Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 585/2018-T
Data da decisão: 2019-04-26  IRC  
Valor do pedido: € 934.408,94
Tema: IRC – SGPS; Mais-valias e menos-valias. Dedutibilidade. Art. 32.º, n.º 2, do EBF. Circular n.º 7/2004
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente) Dr. Hélder Faustino e Dr. Arlindo José Francisco designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-02-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A..., Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... ..., doravante designada por “A...” ou “Requerente”, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao exercício de 2013 emitida na sequência da correcção ao lucro tributável em sede de inspecção tributária, que originou uma redução do prejuízo fiscal apurado pelo Grupo Fiscal no montante de € 934.408,94.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 23-11-2018.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 14-01-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-02-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 20-03-2019, foi fixado o valor do processo em € 934.408,09.

Por despacho de 16-04-2019, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é sociedade dominante e responsável pela liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do Grupo (“Grupo Fiscal”) ao qual no exercício de 2013 foi aplicável o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), e que era composto por si e pelas seguintes sociedades:

– Laboratório de Análises Clínicas B..., SGPS, S.A. (doravante B...);

– C..., Lda;

– D..., Lda.; e

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;
  2. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2013, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

CAPÍTULO III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Correção efetuada na esfera individual da sociedade LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS B... SGPS, SA

Na sequência da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço interna n" 012016..., ao resultado individual da sociedade LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLINICAS B... SGPS, SA, NIPC..., relativa ao exercício de 2013, concluiu-se que o sujeito passivo desconformidade com o estabelecido no n.º 2 do art 32.º do Estatuto dos Beneficies Fiscais.

De acordo com as instruções explanadas na Circular n º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, apurou-se de dedução e que deveriam ter sido acrescidos ao resultado fiscal da empresa, através da inscrição do respetivo valor no campo 779 do quadro 07 da declaração de rendimentos, foi de €934.408,94.

Os factos e conclusão encontram-se expostos no Relatório de Inspeção Tributária resultante da Ordem de Serviço n.º OI2016..., que se passam a transcrevem:

 

"IRC - Encargos financeiros imputáveis às partes de capital

III.1.1. Matéria de facto

Da análise ao balancete analítico de 2013, antes do apuramento de resultados, verificou-se que as rubricas de "Outros Gastos e Perdas" (conta 68) e "Juros e Gastos Similares Suportados" (conta 69) da Demonstração de Resultados, apresentam a seguinte composição:

Conforme informação prestada pelo contribuinte, verifica-se que os gastos e perdas evidenciados no quadro supra são, na sua maioria, resultantes de empréstimos obtidos junto das seguintes sociedades relacionadas:

Questionado o contribuinte sobre justificação tia indispensabilidade dos gastos de financiamento para o desenvolvimento da atividade, nos termos do art.º 23.º do CIRC, no e-mail de 11-05-2017, o mesmo informou que "os gastos financeiros suportados foram incorridos na prossecução da actividade da empresa, ou seja, na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de atividade económicas". Sendo que, no e-mail de 02-06-217, complementa a resposta anterior, explicitando a aplicação dos empréstimos obtidos, referindo que "os empréstimos obtidos, que justificam os gastos de financiamento suportados (conta 69114 Juros IC), foram utilizados para:

• Gestão de tesouraria das suas participadas:

Aquisição de participações sociais (realizadas em exercícios anteriores);

• Realização de prestações suplementares (no ano e em anos anteriores);

• Realização de aumento de capital em anos anteriores"

Em 14-06-2017, colocou-se a seguinte questão, via e-mail:

"2. Tendo em conta a aplicação dos empréstimos obtidos exposta na resposta ao ponto 3, do e-mail de 2017-06-02, e atendendo a que a sociedade Laboratório de Análises Clínicas B... SGPSA, SA é uma sociedade de gestão de participações sociais, justificar os motivos da não aplicação, relativamente ao encargos financeiros suportados no exercício de 2013, do disposto no nº 2 do art.º 32.º do EBF e na Circular n.º7/2004, de 30 de março, ou seja, não ter acrescido no Quadro 07 da Modelo 22 de IRC o valor dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital"

Na resposta obtida em 2017-06-22, o contribuinte invoca ter existido "Lapso na elaboração do Quadro 07 da Modelo22, por desconhecimento".

