Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 444/2018-T
Data da decisão: 2019-04-22  IVA  
Valor do pedido: € 80.607,12
Tema: IVA – Artigo 3.º-4, do CIVA – Transmissão de estabelecimento; Unidade de negócio.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Hélder Faustino e Dr. Arlindo José Francisco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

1. No dia 7 de setembro de 2018, a A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., em ... (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA) de maio de 2013 e correspondentes juros compensatórios bem como, do ato tributário de liquidação de IVA.

A Requerente juntou 15 (quinze) documentos.

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No essencial, a Requerente alega que:

O negócio jurídico efetivamente celebrado com a C..., Lda. foi um contrato de transmissão de ramo autónomo de negócio.

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 13 de setembro de 2018.

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 29 de outubro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 19 de novembro de 2018.

5. No dia 7 de janeiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.

5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta, a saber:

Para que à transmissão efetuada, fosse aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA a operação deveria englobar património suscetível de constituir um ramo de atividade independente.

No entanto, ao excluir-se os equipamentos informáticos que se encontravam no estabelecimento / imóvel, conclui-se que não foi transmitido o equipamento informático considerado indispensável para uma empresa que presta serviços de contabilidade possa continuar a atividade, logo não se transmitiu uma unidade económica, e a transmissão em causa, ainda que titulada pela 2.ª versão do contrato, não estava excluída de IVA.

5.2. A Requerida não requereu a produção de prova adicional e procedeu à junção do processo administrativo (doravante, PA) aos autos.

6. Por despacho de 14 de janeiro de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral coletivo de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 29 de abril de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. Em 16 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou requerimento declarando opor-se à decisão do Tribunal Arbitral coletivo de não realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, alegando que a não produção de prova testemunhal configura uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do Código do Processo Civil (CPC).

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo [cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT].

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

 

1. Questões a dirimir

a)            Saber se o negócio em causa nos presentes autos deverá beneficiar ou não das disposições contidas no nº 4 do artigo 3º do CIVA, retirando as respetivas consequências, para o ato de indeferimento da reclamação graciosa nº .../2017 da Direção de Finanças de Lisboa e para as respetivas liquidações de IVA e juros compensatórios (2017... e 2017...), no valor global de € 80 607,12.

b)           Se em caso de procedência do pedido, deverá a ATA ser condenada a indemnizar a requerente pelos prejuízos causados no âmbito dos processos de execução fiscal nºs ...2017... e ...2017..., que correm seus termos no Serviço de Finanças de Oeiras ... com a prestação da garantia bancária, nos termos do artigo 53.º da LGT.

 

2. MATÉRIA DE FACTO

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade anónima que declarou início de atividade em 15 de maio de 2001, cujo objeto social consiste na “prestação de serviços de gestão e contabilidade, consultadoria e formação, em especial na área de gestão, desenvolvimento de projectos, bem como comercialização de software e hardware e demais equipamentos conexos com as actividades desenvolvidas”, CAE principal – 69200 - “Actividades Contabilidade e Auditoria; Consultadoria Fiscal”, e cuja actividade se centra na prestação de serviços de contabilidade nas 8 (oito) unidades de negócio que compõem a A..., S.A..

b)           Para efeitos de tributação em sede de IVA, a Requerente é sujeito passivo nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Código do IVA, enquadrado no regime normal com periodicidade mensal, em conformidade com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º do Código do IVA.

c)            Em sede de ação inspetiva, a propósito da análise ao mapa de mais e menos-valias apresentado pela Requerente, a AT verificou que a menos-valia mais relevante respeita à alienação de participação financeira correspondente a 67% do capital social da sociedade B..., S.A. (NIPC: ...), que foi objeto de alienação pelo montante de € 300.000,00.

d)           A participação em causa foi adquirida em 2006, pelo montante de € 1.000.900,00.

e)           A Requerente apresentou cópias dos contratos de aquisição e de transmissão da participação financeira, assim como comprovativos dos respectivos meios de pagamento e recebimento.

f)            A participação em causa encontra-se refletida contabilisticamente pelo montante de total € 1.067.305,80 (Conta 411103 – “Participações de Capital – M.E. –B...– Inforegisto” - € 158.243,80 e Conta 44103 – “Goodwill – Inforegisto” - € 909.062,00).

g)            Do ponto de vista contabilístico, a Requerente evidenciou uma menos-valia de € 0,00, tendo desreconhecido o saldo da conta 41113 – “Inforegisto” no montante de € 158.243,80 e creditado apenas parte da conta 44103 – “Goodwill – Inforegisto”, no montante de € 141.756,20.

h)           O remanescente do goodwill, no montante de € 767.306,00, foi reafecto a outras unidades de negócio da Requerente.

