Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 519/2018-T
Data da decisão: 2019-05-23  IRC  
Valor do pedido: € 160.731,99
Tema: Dedutibilidade de custos; indispensabilidade do gasto – artigo 23º.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-01-2019, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

A)           Do Pedido

 

1.            Em 18-10-2018 a sociedade A..., LDA., sociedade comercial por quotas, registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com o número 2018... e o consequente ato de liquidação de juros com os números 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstrações de acerto de contas com o número 2018..., referente ao exercício de 2016, no valor total de €160.731,99.

 

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente foi aceite, em 19-10-2019 pelo Exmo. Sr. Presidente do CAAD e notificado automaticamente à AT, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não indicar árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. O tribunal ficou constituído em 02-01-2019.

 

3.            Em 02-01-2019 foi proferido despacho arbitral a notificar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta em 06-02-2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

4.            Em 25-02-2019, face à posição das partes evidenciadas nos autos, foi proferido despacho arbitral sobre a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, com o seguinte teor:

“A definição legal e função das provas estão estabelecidas no art. 341º, do CC: “(...)As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (...)”.

De acordo com o CPC, o direito e/ou conclusões das partes, de facto ou de direito, não podem ser objeto de prova (Cfr., v. g., ALMEIDA, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual, vol. II, Almedina, Coimbra, 2015, p. 225), sem prejuízo da situação excecional (que não vem agora ao caso) prevista no artigo 348º, CC, que inclui no objecto da prova certas normas jurídicas derivadas de direito consuetudinário, local ou estrangeiro. Ou seja: nos casos de conhecimento oficioso (situação normal) o Juiz deve determinar o conteúdo do direito e aplicá-lo (iura novit curia).

As provas são produzidas ou trazidas para análise dentro do processo com a função primordial de demonstração da verdade dos factos alegados pelas partes para a convicção do juiz, como prescreve o sobredito art. 341º, do CC.

In casu, não se surpreende controvérsia entre as partes relativamente à realidade dos factos, designadamente, os essenciais para o objeto e decisão do litígio.

Na verdade, relativamente ao pedido de pronúncia formulado pela Requerente, a própria AT reconhece, não impugna ou aceita que “(...) os factos estão devidamente suportados pela prova documental junta aos autos, estando assim em causa um juízo, exclusivamente, de aplicação do direito a esses factos (...)” [cfr 120º, da Resposta].

Assim sendo, ponderada a, pelo menos, aparente, ausência de objeto e/ou inutilidade da requerida diligência de inquirição de testemunhas e atento o disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e 130º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT, indeferir-se-á o pedido de produção de prova testemunhal formulado pela Requerente, a menos que sejam indicados os factos concretos com relevância sobre os quais é pretendida a produção de prova testemunhal e o Tribunal vier a reconhecer ulteriormente, para além da relevância, a natureza controvertida dos mesmos.

Prazo para que a requerente indique os factos concretos de entre os alegados, sobre os quais pretende produção de prova testemunhal: 5 (cinco) dias. Notifique-se. (…)”

 

5.            Em 04-03-2019, veio a Requerente pronunciar-se, por requerimento junto aos autos. Sumariamente vem dizer que “considera a realização de uma audiência de inquirição das testemunhas arroladas poderá constituir um contributo imprescindível para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto constante dos artigos 11.º a 13.º, 18.º a 20.º, 24.º a 28.º 29.º e 30.º, 35.º a 42.º, 45.º a 51.º, 59.º a 65.º, 72.º, 75.º, 77.º a 85.º e 111.º a 114.º da petição inicial. (…) Com efeito, deverá atender-se à circunstância de a liquidação adicional objeto da presente impugnação, determinada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, assentar numa sequência de atos, a respeito dos quais são necessários alguns esclarecimentos, apenas suscetíveis de demonstração e contextualização pela via testemunhal. Em face do exposto, e de harmonia com o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do CPC, pretende a Requerente que seja promovida a diligência de inquirição das testemunhas em ordem a que sejam fornecidos os esclarecimentos que se afigurem pertinentes sobre a matéria de facto, contribuindo-se desse modo para o cabal esclarecimento da normalidade, da razoabilidade e da não censurabilidade, no plano jurídico-normativo, das operações subjacentes ao ato de liquidação sob impugnação.

