Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 550/2018-T
Data da decisão: 2019-05-02  IMT  
Valor do pedido: € 2.135.269,98
Tema: Fundos de Investimento Imobiliário. Isenção de IMT – Artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Rui Rodrigues e Dra. Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16 de janeiro de 2019, acordam no seguinte:

 

1 - Relatório

1.1 – “A...- Sucursal em Portugal”, contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º ... –... andar, em Lisboa, doravante designada por «Requerente», sucursal portuguesa de uma sociedade civil de investimento imobiliário de capital variável constituída ao abrigo do direito francês, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 9 de abril de 2018, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 6 de novembro de 2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.ºs ... de 09 de abril de 2014 e ... de 16-12-2014, nos montantes de 269 750,00 € e 1 865 519,98 €, respetivamente.

 

1.3 - Requer ainda a condenação da “AT” ao reembolso dos montantes pagos respeitante às referidas liquidações, no montante global de 2 135 269,98 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 12 de novembro de 2018.

 

1.6 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 26 de dezembro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 16 de janeiro de 2019.

 

1.9 - A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 17 de janeiro de 2019, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.11 - Em 15 de fevereiro de 2019 a Requerida informou não pretender apresentar Resposta. Contudo, juntou processo administrativo composto por 142 fls., das quais 100 correspondem ao PA-1 e as restantes ao PA-2.

 

1.14 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 21 de fevereiro de 2019, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, no prazo simultâneo de 20 dias.

 

1.15 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 6 de maio de 2019.

 

1.16 – Em 14 de março de 2019 a Requerente apresentou as suas Alegações, concluindo pela ilegalidade das liquidações impugnadas, devendo as mesmas ser anuladas, com o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

1.17 – A Requerida optou por não apresentar alegações.

 

 

Posição da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

É um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França sob a forma Société Civile de Placement Immobilier, e sujeito ao regime previsto nos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês e dos artigos L.214-50 a L.214-84 e R.214-116 a R.2014-143 do Código Monetário e Financeiro Francês; assim como ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

Que se dedica ao investimento coletivo em património imobiliário, através da contribuição de vários investidores, de acordo com a política de investimento definida pela respetiva sociedade gestora e em obediência a um princípio de repartição de riscos.

Tem a sua atividade sujeita a autorização e supervisão dos reguladores competentes (a Authorité des Marchés Financiers em França e a CMVM em Portugal).

É gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento, a B..., matriculada no Registo de Comércio e de Sociedades de Paris sob o n.º..., autorizada e sujeita à supervisão da AMF sob o n.º GP-..., de 14 de abril de 2011.

                Nesta medida, a natureza e o regime aplicável à Requerente são em tudo idênticos aos das sociedades de investimento imobiliário de capital variável (SICAVI) heterogeridas, reguladas na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

As SICAVI assumem a forma societária, nos termos previstos no artigo 11.º da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

São organismos de investimento coletivo imobiliário que “Têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes” [cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea aa) da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro];

Estão sujeitas a um regime de autorização e supervisão pela CMVM [cf. artigos 19.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro]; e

São geridas por uma terceira entidade, sujeita a registo junto da CMVM [cf. artigos 11.º, n.º 3, 54.º e 69.º e seguintes da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro].

E a evidente similitude entre regimes jurídicos (decorrente do facto de a Lei portuguesa e o Código francês resultarem da transposição da Diretiva 2011/61/EU, de 8 de junho de 2011) é, naturalmente, acompanhada pela identidade entre a função económica da Requerente e a das SICAVI portuguesas, que desempenham exatamente o mesmo papel no mercado, agregando investimento da mesma natureza em condições similares.

Assim sendo, a Requerente é, manifestamente, uma entidade equiparável aos organismos de investimento coletivo nacionais e não existe qualquer justificação formal ou material para lhe aplicar um tratamento menos favorável, razão pela qual é inadmissível considerar que a norma de isenção prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, não se aplica às aquisições feitas pela Requerente.

