferir decisão a ordenar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.”

                Como tem sido jurisprudência recorrente dos tribunais superiores da jurisdição estadual tributária “Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.”

                Conforme se verifica da leitura do pedido formulado, e a própria Requerente esclareceu em sede do contraditório que lhe foi facultado, relativamente à matéria de excepção, o pedido formulado consiste na anulação da liquidação adicional objecto da presente acção arbitral, e actos conexos, sendo os pedidos formulados em ii) as “presumíveis consequências lógicas” que a Requerente atribui à procedência do pedido anulatório formulado.

                De resto, por não se tratarem de pedidos autónomos, não tem o teor das referidas presumidas consequências lógicas, qualquer concorrência para o valor da causa.

                Daí que, sem prejuízo de o Tribunal, adiante, retirar as consequências lógicas que entender devidas, face ao que se decidir, deverá julgar-se o mesmo competente para julgar o pedido anulatório formulado pela Requerente, improcedendo, por isso, a excepção ora em apreço.

 

*

                iii.  da idoneidade do meio processual

                Adicionalmente, argui a Requerida que “o pedido formulado pela Requerente com vista à Requerida repercutir os encargos não considerados no exercício de 2013 no exercício de 2012 (...) não consubstancia ao meio processual adequado com vista a sindicar a pretensão do Requerente, razão pela qual se trata de uso de meio processual impróprio, o qual consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no Art.º 577.º do CPC, o qual dá lugar à absolvição do réu da instância nos termos do n.º 1 do Art.º 278.º do CPC”.

                Aplicando-se aqui, mutatis mutandis, o quanto se referiu quanto à excepção anterior, e concluindo-se, consequentemente, que não está em causa um pedido autónomo formulado pela Requerente, mas meramente a explicitação das decorrências que a mesma presume inerentes à procedência do pedido anulatório formulado, haverá também que concluir pela improcedência da excepção ora em apreço, julgando-se o presente meio processual idóneo para a apreciação do pedido anulatório formulado pela Requerente.

 

*

b. do fundo da causa

                i. da correcção relativa à especialização de exercícios

                Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a Requerente deduziu no quadro 07 da declaração Modelo 22, linha 704, como variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período o montante de € 175.812,78.

Mais se verifica, e é consensual entre as partes, que tal montante se encontra relacionado com gastos de pessoal da sucursal de Angola da Requerente, referentes ao exercício de 2012.

É igualmente consensual, e que o montante referido não foi contabilizado no exercício de 2012 por lapso da Requerente.

Face a tais circunstâncias, contantes, todas elas, do RIT, a AT procedeu à desconsideração do referido montante, por aplicação do disposto no art.º 18.º do CIRC, somando-o ao lucro tributável da Requerente e liquidando o respectivo imposto.

Relativamente a esta matéria, tem sido jurisprudência recorrente do STA que:

“III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

IV - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.”          

                Como se escreveu no Ac. do STA de 09-05-2012, proferido no processo 0269/12:

“Constitui igualmente jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado.”.

                Sintetizando, o Acórdão de 02-03-2016, proferido no processo 01204/13, também do STA, refere que:

“Importa apreender que:

1) a imputação de um proveito ou de um custo a um determinado exercício obedece a um critério económico e não a um critério financeiro.

e,

2) que o princípio da especialização de exercícios não é rígido antes deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio constitucional da Justiça.”.

                Tem-se, assim, por pacífico que o princípio da periodização do lucro tributável, contido no art.º 18.º do CIRC, deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 5.º/2 da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

                Não estando, assumidamente, em causa, quaisquer omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, e reconhecendo, pelo contrário, a própria AT que a situação sub iudice decorre de lapso da Requerente, ter-se-á de concluir que a correcção ora em apreço se deu em violação do disposto no art.º 18.º do IRC, interpretado nos termos da jurisprudência citada, pelo que deverá ser anulada, procedendo nesta parte o pedido arbitral.