Sem prescindir do exposto, mais se informa que corre termos neste tribunal um outro processo – processo n.º 464/2018-T – cujos factos alegados coincidem com os da presente lide. Nesse outro processo o tribunal constituído entendeu pertinente a inquirição das testemunhas arroladas, porquanto perspetiva-se com interesse, adicional ou alternativamente à produção de prova testemunhal no âmbito dos presentes autos, o aproveitamento daquela nesta lide, caso, naturalmente, nisso vejam os Ex.mos Senhores Árbitros efetivas vantagens.”

 

6.            No seguimento da posição da requerente, o Tribunal proferiu despacho arbitral, em 09-03-2019, no qual dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, considerando: “a) que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e b) que não há exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido nem necessidade aparente de correção de peças processuais. (…) O Tribunal continua a não antever utilidade/necessidade na inquirição de testemunhas. No entanto e conforme requerido pela demandante e salvo oposição expressa e fundamentada da parte contrária, considerará este Tribunal na apreciação e para a decisão da matéria de facto, os depoimentos prestados pelas testemunhas no processo nº464/2018-T, que corre termos no CAAD entre as mesmas partes alegadamente com discussão sobre a mesma matéria de facto destes autos [cfr artigo 421º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT]”. No mesmo requerimento fixou-se o prazo de 20 dias para alegações finais das partes e foi indicada a data de 03-06-2019 como data provável para prolação da decisão final.

 

7.            Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, respetivamente, em 26-03-2019 e 04-04-2019. Em 23-04-2019 o Tribunal solicitou ao CAAD que disponibilizasse a gravação da prova da inquirição de testemunhas realizada no processo nº 464/2018-T, conforme indicação da requerente. A gravação foi enviada ao tribunal a 24-04-2019.

 

B)           A POSIÇÃO DAS PARTES E A QUESTÃO A DECIDIR

 

Em síntese, a Requerente, no pedido arbitral, insurge-se contra a conclusão do procedimento inspetivo que decorreu durante o ano de 2018, mas já iniciado em 2017, por via do qual a Direção de Serviços de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT) efetuou correções ao lucro tributável declarado pela Requerente com referência aos exercícios de 2014, 2015 e 2016. Estas correções deram origem às liquidações adicionais de imposto impugnadas neste pedido arbitral. Assim, alega que as correções efetuadas se consubstanciam na desconsideração fiscal, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, de parte dos encargos financeiros suportados, no exercício de 2016, com financiamentos externos, os quais deviam, outrossim, ter sido aceites por imprescindíveis à atividade desenvolvida pela Requerente. Não aceita, pois, o entendimento vertido no Relatório da Inspeção Tributária (RIT) e corroborado pela Direção de Finanças, segundo o qual, os financiamentos contraídos pela Requerente para a concessão de prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos, a título gratuito, às suas participadas «B... », «C..., S.A.», «D..., Lda. », «E..., Lda. », «F..., S.A.», «G..., Lda. » e «H..., S.A.», «I..., S.A.», não sejam considerados como um gasto dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC. No caso está em causa apenas o exercício de 2016.

 

Do ponto de vista da Requerente, estes financiamentos justificaram-se pela necessidade de socorrer financeiramente as suas participadas, em anos de crise. Enuncia um conjunto detalhado de situações reportadas a cada uma das participadas, para justificar a necessidade objetiva de financiamento concedido. O reforço de capital assim obtido, deve ser visto como um investimento no futuro de cada uma das participadas, razão pela qual não promoveu a cobrança de juros. Conclui, ainda, alegando que cobrança de juros, nas situações descritas, agravaria a situação financeira das sociedades participadas, em risco de insolvência, o que poderia colocar em perigo todo o grupo, bem assim como as centenas de postos de trabalho que proporcionam. Por último, considera que as correções efetuadas não se encontram suficientemente fundamentadas e violam o disposto no artigo 23º do CIRC, porquanto os custos com os financiamentos obtidos devem ser considerados como gastos imprescindíveis à formação do lucro tributável, contrariamente às conclusões vertidas no RIT. As liquidações de imposto impugnadas, por terem subjacente as conclusões do RIT enfermam, segundo a Requerente, de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, devendo ser anuladas com todas as consequências legais.

 

A posição da Requerida AT, é a que resulta da Resposta junta aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a qual, no essencial, reproduz o teor do Relatório da Inspeção Tributária (RIT) junto aos autos. Assim, alega em defesa da sustentação dos considerandos e das conclusões contidas no RI, tal como já havia sido corroborado pela Direção de Finanças competente. Em conclusão, considera que não está comprovada a indispensabilidade dos custos suportados pela Requerente com financiamentos externos obtidos para financiar, gratuitamente, as suas participadas. Pelo que, entende que tais custos não são dedutíveis por não se verificar o pressuposto da “indispensabilidade” previsto no artigo 23º do CIRC. Em conclusão, vem a AT pugnar pela legalidade do procedimento que conduziu às correções subjacentes às liquidações de imposto e juros aqui impugnadas.

