Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 624/2018-T
Data da decisão: 2019-05-15   Outros 
Valor do pedido: € 5.329,27
Tema: AIMI – Terrenos para Construção; Constitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO    

1. No dia 10 de Dezembro de 2018, a A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., em Guimarães, (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2018 ..., de 30 de Junho de 2018, incidente sobre os prédios urbanos situados no Lugar de ... e ..., da freguesia de ..., Guimarães, inscritos na respectiva matriz predial sob os     artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., com a consequente anulação.

- Condenação da Requerente a devolver à Requerente o imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

A Requerente juntou 32 (trinta e dois) documentos.

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No essencial, a Requerente alega que:

- “Tais prédios resultam do exercício da actividade da Autora que, no local referido, procedeu à sua urbanização, transformando o solo rural em urbano (lotes de terreno para construção)”;

- “Assim, as “existências” da Autora são constituídas por “terrenos para construção”, para o que está colectada em IRC, desde o início da sua constituição.”;

- E que “Tal tributação viola, frontalmente, normas e princípios constitucionais, (...)” diga-se “princípio da capacidade contributiva (art.º 104º da CRP) e da igualdade, - na medida em que as empresas que se dedicam à actividade imobiliária e obtêm proveitos disso, com pagamento do correspondente IRC, são oneradas com um novo imposto que, sem razão material bastante, as tributa, exclusivamente, em função dessa actividade(...)”.

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 19 de Dezembro de 2018.

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 4 de Fevereiro de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25 de Fevereiro de 2019.

5. No dia 2 de Abril de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente acção.

5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta, a saber:

O AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do acto tributário.

5.2. A Requerida não requereu a produção de prova.

6. Por despacho de 10 de Abril de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 20 de Maio de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes não apresentaram quaisquer alegações.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto a construção de edifícios e a compra, venda e revenda de bens imóveis.

b)           A Requerente é legítima proprietária dos prédios urbanos situados no Lugar de ... e ..., da freguesia de ..., Guimarães, inscritos na respectiva matriz predial sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... .

c)            A Requerida notificou a Requerente, em 30 de Junho de 2018, da Liquidação do AIMI sobre os prédios urbanos em causa, relativa ao ano de 2018.

d)           A Requerente procedeu ao pagamento, em 26 de Setembro de 2018, da liquidação em apreço, na sua totalidade.

e)           A Requerente apresentou, em 10 de Dezembro de 2018, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III.2. DE DIREITO

O AIMI, criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.

 

O n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI foi alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2018 passando a ter a seguinte redacção:

“O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”.

 

No Relatório desse Orçamento do Estado para o ano de 2018 refere-se:

“[...]

A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. (...)

A tributação progressiva do património imobiliário

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.”

Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.

Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.”.

 

Como se refere na decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de Janeiro de 2018:

“O que o legislador pretendeu com o Adicional ao IMI foi criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP. (...)

A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].

Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados», compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.”.

 

O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”. [cfr. o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI].

 

À semelhança do regime do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) são sujeitos passivos do AIMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas “quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal”, (cfr. o n.º 1 e nº 2 do artigo 135.º-A do Código do IMI).

 

Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, no que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas colectivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real. (cfr. o n.º 2 do artigo 135.º-A do Código do IMI).

 

Como bem refere a doutrina:

“Assim, relativamente a pessoas coletivas, o AIMI não se destina, na verdade, a tributar as entidades com mais elevados índices de riqueza, porque se tributam todos os valores patrimoniais dos prédios sujeitos, sem limite mínimo nem qualquer dedução.

Também, por essa razão, o AIMI que incide sobre as pessoas colectivas se aproxima mais de um imposto geral sobre o património imobiliário.” (JOSÉ MARIA PIRES, O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património, Almedina, 2017, pág. 42).

 

Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor.

 

Foram expressamente excluídos da incidência objetiva do AIMI os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”. [cfr. alíneas b) e d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI].

Estão deste modo sujeitos ao AIMI os prédios afectos à “habitação” e os “terrenos para construção” tal como definidos no referido artigo 6.º do Código do IMI.

 

Traçado que está o quadro legal aplicável importa desde já retirar a simples e elementar conclusão que a lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os “terrenos para construção”, e isto independentemente da afectação potencial que a estes venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

 

Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afectação potencial.

 

Aliás, já no âmbito do IMI a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que:

“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.”.

 

Neste sentido vejam-se os Acórdãos do STA, 18/11/2009, rec.765/09, 20/4/2016, rec.824/15, Acórdãos do TCA SUL, 9/02/2017, Proc.5366/12, Proc. n.º 907/07.9, de 11/16/2017, referindo este último o seguinte:

“(...)

4. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art.º 45, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor.

Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. art.6.º, n.º 3, do C.I.M.I.).

5. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.

6. Não é aplicável, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, também o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo art.º42, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no arto.38, do mesmo diploma.”.

 

Como decorre do atrás exposto, atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, conclui-se inequivocamente que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efectuada independentemente da sua afectação potencial,

 

É este, pois, o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjectivo e objectivo do AIMI.

 

As opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das actividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”, com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais.

 

Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

 

Ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer actividade económica”.

 

Como se refere na decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de Janeiro de 2018, a cuja fundamentação se adere e se subscreve inteiramente:

 

“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na atividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.

Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.”.

 

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação.

 

Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios.

 

Uma vez que na versão final aprovada e que encontra em vigor foi expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador!

 

Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”.

        

Acresce ainda que não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redacção final.

 

Ao contrário do alegado pela Requerente não se verifica qualquer ilegalidade nas liquidações de AIMI.

 

Da alegada violação do princípio da igualdade

 

Entende a Requerente que a tributação em sede de AIMI acarreta uma discriminação das “empresas, só pelo facto de serem possuidores de “terrenos para construção”, fruto da sua actividade”, considerando existir uma discriminação das “empresas que se dedicam a actividade imobiliária” (como a Requerente) face às “demais empresas que se dedicam à transformação de bens (como o calçado, vestuário, etc.)” e “restantes empresas e (...) contribuintes individuais e heranças indivisas”.

 

Cumpre, pois, analisar se as disposições reguladoras deste adicional respeitam o princípio da igualdade, princípio este que é sem dúvida, um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português.

 

Ora, o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o artigo 104.º, n.º 3, da CRP estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

 

Sobre o princípio da igualdade, como refere JOSÉ CASALTA NABAIS, para além de fundamentar e ter como corolário o princípio da capacidade contributiva, também se projecta no princípio da justiça:

“[...] o princípio da igualdade fiscal tem sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva.

Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos e quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção dessa diferença (igualdade vertical)” (cfr. Direito Fiscal, Almedina, 2012, 7.ª Edição, pág. 155) [destaque nosso].

 

O princípio da igualdade determina que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

 

A este propósito, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 563/96, de 16 de Maio, nos seguintes termos:

“[...] O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado acórdão n.º 335/94. Cfr., Gomes Canotilho, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327, Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).” [destaque nosso].

 

À luz do que ficou exposto, impõe-se determinar se as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI, efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”, constituem, ou não, uma lesão do princípio da igualdade.

 

Alega a Requerente que o regime legal do AIMI, em concreto o respetivo artigo 135.º-

-B do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI “todos os “terrenos para construção”, mesmo que estejam classificados para fins “comerciais, industriais ou para serviços e outros” (sendo que, como supradito, a totalidade dos imóveis da Requerente sejam prédios urbanos ou terrenos para construção apenas com afectação de “habitação”), é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado e ainda que,

 

A aplicação do regime do AIMI, quando interpretado no sentido de abranger entidades que desenvolvem uma actividade imobiliária, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do principio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º do mesmo diploma, pelo que “as normas que preveem a referida tributação devem ser desaplicadas”.

 

Aqui chegados importa salientar que verdadeiramente, os terrenos para construção não são meras “existências (bens transacionáveis)” que “constituem tão somente o produto da sua laboração”, i.e., não são meramente instrumentais ao exercício da actividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da actividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

 

Com efeito, a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cfr. artigo 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento.

  

Assim, bem se compreende, então, a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objectiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

 

Justamente, no campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira (ANTÓNIO de SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. II, 4.ª ed., p. 181).

 

Pelo que, qualquer dissertação sobre a situação das empresas comercializadoras de terrenos para construção, sobre o êxito (ou inêxito) da actividade comercial que desenvolvem ou mesmo sobre a espécie de activos imobiliários que detêm, não releva in casu,

 

Porquanto se trata aí de invocar elementos de consistência económica muitíssimo variável e contingente, que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos ativos patrimoniais detidos, tudo impedindo a configuração de qualquer base uniforme capaz de conduzir à afirmação de que a solução normativa objecto do AIMI conduz a uma discriminação negativa injustificada dessas empresas, tanto mais quando estão em causa componentes prediais limitadas do património dos sujeitos passivos.

 

Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados

 

E ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da actividade económica, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.

 

Ou seja, a circunstância de um dado bem valer, como “factor de produção de riqueza” não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar capacidade contributiva e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para o desejado financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

 

Apenas seria possível entender-se de modo diverso caso a específica qualidade do sujeito passivo e/ou a sua natureza estivesse projectada no critério normativo em sindicância.

