Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 472/2018-T
Data da decisão: 2019-05-16  Selo  
Valor do pedido: € 48.013,52
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção; prédios em propriedade total sem divisões suscetíveis de utilização independente. Inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 24 de setembro de 2018, o A..., S. A., NIPC..., com sede na Rua ...,..., Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação das seguintes decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e liquidações de Imposto do Selo (IS): (i) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2016..., proferida pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por despacho de 20.06.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015, e nas notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015..., que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o artigo..., com referência ao ano de 2014; (ii) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por despacho de 16.07.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015, e nas notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015..., que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na União de freguesias de ..., ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., com referência ao ano de 2014; (iii) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por despacho de 16.07.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015, e nas notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015..., que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na União de freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, inscrito na matriz predial sob o artigo..., com referência ao ano de 2014; (iv) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por despacho de 16.07.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015, e nas notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015..., que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na União de freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., com referência ao ano de 2014;

- Restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais.

O Requerente juntou 24 (vinte e quatro) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:

No ano de 2014 o Requerente era proprietário de quatro prédios urbanos, três deles compostos por terrenos para construção e um composto por prédio em propriedade total sem divisões suscetíveis de utilização independente.

Com referência à data dos factos, a construção a edificar num dos terrenos para construção terá afetação múltipla (habitação, comércio e parqueamento) e não apenas habitacional.

Um outro terreno para construção integra, em parte, área classificada como espaço verde de proteção e conservação e, no remanescente, área classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN), permitindo construção de edificado com utilidade pública para cerca de 5% do terreno.

Em abril de 2016, o Requerente foi notificado das liquidações de IS referentes à propriedade dos referidos prédios urbanos, por a AT considerar que os mesmos estão abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

O Requerente efetuou o pagamento voluntário das aludidas liquidações de IS, apesar de estar convicto da sua ilegalidade, motivo pelo qual apresentou pedido de revisão oficiosa dessas mesmas liquidações. 

A AT indeferiu os pedidos de revisão oficiosa concernentes à contestação da legalidade das mencionadas liquidações de IS. 

O dissidio do Requerente quanto às referenciadas liquidações de IS decorre, nuclearmente, das seguintes razões:

a) A verba 28.1 da TGIS prevê a tributação de prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo VPT, apurado nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000, pelo que, no que respeita aos prédios com afetações múltiplas (habitacionais e não habitacionais), como é o caso de dois dos aludidos prédios, não poderá aquela verba ser aplicada, devendo as respetivas liquidações ser anuladas;

b) Da ratio da verba 28.1 da TGIS resulta inequívoco que o legislador não pretendeu tributar a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, nem de terrenos para construção, quando afetos ao exercício de uma atividade económica, por este motivo não podem as liquidações de IS em apreço deixar de ser anuladas por erro nos pressupostos de facto e de direito;

c) O IS sobre a propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS enferma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP);

d) Por fim, o IS sobre a propriedade, nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS, enferma ainda de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da progressividade previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, ambos da CRP.

O Requerente entende, por fim, que procedendo o presente pedido de pronúncia arbitral, deve ser reembolsado dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 1 de outubro de 2018.

                O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15 de novembro de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 5 de dezembro de 2018.

 

3. No dia 21 de janeiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual deduziu a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente.

No essencial e também de forma breve, importa respigar a argumentação mais relevante em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

A fim de sustentar a alegada incompetência material do Tribunal Arbitral, a AT afirma que a natureza de um prédio (que é o que, segundo a AT, mediata ou imediatamente o Requerente pretende ver aqui questionado) não é suscetível de ser discutida em sede arbitral, uma vez que para tal existem procedimentos próprios constantes do normativo jurídico-fiscal e, além disso, a natureza dos prédios está fixada documentalmente.

Ainda neste âmbito, a AT alega que os factos que o Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tina ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.

Em suma, a AT entende que a jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão que subjaz ao pedido efetuado pelo Requerente que implica a correção/alteração das matrizes dos prédios em causa, uma vez que a dita retificação – ainda que tivesse sido tempestivamente requerida pelo requerente, que não foi – não traduz um ato tributário de liquidação.

A não se entender assim – diz a AT –, a interpretação normativa preconizada pelo Requerente, que colide com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3, da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesos aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição. Ademais, caso a tese do Requerente venha a ser acolhida, a AT afirma que serão ainda violados os princípios da tutela judicial efetiva e da justiça, designadamente na dimensão normativa de que a impugnação de um ato imediatamente lesivo se apresenta como verdadeiro ónus e não uma mera faculdade que, omitido, coarta a impugnação da correspetiva liquidação com base naquele vício.  

Noutra ordem de considerações, a AT alega que a verba 28.1 da TGIS, cuja inconstitucionalidade é suscitada, passou, mais do que uma vez, no crivo do Tribunal Constitucional.

Mais alega que se se desconsiderar as certidões prediais entregues pelo Requerente, o que por mero exercício académico se concede, o Tribunal olvidará e fará tábua rasa das referências que nessas certidões é feita às declarações Mod. 1 e correspetivas fichas de avaliação e que determinaram que aos prédios fosse atribuído um VPT igual ou superior a €1.000.000 e, que aqueles mesmos prédios fossem descritos e inscritos como terrenos para construção com afetação habitacional; descrições essas efetuadas em conformidade com os pedidos e declarações do Requerente. Nunca o Requerente, enquanto sujeito passivo, colocou em causa aquelas certidões e/ou avaliações, através dos meios procedimentais e/ou processuais próprios ao seu dispor, que estabeleceram que aqueles prédios se tratavam de terrenos para construção com afetação habitacional, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

A AT propugna, ainda, que caso o Tribunal venha a aceitar o entendimento do Requerente, quanto à alegada afetação múltipla de alguns dos aludidos imóveis, não poderá o Tribunal desconsiderar que o ato de liquidação é por natureza divisível, pelo que, maxime, terá de julgar a possibilidade de uma mera anulação parcial do mesmo. A este propósito, a AT entende que é inconstitucional a verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de que não se incluem na norma de incidência os terrenos para construção com edificação nele autorizada ou prevista, que não exclusivamente para habitação, isto é com uma qualquer componente não habitacional ou, nas palavras do Requerente, com “afetação múltipla e não apenas habitacional”, pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP), bem como do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da legalidade formulado no n.º 2 do art.º 103.º, alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º todos da CRP.

                No tangente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelo Requerente, a AT entende que, a ser deferido, é apenas enquadrável na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

A Requerida juntou 12 (doze) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

4. O Requerente pronunciou-se quanto à matéria de exceção alegada pela AT, pugnando pela improcedência da invocada exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, nos termos constantes do requerimento apresentado em 4 de fevereiro de 2019 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. 

 

5. Em 4 de fevereiro de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a fixar prazo para a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 31 de maio de 2019.

 

6. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

                II. SANEAMENTO

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído (cfr. artigo 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelo Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

A Requerida invoca a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo, para cujo conhecimento e decisão se torna, porém, necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, após o que se decidirá.

Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito.

b) No âmbito da sua atividade de concessão de crédito e em virtude, designadamente, de processos de recuperação de crédito, o Requerente adquire prédios de diferentes espécies.

c) No ano de 2014, o Requerente era proprietário dos seguintes prédios urbanos:

i)             quota parte (74/100) do prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana com o n.º ... (anteriores artigos matriciais n.ºs..., ... e ...), composto por terreno para construção, com o valor patrimonial tributável de € 1.120.190,00 [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA];

ii)            prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de ... - ..., ... e ... (extinta freguesia de...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º ... (anterior artigo matricial n.º...), composto por terreno para construção, com o valor patrimonial tributável de € 1.572.280,00 [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA];

iii)           prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º ... (anterior artigo matricial n.º...), composto por terreno para construção, com o valor patrimonial tributável de € 1.308.500,00 [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]; e

iv)           prédio urbano sito no concelho de Sintra, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia de ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º ... (anterior artigo matricial n.º...), composto por prédio em propriedade total sem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a habitação, com o valor patrimonial tributável de € 1.091.630,00 [cf. documentos n.ºs 4 e 10 anexos ao PPA].

d) Os dados de avaliação dos prédios urbanos identificados no facto provado anterior, constantes das respetivas cadernetas prediais urbanas [cf. documentos n.ºs 1 a 4 anexos ao PPA], são resultantes das seguintes operações de avaliação realizadas pela AT:

i)             prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana com o n.º...: avaliação efetuada em 08.01.2015, na sequência da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, em 22.12.2014, na qual foi pedida tal avaliação [cf. documentos n.ºs 1 e 2 anexos à Resposta];

ii)            prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de ... - ..., ... e ... (extinta freguesia de...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º...: avaliação efetuada em 13.01.2014, na sequência da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, em 28.11.2013, na qual foi pedida tal avaliação [cf. documentos n.ºs 4 e 5 anexos à Resposta];

iii)           prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º...: avaliação efetuada em 29.12.2014, na sequência da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, em 22.12.2014, na qual foi pedida tal avaliação [cf. documentos n.ºs 7 e 8 anexos à Resposta];

iv)           prédio urbano sito no concelho de Sintra, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia de ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º...: avaliação efetuada em 28.01.2016, na sequência da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, em 23.12.2015, na qual foi pedida avaliação [cf. documentos n.ºs 10 e 11 anexos à Resposta];   

e) Relativamente ao terreno para construção que compõe o prédio urbano identificado no ponto iii) do facto provado c), a Divisão de Licenciamentos Urbanísticos (DLUR) do Departamento de Gestão Territorial da Câmara Municipal de Cascais, em 09.08.2016, pronunciou-se quanto à respetiva viabilidade construtiva, tendo determinado um índice máximo de edificabilidade de 306,00 m2 e um igual índice máximo de implantação, sendo a área remanescente classificada como espaço verde de proteção e conservação e como Reserva Ecológica Nacional (REN). [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA, por requerimento de 11.01.2019]    

f) No prédio urbano identificado no ponto iii) do facto provado c) não está prevista qualquer edificação para fins habitacionais. [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA, por requerimento de 11.01.2019]   

g) Em 24.03.2015, a AT liquidou IS, reportado ao ano de 2014 e referente a cada um dos prédios urbanos identificados no facto provado c), tendo sido emitidas as seguintes liquidações de IS [cf. PA]: 

PRÉDIO (ARTIGO)            LIQUIDAÇÃO     VPT        MONTANTE DA COLETA

...            2014 ... € 1.445.804,78   € 10.698,96 [74/100]

...            2014 ... € 1.572.280,00   € 15.722,80

...            2014 ... € 1.618.351,65   € 16.183,52

...            2014 ... € 1.091.630,00   € 10.916,30

 

h) As aludidas liquidações de IS resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada um dos prédios urbanos identificados no facto provado c). [cf. PA e documentos n.ºs 7 a 10 anexos ao PPA] 

i) Em consequência da operação de avaliação referenciada no ponto i) do facto provado d), o VPT do prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., foi atualizado na matriz para o montante de € 1.120.190,00, o que levou a que a coleta total passasse de € 10.698,96 para € 8.289,41 (74/100), o que se refletiu nos valores das 2.ª e 3.ª prestações de IS a pagar. [cf. documentos n.ºs 7 e 15 anexos ao PPA e PA]

j) Em consequência da operação de avaliação referenciada no ponto iii) do facto provado d), o VPT do prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., foi atualizado na matriz para o montante de € 1.308.500,00, o que levou a que a coleta total passasse de € 16.183,52 para € 13.085,00, o que se refletiu nos valores das 2.ª e 3.ª prestações de IS a pagar. [cf. documentos n.ºs 9 e 15 anexos ao PPA e PA]

k) Na sequência das sobreditas liquidações de IS foram emitidas as notas de cobrança que consubstanciam os documentos n.ºs 7 a 10 anexos ao PPA e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, com datas limite de pagamento voluntário em abril/2015 (1.ª prestação de IS), julho/2015 (2.ª prestação de IS) e novembro/2015 (3.ª prestação de IS), tendo o Requerente efetuado tempestivamente o pagamento voluntário do montante total de Imposto do Selo liquidado que ascendeu a € 48.013,52. [cf. documentos n.ºs 11 a 14 anexos ao PPA] 

l) Em 6 de janeiro de 2016, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa tendo por objeto as sobreditas liquidações de IS, nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial que consta do PA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, o qual deu origem à instauração pela AT de quatro procedimentos de revisão oficiosa (um para cada liquidação de IS e imóvel), os quais foram autuados sob o n.º ...2016... (liquidação de IS incidente sobre o prédio do ponto i) do facto provado c)), n.º ...2018... (liquidação de IS incidente sobre o prédio do ponto ii) do facto provado c)), n.º ...2018... (liquidação de IS incidente sobre o prédio do ponto iii) do facto provado c)) e n.º ...2018... (liquidação de IS incidente sobre o prédio do ponto iv) do facto provado c)) [cf. PA].

m) No âmbito dos referidos procedimentos de revisão oficiosa foram exarados os projetos de decisão constantes dos documentos n.ºs 15, 17, 18 e 19 anexos ao PPA e do PA, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos e dos quais, além do mais, consta o seguinte [cf. documento n.º 15 anexo ao PPA e PA]:       

“§ V. DA APRECIAÇÃO

Analisado o requerimento de revisão oficiosa, aqui em apreciação, bem como, os elementos carreados para os autos como prova documental e após consulta à base de dados do sistema informático da AT, cumpre dizer:

A questão centra-se, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS, se incluem ou não, os terrenos para construção, isto é, se para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie podem ou não, ser considerados como "prédios urbanos com afetação habitacional".

A este respeito, acresce dizer que a Requerente vem aos autos projetar toda uma teoria já sedimentada e alicerçada, tanto pelo Provedor da Justiça, como pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal, bem como, pelo Tribunal Constitucional e por fim através da reforma no texto legal, concretamente com a Lei do Orçamento do Estado de 2014.

Não obstante toda a fonte jurisprudencial e esta alteração legislativa, verifica-se que a Requerente pretende vir criar e suscitar as dúvidas anteriormente existentes, de interpretação e aplicação do conceito de prédio, para o período de 2014, o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode a pretensão da Requerente proceder, sendo manifesta a probabilidade séria de não existência do direito por si invocado.

Vejamos,

O que está em causa nos presentes autos é o período de 2014.

É facto assente que efetivamente para os períodos de 2012 e 2013, através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28.1, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000,00 (um milhão) sobre o qual incidia a taxa de 1%, por prédio com afetação habitacional.

Contudo, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2014), a redação da Verba 28.1 da TGIS foi alterada no sentido de contemplar expressamente a incidência de imposto do selo sobre os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, pelo que a partir do ano de 2014, nos termos desta nova redação, a propriedade, usufruto, ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão) incidindo a taxa de 1% por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do CIMI.