 

Esta é, pois, a questão a decidir por este Tribunal arbitral.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

O processo não padece de vícios que o invalidem.

Cumpre decidir.

 

III – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

A)           Factos Provados:

a.            A Requerente foi constituída, em outubro de 1981, como sociedade por quotas, tendo iniciado a sua produção em janeiro de 1983, e evoluiu para sociedade holding; é uma empresa familiar, constituída em 1981, pelos sócios fundadores, Dr. J... e Eng. K... (cada um com participações de 30% no capital social), e os senhores L... (cada um com participações de 5% no capital social).

b.            Estes dois últimos sócios alienaram as suas participações às sociedades C..., SA e M... em 2007 e 2012, respetivamente.

c.            A Requerente centra a sua atividade na produção de metal duro, com o qual fábrica peças e ferramentas de alta precisão para uma multiplicidade de indústrias, designadamente, a indústria automóvel, metalúrgica e metalomecânica, farmacêutica, química, cerâmica, petróleo, gás e outras.

d.            A título complementar, a A... gere diversas participações sociais, enquadrando o exercício desta atividade no artigo 2º, n.º 2, dos seus Estatutos, que expressamente referem que «A sociedade poderá participar no capital social de outras sociedades, mesmo com objeto diferente do seu e em sociedades reguladas por leis especiais ou agrupamentos complementares de empresas».

e.            Com a expansão da sua atividade, a A... evoluiu de pequena empresa familiar para uma organização em grande escala, integrando verticalmente as áreas de tecnologia e engenharia, fabrico de equipamentos e ferramentas específicas, moldes e materiais complementares.

f.             À data dos factos – 2014 a 2016, com destaque para este último ano por ser o único em causa nos presentes autos, o Grupo A... era composto pelas seguintes sociedades: «B... », «C..., S.A.», «D..., Lda. », «E..., Lda. », «F..., S.A.», «G..., Lda. » e «H..., S.A.», «I..., S.A.»

g.            A Requerente detinha o domínio do grupo de sociedades e, por isso, exercia as funções de gestão e de direção de todas as subsidiárias.

h.            No exercício de 2016 foram criadas as empresas B... e N... SGPS Lda e foi extinta a I... por fusão e incorporação na A... .

i.             No ano de 2016, em causa nos autos, a A... tomou a decisão de capitalizar as suas participadas, C..., D..., E..., F..., G..., H..., S.A. e I..., S.A.

j.             Os financiamentos contraídos pela Requerente foram canalizados para as suas participadas através da concessão de prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos, a título gratuito, ou seja, sem cobrança de juros.

k.            Os fundos aportados às suas participadas foram os seguintes:

 

 

l.             Do RIT consta, a propósito dos encargos financeiros decorrentes dos financiamentos às sociedades participadas, que «não estão aplicados na actividade de exploração da A... mas antes em benefício exclusivo das sociedades participadas devendo considerar-se, portanto, gastos sem relevância fiscal«, já que só «são dedutíveis os gastos incorridos pela sociedade, desde que estes se mostrem susceptíveis de gerar rendimentos que contribuam para a determinação do lucro tributável da sociedade que realiza as prestações acessórias, prestações suplementares ou prestações acessórias, sob o regime das prestações suplementares».

m.          Ao contrário do procedimento da Requerente, que não cobra juros na quase totalidade dos empréstimos a empresas associadas, os sócios da empresa cobram juros à mesma quando lhe fazem empréstimos.

n.            Para efetuar esses financiamentos às suas participadas, a Requerente recorreu a financiamento externo, incorrendo em encargos financeiros que vem deduzindo na íntegra ao seu resultado tributável o que na ótica do artigo 23° do CIRC.

o.            A Requerente a 31 de dezembro dos exercícios de 2014, 2015 e 2016 mantinha no seu ativo prestações acessórias/prestações acessórias no regime das prestações suplementares/prestações suplementares e suprimentos a empresas associadas, não remuneradas nos montantes identificados no quadro do ponto 111.1.1.3 do RIT, que se dá por integralmente reproduzido.