Sublinha que o Tribunal Arbitral constituído pelo CAAD é indiscutivelmente um órgão jurisdicional para efeitos da aplicação do artigo 267.º do TFUE [cf. Acórdão proferido pelo TJUE em 12 de junho de 2014 no processo C-377/13 (Ascendi)] e, nessa medida, está obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça as questões relativas à interpretação do direito da União Europeia sempre que as mesmas sejam relevantes para o julgamento da causa. Esta obrigação só se afasta na possibilidade de o Tribunal Arbitral considerar o regime manifestamente claro [cf., por exemplo, o Acórdão proferido em 6 de outubro de 1982 no Processo C-283/81 (Cilfit)] ou a matéria já tiver sido tratada pelo TJUE num processo relativo a uma questão similar [cf., por exemplo, o Acórdão proferido em 9 de setembro de 2015, no processo C-160/14 (João Filipe Ferreira da Silva e Brito)].

Nestes termos, se na hipótese – que não se sufraga – de não considerar claro que, tal como interpretado nos Acórdãos acima referidos, que o direito da União Europeia se opõe à não aplicação da norma de isenção constante do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, às aquisições em causa no presente pedido, o Tribunal Arbitral é “obrigado a submeter essa questão ao Tribunal de Justiça, reenviando-lhe o processo a título prejudicial.

A Requerente reitera que a isenção consagrada no artigo 1.º do Decreto-lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, se aplica uniformemente a todos os fundos de investimento, tenham eles natureza contratual ou societária, razão pela qual o facto de a Requerente ser uma sucursal de uma sociedade de investimento imobiliário, também não pode, em caso algum, justificar a não aplicação do regime às aquisições em causa no presente processo.

No âmbito da sua atividade, a Requerente adquiriu diversos imóveis descritos sob os artigos 4.º e 10.º do ppa, cfr. escrituras de compra e venda celebradas em 9 de abril de 2014 e 16 de dezembro de 2014 (documentos n.ºs 11 e 12, respetivamente), tendo suportado o IMT, no montante global de 2 135 269,98 €, liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Porém estas aquisições encontram-se isentas de IMT por força do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, conjugado com o n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, sendo que aquele diploma, à data dos referidos factos geradores do imposto, ou seja, à data da transmissão dos referidos imóveis, encontrava-se em vigor.

Sendo que este é o entendimento uniformemente acolhido nas seguintes Decisões Arbitrais proferidas sobre esta matéria: Processo n.º 544/2016, de 28-04-2017; 677/2016, de 20-06-2017; 440/2017, de 15-01-2018; 547/2017, de 15-03-2018; 580/2017, de 09-03-2018; 622/2017, de 24-05-2018; e 188/2018, de 20-09-2018.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação das liquidações impugnadas com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

2 - Saneamento

2.1 – O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência da formação de indeferimento tácito do pedido de revisão nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), enviado em 9 de abril de 2018, através dos serviços postais (registo n.º RH ... PT), à Autoridade Tributária e Aduaneira, mais precisamente à Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, cfr. documento n.º 1 junto com o ppa (alínea n) do probatório infra).  

Deste modo mostra-se absolutamente necessário aferir da tempestividade do mesmo.

Com efeito refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

A liquidação ínsita no documento n.º..., no montante de 269 750,00 €, foi efetuada em 9 de abril de 2014 e o pagamento ocorreu no dia seguinte, cfr. documentos n.ºs 2 e 10, respetivamente (alíneas g) e h) do probatório). Por outro lado, a liquidação ínsita no documento n.º..., no montante de 1 865 519,98 €, foi efetuada em 16 de dezembro de 2014 e paga na mesma data, cfr. documento n.º 3 (alíneas k) e l)).