Dado que a esta nova redação da norma não foi conferida eficácia interpretativa e a unanimidade da jurisprudência arbitral e a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo professam o entendimento de que a norma de incidência na redação anterior à Lei do Orçamento de Estado para 2014, não incluía os terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afetação habitacional".

Nestes termos, e em cumprimento do Despacho n.º 6/2017-XXI, de 13 de janeiro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo em vista a uniformização da atuação da AT relativamente às decisões no âmbito dos procedimentos que tenham por objeto liquidações de imposto do selo da Verba 28.1 da Tabela Gerai do Imposto do Selo (TGIS) anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 830/2013, de 31 de dezembro, os terrenos para construção não estavam sujeitos a imposto do selo.

De acordo com o entendimento emanado pela instrução de serviço n.º 40047 — Série I, de 16.02.2017, proferida em cumprimento do Despacho supra referido, dever-se£ concluir que os terrenos para construção não estavam sujeitos a imposto do selo, pelo que devem os serviços seguir o presente entendimento para todos os processos que estejam em fase procedimental.

Ora, não se vislumbram assim dúvidas de que, em cumprimento do disposto na referida instrução, os terrenos para construção objeto de liquidações relativas ao período de 2012 e 2013, não se incluem, na norma de incidência da verba 28.1 da TGIS (na redação original dada pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro) e, desse modo, serão de anular as liquidações de Imposto do Selo - Verba 28.1 da TGIS, reitera-se, relativamente ao período de 2012 e 2013.

In casu, estamos perante uma liquidação do ano de 2014, pelo que a posição exposta, não se afigura sequer subsumível à posição expendida pela Requerente.

Como já se deixou dito na sequência da intenção manifestada pelo XXI Governo Constitucional de se eliminar os efeitos perniciosos da aplicação da Verba 28.1 da TGIS, o Provedor da Justiça levou ao conhecimento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais o assunto, por forma a clarificar a questão, claro está, sem deixar de ter em consideração a posição do Tribunal Constitucional, nomeadamente nas posições tomadas e fixadas pelos acórdãos n.º 320/2015, de 3 de dezembro e n.º 690/2015, de 16 de dezembro.

Assim, feito o enquadramento legal do imposto e considerando que apenas com a alteração introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, foi dada uma nova redação à Verba 28.1 da TGIS, onde foi abordada a questão do regime aplicável aos terrenos para construção e a qual passou a dispor o seguinte:

"Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1% (Redação da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro)."

Nesta sequência, é preciso atentar que atendendo também à classificação do artigo 6.º do CIMI, o qual no seu número 1 subdivide os prédios urbanos em “a) habitacionais; b) comerciais, industriais ou para serviços; c) terrenos para construção; d) outros; no n.º 2 considera como "Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para ta/ licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino norma/ cada um destes fins"; e, no seu n.º 3 “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título  aquisitivo", o Provedor da Justiça considerou que os terrenos para construção não cabiam na incidência da Verba 28.1 da TGIS, na redação vigente nos anos 2012 e 2013 e, apenas para estes períodos as liquidações efetuadas relativamente a esta espécie de prédios urbanos e a estes anos, careceriam de fundamento legal.

Dizer com isto que a alteração do texto da Verba 28.1 da TGIS, clarificou assim todo o entendimento, ficando plasmado que seria liquidado o imposto a que se refere a Verba 28.1 da TGIS em relação a terrenos para construção com o VPT superior a um milhão de euros, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e quando os factos tributários se encontrassem verificados nos anos 2014 e seguintes.

Não se vislumbra assim, o sentido e alcance das alegações da Requerente, porquanto em relação a este assunto, qualquer dúvida, já se encontra ultrapassada, resultando claro que se ampliou a incidência do imposto do selo, para abranger os direitos de propriedade, usufruto ou superfície daqueles terrenos para construção.

b) Da alegada violação dos princípios da Igualdade, Capacidade Contributiva e Progressividade

A Requerente "A..., S.A.", NIPC..., alega ainda a violação dos princípios supra, no entanto, sempre diremos:

Reitera-se que com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, a verba 28.1 da TGIS foi expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os terrenos para construção, como segue:

"28. I Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%.»

No caso em apreço, é aplicável a redação introduzida pelo Orçamento de Estado para 2014 na Verba 28.1 da TGIS:

"...por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%".

E quanto a isto já se pronunciou o Tribunal Constitucional sobre a Verba 28.1 da TGIS, inclusivamente com a redação que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, aplicável à situação sub judice.

Sendo que, o princípio constitucional da igualdade traduz-se no princípio da generalidade e no princípio da capacidade contributiva e, o princípio da igualdade não impede que o legislador escolha e trate livremente as situações que considere como factos tributáveis, desde que, os mesmos sejam reveladores da capacidade contributiva do sujeito passivo.

Aliás, como bem alega a Requerente, decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de novembro, a tributação da propriedade de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de VPT igual ou superior a 1 000 000,00, "enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada", revela uma inequívoca capacidade contributiva, por se reportar a prédios de valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, ainda que potencial, "suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido "princípio da equidade social na austeridade."

Tendo ficado claro que "aquilo a que obriga a Constituição da República é que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante".

E tal como tem sido o entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, enquanto limite à discricionariedade do legislador, não proíbe que se façam escolhas, o que proíbe é que se promovam distinções desprovidas de justificação objetiva e racional, só podendo "ser censurados, com fundamento em lesão do principio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, o que não se verifica na situação sub judice.

Quer isto significar o princípio da igualdade tributária não resulta a proibição da liberdade por parte do legislador que pode optar por tributar determinados factos e não outros, mas sim a proibição do arbítrio, pelo que não nos resta outra alternativa que não a que seja, a da constitucionalidade da norma em questão, no caso ora em análise, para o período de tributação em crise - 2014.

Encontra-se assim afastada a alegada ilegalidade do ato tributário aqui em contenda, por se considerar constitucional a norma sub judice.

Em resumo e em jeito de conclusão, com a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o IS previsto na verba 28.1 da TGIS, passou também a incidir sobre prédios habitacionais e terrenos para construção "cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", pelo que após a entrada em vigor desta norma, ficou claro que a definição de prédio habitacional para efeitos de sujeição a IS é a que resulta do n.º 1 do artigo 2.º em conjugação com o n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, verificando-se que a liquidação ora em crise, não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o principio da igualdade e da capacidade contributiva.

A Verba 28.1 da TGIS, para além de ser um instrumento de obtenção da receita fiscal necessária para o esforço de consolidação orçamental previsto no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), também foi uma medida que o Governo implementou, concebendo-a como «uma medida de igualdade, que se destinava a reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantido uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho».

Concluiu-se que a tributação em sede de imposto do selo constante da Verba 28.1 da TGIS, obedece ao critério de adequação, na medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, cuja aquisição evidencia implicitamente uma determinada capacidade económica, sendo constitucionalmente legítima a  opção legislativa da Verba 28.1 da TGIS, justificada pelo princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, não consubstanciando violação de qualquer comando constitucional nem havendo lugar a qualquer censura do ponto de vista dos parâmetros constitucionais.