p.            A totalidade dos encargos financeiros suportados pela requerente e que foram considerados para efeitos de determinação do lucro tributável dos anos de 2014, 2015 e 2016 estão conexos com empréstimos contraídos para financiar empréstimos/prestações acessórias/ suprimentos não remunerados, destinados exclusivamente à sociedades participadas pela Requerente, conforme se detalha no quadro abaixo:

 

q.            Para efeitos de determinação do lucro tributável da requerente, foram acrescidos os seguintes valores em cada um dos exercícios:

 

r.             As correções foram mantidas após o exercício de direito de audição por parte da Requerente.

s.            Em resultado das correções efetuadas foram emitidas as correspondentes liquidações adicionais de IRC, com os nºs. 2018... (liquidação adicional de IRC) e 2018... e 2018... (liquidações de juros compensatórios), e demonstração de acerto de contas nº 2018... .

t.             Em 18-10-2018 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

B)           FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não ficou provado:

- que os financiamentos descritos ou mencionados em j), k), l), n) e p), dos factos provados, tivessem sido destinados ou aplicados na atividade de exploração da Requerente.

 

C)           FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

No presente caso a matéria de facto encontra-se sustentada nos documentos juntos aos autos pela Requerente e dos constantes do procedimento inspetivo realizado juntos com o Processo Administrativo (PA) junto pela Requerida.

Os depoimentos das testemunhas produzidos no processo arbitral 464/2018-T, comprovam os factos provados e não provados acima elencados.

A matéria de facto, na verdade, não se afigura controvertida, mas tão só a fundamentação e a interpretação do Direito aplicável ao caso concreto.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos pelo Requerente e a que consta do próprio Processo Administrativo e a gravação da prova facultada e junta a estes autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

 

Está em causa, no presente acórdão, saber se a Requerida AT pode proceder à desconsideração fiscal, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, de parte dos encargos financeiros suportados pela Requerente, no exercício de 2016, com financiamentos externos.

A possibilidade de dedutibilidade dos custos, à luz do referido artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC – quer na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, quer na redação decorrente da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro -, tem sido objeto de diversa jurisprudência proferida quer pelo CAAD quer pelos tribunais administrativos que analisaremos de seguida.

 

i) Da interpretação do artigo 23º do CIRC e da questão da “indispensabilidade” dos gastos na jurisprudência fiscal:

 

O artigo 23º do CIRC dispunha, ao tempo a que se referem os factos controvertidos, da seguinte forma, na parte que aqui importa considerar:

«Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

(…)

Diz a Requerente, no artigo 187.º da petição inicial, que “nos termos daquela disposição legal [o artigo 23.º do CIRC], a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros ora em causa estava dependente, tal como sucederia com qualquer outro gasto, de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente.”

Cumpre, por isso, analisar esse requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: a sua indispensabilidade. Aqui seguimos de muito perto o afirmado no acórdão n.º 79/2017-T do CAAD.

Vejamos.

Em regra, obter financiamento alheio para utilizar no âmbito da atividade e considerar como gastos os encargos financeiros suportados com essa obtenção, não levanta qualquer questão de natureza fiscal. Porém, colocar à disposição de outras entidades disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, sem cobrar juros, não gera qualquer rendimento tributável, significando que é quebrada a regra do balanceamento que deve existir, do ponto de vista fiscal, entre os gastos e os rendimentos.

Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCA Sul, de 27 de março de 2012, Processo n.º 053120/12).

Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".

Neste sentido, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial.

Este entendimento é, de resto, o que tem vindo a ser seguido pelos tribunais arbitrais do CAAD. Na verdade, de acordo com o acórdão tirado no processo 444/2015-T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:

- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

- os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

“A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

“…da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

De forma semelhante, foi afirmado no processo nº 648/2017-T do CAAD que a aferição da comprovada indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a que se refere o nº 1 do artigo 23º do CIRC, começa por só poder fazer-se relativamente à entidade que os contabiliza e suporta, como resulta de reiterada jurisprudência do STA, de que é exemplo o seu Acórdão de 30.05.2012, proc. nº 171/11, que concluiu: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades», bem como o acórdão do STA de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que decidiu: “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”.

É pois claro que, para que se verifique o referido requisito da indispensabilidade, o gasto tem de respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, sendo evidente que a fonte produtora cuja manutenção se liga aos gastos na relação de “comprovada indispensabilidade” por força do nº 1 do artigo 23.º do CIRC é a da sociedade participante que suporta os encargos e não a da sociedade participada que deles beneficia.