 

III.1.2. Enquadramento fiscal

A empresa LABORATÓRIO B... SGPS exerceu a atividade de "Sociedade Gestora de Participações Sócias", pelo que estava sujeita ao disposto no art.º 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

O regime instituído, no n.º 2 do artigo 32º do EBF, aditado pelo n.º 5 do artigo 38º da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, na redação em vigor a data dos factos, disponha que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e bem assim, os encargos financeiros suportados com sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

Sobre esta matéria (encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital nas SGPS) a Autoridade Tributária veio esclarecer, através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direção de Serviços do IRC (DSIRC), o seguinte:

- no que respeita aos encargos financeiros, o novo regime "é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data", conforme ponto 5);

- no exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício em que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias", conforme ponto 6);

- "quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização (...) de um método de afetação direta ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR (deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.", conforme ponto 7).

III.1.3. Correção proposta

De acordo com o n.º 2 do art.º 32.º do EBF, os encargos suportados pelas SGPS, com a aquisição de partes de capital, desde que detidas por um período não inferior a um ano, não concorrem para a formação do lucro tributável.

De acordo com as instruções explanadas na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, o valor dos encargos financeiros, suportados pelo contribuinte, no exercício de 2013, não suscetíveis de dedução ascendem a €934.408,94, como a seguir se demonstra:

Esse valor foi omitido pelo contribuinte, no apuramento do lucro tributável do exercício de 2013, na medida em que não foi acrescido no campo 779 (Encargos Financeiros não dedutíveis - art.º32º, nº2 do EBF) do quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC.

Face ao exposto, propõe-se que o prejuízo tributável declarado da sociedade LABORATÓRIO B... SGPS, no exercício de 2013, seja corrigido para €276.480,66, a seguir calculado:

(...)

III.2. Correção ao Resultado Fiscal declarado pelo grupo

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70." do CIRC, o lucro tributável do grupo "é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo". Desta forma, as correções detetadas na declaração de rendimentos Modelo 22 individual da sociedade atrás indicada têm reflexo no resultado fiscal do grupo.

Assim, no exercício de 2013, propõe-se a alteração da soma algébrica dos resultados fiscais (prejuízo) do grupo de sociedades de -€1.150.575,05€ para -€216.166,11, conforme quadro seguinte:

III.3. Correção aos Prejuízos Fiscais Dedutíveis do Grupo

O contribuinte declarou no campo 303- Prejuízos Fiscais Dedutíveis do quadro 09 da declaração Modelo 22, o montante de €5.496.699,32. Questionado sobre a forma de apuramento do mesmo, informou que o montante indicado resultava da sorna dos resultados fiscais do grupo dos anos de 2010, 2011 e 2012, a seguir discriminado:

Da análise efetuada aferiu-se que o montante do prejuízo fiscal do grupo dedutível declarado, está incorrecto, atendendo a que:

• No exercício de 2010, a empresa E... LDA, não fazia parte do perímetro de consolidação do grupo, pelo que o valor do prejuízo fiscal da mesma não deve ser incluído;

• No exercício de 2011, além das empresas consideradas, faziam parte do perímetro de consolidação as empresas C... LDA e F...,LDA, cujos resultados tributáveis , não foram incluídos.