 

O que não é, de todo, como está bem de ver e de interpretar face à letra da Lei.

 

Conclui-se assim, que a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

 

Como atrás já se referiu, não foi com base na actividade a que estão afectos a imóvel que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão aprovada se determinou a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.o do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.

 

Citando a decisão arbitral proferida no processo n.º 664/2017-T:

“A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.

 

Assim, não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objecto da sua actividade económica.

Em suma, e reproduzindo tudo quanto atrás se aduziu, não se afigura, pois, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua actividade no setor imobiliário, nomeadamente, de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.

 

Sobre esta matéria, o Tribunal Arbitral já se pronunciou amplamente, nomeadamente no âmbito dos processos n.º 664/2017-T, 676/2017-T, 678/2017-T, 682/2017-T, 683/2017-T, 684/2017-T, 690/2017- T, 6/2018-T, 310/2018-T, 324/2018-T, 401/2017-T e 420/2018-T.

 

Veja-se, por exemplo, a decisão arbitral proferida no processo n.º 682/2017-T:

“(...) vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.

A criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60) compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.o 3 do artigo 104.o da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

(...)

Pelo que, a considerar, como pretende a Requerente, a não incidência do AIMI sobre os valores dos prédios habitacionais ou terrenos para construção de habitação pertencentes a sociedades imobiliárias ou afins constituiria, isso sim, um injustificado tratamento fiscal privilegiado em relação à generalidade dos restantes proprietários de imóveis com idênticas características. (...) Não se alcança, pois, qualquer violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva”.

 

No mesmo sentido, cita-se ainda decisão arbitral proferido no processo n.º 420/2018-T presidido pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

“A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis.

Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais».

Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.o, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.o da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza.

Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

Por outro lado, não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.o-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.o-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.o-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social. (...)” (destaques nossos).

    

Assim, de acordo com a jurisprudência citada acima, conclui-se, que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.

 

Não se vislumbra que a tributação do património imobiliário de empresas que se dedicam à actividade imobiliária, nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-6 do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

 

De igual modo se conclui que, a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas coletivas - que façam parte do seu património imobiliário e estejam afectos ao desenvolvimento da sua actividade económica - nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-B do Código do IMI, colida com o principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

 

Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objectiva e não meramente potencial no momento da verificação do acto tributário.

 

Nos termos do artigo 135.º-A, n.º 3, do Código do IMI, “a qualidade de sujeito passivo é determinada (...), tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita”, sendo, portanto, irrelevante, e até natural, que “Na data da liquidação do AIMI há “terrenos para construção” que a Autora já alienou”.

 

Como ficou plenamente demonstrado e de acordo com a jurisprudência citada, ao contrário do alegado pela Requerente, a tributação em sede de AIMI não acarreta uma discriminação negativa injustificada à propriedade de empresas cuja actividade económica é a “actividade imobiliária, transformando o solo rural em urbano” quando, simultaneamente, a lei exclui da tributação os imóveis destinados a comércio, indústria ou serviços.

Nas situações em que a actividade imobiliária é efectuada com a titularidade dos imóveis é inegável o acervo patrimonial indicador de determinada capacidade económica dessa entidade, distinguindo-se apenas dos restantes proprietários pela natureza, singular ou colectiva.

 

Se assim não fosse, isso sim seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade por tratamento preferencial aos proprietários que fossem pessoas colectivas em detrimento dos proprietários pessoas singulares, tratando de forma desigual situações idênticas, sem nenhuma razão ou justificação material legitimadora dessa opção legislativa.

 

Em suma, mesmo os imóveis destinados a comercialização não deixam de evidenciar, obviamente, a capacidade contributiva do seu titular, capacidade essa que é real, mensurável e inquestionável independentemente do destino que o seu titular lhe queira dar.

 

Donde, a ideia que os imóveis para comercialização, não evidenciam manifestações de capacidade contributiva, constitui sem dúvida, um erro de percepção que cumpre desmistificar.

 

Mesmo que se discorde das opções do legislador (e cada qual é livre de o fazer), não tem qualquer fundamento a tese que o adicional do IMI viole o princípio da capacidade tributária, porquanto a titularidade de imóveis é, efectiva e indiscutivelmente, uma manifestação de riqueza e de capacidade contributiva.

 

Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação da liquidação nem a restituição da quantia paga nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

b)           Absolver a AT de todos os pedidos. 

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 5.329,27 (cinco mil trezentos e vinte e nove euros e vinte sete cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerente.

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Lisboa, 15 de Maio de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Hélder Faustino)