Face ao exposto, conclui-se que a verba 28.1 da TGIS, não é suscetível da censura constitucional peticionada pela Requerente, por se não verificar a violação dos princípios da igualdade ou da capacidade contributiva, ou progressividade, em qualquer das vertentes invocadas.”

n) Atenta a sua especificidade, importa aqui respigar o seguinte segmento do projeto de decisão atinente à revisão oficiosa da liquidação de IS incidente sobre o prédio urbano mencionado no ponto iv) do facto provado c) [cf. documento n.º 18 anexo ao PPA e PA]:     

“29. Neste sentido, o edifício que for constituído em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, integra o conceito jurídico de "prédio", ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afetação habitacional, e sendo esse valor igual ou superior a € 1.000.000,00, haverá sujeição a Imposto de Selo da Verba 28 da TGIS.

                30. Ou seja, no caso em análise, tratando-se d um prédio em regime de propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, a questão nem se coloca, porquanto, trata-se de um prédio, nomeadamente de um uT3".

31. É jurisprudência assente, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS é determinada pelo VPT atribuído ao andar destinado a habitação.

32 In casu, estamos perante uma liquidação do ano de 2014, relativamente a um prédio destinado a habitação em regime de Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. de Utiliz. Independente, com valor patrimonial superior a um milhão de euros, pelo que a posição exposta, não se afigura sequer subsumível à posição expendida pela Requerente.

33. Não se vislumbra assim, o sentido e alcance das alegações da Requerente, porquanto em relação a este assunto, nunca existiu qualquer dúvida.”

o) O Requerente foi notificado daqueles projetos decisórios e para, querendo, exercer o respetivo direito de audição, o que o Requerente fez apenas no âmbito do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016..., nos termos vertidos no documento n.º 16 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

p) Posteriormente, por ofícios datados de 22.06.2018 (procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016...) e de 17.07.2018 (procedimentos de revisão oficiosa n.º ...2018..., n.º ...2018...e n.º ...2018...), remetidos por correio registado, o Requerente foi notificado das respetivas decisões de indeferimento proferidas pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, em 20.06.2018 (procedimento de revisão oficiosa n.º ...2016...) e em 16.07.2018 (procedimentos de revisão oficiosa n.º ...2018..., n.º ...2018... e n.º ...2018...), cuja fundamentação é a constante dos projetos decisórios a que se aludiu nos factos provados m) e n), as quais constam dos documentos n.ºs 20, 21, 22 e 23 anexos ao PPA e do PA e aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

q) Em 24 de setembro de 2018, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

a) Com referência à data a que os factos se reportam, a construção a edificar no prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de ... - ..., ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., terá afetação múltipla e não apenas habitacional, pois a construção a edificar nesse terreno será composta por pisos para fins habitacionais, para comércio e parqueamento.

b) A construção permitida no prédio urbano sito no concelho de Cascais, União de Freguesias de ... e..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ..., é de edificado com utilidade pública.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

10. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

11. No tocante aos factos não provados, cumpre dizer que os mesmos foram assim considerados em virtude da inexistência de quaisquer meios probatórios que os confirmassem, com particular ênfase para os documentos n.ºs 5 e 6 anexos ao PPA.

Porquanto, por um lado, aquele documento n.º 5 não contém qualquer elemento idóneo a estabelecer uma correspondência cabal entre o imóvel ali referenciado e o prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de ... - ..., ... e ... (extinta freguesia de...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º...; por outro lado, do dito documento n.º 6 não logramos extrair qualquer elemento que sustente que naquele prédio urbano a construção permitida é de edificado com utilidade pública.

*

III.2. DE DIREITO

 

§1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

12. Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, esta questão.

 

13. A Requerida sustenta a alegação da incompetência material do Tribunal Arbitral, essencialmente, na seguinte argumentação:

A AT começa por afirmar que a natureza de um prédio (que é o que, segundo a AT, mediata ou imediatamente o Requerente pretende ver aqui questionado) não é passível de ser discutida em sede arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes do normativo jurídico-fiscal e, ademais, a natureza dos prédios está fixada documentalmente nos autos.

Acresce que, segundo a AT, o regime da reclamação de matrizes previsto no artigo 130.º do Código do IMI consubstancia um verdadeiro ónus – e não uma faculdade – que deve ser observado pelos contribuintes, caso pretendam fazer prevalecer o direito de que se arrogam, isto é, a necessidade justificada de promover a alteração na matriz do prédio ou prédios de que são proprietários.

Ademais, a impugnação judicial prevista nos artigos 129.º e 130.º do Código do IMI não é passível de substituição pela impugnação arbitral prevista no RJAT, dado que, no âmbito do Código do IMI, o ato a sindicar se situa no indeferimento de um ato administrativo-tributário que não comporta a apreciação da legalidade de uma liquidação.

Por outro lado, os factos que o Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.  

 Ainda que se considerasse que estamos perante um facto suscetível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu, donde resulta clara a incompetência material do tribunal arbitral.

Assim, esta jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão que subjaz ao pedido efetuado pelo Requerente, que implica a correção/alteração das matrizes dos prédios aqui em discussão, já que a dita retificação – ainda que tivesse sido atempadamente requerida pelo Requerente, que não foi – não traduz um ato tributário de liquidação.

Não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que o Requerente se proponha e ensaie contraditar, aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reação já precludiram todos e cuja descrição, avaliação e subsequente inscrição foram efetuadas e levadas à matriz em conformidade com os documentos e informações por este prestados.

A assim não se entender, a AT sustenta que a interpretação normativa experimentada pelo Requerente, que colide com as competências atribuídas ao CAAD nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da citada Portaria, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3, da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.

Mais, a AT afirma ainda que caso a decisão arbitral venha acolher a tese do Requerente, rejeitando a aplicação do artigo 54.º, n.º 1, primeira parte, do CPPT, violará os princípios da tutela judicial efetiva e da justiça, designadamente na dimensão normativa de que a impugnação de um ato imediatamente lesivo se apresenta como verdadeiro ónus e não uma mera faculdade, que, omitido, coarta a impugnação da correspetiva liquidação com base naquele preciso vício.

 

14. O Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência, alegando essencialmente o seguinte:

O Requerente diz que não está em causa nos autos, nem nunca esteve, a descrição dos prédios resultante das respetivas cadernetas prediais urbanas ou quaisquer outras avaliações.

Segundo o Requerente, a tributação em sede de Imposto do Selo não decorre da descrição dos prédios nas respetivas cadernetas prediais urbanas, mas sim da efetiva e real afetação – habitacional ou não – dos mesmos, residindo a sua pretensão apenas na eliminação do ordenamento jurídico dos atos tributários controvertidos, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

O que está em causa nos autos – diz o Requerente – é a incidência objetiva em Imposto do Selo e a sujeição à verba 28.1 da TGIS e o que se discute é se nessa verba se devem ou não incluir os imóveis cuja afetação real e efetiva não seja exclusivamente a habitação; assim, trata-se de uma questão de interpretação das normas legais e do campo de incidência do imposto e não de alteração de inscrições matriciais ou dos resultados das avaliações prediais.

Mais afirma o Requerente que para que se aplique a verba 28.1 da TGIS o que interessa é que a utilização do prédio seja habitação, não que a caderneta predial assim o ateste, ou seja, o que interessa é a substância económica dos factos tributários. A Requerente faz notar que a lei prevê a tributação da propriedade de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação; ora, no caso concreto, está já autorizado ou previsto que a edificação será também para fins não habitacionais, pelo que seria irrelevante em qualquer caso o que consta atualmente das cadernetas prediais, uma vez que é a própria lei que não se atém ao que delas consta, contemplando a possibilidade de existirem outros documentos que comprovem uma natureza (ainda que apenas projetada) distinta daquela que resulta das cadernetas prediais.

