Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 572/2018-T
Data da decisão: 2019-04-30  ISV  
Valor do pedido: € 417,80
Tema: ISV – veículo automóvel usado “importado” de outro EM da UE – imposto incidente sobre a componente ambiental
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30 de Janeiro de 2019, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., contribuinte nº..., solteiro, residente na Rua ..., nº..., ..., ..., em ... (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 16 de Novembro de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. O Requerente peticiona no pedido arbitral que seja “(…) a liquidação do ISV (…) corrigida (…), devendo ser restituído (…) o montante de € 417,80 pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios devidos (…)”, indicando no pedido, para efeitos de prova, duas testemunhas.

 

1.4.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 19 de Novembro de 2018 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.5.    Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro, em 10 de Janeiro de 2019, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.    Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 30 de Janeiro de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. Em 26 de Fevereiro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “(…) tendo a liquidação impugnada sido efectuada de acordo com o direito nacional e comunitário, a mesma não enferma de qualquer vício”, e “(…) encontrando-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, deve a liquidação impugnada (…) manter-se na ordem jurídica” e “(…) deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. Na mesma data (mas recebido a 27 de Fevereiro de 2019), a Requerida remeteu a este Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

  1. Em 6 de Março de 2019, foram ambas as Partes notificadas de despacho arbitral com o seguinte teor:

 

Tendo em consideração:

O facto de não ter sido deduzida, na Resposta apresentada em 27 de Fevereiro de 2019, matéria de excepção de que cumpra conhecer;

O facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos;

Neste contexto, afigura-se que não é necessária a prova testemunhal e não se vê utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral:

  1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
  2. Prescindir da inquirição da prova testemunhal apresentada pelo Requerente;
  3. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias;
  4. Designar o dia 8 de Abril de 2019 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

Por último, o Tribunal Arbitral adverte ainda o Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD. (…)”.

 

  1. O Requerente apresentou alegações escritas, em 15 de Março de 2019, no sentido de reiterar o exposto no pedido e anexando cópia de dois documentos relativos a queixa apresentada pelo mandatário do Requerente, em 20-07-2017, junto da Comissão Europeia, com fundamento em alegada violação, por parte do artigo 11º do Código do ISV (com a redação dada pelo Orçamento de Estado de 2017 – Lei 42/2016, de 28 de Dezembro) do disposto no artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), bem como cópia de email de 25-01-2019 no qual se informou “(…) o mandatário do Requerente (…)” de que aquela Comissão decidiu “(…) dar início a um procedimento de infração contra Portugal, pelo mesmo não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação”.

 

  1. Por despacho arbitral da mesma data, foi a Requerida notificada para, “(…) querendo, no âmbito do princípio do contraditório, se pronunciar sobre o teor dos referidos documentos, no prazo de 10 dias concedido para alegações facultativas (…)” que, naquela data, estava ainda a decorrer.

 

  1. A Requerida apresentou, em 28 de Março de 2019, alegações escritas nas quais reiterou o que já havia referido na Resposta, pelo que considera que “(…) o acto tributário de liquidação impugnado foi praticado nos termos da lei, como se demonstrou nos articulados 36 a 50 da (…) Resposta”.

 

  1. Adicionalmente, a Requerida entende nas suas alegações que “invocando o Requerente a desconformidade do (…) artigo 11º do CISV, face ao artigo 110º do TFUE, tal pedido extravasa o âmbito da acção arbitral prevista no artigo 2º do (…) (RJAT), já que o processo arbitral previsto e regulamentado no RJAT (…) apenas abrange os actos susceptíveis de impugnação judicial, o meio processual próprio para a discussão da legalidade do acto de liquidação tributária”, pelo que entende que “(…) o presente meio processual não consente o escrutínio sobre a integridade das normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado, porquanto tal apreciação está excluída da jurisdição administrativa e fiscal”.