Como afirma o acórdão do TCA Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Aqui chegados, cumpre subsumir os factos provados ao disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

ii) A dedutibilidade dos custos no caso sub judice:

 

Como resulta dos factos dados como provados, ficou demonstrado que a Requerente A... contratualizou diversos empréstimos junto de instituições financeiras com vista, em parte, a conceder prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos, a título gratuito, às suas participadas «B... » (…), «C..., S.A. » (C...), «D..., Lda. » (D...), «E..., Lda. » (E...), «F..., S.A. » (F...), «G..., Lda. » (G…) e «H…, S.A. » (H…), «I…, S.A. » (I...).

Assim, o requisito da comprovação do custo encontra-se preenchido.

Relativamente aos outros requisitos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, (indispensabilidade do gasto e ligação aos rendimentos sujeitos a imposto) a Requerida AT desconsiderou os gastos de natureza financeira (juros) incorridos pela Requerente no exercício de 2016, por o sujeito passivo ter utilizado capital alheio para financiar gratuitamente as empresas participadas.

Na verdade, ficou provado que, para ceder facilidades a terceiros, a Requerente A... recorria a financiamento externo, incorrendo em encargos financeiros que deduziu na íntegra ao seu resultado tributável.

Assim, a Requerente contabilizou na conta SNC 691 do ano de 2016 encargos financeiros (juros), respeitantes aos empréstimos de financiamento contraídos, sendo que parte deles terão servido para financiar e manter empréstimos suprimentos ou prestações acessórias não remunerados em empresas participadas.

Importa por isso aferir se está verificado o pressuposto de indispensabilidade do gasto, que resulta do artigo 23.º do CIRC, o qual implica uma relação justificada com a atividade da empresa, ou seja, que os financiamentos obtidos sejam aplicados na atividade da empresa e não no financiamento da atividade de terceiros.

Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do CIRC, tem sido objeto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência em ordem à resolução dos casos concretos que tem de enfrentar, pelo que a solução que se vai dar ao caso sub judice suporta-se em decisões judiciais anteriores, como, aliás, resulta do princípio constante do n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.

O Supremo Tribunal Administrativo declarou por diversas vezes, quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, que “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4 e o acórdão do TCA Sul de 16.10.2014).

Trata-se, consequentemente, de saber se os juros objeto de correção (resultantes de empréstimos contraídos para realizar prestações suplementares, acessórias e suprimentos) têm, todos elas, potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente.

Para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do financiamento, de que os juros suportados são a remuneração ou, dito de outra forma, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respetivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros sendo por conseguinte necessário averiguar a necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo dos custos em apreciação, i.e., o gasto inscrito pela Requerente decorrente das operações de financiamento.

Com efeito, na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere, é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo. Assim, o Supremo Tribunal Administrativo declarou, no acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando, nos acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc. 01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11, que “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”.

Noutra vertente, encontra-se igualmente explicitado pela jurisprudência que é pressuposto exigível da aplicação do artigo 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (vd. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06 e de 18.12.2008, proc. n.º 02515/08).

Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, tenha perfeito cabimento verificar se os pressupostos de dedutibilidade fiscal dos custos com juros se mostravam satisfeitos em atenção à atividade da Requerente e ao período de tributação em causa.

Como resulta da factualidade dada como provada e acima exposta, no caso em apreço, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram ao interesse da Requerente. Ora, para que se verifique o requisito da indispensabilidade, o gasto tem que respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, em que a fonte produtora é a da sociedade dominante ou que controla, e não a das participadas.

Na verdade, a Requerente não é uma SGPS – ao contrário do que sucedia noutras decisões do CAAD que invoca, como sejam os acórdãos 12/2013-T; 113/2013-T e 264/2016-T -, mantendo-se como sujeito passivo de IRC autonomamente face às empresas a si associadas.

Os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa mas sim nas empresas comparticipadas, através de prestações acessórias e prestações suplementares, sendo aquelas sociedades comerciais independentes, que se dedicam a atividades próprias e autónomas e que têm personalidade e capacidade tributárias distintas, com as suas contabilidades organizadas com independência em relação às outras, o que implica, por um lado, que cada uma tenha os seus próprios proveitos e custos e, como tal, tenha de os contabilizar e, por outro lado, que esses custos e proveitos não possam integrar a contabilidade das restantes.

Ora, a este propósito, entendeu o STA no acórdão de 19.04.2017, proc.º n.º 0925/16, o seguinte:

”I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.