Assim a revisão dos atos tributários de liquidação deveriam ocorrer, se efetuados por iniciativa da Reclamante, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou no prazo de quatro anos após a liquidação, se efetuados por iniciativa da administração tributária.

Porém, vem sendo entendido pela jurisprudência que a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado. E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro. - - - 

No mesmo sentido Jorge Lopes de Sousa e outros  quando referem: “(…) De qualquer forma, o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (…). Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impede o contribuinte de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta”.

Deste modo, considerando que as liquidações impugnadas foram efetuadas em 09-04-2014 e 16-12-2014 e que o pedido de revisão foi enviado à entidade competente em 09-04-2018, ter-se-á de concluir pela sua tempestividade, uma vez que não foi excedido o prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, cfr. o disposto na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.

Pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, o referido pedido de revisão deveria ter sido decidido no prazo de quatro meses a contar da referida data (09-04-2018), ou seja, até 09-08-2018, cujo incumprimento após esta data faz presumir o indeferimento tácito para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, cfr. n.º 5 daquele artigo.

Como explica o Exm.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa , “O indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas”.

Resultando da “inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas”, pela não prolação de decisão sobre tais pretensões, no prazo que, legalmente lhe seja conferido para tal.

Ou seja, e em suma, a presunção de indeferimento tácito decorre da violação do dever legal de decidir que assiste à AT.

Conforme escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa , “ A criação de um dever legal de decidir tem como finalidade possibilitar a formação de um acto tácito de indeferimento, que depende da existência de tal dever, e a previsão da formação de um acto deste tipo tem como única justificação possibilitar a sua impugnação contenciosa”.

 

Assim, por força do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT o pedido de revisão dos atos tributários de liquidação presume-se tacitamente indeferido para efeitos de impugnação judicial em 10 de agosto de 2018, pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de constituição de tribunal arbitral poderia ser apresentado até 10 de novembro de 2018, ou seja, no prazo de 90 dias contado a partir da data da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão dos atos tributários.

Pelo que, sendo o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado em 6 de novembro de 2018, o mesmo é manifestamente tempestivo.

 

2.2 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.3 - O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer exceções.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2.5 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            A Requerente tem a natureza jurídica de “Representação Permanente”, sendo o objeto social a aquisição e gestão de bens imobiliários situados em Portugal e, de forma geral, a desenvolver a atividade da sociedade em Portugal. É representada da sociedade “C...”, de nacionalidade francesa, com sede em ... Paris, sendo seu objeto a aquisição e gestão de património imobiliário para arrendamento em França e na Zona Euro, cfr. publicação online da constituição da sucursal, que constitui o documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa). 

 

b)           A sociedade representada tem a forma jurídica de “Sociedade civil de investimento imobiliário de capital variável”, está matriculada desde 28-02-2012, e encontra-se sujeita ao regime previsto nos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês e dos artigos L.214-50 a L.214-84 e R.214-116 a R.2014-143 do Código Monetário e Financeiro Francês; assim como – na medida em que desenvolve a sua atividade em Portugal – ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (que transpõem para o direito interno de França e de Portugal, a Diretiva 2011/61/EU, de 8 de junho de 2011), cfr. cópias da certidão do registo comercial francês e da publicação registral relativa aos respetivos títulos, devidamente traduzidas, que constituem os documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o ppa.

 

c)            A sociedade representada dedica-se ao investimento coletivo em património imobiliário, através da contribuição de vários investidores, de acordo com a política de investimento definida pela respetiva sociedade gestora e em obediência a um princípio de repartição de riscos, cfr. os referidos doc.s 4 a 6, e as cópias do Prospeto e do Key Information Document da Requerente, devidamente traduzidos, e que constituem os documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o ppa.

 

d)           A sociedade representada tem a sua atividade sujeita a autorização e supervisão do regulador competente, a Autoridade dos Mercados Financeiros «Authorité des Marchés Financiers» (AMF), que lhe emitiu o “visto S.P.C.I. n.º 12-14”, de 24 de julho de 2012, cfr. documento n.º 9 junto com o ppa, igualmente traduzido para português, assim como, na medida em que desenvolve atividade em Portugal, à supervisão da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”).

