Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 521/2018-T
Data da decisão: 2019-03-04   Outros 
Valor do pedido: € 6.055,13
Tema: AIMI - Sujeição; Terrenos para construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO    

1. No dia 22 de Outubro de 2018, a A..., Lda., NIPC..., com sede no ..., n.º..., em Lisboa (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2018..., de 30 de Junho de 2018, com a consequente anulação.

- Condenação da Requerente a devolver à Requerente o imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

A Requerente juntou 6 (seis) documentos.

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. No essencial, a Requerente alega que:

A liquidação do AIMI enferma de ilegalidade, nomeadamente por erro nos pressupostos do direito, ou de erro na qualificação do facto tributário, uma vez que desconsiderou a situação de o imóvel em questão ser um terreno para construção destinado ou afecto “(...) à implantação de edificação do tipo misto equipamentos / serviços / comércio e estacionamento” e não destinado à habitação.

Invoca, ainda, em abono da sua defesa as decisões arbitrais proferidas os processos n.º 668/2017-T, n.º 675/2017-T, n.º 681/2017-T e n.º 668/2017-T.

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 29 de Outubro de 2018.

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.1. Em 12 de Dezembro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

4.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 3 de Janeiro de 2019.

5. No dia 4 de Fevereiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.

5.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta, a saber:

O acto de liquidação adicional de IMI relativo a terrenos para construção, com afectação para “comércio e serviços”, não enferma de qualquer erro de qualificação nem de facto nem de direito.

Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do acto tributário.

5.2. A Requerida não requereu a produção de prova.

6. Por despacho de 5 de Fevereiro de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido fixado o dia 6 de Março de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. Em 7 de Fevereiro de 2019, a Requerente informou o Tribunal Arbitral não pretender apresentar quaisquer alegações.

 

                II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

 

III.1. DE FACTO

 

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente tem como objecto social, entre outras, investimentos imobiliários, nomeadamente, na compra de prédios para revenda, desde prédios urbanos, até terrenos já urbanizados ou a urbanizar, compra e venda de imóveis, planeamento e desenvolvimento das urbanizações e construções respectivas, sua comercialização e exploração; gestão de imóveis, próprios ou não, bem como de todos os espaços de que a sociedade seja, ou venha a ser proprietária, arrendatária ou concessionária;

b)           A Requerente tem como actividade principal desenvolvida, e inscrita no cadastro, de “promoção imobiliária (desenvolvimento projectos edifícios)” – CAE 41100, e como actividades secundárias “compra e venda de bens imobiliários” – CAE 68100, e “arrendamento de bens imobiliários” – CAE 68200

c)            A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano do tipo “terreno para construção” denominado por Lote ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo matricial... .

d)           O prédio urbano em causa teve origem no Alvará de Loteamento n.º .../90, emitido em 18 de Outubro de 1990 pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e seus Aditamentos, o 1.º Aditamento de 25 de Julho de 2005 e o 2.º Aditamento de 4 de Outubro de 2005, como sendo destinado ou afecto “(...) à implantação de edificação do tipo misto equipamentos / serviços / comércio e estacionamento”.

e)           O prédio urbano em causa foi objecto de avaliação pela Requerida, em 22 de Janeiro de 2007, tendo sido aí avaliado e expressamente considerado do tipo “terreno para construção” com a aplicação do coeficiente de afectação “serviços”.

f)            A Requerida notificou a Requerente, em 30 de Junho de 2018, da Liquidação do AIMI sobre o prédio urbano em causa, relativa ao ano de 2018.

g)            A Requerente procedeu ao pagamento, em 28 de Setembro de 2018, da liquidação em apreço, na sua totalidade.

h)           A Requerente apresentou, em 22 de Outubro de 2018, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III.2. DE DIREITO

 

O AIMI, criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.

 

O n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI foi alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2018 passando a ter a seguinte redação:

“O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”.

 

No Relatório desse Orçamento do Estado para o ano de 2018 refere-se:

“[...]

A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. (...)

A tributação progressiva do património imobiliário

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.”

Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.

Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.”.

 

Como se refere na decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de Janeiro de 2018:

“O que o legislador pretendeu com o Adicional ao IMI foi criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP. (...)

A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].

Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados», compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.”.

 

O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”. [cfr. o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI].

 

À semelhança do regime do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) são sujeitos passivos do Adicional de IMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas “quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal”, (cfr. o n.º 1 e no 2 do artigo 135.º-A do Código do IMI).

 

Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, no que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real. (cfr. o n.º 2 do artigo 135.º-A do Código do IMI).

 

Como bem refere a doutrina:

“Assim, relativamente a pessoas coletivas, o AIMI não se destina, na verdade, a tributar as entidades com mais elevados índices de riqueza, porque se tributam todos os valores patrimoniais dos prédios sujeitos, sem limite mínimo nem qualquer dedução.

Também, por essa razão, o AIMI que incide sobre as pessoas colectivas se aproxima mais de um imposto geral sobre o património imobiliário.” (JOSÉ MARIA PIRES, O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, pág. 42).

 

Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor.

 

Foram expressamente excluídos da incidência objetiva do AIMI os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”. [cfr. alíneas b) e d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI].

 

Estão deste modo sujeitos ao AIMI os prédios afectos à “habitação” e os “terrenos para construção” tal como definidos no referido artigo 6.º do Código do IMI.

 

Traçado que está o quadro legal aplicável importa desde já retirar a simples e elementar conclusão que a lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os “terrenos para construção”, e isto independentemente da afectação potencial que a estes venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

 

Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afectação potencial.

 

Aliás, já no âmbito do IMI a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que:

“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.”.

 

Neste sentido vejam-se os Acórdãos do STA, 18/11/2009, rec.765/09, 20/4/2016, rec.824/15, Acórdãos do TCA SUL, 9/02/2017, proc.5366/12, Proc. n.º 907/07.9, de 11/16/2017, referindo este último o seguinte:

“(...)

4. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art.º 45, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor.

Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. art.6.º, n.º 3, do C.I.M.I.).

5. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.

6. Não é aplicável, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, também o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo art.º42, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no arto.38, do mesmo diploma.”.

 

Como decorre do atrás exposto, atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, conclui-se inequivocamente que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afectação potencial,

 

É este, pois, o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjetivo e objetivo do AIMI.

 

As opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”, com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais.

 

Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

 

Ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer actividade económica”.

 

Como se refere na recente decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de Janeiro de 2018, a cuja fundamentação se adere e se subscreve inteiramente:

 

“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na atividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.

Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.o do CIMI.”.

 

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação.

 

Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.

 

Uma vez que na versão final aprovada e que encontra em vigor foi expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador!

 

Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”.

        

Acresce ainda que não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redacção final.

 

Assim, não se vislumbra que o acto de liquidação adicional de IMI relativo a terrenos para construção, com afectação para “comércio e serviços”, não enferma de qualquer erro de qualificação nem de facto nem de direito.

 

Em conclusão, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do acto tributário.

 

  Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação da liquidação nem a restituição da quantia paga nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

b)           Absolver a AT de todos os pedidos. 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 6.055,13 (seis mil e cinquenta e cinco euros e treze cêntimos).

 

 

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerente.

*

Lisboa, 4 de Março de 2019.

 

O Árbitro,

 

(Hélder Faustino)