II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”

De forma idêntica, o STA decidiu, no acórdão de 12 de Julho de 2006 no processo nº 186/06, que “os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa mas sim em (…) comparticipadas (…), e que ainda no caso, em que a entidade que recorreu ao crédito para emprestar às suas participadas, deter a totalidade do capital social das participadas, ainda assim seria uma entidade distinta de qualquer uma delas, de atividades distintas, com contabilidades individualizadas (…), ou seja “são sociedades comerciais independentes, que se dedicam a atividades próprias e autónomas e que têm personalidade e capacidade tributárias distintas (...) tem a sua contabilidade organizada com independência em relação às outras, o que implica, por um lado, que cada uma tenha os seus próprios proveitos e custos e, como tal, tenha de os contabilizar e, por outro lado, que esses custos e proveitos não possam integrar a contabilidade das restantes”.

O STA veio assim a concluir que os empréstimos “não eram indispensáveis à obtenção dos seus ganhos ou proveitos ou para manter a sua fonte produtora, pelo que os juros deles decorrentes não podiam ser contabilizados como custos”.

Também na decisão Arbitral de 2017-01-26, proferida no processo nº 273/2016-T do CAAD, emitida a propósito do artigo 23.º do CIRC decidiu-se o seguinte:

«Acresce que a colocação à disposição de outras entidades de tais disponibilidades financeiras foi efetuada como anteriormente se referiu, sem que houvesse lugar à cobrança de juros ou qualquer outra remuneração, situação que gerou o estabelecimento de uma ênfase na certificação legal de contas.»

Com efeito, é inequívoco que é estranho ao objeto social da empresa a colocação à disposição de outras entidades de disponibilidades financeiras, se tivermos presente, nomeadamente, o que se encontra estatuído no artigo 6º do Código das sociedades Comerciais.

Não é, na verdade, do interesse do Requerente, colocar as disponibilidades financeiras à disposição de outras entidades, sem cobrar juros, ao mesmo tempo que se verifica a necessidade, ainda que parcial, de solicitar a obtenção de financiamento externo tendo, para isso, que suportar os encargos financeiros decorrentes. As quantias mutuadas, sem qualquer remuneração, sempre poderiam evitar que uma parte dos encargos financeiros tivesse que ser suportada.

Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da atividade os encargos financeiros suportados e diretamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam ter sido utilizadas no âmbito da atividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.

(…)

O que se diz é que a concessão de empréstimos gratuitos a terceiros, usando as disponibilidades da Requerente – que, naturalmente, resultam dos financiamentos obtidos e dos réditos provenientes da sua atividade – não preenche o falado critério da indispensabilidade.

Ademais, a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a Requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afetação direta entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos – o que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou.

O que há é uma realidade económica que se traduz no seguinte: se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrer ao crédito na medida em que fez. Portanto, os encargos com esse recurso ao crédito não são gastos, no seu todo, indispensáveis.

Não pode, a este propósito, convocar-se o objeto social da Requerente – que, no caso concreto, abrange o «fabrico e comércio de ferramentas de metal duro e outras similares e máquinas-ferramentas. Fabricação e maquinação de produtos metálicos diversos» - para justificar a indispensabilidade do custo.

Na verdade, a utilização do «objeto ou escopo social da entidade», como parâmetro decisório para aferir da indispensabilidade dos gastos para efeitos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, permanece muito atual na jurisprudência dos nossos tribunais superiores em matéria tributária.

Na linha, por exemplo, do acórdão do STA n.º 01046/05, de 07.02.07, que considerou não dedutíveis os encargos suportados por uma sociedade para fazer face à realização de prestações acessórias, por «não estarem relacionadas com o objeto social e atividade prosseguida pela sociedade», que se dedicava à «fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco» e do acórdão do STA n.º 0107/11, que à luz do artigo 23.º do CIRC, decidiu não serem dedutíveis os custos com juros e imposto do selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento de sociedades suas associadas, apesar da relação de domínio total, o STA, no Acórdão n.º 01206/17, de 28.02.18, reiterou de forma clara a ligação entre o conceito de indispensabilidade dos gastos de uma sociedade e o seu «objeto social».

Tendo presente que a Requerente não é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), analisam-se, seguidamente, as conclusões deste acórdão nº 01206/2017.

Tratava-se de saber se os encargos financeiros suportados por uma sociedade (que prosseguia a atividade imobiliária) com empréstimos utilizados na realização de prestações suplementares em sociedades participadas eram dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. Decidiu-se neste aresto o seguinte:

«I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.       