 

e)           A sociedade representada é gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento – a B..., matriculada no Registo de Comércio e de Sociedades de Paris sob o n.º..., autorizada e sujeita à supervisão da referida AMF, cfr. citados documentos n.ºs 5, 7 e 8.

 

f)            Em 9 de abril de 2014, a Requerente apresentou uma declaração modelo 1 de IMT, manifestando à Administração Tributária a intenção de adquirir à sociedade D..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ... em Lisboa, pelo preço de 4 150 000,00 € (quatro milhões, cento e cinquenta mil euros) a fração autónoma identificada pela letra “A”, destinada ao comércio, correspondente ao rés-do-chão do Bloco Central do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, sita na ..., em Braga, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (... e ...), concelho de Braga, sob o artigo..., e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º..., cfr. documento n.º 2 junto com o ppa.

 

g)            Em 09 de abril de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedeu à liquidação de IMT ínsita no documento n.º..., no montante de 269 750,00 €, respeitante à referida transmissão onerosa, cfr. documento n.º 2 junto com o ppa.

 

h)           Em 10 de abril de 2014 a Requerente procedeu ao pagamento do montante liquidado, cfr. documento n.º 10 junto com o ppa.

 

i)             Por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de E..., sito na ..., n.º..., em Lisboa, em 11 de abril de 2014, a referida fração autónoma foi adquirida pela A..., ficando consignado na referida escritura que a citada declaração modelo 1 de IMT bem como o respetivo comprovativo do pagamento ficaram arquivados na mesma, cfr. documento n.º 11 junto com o ppa.

 

j)             Em 16 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou uma declaração modelo 1 de IMT, manifestando à Administração Tributária a intenção de adquirir à sociedade Fundo Especial Fechado de Investimento Imobiliário F..., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., em Lisboa, pelo preço global de 28 700 307,00 € (vinte e oito milhões, setecentos mil, trezentos e sete euros) os seguintes prédios, cfr. documento n.º 12 junto com o ppa:

1.            O prédio urbano destinado à habitação, sito na ..., ..., em Tondela, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Tondela, sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º ...  da referida freguesia de ... e sob o n.º ... da freguesia de ..., pelo preço individual de € 5.478.275,00 (cinco milhões quatrocentos e setenta e oito mil, duzentos e setenta e cinco euros);

2.            O prédio urbano destinado ao comércio, sito no ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção, sob o artigo..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o n.º ... da freguesia de ... pelo preço individual de € 5.463.319,00 (cinco milhões quatrocentos e sessenta e três mil trezentos e dezanove euros);

3.            O prédio urbano destinado ao comércio sito no lugar de ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Cerveira, sob o artigo..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Cerveira sob o n.º ... da referida freguesia, pelo preço individual de € 6.181.237,00 (seis milhões cento e oitenta e um mil duzentos e trinta e sete euros);

4.            O prédio urbano destinado ao comércio sito em ..., Vizela, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (... e ...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o n.º ... da freguesia de ..., pelo preço individual de € 5.915.769,00 (cinco milhões novecentos e quinze mil setecentos e sessenta e nove euros); e

5.            O prédio urbano destinado ao comércio sito no lugar ..., Vila Verde, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., concelho de Vila Verde, sob o artigo..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n.º... da freguesia de ..., pelo preço individual de € 5.661.707,00 (cinco milhões seiscentos e sessenta e um mil setecentos e sete euros).

 

k)            Em 16 de dezembro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedeu à liquidação de IMT ínsita no documento n.º..., no montante de 1 865 519,98 €, respeitante à referida transmissão onerosa, cfr. documento n.º 3 junto com o ppa.