O Requerente conclui dizendo que o pedido de pronúncia arbitral é o de anulação das liquidações de Imposto do Selo, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para decidir, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT; consequentemente, deve ser julgada improcedente a exceção dilatória invocada pela Requerida.

 

15. Isto posto. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais constituídos sob égide do CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se ainda vindo pacificamente a entender que pese embora o processo de impugnação judicial ter por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011.

 

16. Volvendo ao caso concreto e uma vez compulsado o pedido de pronúncia arbitral, constatamos que, logo no artigo 1.º, o Requerente delimita o respetivo objeto dizendo que «O presente pedido de pronúncia arbitral visa (…) a declaração ilegalidade das liquidações de IS melhor identificadas no introito, bem como das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa referentes a tais liquidações».

Acresce que não logramos encontrar qualquer segmento em que o Requerente pretenda, direta ou indiretamente, colocar em causa, em qualquer um dos seus elementos, as descrições dos prédios resultantes das cadernetas prediais urbanas ou as respetivas avaliações dos mesmos.

Com efeito, ao longo daquele articulado, o Requerente discute o âmbito da incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS, concretamente quanto aos imóveis com afetações múltiplas (habitacionais e não habitacionais) e quanto aos imóveis com afetação habitacional e aos terrenos para construção, quando afetos ao exercício de uma atividade económica; além disso, o Requerente alega ainda que a verba 28.1 da TGIS enferma de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da progressividade.     

Deste modo, não vislumbramos qualquer fundamento para o que, a este propósito, vem invocado pela AT, pois, salvo o devido respeito, resulta meridianamente evidente que aquilo que o Requerente submete à apreciação do Tribunal Arbitral é a legalidade das sobreditas liquidações de Imposto do Selo, concluindo o seu articulado com o pedido de declaração de ilegalidade de tais liquidações e a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Em conclusão, não está aqui em causa qualquer alteração nem ao teor das matrizes prediais, nem às avaliações dos prédios urbanos em apreço nestes autos, designadamente quanto à respetiva natureza.  

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade suscitadas, neste concreto âmbito, pela AT, uma vez que as mesmas radicam em pressupostos que, como vimos, não se verificam. 

 

17. Nestes termos, improcede a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Arbitral. 

 

§2. DO MÉRITO

§2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

                18. O Requerente argui a existência de diversos vícios – sem que entre eles haja sido estabelecida uma relação de subsidiariedade – nos quais funda o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas e dos atos de indeferimento dos mencionados pedidos de revisão oficiosa.

Concretamente, o Requerente invoca:

(a) A violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por não ser aplicável:

- aos prédios urbanos com afetações múltiplas (habitacionais e não habitacionais); e

- aos prédios urbanos com afetação habitacional e aos terrenos para construção que estão afetos ao exercício de uma atividade económica.

                (b) A inconstitucionalidade material da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por violação:

                - dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, todos da CRP; e

                - do princípio da progressividade, previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, ambos da CRP. 

 

19. O artigo 124.º do CPPT estatui o seguinte:

Artigo 124.º

Ordem do conhecimento dos vícios da sentença

1.            Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.            Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a)            No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b)           No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

Esta norma estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Revertendo para o caso dos autos, temos que nenhum dos vícios invocados pelo Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade do ato tributário impugnado à luz dos critérios legais que o caracterizam, nem tão pouco o Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento.

Destarte, começaremos pela apreciação dos vícios de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, uma vez que só importará procedermos à apreciação dos indicados vícios de inconstitucionalidade se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba da TGIS envolver a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice.   

 

§2.2. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS

20. No epicentro do dissenso que opõe as partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS – em vigor, à data dos factos, e, entretanto, revogada pelo artigo 210.º, n.º 2, da Lei n.º 42/2016, de 28 dezembro –, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.

 

21. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação (cf. artigo 4.º):

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor (redação aplicável à situação sub judice): 

 28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%

 

22. A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil:

Artigo 11.º

Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

 

Artigo 9.º

Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

A propósito desta tarefa interpretativa, data  énia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida, em 02.10.2013, no processo n.º 53/2013-T:

“A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

23. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta Verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.

Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Nesta conformidade, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no artigo 2.º:

1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do Código do IMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:

Prédios rústicos (artigo 3.º):

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

Prédios urbanos (artigo 4.º):

Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Prédios mistos (artigo 5.º):

1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

No artigo 6.º do Código do IMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:

1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

Sobre o “valor patrimonial tributário”, o artigo 7.º do Código do IMI estatui o seguinte:

1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.

Sob a epígrafe “conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do Código do IMI estatui o seguinte:

1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.

2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.

3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.

5. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.

 Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do Código do IMI, do qual decorre que a inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo.

No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa convocar as seguintes normas do Código do IMI:

- Artigo 38.º, epigrafado Determinação do valor patrimonial tributário:

1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = Coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

- Artigo 45.º, epigrafado Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção:

1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.   

 

24. À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

Atentas as normas do Código do IMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo pois estes que estão sujeitos à Verba 28.1 da TGIS.

No tocante aos terrenos para construção, apenas estão abrangidos pelo âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS aqueles para os quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins habitacionais, na aceção resultante da definição de prédio habitacional que é dada pelo n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI; desta forma, estão excluídos da sujeição à verba 28.1 da TGIS, os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista edificação para outros fins que não os habitacionais, nomeadamente, para fins comerciais, industriais ou para serviços.        

A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na posterior alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.

Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre muitas outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.    

Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação. 

 

25. A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, referir que os artigos 38.º a 46.º do Código do IMI não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação; sendo que, no que especificamente concerne ao artigo 45.º do Código do IMI, quando ali se faz referência ao edifício a construir está a fazer-se a ponderação do destino do terreno, que é algo que, no contexto do Código do IMI, não implica afetação e ocorre antes desta (neste sentido, ver a citada decisão proferida no processo n.º 53/2013-T). 

 

§2.3. DA APLICAÇÃO DA VERBA 28.1 DA TGIS AO CASO CONCRETO

                26. Como resulta do probatório:

(i) o valor patrimonial tributário de cada um dos prédios urbanos em apreço é superior a € 1.000.000,00;

                (ii) o prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana com o n.º ... e o prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de... – ..., ... e ... (extinta freguesia de ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., são terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação;

                (iii) o prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., é um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, não é para habitação;

                (iv) o prédio urbano sito no concelho de Sintra, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia de...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., é um prédio em propriedade total sem divisões suscetíveis de utilização independente, afeto a habitação (vulgo, moradia unifamiliar). 

                 

                27. Subsumindo esta factualidade à verba 28.1 da TGIS, resulta estarem abrangidos pelo respetivo âmbito de incidência objetiva – por se verificarem os requisitos cumulativos para tal previstos: prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação – os seguintes prédios propriedade do Requerente:

                (i) o prédio urbano sito no concelho do Funchal, freguesia de..., inscrito na matriz predial urbana com o n.º...;

(ii) o prédio urbano sito no concelho de Caldas da Rainha, União de Freguesias de ... – ..., ... e ... (extinta freguesia de ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º...; e

(iii) o prédio urbano sito no concelho de Sintra, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia de ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º... .

 

28. Como foi dito, o Requerente invoca a violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS por, além do mais, entender que esta não é aplicável aos prédios urbanos com afetação habitacional e aos terrenos para construção que estão afetos ao exercício de uma atividade económica.