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.

III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.        

IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.»

Adota-se esta fundamentação no caso sub judice. Com efeito, para serem fiscalmente dedutíveis, os gastos têm de ser imputados à «atividade da própria entidade delimitada pelo seu objeto social» (Ac. TCASul, de 16.10.2007, proc. nº 01276/06) ou no “âmbito do objecto social” (cfr. v.g. acórdão 614/2015, aliás citado pela Requerente).

É pressuposto da aplicação do artigo 23.º do CIRC «a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação» (v. Acs. TCASul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06 e de 18.12.2008, proc. n.º 02515/08).

E, de facto, não se vislumbra como se possa prescindir da ponderação do objeto social de uma sociedade para julgar da “comprovada indispensabilidade” dos gastos incorridos. As sociedades comerciais são entes jurídicos balizados na sua atividade pelo objeto social. Veja-se o artigo 11º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC): «Como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer» (art. 11º, nº 2 do CSC). As sociedades comerciais têm por objeto a prática de atos de comércio (art. 1º, nº 2 do CSC) e o seu objeto social é uma «certa atividade económica» que a sociedade virá a exercer (art. 980º do Código Civil). Atividade essa, previamente determinada e especificada em termos suficientemente precisos, sob pena de nulidade do contrato nos termos do artigo 42º, nº 1, al. b) do CSC [4].

E, por atividade económica, deve entender-se uma série ou sucessão habitual de atos dessa natureza e não a prática isolada de um ato, como a aquisição de uma participação social noutra sociedade. Resulta, aliás da conjugação dos nºs 4 a 6 do artigo 11º do CSC, que a simples permissão estatutária para aquisição de participações sociais em sociedades de responsabilidade limitada, não configura uma extensão do seu objeto social.

Situação distinta será a das sociedades incumbidas de gerir uma carteira de participações sociais, o que não é o caso da Requerente. Recorde-se que o objeto social da Requerente abrange o «fabrico e comércio de ferramentas de metal duro e outras similares e máquinas-ferramentas. Fabricação e maquinação de produtos metálicos diversos».

Neste contexto, entende-se que, a realização de prestações acessórias, de prestações suplementares e de suprimentos em empresas participadas pela Requerente, não pode ser consideradas como operações potencialmente geradoras de proveitos na esfera da Requerente.

Consequentemente, não está verificado o requisito de indispensabilidade do custo para a sociedade especificamente em causa.

É que, em atenção ao objeto destes autos, importa sublinhar a necessidade, para o juízo de indispensabilidade dos custos, de a perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa se ter de concretizar em relação ao ente comercial em causa.

Significa isto que os encargos financeiros (juros) que a Requerente contabilizou na conta SNC 691 do ano de 2016 respeitantes aos empréstimos de financiamento contraídos, que terão servido para financiar/manter empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados não encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente, não tendo potencialidade para geração de lucros na esfera jurídica desta.

Com efeito a dedutibilidade fiscal dos custos, por força do princípio da indispensabilidade previsto pelo artigo 23.º do CIRC, pressupõe um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa. Veja-se, a este propósito, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1BEBRG no qual foi considerado que “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Finalmente, note-se que, contrariamente ao que ocorre na aquisição de participações sociais, onde existe a aquisição de um direito a uma maior percentagem dos dividendos, a maiores mais-valias ou a um maior valor atribuído em caso de liquidação da sociedade participada, não há na prestação de prestações suplementares uma "comprovada indispensabilidade” dos gastos inerentes às mesmas nos termos do nº 1 do artigo 23.º do CIRC, uma vez que, no cenário mais favorável, o que a sociedade prestadora adquire é apenas o direito ao seu reembolso, nas circunstâncias previstas no CSC.

Assim, por não estarem preenchidos os requisitos do nº 1 e sua alínea c) do artigo 23º do CIRC, entende-se que não podem ser fiscalmente dedutíveis os encargos financeiros suportados pela Requerente para a realização das prestações suplementares, prestações acessórias e suprimentos nas empresas participadas, por se verificar inexistir um nexo de causalidade dos mesmos com a sua atividade económica que permita reconhecer que tais gastos são comprovadamente indispensáveis para a obtenção dos seus rendimentos ou para a manutenção da sua fonte produtora.