i)             No período de tributação em apreço, a Requerente, através de contrato celebrado no dia 22 de abril de 2013, procedeu à transmissão de uma carteira de clientes pelo montante de € 300.000,00, para a sociedade C..., Lda. (NIPC:...).

j)             O referido contrato estabelece na sua Cláusula 4.ª, a revogação, por parte da Requerente, do contrato de sublocação realizado com a sociedade C..., Lda., relativo ao imóvel sito na Rua ..., ..., ...-..., em ... .

k)            Na Cláusula 5.ª, ambas as partes obrigam-se a diligenciar no sentido de se efetuar a cessão de posição contratual dos contratos de trabalho, relativos aos colaboradores D... e E... .

l)             Na Cláusula 6.ª, n.º 4, resulta que o preço incluiu o recheio do imóvel, com exceção dos bens propriedade da sociedade A..., S.A., tais como, todos os computadores, lettering e todo o material relativo à marca F... .

m)          Do contrato em causa não consta nenhuma listagem de bens do ativo transmitidos. [No Anexo n.º 1 apenas consta a identificação individual da carteira de clientes transmitida].

n)           Para efeitos da referida transmissão foi emitida pelo sujeito passivo a fatura no 1 FA 2013L/1738, de 3 de maio de 2013, à sociedade C..., Lda., pelo montante de € 300.000,00, constando da mesma como motivo da não sujeição a IVA, o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA.

o)           De acordo com o previsto Cláusula 6.ª, n.º 4, não foram objeto da transmissão os equipamentos que se encontravam no estabelecimento da Requerente, nomeadamente, todos os computadores, lettering e todo o material relativo à marca F... .

p)           A AT efetuou uma correção à Requerente, aplicando ao valor da contraprestação (€ 300.000,00), a taxa de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA, tendo apurado o montante de IVA a liquidar, no montante de € 69.000,00, no período de Maio de 2013.

q)           Em 19 de setembro de 2017, a Requerente exerceu o seu direito de audição, através de requerimento que deu entrada nos serviços da AT, sob o registo n.º 2017... .

r)            Em sede de direito de audição, a Requerente referiu que o contrato que se encontra junto no Anexo n.º 1 do relatório de inspeção foi revogado por um contrato designado de “Contrato de Transmissão de Unidade Económica sob Condição Suspensiva”, que se encontra junto no Anexo n.º 6.

s)            Da confrontação de ambos os contratos verifica-se que se encontram datados de 22 de abril de 2013, divergindo na designação do contrato (página 1), na Cláusula 1.ª (página 2), Cláusula 6.ª (página 4) e juntou novo anexo do Anexo n.º 2.

t)            Verifica-se, ainda, que as páginas que foram alteradas na 2.ª versão do contrato não se encontram rubricadas por todos os intervenientes do contrato. Concretamente, estas páginas exibem rúbricas apenas no canto superior direito, contrariamente às páginas que não foram alteradas que estão rubricadas nos cantos superior e inferior do lado direito.

u)           Da Cláusula 6.ª da 1.ª versão do contrato resulta que:

1.            A contrapartida a pagar pela SEGUNDA CONTRAENTE pela presente cessão de Carteira de Clientes corresponderá ao valor de 300.000,00 (trezentos mil euros) (o Preço);

2.            No dia 23 de Abril de 2013, a SEGUNDA CONTRAENTE paga, a título de sinal, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), através de cheque visado a entregar no estabelecimento da G...;

3.            Os restantes € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), serão pagos pela SEGUNDA CONTRAENTE até ao dia 10 de maio de 2013, através de cheque visado.

4.            O Preço inclui o recheio do lmóvel, com excepção dos bens, propriedade da PRIMEIRA CONTRAENTE, tais como, todos os computadores, lettering e todo o material relativo à marca F..., que a PRIMEIRA CONTRAENTE retirará do Imóvel, no prazo de dois dias, após realização do último pagamento.

5.            A PRIMEIRA CONTRAENTE mantém total acesso ao lmóvel para efeitos do disposto no número anterior.

6.            O presente contrato vale como título executivo nos termos da alínea c) do artigo 46.º do Código de Processo Civil.

7.            O pagamento do preço previsto neste contrato inclui a totalidade dos acertos de contas entre as partes entre as partes, por força dos contratos referidos no preâmbulo. As rendas e honorários e outras despesas do normal funcionamento do estabelecimento da A... em ... são da conta da PRIMEIRA CONTRAENTE até 30 de Abril e da conta da SEGUNDA CONTRAENTE a partir dessa data.

v)            Já da Cláusula 6.ª da 2.ª versão do contrato resulta que:

1.            A contrapartida a pagar pela SEGUNDA CONTRAENTE pela presente cessão da unidade económica corresponderá ao valor de 300.000,00 (trezentos mil euros) (o Preço);

2.            No dia 23 de Abril de 2013, a SEGUNDA CONTRAENTE paga, a título de sinal, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), através de cheque visado a entregar no estabelecimento da G...;

3.            Os restantes € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), serão pagos pela SEGUNDA CONTRAENTE até ao dia 10 de maio de 2013, através de cheque visado.