 

l)             Na mesma data a Requerente procedeu ao pagamento do montante liquidado, cfr. vinheta aposta no documento n.º 3 junto com o ppa.

 

m)          Por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de G..., sito na ..., n.º..., em Lisboa, em 19 de dezembro de 2014, os referidos prédios foram adquiridos pela A..., ficando consignado na referida escritura que a citada declaração modelo 1 de IMT bem como o respetivo comprovativo do pagamento ficaram arquivados na mesma, cfr. documento n.º 12 junto com o ppa.

 

n)           Em 09 de abril de 2018 (registo n.º RH ... PT) a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos referidos atos de liquidação, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, cfr. documento n.º 1 junto com o ppa.

 

o)           Em 6 de novembro de 2018 foi apresentado pela Requerente pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidendum reconduz-se a saber se à data em que os prédios antes referidos foram transmitidos (11-04-2014 e 19-12-2014) o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, estava em vigor no ordenamento jurídico.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade das liquidações impugnadas; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

4.1 - Da (i)legalidade das liquidações impugnadas

Defende a Requerente que as liquidações de IMT n.ºs..., no montante de 269 750,00 € e..., no montante de 1 865 519,98 € são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito em que assentou a sua emissão, quer porque à data em que as mesmas foram efetuadas vigorava na ordem jurídica a norma de isenção contida no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, segundo a qual “São isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”, quer porque tal norma não poderia deixar de lhe ser aplicável, face à sua natureza de organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França sob a forma Société Civile de Placement Immobilier, sujeito ao regime previsto nos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês e dos artigos L.214-50 a L.214-84 e R.214-116 a R.2014-143 do Código Monetário e Financeiro Francês e, em Portugal, ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, regimes que resultaram da transposição da Diretiva 2011/61/UE, de 8 de junho de 2011.

 

A questão relativa à vigência do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, já foi objeto de várias decisões arbitrais, todas concordantes no sentido da sua manutenção em vigor à data dos factos, não tendo sido nem expressa nem tacitamente revogada.

 

Efetivamente, a revogação expressa da referida norma foi operada pelo artigo 319.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019.

 

Vejamos então:

As normas jurídicas são normas de conduta e, como tal, participam dos princípios da segurança e da certeza jurídicas, garantindo que as expetativas em que cada um baseia as suas decisões são conformes à estabilidade da vida social e que a todos é possível saber quais as normas que se encontram em vigor em cada momento, para por elas poder balizar as suas escolhas.

 

No que respeita ao termo de vigência das leis, prevê o artigo 7.º, do Código Civil, que as mesmas podem deixar de vigorar por caducidade ou por revogação, expressa ou tácita:

 

“Artigo 7.º - Cessação da vigência da lei

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

3. A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.”.

 

Assim, a lei apenas caducará por facto superveniente nela previsto, se se destinar a ter vigência temporária; caso contrário, a lei cessará a sua vigência se for revogada, expressa ou tacitamente, parcial ou totalmente com a entrada em vigor de uma nova lei.

 

O Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, de acordo com o seu preâmbulo, foi emitido na sequência da regulamentação da atividade dos Fundos de Investimento Imobiliário pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, reconhecendo o Governo “o importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no setor imobiliário. Acrescem os efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.”.

 

Sendo aqueles motivos considerados relevantes, justificaram a definição de “um quadro fiscal adequado” a potenciar as condições necessárias à criação de fundos de investimento com aquelas caraterísticas que incluiu, entre outras medidas, a estabelecida no seu artigo 1.º, do benefício de isenção de Sisa para “as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora”.

 

Não contendo o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, qualquer norma que estabeleça a sua vigência temporária, deverá concluir-se não ter o seu artigo 1.º deixado de vigorar por caducidade.

 

Vejamos então se ocorreu a sua revogação, expressa ou tácita, nomeadamente por “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.