Na sequência da exegese hermenêutica da verba 28.1 da TGIS, acima feita, entendemos que esta posição do Requerente, segundo a qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afetos a atividades económicas, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação; além disso, não existe razão alguma para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Com efeito, não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que foi delimitada a incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS, mas sim e apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento das pessoas coletivas.

Além disso, como resulta do probatório, o Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito. Deste modo, a atividade do Requerente não tem nada a ver com a comercialização ou gestão de bens imobiliários, pelo que, também por esta via, falece qualquer argumento que vise vedar a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos imóveis em apreço ou a quaisquer outros de que o Requerente seja proprietário e que preencham os requisitos de incidência objetiva da citada verba 28.1.

 

29. Concluindo a referida operação subsuntiva, constatamos que relativamente ao prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., uma vez que é um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, não é para habitação, está o mesmo fora do âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS.

 

30. A finalizar, nesta sede, importa dizer que uma vez que não resultou do probatório que qualquer um dos prédios urbanos em apreço tenha afetações múltiplas (habitacionais e não habitacionais), resulta prejudicada quer a questão da violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por não ser aplicável aos prédios urbanos com afetações múltiplas (habitacionais e não habitacionais), suscitada pelo Requerente, quer a questão de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de que não se incluem na respetiva incidência objetiva os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, não é exclusivamente para habitação, suscitada pela Requerida.

 

§2.4. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA VERBA 28.1 DA TGIS

31. Como foi dito, o Requerente suscita a inconstitucionalidade material da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por violação:

                - dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, todos da CRP; e

- do princípio da progressividade, previsto nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, ambos da CRP. 

Uma vez que se concluiu pela aplicação da verba 28.1 da TGIS a três dos prédios urbanos em apreço neste processo, cumpre apreciar e decidir se se verifica ou não alguma das apontadas violações de normas e princípios constitucionais.

 

32. As questões de inconstitucionalidade aqui suscitadas correspondem, substancialmente, às que foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional, reunido em Plenário, no acórdão n.º 378/2018, proferido em 04 de julho de 2018, tendo aí sido decidido «[n]ão julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».

Tal aresto esteou o seu sentido decisório na seguinte fundamentação:

«Estando em causa a aferição do cumprimento, pelo legislador, do princípio constitucional da igualdade – que não sofre modificação de sentido quando aplicado ao domínio tributário – não é aceitável que a comparação se faça à luz de outro critério que não o eleito pelo legislador para fundamentar a diferença de regimes jurídico-tributários introduzida pela norma sindicada.

Ora, é neste vício metodológico de análise que, desde logo, incorre a perspetiva defendida na decisão recorrida: de que há desigualdade constitucionalmente censurável porque se tributa o proprietário de um único prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000 e se isenta de imposto o proprietário de vários prédios com tal afetação cujo valor patrimonial tributário individual seja inferior em apenas um euro à quantia fixada naquela verba.

Analisando hipótese equivalente com que se pretendia demonstrar a ocorrência de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, lê-se no Acórdão n.º 590/2015, para cuja doutrina remete o Acórdão fundamento n.º 568/2016:

«(…) [A] comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertium comparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, José Maria Fernandes Pires, ob. cit. pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

Cabe ainda referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar (…)»

Como se conclui no citado aresto, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material deve, pois, ser referida à «unidade prédio afecto à habitação», centrada na individualidade económico-jurídica do património individual tributado, e não no conjunto do património do sujeito passivo do imposto, que exorbita o quadro de valoração da norma de incidência em causa e contradiz a respetiva estrutura individualizada de intervenção, baseada nos critérios de valor e conceitos económico-jurídicos com que o CIMI estrutura o respetivo imposto.

Uma tal exigência, respeitando à operatividade lógico-valorativa do parâmetro constitucional da igualdade, vale indistintamente para os casos em que a situação jurídica tributada por via do imposto previsto na Verba 28.1 do TGIS é a propriedade de prédios habitacionais ou a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, prevista ou autorizada, seja a habitação: não estando em causa um imposto geral sobre o património, mas um imposto que incide apenas sobre determinados bens, com as características aí previstas, não vale comparar a situação jurídico-tributária do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 com a do proprietário de um património imobiliário que, apenas no seu conjunto, excede esse valor.

10. Ora, analisando o problema de inconstitucionalidade na perspetiva da situação jurídica selecionada como determinante da aplicação do tributo – a da titularidade do direito de propriedade sobre um único terreno para construção de valor igual ou superior a €1.000.000,00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação –, não se afigura fundado o juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, que a decisão recorrida dirige à verba 28.1 da TGIS.

Lê-se no Acórdão n.º 590/2015, a respeito de tal princípio, o seguinte:

«O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).»

A esta luz, há que reconhecer que a norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, mesmo quando aplicada a terrenos para construção de edifícios destinados a habitação, atinge prédios de valor «bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional», cuja propriedade «revela maiores indicadores de riqueza», sendo, como tal, suscetível de fundar «a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”» (Acórdão n.º 590/2015).

Assegura-se, assim, ainda, a necessária relação entre a prestação tributária devida e o seu pressuposto económico, traduzido na capacidade contributiva acrescida desse modo evidenciada por todos aqueles que são proprietários de terrenos para construção com as referidas características, mesmo que em grau inferior ao garantido pelo modelo de tributação sobre o rendimento, que, como se sabe, não é o único admitido pela Constituição (cfr. artigo 104.º, n.º 3).

Acresce que, como também se sublinhou no Acórdão n.º 590/2015, «a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados – por excesso ou por defeito – de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador.

Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão».

O tratamento diferenciado de situações que apresentam essa inexpressiva variação quantitativa, como sucede na hipótese, invocada pela decisão recorrida, de o valor patrimonial tributário de cada um dos vários prédios detidos pelo proprietário isento do imposto ser inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba, não tem, por isso, a virtualidade de pôr em causa, só por si, a conformidade constitucional da norma que fixa em €1.000.000,00 o valor patrimonial tributário a partir do qual é exigido o pagamento do imposto.

11. Quanto à desconsideração da natureza jurídica do titular da situação jurídico-patrimonial constitutiva do imposto previsto na Verba 28.1, afirma a decisão recorrida que a referida norma, «ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário (…) confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza» (itálico nosso). Também por esta via, defende-se, se desconsidera a concreta situação económico-social em que está a pessoa visada pela tributação, presumindo-se, mal, que o proprietário de terrenos para construção de edifícios para habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 tem idêntica capacidade contributiva que os proprietários de casas para habitação desse valor:

«(Se) por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.

O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção».

12. Deve, contudo, sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.

Ora, como vimos, a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.

De facto, se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível –, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.

Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário.

Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de atividade.

A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de varáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade -, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.

Como se salienta no Acórdão n.º 711/2006, em passo transcrito no Acórdão n.º 590/2015, «[a]veriguar (…) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

13. De todo o modo, mesmo que estivesse em causa – e não está – hipótese normativa circunscrita a sociedades comerciais com tal objeto social, não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos. Não há, por isso, qualquer motivo para censurar, no plano constitucional, a opção legal de também as sujeitar ao pagamento do imposto com base na titularidade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Como relembra a decisão que mais recentemente abordou o problema, apoiando-se na jurisprudência do Acórdão n.º 590/15 (Decisão Sumária n.º 214/2017), «[a] alteração do Imposto do Selo correspondeu a um dos três pilares – alterações em sede de IRS, de IRC e de Imposto do Selo – do esforço para reforçar a equidade social do sistema fiscal, garantindo que a repartição dos sacrifícios exigidos aos contribuintes em ordem à consecução do equilíbrio orçamental não fosse feita apenas por aqueles que vivem do rendimento do trabalho (cfr. a Proposta de Lei n.º 96/XII). Nesse sentido, e conforme foi anunciado em sede de debate parlamentar, o esforço orçamental deveria incidir sobre todos os tipos de rendimentos, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor».