 

*

                ii. da correcção relativa aos financiamentos às participadas

                A segunda questão que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, prende-se com a aferição da legalidade das correcções operadas pela AT, relativamente ao exercício de 2013 da Requerente, respeitante a gastos financeiros imputáveis a financiamentos a título gratuito por aquela a sociedades suas participadas, nas quais detinha participações entre 38% e 49% do capital social.

                Nos termos da fundamentação lavrada pela AT, e subjacente às correcções em questão, as mesmas assentam no disposto no art.º 23.º, n.º 1/c) do CIRC, na redacção aplicável ao referido período, tendo, em suma, a AT entendido que não estão em causa encargos relativos a capitais alheios aplicados na exploração da actividade económica da Requerente.

                A redacção da norma em questão, é a seguinte:

 “1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”.

                A matéria em questão foi objecto de ampla apreciação e discussão, a nível jurisprudencial e doutrinal, sendo que, independentemente do mais, julga-se que o ponto de partida para a apreciação de qualquer questão que se apresente a decidir relativa à matéria em causa, deve ser, conforme formulado no Acórdão do STA de 04-06-2014, proferido no processo 01763/13, o de que “a relevância ou não de determinadas despesas como custos do exercício sempre teria que ser vista em concreto, caso a caso, em função do peculiar contexto empresarial em que se desenvolvem e das finalidades que prosseguem”.

                Posto isto, “constitui jurisprudência consolidada do S.T.A. que à luz do artº.23, do C.I.R.C., não são de considerar como fiscalmente relevantes, além do mais, os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas” .

                Com efeito, reiteradamente, tem afirmado o STA que “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.”  e que “Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos” .

                O referido entendimento tem sido reafirmado por aquele Superior tribunal, ao longo dos anos e até ao presente, nomeadamente nos acórdãos de 19-04-2017 e de 28-02-2018, proferidos, respectivamente, nos processos 0925/16 e 01206/17.

II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”;

- “I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.

III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.

IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”.

                Por seu lado, doutrina relevante emergiu, em várias sedes, de forma crítica em relação à jurisprudência assinalada, pugnando que os financiamentos gratuitos de uma sociedade a uma outra, sua participada, poderão ainda considerar-se como exercício da actividade empresarial daquela.

                No processo arbitral 695/2015T  do CAAD, é revista doutrina e jurisprudência anterior sobre a matéria, análise para a qual, por brevidade, se remete.

Em síntese, no referido aresto arbitral, quanto ao conceito de activo e de fonte produtora, conclui-se que quanto à questão “Uma sociedade participada que se endivide e ceda esses fundos a entidades participadas, cobrando-lhes juros nulos, ou inferiores aos pagos, está a desenvolver atividade própria ou alheia (i.e., a realizar atos de gestão alheios ao seu interesse)?, deverá considerar-se que “a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro)”. 

Entendeu-se assim, naquele caso, que quando a participante financia as participadas (seus activos financeiros), na contabilidade da participante “a alocação de fundos às participadas tem como contrapartida o incremento do valor do investimento contabilizado na conta "41-Investimentos financeiros". A fonte produtora que é financiada, na qual se reforça a posição da investidora é, em primeira linha, o conjunto de ativos financeiros” da participante.

Mais se julgou que “a fonte produtora materializa-se jurídica e contabilisticamente no ativo da [participante], que concentra legal, económica e financeiramente as características de uma fonte produtora da [participante]: é um conjunto de ativos previamente adquirido por esta entidade, que lhe outorga direitos sobre as participadas, e dele se esperam rendimentos na esfera da adquirente.”.

Ainda no acórdão arbitral em questão, acabou-se por concluir que: “… a AT corrige apenas o diferencial de juros e não a totalidade dos juros pagos pela [participante]. …, esta lógica de ajustamento fiscal afigura-se desajustada. Querendo-se questionar o diferencial de preços (taxas de juro) pagos e cobrados, seriam as normas de preços de transferência as que se deveriam aplicar, e não as do artigo 23.º do CIRC”.