 

O artigo 28.º, Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o Código do IMI e o Código do IMT, contém uma norma de remissão referente aos benefícios fiscais avulsos em sede de contribuição autárquica e do imposto municipal de sisa, a transitar para os novos imposto municipal sobre imóveis e imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, respetivamente, do seguinte teor:

“Artigo 28.º - Remissões

1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).

2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.”

 

Por seu turno o n.º 6 do artigo 31.º, do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, estabelece que “6 - Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.”

 

Da interpretação conjunta das normas dos artigos 28.º e do n.º 6 do artigo 31.º, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, resulta, com razoável grau de certeza, que o benefício fiscal em análise se manteve após a reforma da tributação do património, não havendo notícia da sua revogação expressa à data dos factos.

Daí que o legislador tivesse sentido a necessidade de proceder à revogação expressa do mencionado artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, pelo artigo 319.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019.

 

Tanto bastaria para afastar a hipótese da eventual revogação tácita do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

 

Não obstante, sempre se dirá que, para averiguar se à data dos factos havia operado a revogação tácita daquela norma, haveria que indagar da sua (in)compatibilidade com as novas disposições do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ou se estas vieram regular a mesma matéria anterior, como exige o n.º 2 do artigo 7.º, do Código Civil.

 

Na sequência da autorização concedida ao Governo pelo artigo 12.º, da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, reviu os articulados do EBF, tendo estabelecido, no seu artigo 46.º, a isenção de contribuição autárquica para “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional e em fundos de poupança-reforma.”.

 

O artigo 46.º, do EBF, viria a ser alterado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, aí se estabelecendo a isenção de IMI e de IMT para “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional” (n.º 1), beneficiando os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular da redução das taxas de IMI e de IMT para metade (n.º 2).

 

O Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, procedeu à alteração e republicação do EBF, passando o anterior artigo 46.º a ser renumerado como artigo 49.º, com a mesma redação. Este artigo 49.º, do EBF, após as alterações operadas pelas Leis n.º 3-B/2010, de 28 de abril, n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, determinando esta última a redução para metade das taxas de IMI e de IMT “aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, viria a ser revogado pelo artigo 215.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.

 

Procedendo-se a uma análise comparativa da redação dada ao artigo 46.º, do EBF, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro e a do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, crê-se não resultar qualquer incompatibilidade normativa, pois enquanto esta última estabelece a isenção de sisa para “as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”, aquela, veio estabelecer as isenções de IMI e de IMT para “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

 

Haverá assim que concluir, tal como na decisão proferida no processo n.º 544/2016-T, que “a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 46.º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46.º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses mesmos imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46.º do EBF. No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes.

(…)

Não obstante as diferenças estruturais que separam ambas as isenções, a verdade é que em ambos os casos as sociedades gestoras de fundos de investimento são colocadas numa posição economicamente vantajosa: ou porque não têm que pagar o IMT quando adquirem imóveis para os integrar no respectivo fundo de investimento imobiliário, ou porque os podem colocar no mercado mais facilmente em virtude de o prospetivo adquirente estar isento de IMT. As novas disposições e as regras precedentes não só são inteiramente compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.

Compreende-se bem a isenção de IMI a favor dos imóveis integrados em fundos imobiliários, na medida em que isso os liberta do pagamento deste imposto anual sobre o património imobiliário, prevista no artigo 46.º do EBF antes da redação que lhe foi dada pela Lei LOE de 2007. No entanto, também não é negligenciável a utilidade de que a isenção de IMT, acrescentada por este diploma, se revista no caso das transações de imóveis integrados em fundos imobiliários.

(…)”.