Face ao exposto, o valor correto dos Prejuízos Fiscais Dedutíveis, a declarar no campo 303, do quadro 09 da modelo 22, é de €4.861.840,93, a seguir decomposto:

 

 

  1. Na sequência da acção inspectiva, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal, foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao exercício de 2013 que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral), na qual se concretiza redução do prejuízo fiscal apurado pelo Grupo Fiscal no montante de € 934.408,94 (redução do prejuízo fiscal de € 1.150.575,05, indicado na declaração que consta do documento n.º 5, para € 216.166,11);
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2013, tendo no dia 29-08-2018 sido notificada da decisão do seu indeferimento, por despacho proferido em 22-08-2018 pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças de ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com a informação que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Da apreciação do pedido

A reclamante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades que se encontra

enquadrado, em sede de IRC, no Regime Especial de Tribulação de Grupos de Sociedades, adiante RETGS

No caso sub júdice, o que está em causa é saber se a correcção positiva/acréscimo, efetuada pela Inspeção Tributária, relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, em aplicação do n º 2 do artigo 32.º do EB, padece de erro nos pressupostos de facto e violação da lei.

De acordo com o ínsito no n.º 2 do artigo 32.º do EBF "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades" Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo supra citado, a Circular 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento relativamente ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.

"dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação direta ou especifica e a possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, devera essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição".

A Circular em causa limita-se a estabelecer a metodologia a observar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, para por essa via operacionalizar a aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

O facto da Inspeção Tributária se socorrer da Circular para proceder à quantificação do montante dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não se traduz numa diminuição dos direitos e garantias da reclamante que foi objeto de uma ação inspectiva.

A atuação da AT decorreu do normativo legal supra referido, os critérios e método propostos para efeito de determinação dos encargos financeiros, caraterizam-se pela objectividade, adequação e razoabilidade face ás dificuldades que a adoção de um método de afectação direta apresenta, socorrendo-se da circular apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal, não desconsiderando a natureza efetiva dos encargos nem o momento em que são incorridos, nem restringindo a aplicação da lei fiscal, considerando sempre o objectivo último prosseguido pelo legislador ao estabelecer a não dedutibilidade dos encargos em questão, pelo que não ofende os princípios da legalidade e da tipicidade. Como afirma Saldanha Sanches, "as orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões, necessariamente descentralizadas, da administração e têm a sua função especifica no processo de massa que constitui o processo fiscal, como tentativa de conciliação da decisão descentralizada e da definitividade dos aios tributários, mesmo quando praticados na base da pirâmide administrativa fiscal A orientação administrativa, uma circular de um qualquer Serviço da AT ou um parecer superiormente homologado, poderá assim ser considerado, dentro destes limites, como fonte de direito como qualquer outra forma de doutrina".

A AT está vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do consagrado no n.º 1 do artigo 68º-A da LGT e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da atividade administrativa, conforme plasmado no n.º 2 do artigo 266ºda CRP.

Vamos trazer à colação o Acórdão do TC n.º 583/09, in Processo n º 873/08, da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional "A circunstância da AT ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68º-A da LGT) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (alínea e) donº3do artigo 59º e artigo 68º da LGT)" "Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas "circulares" da AT não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional, designadamente para abrir via de recurso prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC".

Assim sendo, a correção efetuada aos encargos financeiros não padece de erro nos

pressupostos de facto ou violação da lei.

Subscrevemos na íntegra o RIT.

Destarte, entendemos que deverá ser indeferida a pretensão da reclamante.

 

  1. No final do período de tributação de 2013, conforme a AT apresenta no Relatório de Inspecção (Doc. n.º 1, pág. 7), a carteira de participações da B... SGPS tinha a composição e custos de aquisição que se reproduzem infra, num total de € 13.147.686,96;
  2. Aplicando a fórmula da Circular n.º 7/2004 tomando como partes de capital também as prestações suplementares e acessórias realizadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou uma percentagem de imputação às partes de capital dos encargos financeiros suportados de 99,82% dos mesmos (quadro na pág. 7 do RIT, no Doc. n.º 1: € 934.408,94 / € 936.070,93 = 99,82%);
  3. Os financiamentos obtidos pela Requerente que geraram encargos no exercício de 2013, destinaram-se a

• Gestão de tesouraria das suas participadas:

• Aquisição de participações sociais (realizadas em exercícios anteriores);

• Realização de prestações suplementares (no ano e em anos anteriores);

• Realização de aumento de capital em anos anteriores (informação referida no Relatório da Inspecção Tributária);

  1. Em 22-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos factos alegados pela Requerente que não são contrariados por qualquer prova apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos documentos juntos com a petição inicial.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável da Requerente, do exercício de 2013 relativa a encargos financeiros suportados em 2013, que considerou não são dedutíveis por força do disposto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, no montante de €934.408,94, valor que foi determinado aplicando o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

Para determinar esse valor a Autoridade Tributária e Aduaneira incluiu o valor de prestações suplementares que considerou «partes de capital», para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

 

3.1. Questão da ilegalidade da aplicação do método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004

 

O artigo 32.º do EBF, na redacção vigente em 2013 (introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), estabelece o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, a Direcção de Serviços do IRC veio esclarecer o seu entendimento sobre a aplicação desta norma, dizendo, além do mais, o seguinte:

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [1] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [2] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Para além disso, como também defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP. Por isso, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004, viola o princípio da legalidade.

            O princípio da legalidade, invocado pela Requerente, que tem suporte nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, decorre que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» [artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente em 2013, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». [3]

Resulta destas normas que a utilização de métodos indirectos de determinação da matéria tributável apenas pode ter lugar nas situações previstas na lei, designadamente no artigo 87.º, n.º 1, da LGT e, mesmo nelas, apenas pode ser efectuada na medida em que não for viável a utilização de métodos directos, como decorre da regra da subsidiariedade, imposta pelo artigo 85.º.

            O n.º 2 do artigo 32.º do EBF rege sobre «a formação do lucro tributável» das SGPS, como se refere expressamente na sua parte final, impondo a aplicação à determinação da sua matéria tributável três regras especiais em relação ao regime geral:

– uma regra que as favorece em relação ao regime geral, que é a da irrelevância para a formação do lucro tributável das mais-valias realizadas com partes de capital detidas há mais de um ano, afastando a regra de determinação da matéria tributável que consta do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC;

– duas que as desfavorecem, que são a da irrelevância para a formação do lucro tributável das menos-valias realizadas e dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que afastam a aplicação das regras de determinação da matéria tributável previstas nas alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (na redacção vigente em 2013).

 

Tanto são regras de determinação da matéria tributável de IRC as que indicam os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que relevam para a formação do lucro tributável como as que indicam e os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que não têm relevância para esse efeito.

Tanto é norma de determinação da matéria tributável de IRC a alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC, que prevê a relevância para esse efeito das mais-valias realizadas, como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que a afasta relativamente a menos valias obtidas com partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Tanto são normas de determinação da matéria tributável de IRC as das alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que prevêem a relevância dos encargos financeiros e das menos-valias realizadas como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que afasta essa relevância no caso de partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Por isso, não há qualquer razão para não atribuir às três regras previstas no artigo 32.º, n.º 2, do EBF a qualificação de regras especiais de determinação da matéria tributável das SGPS, que, por serem especiais, prevalecem, no seu domínio de aplicação, sobre as regras gerais sobre esta matéria.

Sendo assim, são aplicáveis nesta matéria as regras procedimentais previstas na LGT sobre a determinação da matéria tributável, designadamente as da subsidiariedade de métodos indirectos e situações em que é autorizada a sua utilização, previstas nos artigos 81.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, da LGT invocados pela Requerente.

A regra da subsidiariedade da utilização de métodos indirectos tem como corolário que, na medida em que for viável a utilização de método directo, a determinação da matéria tributável deverá ser efectuada com a sua utilização, só podendo utilizar-se métodos indirectos quanto à determinação da matéria tributável que não possa ser efectuada directamente. É esse o alcance daquela regra que está explicitado no n.º 2 do artigo 85.º da LGT, em que estabelece que «à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa».