4.            O Preço inclui o recheio do lmóvel que consta do Anexo n.º 2, recheio a que se atribui o valor global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com excepção dos bens, propriedade da PRIMEIRA CONTRAENTE, tais como, todos os computadores, lettering e todo o material relativo à marca F..., que a PRIMEIRA CONTRAENTE retirará do Imóvel, no prazo de dois dias, após realização do último pagamento.

5.            A PRIMEIRA CONTRAENTE mantém total acesso ao lmóvel para efeitos do disposto no número anterior.

6.            O presente contrato vale como título executivo nos termos da alínea c) do artigo 46.º do Código de Processo Civil.

7.            O pagamento do preço previsto neste contrato inclui a totalidade dos acertos de contas entre as partes, por força dos contratos referidos no preâmbulo. As rendas e honorários e outras despesas do normal funcionamento do estabelecimento da A... em ... são da conta da PRIMEIRA CONTRAENTE até 30 de Abril e da conta da SEGUNDA CONTRAENTE a partir dessa data.

w)          O preço atribuído ao equipamento objeto de transmissão no montante de € 50.000,00, não se encontra refletido nos valores de realização do Mapa de Mais-Valias e Menos-Valias do Ativo Fixo Tangível disponibilizado pela Requerente [cfr. documento 7 anexo à P.I.].

x)            O valor de realização registado no Mapa de Mais-Valias e Menos-Valia é inferior ao aludido montante (€ 14.890,52). [Pela descrição dos bens alienados que consta do referido Mapa não se pode concluir que respeita ao contrato em apreço. Inclusivamente, verifica-se a alienação de 4 viaturas que não constam do Anexo n.º 2 do referido contrato].

y)            Constata-se ainda, que à luz do disposto no ponto 4 da Cláusula 6.ª, tanto na 1.ª como na 2.ª versão do mencionado contrato de cessão foram excluídos da transação todos os computadores propriedade da Requerente.

z)            Com efeito, na cópia da declaração apresentada pela Requerente, o adquirente declara que os bens excecionados no ponto 4 da Cláusula 6.ª foram retirados do Imóvel.

aa)         Em outubro de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2017..., referente ao período de maio de 2013, no montante de € 69.000,00, a que acrescem juros compensatórios no montante de € 11.607,12, correspondentes ao documento n.º 2017... .

bb)         Em 13 de dezembro de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho da Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa datado de 4 de junho de 2018.

cc)          Em 7 de setembro de 2018, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

4.MATÉRIA DE DIREITO

 

                A transmissão em análise resulta de um contrato celebrado entre a requerente e a sociedade comercial C... Ldª, datado de 22 de Abril de 2013, pelo qual foi emitida fatura nº 1 FA 2013L/1738 de 03 de Maio de 2013, no montante de € 300 000,00, com a indicação de tratar-se de ato não sujeito a IVA de harmonia com o disposto no nº 4 do artigo 3º do CIVA, suportando a requerente o seu ponto de vista no facto de em seu entender ter transmitido uma unidade de negócios que inclui as instalações, os clientes, os trabalhadores e todo o imobilizado afeto ao negócio, tendo apenas excluído o material relativo à marca F..., propriedade da Requerente, bem como alguns computadores que, estando fisicamente no local, não foram integrados no Anexo 2 do contrato, tendo a entidade adquirente mantido a atividade que vinha sendo desenvolvida pela Requerente, não tendo havido qualquer interrupção no serviço prestado aos clientes, o que aliás resulta evidenciado da IES da sociedade adquirente junta aos autos, nomeadamente no que se refere às vertentes de imobilizado, saldos de clientes, encargos com pessoal e prestação de serviços, limitando-se a ATA para fundamentar a decisão de não aplicabilidade do nº 4 do artigo 3º do CIVA, no facto de no referido contrato constar uma cláusula que deixa de fora o material da marca F... e os computadores lettering, o que por si só, no entender da requerente, é insuficiente para fundamentar a liquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

                Por sua vez, a ATA, considera que para à transmissão efetuada, fosse aplicável o disposto no mencionado preceito, a operação deveria englobar património suscetível de constituir um ramo de atividade independente; contudo, de acordo com o previsto no ponto 4 da cláusula sexta do contrato, não foram objeto transmissão os equipamentos que se encontravam no estabelecimento da Requerente, nomeadamente, todos os computadores, lettering e todo o material relativo à marca F... . E que a não inclusão de qualquer equipamento informático (hardware e Software), indispensáveis para o exercício da atividade do estabelecimento, o património transmitido não é suscetível de constituir um ramo de atividade independente, pelo que a referida transmissão deve ser sujeita a IVA nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do CIVA, dado que nestas circunstâncias não se estava a transmitir uma unidade económica, mas tão só parte de um património.