 

Em face do exposto, deverá, pois, concluir-se pela manutenção em vigor o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, até à sua revogação expressa pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

Questão diversa é a de saber-se se, embora vigorando na ordem jurídica nacional, a isenção estabelecida pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, aproveitaria à Requerente, na qualidade de sucursal em Portugal de uma “Sociedade civil de investimento imobiliário de capital variável”, constituída ao abrigo do direito francês e com sede em França, gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, matriculada em França ou, dito de outro modo, se a eventual não aplicação da referida isenção às aquisições de imóveis efetuadas pela Requerente em território nacional, se revelaria contrária ao direito da União Europeia, nomeadamente por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, ínsito no artigo 63.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Efetivamente, tratando-se de uma relação jurídico-tributária que apresenta conexão com ordenamentos jurídicos de dois países da União Europeia, o tribunal nacional pode ser chamado a dirimir o litígio através da aplicação de uma norma de direito comunitário e, em caso de dúvida sobre a interpretação a dar à norma comunitária, deve suscitar o reenvio prejudicial (artigo 267.º, do TFUE) para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), ao qual compete pronunciar-se sobre a interpretação e validade das normas comunitárias tendo em vista uma aplicação uniforme dos tratados e da legislação da União Europeia no espaço comunitário.

 

A Requerente pede expressamente que, caso o presente tribunal arbitral, na qualidade de órgão jurisdicional nacional (como tal reconhecido pelo TJUE no Acórdão Ascendi, processo C-377/13, disponível em http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-377/13&language=PT), sufrague o entendimento de que a isenção de IMT a que se refere a norma do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, não se aplica às aquisições de imóveis por si efetuadas, suscite a intervenção do TJUE.

 

Contudo, não haverá lugar ao reenvio prejudicial “quando já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) ou quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.” .

 

Dispõe o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, sem prejuízo do direito a que alude o artigo 65.º, do TFUE, de os Estados Membros aplicarem as suas disposições de natureza fiscal “que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, desde que estas não constituam “um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos”.

 

Atendendo à abundante jurisprudência do TJUE relativa à interpretação do artigo 63.º, do TFUE (liberdade de circulação de capitais) no âmbito da tributação direta, concluir-se-á que “reconhecer apenas aos sujeitos passivos residentes o benefício da isenção, discrimina os operadores em função da residência e inibe os sujeitos passivos residentes noutros estados membros de aplicarem os seus investimentos em Portugal” .

 

Desde modo, não há como deixar de considerar que encontrando-se a Requerente em situação equiparável à dos organismos de investimento coletivo constituídos em Portugal, também ela beneficiará da isenção de IMT nas aquisições de imóveis situados em território nacional.

 

Termos em que as liquidações impugnadas não poderão manter-se, devendo ser anuladas.

 

 

4.2 – Do pedido de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o direito a juros indemnizatórios.

 

Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), de acordo com cujo n.º 1, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Embora na situação em análise as liquidações impugnadas enfermem de vício de violação de lei por erro da Administração Tributária sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentou a sua emissão, a Requerente não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial, mas antes um pedido de revisão oficiosa, em 9 de abril de 2018, ou seja, dentro do prazo de quatro anos após a data das liquidações, efetuadas em 9 de abril de 2014 e em 16 de dezembro de 2014.

 

Nestes casos, o direito a juros indemnizatórios não tem a mesma amplitude decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, antes sofre a restrição a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo citado, pois que, “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.

 

Assim, tendo o pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas sido formulado perante a Administração Tributária em 9 de abril de 2018, apenas poderá ser reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios a partir do termo de um ano após aquela data, pois “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.” .

 

 

5 - Decisão

Termos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

a.            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à declaração de ilegalidade das liquidações de IMT n.ºs ... e ..., no montante global de 2 135 269,98 €, determinando a respetiva anulação;

b.            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição à Requerente dos valores por esta indevidamente pagos;

c.            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular desde 9 de abril de 2019, à taxa legal sobre os valores a restituir, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 2 135 269,98 € (dois milhões, cento e trinta e cinco mil, duzentos e sessenta e nove euros e noventa e oito cêntimos).

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 27 846,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de maio de 2019

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

O Árbitro Presidente,

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal,

(Rui Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal,

(Mariana Vargas)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.