Isto é, mesmo que se esteja perante uma situação em que não seja viável efectuar a determinação da matéria tributável na sua totalidade por métodos directos e haja necessidade de recorrer à utilização de métodos indirectos, os métodos directos têm de ser utilizados na medida em que tal for possível, só podendo utilizar-se métodos indirectos à parte residual da determinação da matéria tributável. ( [4] )

Está-se perante utilização de métodos directos de determinação da matéria tributável quando se visa determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e utilização de métodos indirectos quando se visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83.º da LGT).

No que concerne à determinação dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital, está-se perante a utilização de método directo quando se visa determinar a real afectação de encargos financeiros à aquisição de partes de capital, designadamente apurando exactamente se houve financiamentos para adquirir cada uma das partes de capital adquiridas e os encargos financeiros que deles advieram. E está-se perante utilização de métodos indirectos quando não se visa atingir essa afectação real, mas sim uma afectação presumível, tendo por base uma fórmula em que se atende ao valor das partes de capital detidas pelas SGPS, aos valores da totalidade dos seus activos e passivos e à totalidade dos encargos financeiros suportados.

A esta luz, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, da DSIRC (Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), ao estabelecer que «... dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula...» prevê manifestamente um método indirecto de determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, pois com ele não se visa determinar exactamente se houve financiamentos conexionados com a aquisição de partes de capital e os encargos efectivamente suportados com esses financiamentos, mas antes se visa determinar tais encargos com base numa presunção de que os financiamentos (passivos remunerados) das SGPS são afectados prioritariamente a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Consubstanciando a aplicação do método previsto neste ponto 7 da Circular n.º 7/2004 a utilização de um método indirecto de determinação da matéria tributável, ele só pode ser aplicado se se estiver perante uma situação incluída na lista taxativa que consta do artigo 87.º, n.º 1, da LGT («a avaliação indirecta pode efectuar-se...»).

Examinado as situações arroladas nesta norma, apenas se entrevê a possibilidade de enquadramento da situação dos autos na alínea b) que permite a avaliação indirecta em caso de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».

No Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer demonstração da necessidade de utilização de métodos indirectos, e até se diz expressamente, na parte IV do Relatório da Inspecção Tributária, relativa a «MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS», que «Não aplicável ao caso em apreciação».

            Por outro lado, por força do em princípio da hierarquia das normas, enunciado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, um acto de natureza regulamentar, como é a Circular n.º 7/2004, não pode, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer norma de natureza legislativa, como são as da LGT.

Assim, basta o facto de as correcções efectuadas se terem baseado no método indirecto referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei e sem estarem reunidas as condições para aplicação de métodos indirectos, para ter de se concluir pela sua ilegalidade.

Na verdade, nos termos do disposto no artigo 81.º da LGT, «a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».

Por isso, a utilização de métodos indirectos só podia ter lugar se se baseasse na identificação de alguma das situações previstas no artigo 87.º do CIRC e, no caso de se demonstrar «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável», prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e na alínea a) do artigo 88.º da LGT, a fixação da matéria tributável só podia basear-se nos elementos indicados no artigo 90.º da mesma Lei e com aplicação dos procedimento previsto no seu artigo 91.º.

Com efeito, a extrema dificuldade e possibilidade de manipulação que são indicadas no ponto 7 da Circular n.º 7/2004 e a fórmula de cálculo aí prevista, que não tem em conta qualquer dos elementos previstos na lei, não são «casos e condições expressamente previstos na lei», como exige aquele artigo 81.º para viabilizar a utilização de métodos indirectos.

Assim, como tem entendido uniforme e reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou um método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, que é «um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal» (acórdãos de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16; de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15; de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15; de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15; e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17).

A utilização deste método «afronta o princípio da legalidade tributária» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16).