Nestes termos, o escrutínio que a AT efetuou do destino dos financiamentos e da afetação dos correspondentes juros é congruente e suficiente para que se deva concluir que tais custos financeiros não são potencialmente geradores de proveitos para a Requerente ou relevantes para a manutenção da fonte produtora.

Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, não tem lugar “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual “os custos indispensáveis equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (cfr. acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11). Deste modo, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela Requerente ter resultado da realização de prestações acessórias; de prestações suplementares ou de operações de financiamento, impõe-se declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa com os encargos financeiros respeitantes a tais empréstimos não satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo artigo 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos custos ao interesse empresarial e à atividade produtiva próprios da Requerente.

É legítima, consequentemente, a correção operada pela AT, objeto dos presentes autos, uma vez que, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”

De forma idêntica, considera RUI DUARTE MORAIS que, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável.” (sublinhado nosso).

E não se diga, em sentido contrário, que, no quadro da apreciação da indispensabilidade dos custos deve ter-se presente o objetivo de incrementar os proveitos e deste modo dar origem a rendimentos tributáveis que, no caso de prestações suplementares de prestações acessórias ou suprimentos, se consubstanciariam em dividendos e potenciais mais-valias.

É que, no âmbito do regime da transparência fiscal, os lucros distribuídos pelas sociedades transparentes aos seus sócios não são tratados fiscalmente como rendimentos de capitais (cfr. alínea h) do n.º 2, do artigoº 5.º do Código do IRC) e no cálculo de futuras mais-valias resultantes da alienação, para evitar a ocorrência de dupla tributação, devem ser expurgados os lucros imputados aos sócios e ainda não distribuídos, como aliás consta, na atualidade, do n.º 5 do artigo 20.º do Código do IRS e do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRC.

Observe-se, por fim, que o reconhecimento, ou não, da relevância jus-societária, para efeitos de aplicação do Código das Sociedades Comerciais, da realização de prestações acessórias ou de prestações suplementares não interfere com o juízo relativo à dedutibilidade dos gastos que decorrem de tais operações, cuja formulação segue um raciocínio diferente uma vez que têm por base o preenchimento dos requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Por fim, a Requerente refere ainda que «subsidiariamente, que devia ter sido aplicado o regime de preços de transferência». Ora, quando a Requerida AT pretende levar a cabo qualquer correção fiscal com vista a uma liquidação corretiva é ela que, obviamente, escolhe o iter que àquela conduz. Depois, fundamenta-o e passa a sujeitar-se ao escrutínio que dessa opção e desse caminhar farão os contribuintes e os tribunais.

É, pois, sobre o ato tributário praticado e não sobre o que, no entender dos sujeitos passivos, deveria ter sido praticado, que recai o julgamento do tribunal. E, tendo a AT sustentado a referida correção fiscal no artigo 23º, nº 1 do CIRC, nos termos atrás referidos, não merece a mesma, por isso, qualquer juízo de reprovação. Em face dos autos, reconhece-se razão à Requerida AT quando a este propósito, afasta a aplicação do regime dos chamados preços de transferência.

Por fim, a Requerente alega ainda que a Requerida AT terá violado o princípio constitucional de tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, o qual exige que a tributação dos sujeitos passivos se faça atendendo à totalidade dos seus proveitos e, bem assim, à totalidade dos seus gastos cuja relevância fiscal não deva ser afastada por lei. Porém, como ficou decidido, os gastos em causa invocados pela Requerente não devem ter, à luz da lei, relevância fiscal pelo que a invocação, pela Requerente, do princípio constitucional de tributação pelo lucro real, ao caso concreto, não procede.

Em consequência, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, não ocorre o vício de violação de lei imputado à liquidação adicional de imposto de IRC da Requerente n.º 2018... e das liquidações de juros compensatórios n.º 2018... e 2018..., na parte que decorre da correcção traduzida na desconsideração de encargos financeiros suportados pela Requerente. Razão porque o pedido principal terá de improceder falecendo igualmente todos os pedidos consequentes formulados pela Requerente, relativos ao pedido principal.

 

V - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

b)           Manter na ordem jurídica o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com o número 2018... e os consequentes atos de liquidação de juros com os números 2018... e 2018..., consubstanciados na demonstração de acerto de contas com o número 2018..., referente ao exercício de 2016, no valor total de €160.731,99 e

c)            Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 160.731,99€ (cento e sessenta mil setecentos e trinta e um euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII.  CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerente.

 

             Notifique-se.

               

                Lisboa, 23 de maio de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

Nuno Cunha Rodrigues

Maria do Rosário Anjos