Sendo essa a teleologia da norma constante da Verba 28.1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, ainda no contexto excecional de crise económica determinante do conjunto das descritas alterações legais, não se afigura que a previsão da titularidade de terrenos para construção de edifícios destinados a habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000, como facto constitutivo da obrigação tributária em apreço, mereça reprovação constitucional.

Nessa situação jurídica, tal como sucede com a propriedade de casas para habitação de tal valor, há uma razão constitucionalmente válida que justifica a tributação: a titularidade de bens cujo valor patrimonial tributário e afetação social normal são suscetíveis de revelar uma especial capacidade para suportar e participar no esforço de consolidação orçamental que o legislador, no exercício do seu poder de livre conformação, decidiu alargar aos titulares de determinados patrimónios imobiliários, por razões de maior equidade social, a que a Constituição é claramente sensível.

Não cabe ao Tribunal Constitucional equacionar a possibilidade (abstrata) de existirem situações ou hipóteses que, em atenção à natureza do sujeito visado ou ramo de atividade por este desenvolvido, poderiam justificar diferentes soluções tributárias, e, com base nisso, decidir pela inconstitucionalidade da solução adotada pelo legislador, quando, como é o caso, a sua inclusão no âmbito de incidência da norma tributária, a par de todas as outras hipóteses abrangidas, de variável configuração factual, não constitui solução arbitrária ou racionalmente infundada, por assentar em indícios seguros, embora não infalíveis, de especial ou acrescida capacidade contributiva, como ficou demonstrado.

Por isso, não se afigura que as razões invocadas pela decisão recorrida, com base em tais ponderações, possam determinar um juízo de inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da igualdade tributária.

14. Finalmente, também não impõe tal conclusão a circunstância, invocada no mesmo aresto, de a tributação dos terrenos para construção se basear na possibilidade futura de neles se virem a construir habitações sem considerar a respetiva tipologia edificatória e estrutura jurídica. Neste plano de abordagem, sustenta o Acórdão n.º 250/2017, no essencial, que a desconsideração, pela norma sindicada, das diferenças existentes, tanto no plano físico como jurídico, entre terrenos para construção e edifícios ou construções já existentes, leva a que se sujeite a tributação, tanto «um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo» ou, mesmo, «uma casa de luxo já construída» – leia-se: de valor igual ou superior a um milhão de euros - como «um terreno para construção com um valor patrimonial superior [a esse valor], mas destinado à construção de um edifício de habitação colectiva (…) constituído por fracções autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros», situação que não é de modo algum materialmente comparável a qualquer das duas primeiras hipóteses. A causa da inconstitucionalidade residiria, pois, de acordo com a posição adotada, no facto de a norma tributar a propriedade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, prevista ou autorizada, sendo para habitação, inclui frações autónomas com valor inferior àquele, situação que, por ser desigual àquelas outras, mereceria distinto tratamento tributário.

15. Mas não se afigura que assim seja.

Como se acentuou na Decisão Sumária n.º 214/2017, que analisou e refutou argumentação equivalente, «a conexão entre as regras de incidência objectiva e subjectiva aplicáveis à situação jurídica prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e as regras contidas no Código do IMI tem como consequência que o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo seja, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI; e que o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral, seja, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com um VPT [valor patrimonial tributário], apurado nos termos do CIMI, igual ou superior a €1.000.000,00».

Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.

Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem. As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.

O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.

16. Ora, na perspetiva juridicamente relevante da demonstração de riqueza, os terrenos destinados à construção de habitações, independentemente da estrutura jurídica e tipologia que estas últimas vierem a assumir, não são equiparáveis a prédios constituídos em frações autónomas.

No primeiro caso, está em causa, de acordo com as definições acolhidas pelo Código do Imposto do Selo, um único prédio, cujo VPT, determinado nos termos do Código do IMI, não pode deixar de ser considerado para aferir da incidência do Imposto do Selo; no segundo caso, sendo cada uma das frações autónomas havidas como constituindo um único prédio (artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, aplicável), há tantos prédios quantas frações autónomas, valendo, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o VPT de cada uma delas.

Ora, enquanto o valor do terreno para construção revela necessariamente a capacidade contributiva do seu único titular, o mesmo não ocorre com um prédio constituído em propriedade horizontal, «uma vez que, sendo cada uma das fracções susceptíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular» (Acórdão n.º 620/15; neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 214/2017). Considerando a globalidade do enquadramento jurídico aplicável e, em particular, o plano de incidência da norma constante da Verba 28.1 da TGIS – a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de habitações com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 –, o proprietário de um terreno destinado à construção revela, à data da verificação do facto tributário, uma capacidade contributiva superior ao titular de cada uma das frações autónomas cujo valor patrimonial tributário não ultrapassa aquela quantia, ainda que o edifício que se prevê construir venha também a integrar frações de valor inferior a €1.000.000,00.

É que, relevando, para efeitos tributários, apenas o VPT de cada fração autónoma – que, como se viu, constitui uma unidade económico-jurídica legalmente qualificada como constituindo um único prédio – não vale comparar a situação patrimonial do titular de um prédio para habitação já construído, cujas frações sejam de valor patrimonial tributário inferior a €1.000.000,00, com a do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a esse montante, ainda que este tenha autorização para nele construir um prédio com tais características.

De acordo com os critérios legalmente aplicáveis, cuja constitucionalidade não vem questionada, o proprietário de um prédio já construído, constituído em propriedade horizontal, não é tido como titular, para efeitos tributários, da globalidade das frações autónomas dele integrantes, considerando precisamente a autonomia económico-jurídica destas últimas em relação ao edifício de que fazem parte. Por isso, não tendo qualquer dessas frações um VPT ou superior a €1.000.000,00, não está o mesmo sujeito ao pagamento do imposto do selo.

Diferentemente, o proprietário de um terreno para construção de edifício para habitação é já havido, para esses mesmos efeitos, como titular do correspondente valor patrimonial, pela razão evidente de que, apesar da possibilidade futura da divisão económico-jurídica desse edifício, esta ainda se não concretizou. Daí que, tendo o terreno um VPT de €1.000.000,00 ou mais, lhe seja exigido o pagamento do imposto, imposto este que, por compatível com o nível de riqueza demonstrado pelo contribuinte no momento do vencimento da correspondente obrigação tributária, não pode ser considerado infundado ou arbitrário.

Como impressivamente se afirma em declaração de voto constante do Acórdão n.º 250/2017:

«(..) não é a circunstância de a construção prevista num dado terreno se reconduzir a uma habitação de luxo ou a prédio em propriedade horizontal com diversas fracções de reduzido ou médio valor que permite questionar a efectiva concretização do propósito de tributação de específicas manifestações de riqueza. Quer o correspondente titular deseje edificar uma habitação dotada de todo o género de ostentação, um imóvel em propriedade horizontal com dezenas de fracções ou uma singela vivenda, a realidade é que, no momento da verificação do facto tributário, estamos invariavelmente em face de terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a €1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno – e já não a específica habitação que se deseja edificar – que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança.