Assim, na linha desta jurisprudência uniforme, desde logo por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter feito aplicação de um método indirecto de determinação da matéria tributável ilegal, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, na parte em que assenta em correcções efectuadas com base na aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Este vício justifica a anulação da liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2. Questão da inclusão do valor dos encargos financeiros conexionados com prestações suplementares para determinar os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital

 

Parte dos encargos financeiros suportados pela Requerente no exercício de 2013 estão conexionados com a realização de prestações suplementares, como é afirmado pela Requerente, sem qualquer prova em contrário

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF faz referência a «partes de capital» e aos «encargos financeiros suportados com a sua aquisição».

            A Requerente defende que os encargos suportados com prestações suplementares não estão abrangidos pela indedutibilidade prevista naquele artigo 32.º, n.º 2, por estas não se incluírem no conceito de «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Aliás, esta excepção está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação. Isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar, com preterição do sentido com que o conceito é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.

De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que, em boa hermenêutica, a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo.

Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

 

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC ( [5] ) da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro ( [6] ), só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que este, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:

 

em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.”

 

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2013, ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares, pois estas não se enquadram no conceito de «partes de capital», pelo menos para este efeito fiscal.

Por isso, também por esta razão a correcção impugnada não têm suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

 

3.3. Questão de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma na sua resposta que «qualquer interpretação que não aplique a norma constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, quando interpretado à luz da circular n.º 7/2004 do CIRC, nos termos suscitados pela Requerente, tendo subjacente a assunção de que tal norma incorre em violação do princípio da reserva de lei da Assembleia da república, previsto nos artigos 103.º, n.º 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i),  da Constituição da República Portuguesa, ou de qualquer outro preceito Constitucional que venha a ser considerado, sendo, consequentemente, inconstitucional» «ou tendo subjacente a assunção de que tal norma incorre em violação do princípio da tributação do rendimento real, proibida pela Constituição da República Portuguesa, sendo inconstitucional».

Quanto à primeira questão, nem se percebe qual é a norma constitucional que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende ser violada pela não aplicação da interpretação prevista na Circular n.º 7/2004, pois esta não é uma norma legislativa e, por isso, a sua não aplicação numa situação em que afronta regras legislativas não afronta o princípio da reserva de lei, antes o concretiza.

Por outro lado, quanto ao princípio da tributação do rendimento real, haverá, decerto, erro sobre o alcance do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois, em qualquer interpretação, ao não considerar para a formação do lucro tributável alguns encargos financeiros efectivamente suportados, consubstancia precisamente um afastamento do princípio da tributação fundamentalmente com base no rendimento real, genericamente assegurado, em matéria de gastos, pelas regras do artigo 23.º do CIRC .

Por isso, se o artigo 32.º, n.º 2, do EBF não fosse aplicado na situação em apreço, estar-se-ia a aproximar a tributação do rendimento real da Requerente e não a violar esse princípio constitucional.

De qualquer modo, nem se está perante uma situação de não aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, mas sim de o aplicar com a interpretação que dele deve ser feita à face das normas de interpretação da lei aplicáveis.

 

 

3.4.  Questões de conhecimento prejudicado

 

Justificando-se pelas razões expostas a anulação da liquidação torna-se inútil a apreciação das restantes questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente, pelo que não se toma delas conhecimento, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular a liquidação de IRC n.º 2017 ... .

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e como já foi decidido pelo despacho de 20-03-2019, fixa-se ao processo o valor de € 934.408,94

 

            6. Custas

 

            Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.158,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 26-04-2019

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Hélder Faustino)

 

 

 

(Arlindo José Francisco)

 

 

 



[2]                                    Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

                «a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».

[3]              FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

                Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo volume II, páginas 42-43.

                Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

                Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.

[4]              Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-04-2014, processo n.º 01510/13, em que se refere que «no caso de a impossibilidade de avaliação directa ser meramente parcial (...), o recurso à avaliação indirecta deve limitar-se também à parte da matéria tributável que não é viável determinar através de avaliação directa», «em cumprimento da regra fundamental que radica no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (art. 104º nº 2 da CRP)».

[5]  O artigo 42.º do CIRC, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, corresponde ao artigo 45.º, na renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[6] A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:

 3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.