                Cumpre decidir.

                Transcreve-se o nº  4 do artigo 3º do CIVA “Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º”

                Da análise deste normativo, que faz uma delimitação negativa das regras de incidência, concluímos que a sua aplicabilidade está dirigida à transmissão da universalidade do património do estabelecimento comercial ou à transmissão de uma parte dele e estabelecendo, para o efeito, que o património transmitido por si só seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, ou quando em qualquer dos casos o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de IVA de entre os referidos na alínea a) do nº1 do artigo 2º do CIVA.

                O legislador fiscal não impõe a obrigatoriedade que a transmissão abranja a totalidade do património do estabelecimento, poderá ser parte, mas a final teremos que estar em presença de uma unidade de atividade independente e que o seu adquirente já seja, ou venha ser, por força da aquisição um sujeito passivo de IVA nos termos já referidos e continue a exercer a mesma atividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, prosseguindo sem interrupções a aludida atividade. 

                No caso em apreço, revelam os autos que se verificou a transmissão de parte do património do estabelecimento, nomeadamente, da carteira de clientes, dos contratos de trabalho de colaboradores, do recheio do imóvel, da revogação do contrato de sublocação do imóvel ainda que sob condição de bom pagamento ficando excluído o material com a designação F... e os computadores lettering.

                Os serviços inspetivos da requerida concluíram que, pelo facto, da transmissão não incluir o equipamento informático referido (hardware e software) indispensáveis ao exercício da atividade do estabelecimento, a transmissão não poderia ser enquadrada no nº 4 do artigo 3º do CIVA, sem no entanto referirem se este era o único material informático existente na unidade e, por via da sua não inclusão, a unidade ficou impedida de exercer a atividade que lá vinha, no local, sendo exercida, se de facto a adquirente lá continua a desenvolver ou não atividade que vinha sendo exercida pela transmitente ou se os clientes transferidos para a adquirente estão a cumprir as suas obrigações fiscais, dados que, sem grande esforço da requerida, por os deter poderia ter canalizado para os autos por forma a sustentar o seu ponto de vista.

                Os autos revelam, sem contestação da requerida, que que a adquirente ficou instalada no local no exercício da atividade que anteriormente era exercida pela requerente.

               Do exposto consideramos verificadas as condições impostas pelo normativo em análise, pelo que a liquidação levada a efeito pela ATA se encontra insuficientemente fundamentada, na medida em que, não basta dizer que o material informático era indispensável ao exercício da atividade, sem se referir da existência de outro que tenha sido transmitido, sem nada dizer sobre a entidade adquirente quanto ao desenvolvimento da atividade, uma vez que ficou no local, com os clientes e outros, se era ou não um sujeito passivo que praticasse exclusivamente operações tributadas.

 

III. 3 – Da indemnização da requerente pelos prejuízos causados no âmbito dos processos de execução

                A Requerente requer que lhe seja reconhecido direito a indemnização por garantia que prestou com vista à suspensão dos processos de execução fiscal já identificados nos autos.

                O processo arbitral é meio próprio para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                Está provado nos autos que a Requerente apresentou à ATA garantia datada de 21 de Dezembro de 2017, com vista à suspensão dos já referidos processos de execução fiscal e que até à data da propositura do procedimento arbitral, já tendo despendido o montante de € 3 909,42 desconhecendo-se qual o valor que ainda irá despender, pelo que, embora se reconheça o direito, não pode o tribunal concretizar o valor a indemnizar, o que poderá ocorrer em sede de  execução de julgado.

 

IV. DECISÃO

 

Face ao exposto decide este Tribunal:

 

Julgar totalmente procedente o pedido e, em consequência,

 

A)           Anular o sobredito ato de indeferimento da reclamação graciosa nº.../2017 da Direção de Finanças de Lisboa, mantendo-o na ordem jurídica;

B)           Anular as liquidações de IVA e juros compensatórios objeto dos autos (2017... e 2017...), no valor global de € 80 607,12;

C)           Condenar a Administração Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de indemnização à Requerente, nos termos do artigo 53º, da LGT, a liquidar em execução de julgado;

D)           Fixar o valor do processo em € 80.607,12, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC, 97-A do CPPT e 3º, nº2 do RCPAT;

E)            Condenar a Requerida nas custas do processo (nº 4 do artigo 22º do RJAT) e

F)            Fixar as custas no montante de € 2 754,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.

 

 

Lisboa, 22 de abril de 2019

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

(José Poças Falcão)

(Hélder Faustino)

(Arlindo José Francisco)