 

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                Ponderados os vários argumentos das posições antagónicas acima apresentadas, propende-se para o entendimento de que os financiamentos de uma sociedade a uma sua participada, por regra, deverão reputar-se como integrando o âmbito da actividade empresarial da primeira, na medida em que não integrem uma liberalidade.

                Com efeito, por regra, crê-se, a “saúde” financeira da sociedade participada terá importância suficiente para a sociedade participante ver a satisfação das necessidades de financiamento daquelas como sendo do seu próprio interesse.

Por outro lado, o bom desempenho económico da sociedade participada é susceptível de gerar ganhos sujeitos a IRC para a sociedade participante, quer ao nível do aumento do valor económico das participações, com o consequente aumento do património e da robustez financeira da sociedade participante, e todas as vantagens, em termos de mercado, que daí advêm, quer ao nível da eventual geração de dividendos e/ou mais-valias.

                Deste modo, não se julga que se deva colocar em causa que a disponibilização de meios financeiros por uma sociedade participante a uma sua participada, seja alheio, por regra, ao interesse empresarial da primeira.

                No que diz respeito à existência e quantificação da taxa de juro aplicada, com o referido acórdão arbitral proferido no processo 695/2015T do CAAD, julga-se que a questão deverá ser, nas situações em causa, aferida à luz do regime dos preços de transferência, regulada no art.º 63.º do CIRC, e não à luz da necessidade dos gastos, regulada no art.º 23.º do mesmo Código.

                Não obstante, e como se viu, à luz da redacção vigente em 2013 da norma aplicanda (art.º 23.º/1/c) do CIRC então vigente), a jurisprudência do STA na matéria é clara e reiterada, no sentido de que “os encargos financeiros (...) suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas (...) associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”.

                Efectivamente, julga-se que o problema fiscal da concessão de empréstimos por sociedades participantes a sociedades participadas, em situações como a dos presentes autos, reside, não na falta de interesse empresarial na operação, mas, antes, na possibilidade de esses interesses serem prosseguidos de maneira abusiva, permitindo a transferência de resultados entre as sociedades envolvidas, de forma não permitida pela lei, sendo que, de resto, o art.º 63.º do CIRC se refere expressamente a tais situações, ao incluir nas suas previsões as “operações financeiras”.

                Não obstante, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).

                Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.

                Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade dos factos e do direito a aplicar a estes, entre o presente caso e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.

                Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, no que diz respeito às correcções ora em apreço, relativas ao exercício de 2013, que não a reafirmada recorrentemente pelos Tribunais estaduais superiores, ou seja, que os encargos financeiros suportados pela Requerente com o financiamento das suas participadas não têm acolhimento, no que à sua dedutibilidade diz respeito, no disposto no art.º 23.º do CIRC aplicável, por não se apurar que o objecto social da Requerente abranja a detenção e gestão de participações sociais.

                Deste modo, deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

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                Pretende a Requerente que, com a procedência do pedido anulatório, seja condenada a AT na restituição do imposto indevidamente pago, bem como no pagamento de juros indemnizatórios sobre tal montante, até ao seu reembolso.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação parcialmente anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente das quantias que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento das quantias, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;

b)           Anular parcialmente do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., o acto de demonstração de juros n.º 2018..., bem como o acto de demonstração de acerto de contas n.º 2018..., todos referentes ao exercício de 2013, na parte em que se reportam à correcção que, por violação do art.º 18.º do CIRC aplicável, determinou o acréscimo do valor de € 175.812,78 ao lucro tributável da Requerente, por ser relativo a gastos de períodos anteriores;

c)            Condenar a requerida à restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente, por força da anulação parcial a que se refere a alínea anterior, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

d)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.787,00 a cargo da Requerente e de € 1.273,00 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 144.075,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Maio de 2019

 

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

A Árbitro Vogal

(Suzana Fernandes da Costa)

 

O Árbitro Vogal

(A. Sérgio de Matos)