Se, não obstante as múltiplas possibilidades que tem ao seu dispor, o proprietário se

decide pela implementação de construção que não ascenda a tal grandeza – nomeadamente por esta se apresentar em propriedade horizontal, a importar uma tributação das fracções autónomas e já não do edifício global -, tal não invalida a constatação de que, enquanto terreno, aquele imóvel se apresentava, por si só, como especial manifestação de riqueza».

E assim sendo, também não oferece dúvidas que, contrariamente ao que se defende na decisão recorrida, a diferenciação introduzida entre os contribuintes que se encontram em tal situação e os que não estão, incluindo os titulares de prédios urbanos constituídos por frações urbanas de VPT inferior a €1.000.000,00, é adequada à realização do fim visado pela norma da Verba 28.1, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de mais valor em termos ajustados à satisfação do «princípio da equidade social na austeridade.»

 

33. Não existindo quaisquer motivos para divergir da fundamentação exarada no citado aresto do Tribunal Constitucional, reiteramos aqui a posição jurisprudencial ali afirmada, concluindo-se, por conseguinte, no sentido da não inconstitucionalidade material da norma de incidência tributária constante de verba 28.1 da TGIS, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da progressividade. 

*

34. Nestes termos, concluímos que a controvertida liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre o prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., com referência ao ano de 2014 – liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015 e notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015 ... e n.º 2015 ... –, padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

A aludida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., na medida em que manteve aquela liquidação de Imposto do Selo, padece de igual vício invalidante e, como tal, tem também de ser declarada ilegal e anulada.

 

35. No concernente às demais liquidações de Imposto do Selo controvertidas, como foi dito, os respetivos prédios urbanos que delas são objeto preenchem os requisitos de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS, pelo que, contrariamente ao propugnado pelo Requerente, as mesmas não padecem de qualquer ilegalidade, devendo por isso ser integralmente mantidas; o mesmo se diga quanto às referenciadas decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa que tiveram por objeto aqueles mesmos atos tributários.

 

§3. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

36. O Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do montante de Imposto do Selo pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

37. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que estabelece, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

38. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre o prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., com referência ao ano de 2014 – liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015 e notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015... –, é mister concluir que o Requerente suportou uma prestação tributária indevida, pelo que há lugar ao reembolso do imposto pago ilegalmente, que se cifra no montante de € 13.085,00, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado.

 

39. No concernente aos juros indemnizatórios, o Requerente afirma que «decorrendo as liquidações sob apreciação de erro imputável aos serviços do qual resultou pagamento de imposto totalmente indevido» assiste-lhe, «nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios»; por seu turno, a Requerida propugna que o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a ser deferido, apenas é «enquadrável na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT».

               

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos; por seu turno, da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT decorre que são também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

A alusão à revisão do ato tributário remete-nos para o artigo 78.º da LGT, cujo n.º 1 estatui que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços; o n.º 7 do mesmo artigo 78.º determina que interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

No citado n.º 1 do artigo 78.º da LGT, está pois prevista a possibilidade de revisão dos atos tributários por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa, devendo entender-se que o legislador está aqui a referir-se ao prazo de reclamação graciosa , o qual é de 120 dias (cf. artigo 70.º, n.º 1, do CPPT) e que, relativamente às liquidações de Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS, é contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira prestação do imposto (cf. artigo 129.º, n.º 2, do CIMI ex vi artigo 49.º, n.º 3, do CIS, na redação em vigor à data dos factos).     

No caso de ser reconhecida a ilegalidade do ato de liquidação invocada pelo sujeito passivo, não só haverá lugar à restituição do montante de imposto indevidamente pago, como deverá ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos.  

No entanto, como resulta do citado n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa dos atos tributários também poderá ser efetuada a pedido do contribuinte. Porém, se o pedido de revisão dos atos tributários for realizado dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, os efeitos decorrentes do reconhecimento da ilegalidade do ato de liquidação são diferentes dos que resultam quando o pedido de revisão é efetuado dentro do prazo de reclamação graciosa. Com efeito, apesar de o ato de liquidação ser igualmente anulado, o direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios não é reconhecido nos mesmos termos, ou seja, desde da data do pagamento indevido até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos; nesse caso, tais juros apenas serão devidos se a Administração Tributária só efetuar a revisão do ato de liquidação mais de um ano após a dedução do pedido e o atraso lhe for imputável, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.   

Neste exato sentido, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 717 e 718) afirmam o seguinte:

«Assim, nos casos em que o pedido de revisão do acto tributário é apresentado no prazo de 120 dias, a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT, é de entender que não há razão para que o Estado se dispense do dever de reparar integralmente os danos provocados pelos seus actos ilegais, com plena reconstituição da situação jurídica que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.

Por isso, se o contribuinte reage nesse prazo, através de um pedido de revisão do acto tributário, deverá ser dada à sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte, que vão desde a restituição da quantia indevidamente cobrada à atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, no caso de se reconhecer que o erro não é imputável ao contribuinte, nos termos dos arts. 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3 [n.º 5], do CPPT.

(…)

A mesma argumentação não vale, porém, para os casos em que o pedido da revisão é apresentado fora do prazo de 120 dias a contar do factos previsto no art. 102.º, n.º 1, do CPPT.  

Na verdade, (…), nesse caso já se fazem sentir as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários e, por isso, os efeitos atribuídos ao pedido de revisão já não são os mesmos, como decorre da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, ao estabelecer que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária, e não juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido.»

Neste mesmo sentido, tem vindo reiteradamente a pronunciar-se o Supremo Tribunal Administrativo, sendo de mencionar aqui, a título de exemplo e pela sua relevância, os acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, em 23 de maio de 2018, no processo n.º 01201/17 e em 24 de outubro de 2018, no processo n.º 099/18.3BALSB (ver, ainda e entre outra, a jurisprudência citada naqueles arestos).   

 

40. Dito isto, voltando ao caso sub judicio, o Requerente suportou uma prestação tributária legalmente indevida, tendo direito ao reembolso do montante de € 13.085,00.

Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre o prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do ...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., com referência ao ano de 2014 – liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015 e notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015 ... e n.º 2015...–, é imputável à AT por, naquela liquidação, ter incorrido em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na incorreta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS; o mesmo vale para a ilegalidade e a consequente anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º...2018..., que é também totalmente imputável à AT.

Destarte, tendo presentes os factos provados l) e p) e atendendo ao acima exposto, concluímos que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, relativamente ao montante de imposto a reembolsar (€ 13.085,00), calculados desde 6 de janeiro de 2017, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

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41. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

i.             Declarar ilegal e anular a liquidação de Imposto do Selo (liquidação de IS n.º 2014..., de 24.03.2015 e notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015...) que incidiu sobre o prédio urbano sito no concelho de Cascais, União das Freguesias de ... e ... (extinta freguesia do...), inscrito na matriz predial urbana com o n.º..., com referência ao ano de 2014;

ii.            Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018...;

iii.           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar ao Requerente o imposto indevidamente pago, que se cifra no montante de € 13.085,00, acrescido de juros indemnizatórios, calculados desde 6 de janeiro de 2017, à taxa legal supletiva. 

b)           Julgar improcedente o remanescente do pedido de pronúncia arbitral, com a inerente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

c)            Condenar ambas as Partes no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 48.013,52 (quarenta e oito mil e treze euros e cinquenta e dois cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira, na proporção de 72,75% e de 27,25%, respetivamente.

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Notifique.

 

Lisboa, 16 de maio de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)