 

  1. Nestes termos, a Requerida veio invocar, nas suas alegações, que “(…) encontramo-nos perante uma excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, nos termos da alínea a) do artigo 577º do (…) (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, que tem como consequência a absolvição da instância da Requerida”, “mas mesmo que assim não se entenda, deverá o ato de liquidação de ISV em crise, praticado pela AT, manter-se na ordem jurídica por ser legal, como se demonstrou”.

 

1.17.  Com as suas alegações, a Requerida anexou também cópia da Informação nº .../2010, de 16/04/2010, da DSIECIV, emanada no âmbito do Processo nº 020.20.01/1-1/2010 (“Pré-Contencioso – Carta Administrativa - Tributação de veículos usados em Portugal” respeitante a pedido de esclarecimento formulado em 24/03/2010 pela Comissão Europeia relativamente ao facto de não estar a ser aplicada (naquela data), “(…) qualquer redução à componente ambiental do ISV, aplicada aos veículo usados admitidos (…)” porquanto a Comissão entendia que tal comportamento do Estado Português “(…) contraria o disposto no artigo 90º do Tratado CE (agora artigo 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia)”.[2]

 

1.18.  Por despacho arbitral de 29 de Março de 2019, foi o Requerente notificado, no âmbito do princípio do contraditório, para se pronunciar, querendo, no prazo de 5 dias, sobre o teor do documento anexado pela Requerida com as suas alegações, bem como sobre a matéria de excepção aí deduzida.

 

1.19.  Em consequência, no despacho arbitral referido no ponto anterior, foi também adiada a prolação da decisão arbitral (agendada para o dia 8 de Abril de 2019), para o dia 30 de Abril de 2019.

 

1.20.  Em 10 de Abril de 2019, o Requerente apresentou requerimento no qual refere:

 

1.20.1.   Relativamente à questão da excepção da incompetência do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida, entende que a mesma é extemporânea (porque invocada nas alegações) e sem qualquer fundamento porquanto o Requerente no pedido arbitral “não pretende (…) ver declarada, com força obrigatória geral, nem tão pouco a suspensão, [a ilegalidade] da norma jurídica que esteve na base da liquidação que se impugna” “mas apenas a declaração de ilegalidade deste ato tributário em concreto”;

1.20.2.   Relativamente ao documento apresentado pela Requerida nas alegações, “o Requerente congratula-se com a junção do documento (…), pois o mesmo confirma a falta de fundamento na defesa apresentada pela Requerida”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    O Requerente começa por referir no pedido arbitral que “(…) introduziu em Portugal (…), com origem na Alemanha, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., modelo..., movido a combustível gasóleo”, esclarecendo “que se destina ao seu uso particular”, sendo que “o referido veículo tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país de origem (…), em 17.02.2017 (…)”.

 

2.2.    Mais refere o Requerente que “o preço de aquisição pago (…) no país de origem foi de € 40.400,00”, sendo que, “no cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, (…) procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT liquidado o ISV (…) pelo valor de € 5.503,35, imposto que (…) foi pago integralmente (…)”.

 

2.3.    Esclarece o Requerente que, do valor total de ISV liquidado, “(…) € 4.267,00, corresponde à componente cilindrada e € 2.089,75, à componente ambiental”, “sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pela quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, € 853,40, por força da redução resultante do número de anos de uso do veículo (…)”.

 

2.4.    Contudo, o Requerente “(…) considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)” porquanto entende que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV – viola o art. 110º do TFUE (…), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia”.

 

2.5.    Neste âmbito, começa o Requerente por referir que o ISV “(…) tem por incidência, entre outros factos tributários, a admissão de veículos tributáveis (…) em território nacional provenientes de outro Estado-Membro da União Europeia”, “incidência, que se aplica aos veículos novos e usados, sendo que nos presentes autos apenas está em apreciação a importação de um veículo usado”.

 

2.6.    Prossegue o Requerente referindo que “o cálculo do ISV incide sobre a cilindrada do veículo e a (…) componente ambiental”, sendo que “de acordo com a redação inicial do art. 11º do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo de imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo”, “redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional”.

 

2.7.    Segundo o Requerente, “(…) na redação inicial do art. 11º, esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (…), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros”, “já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes”.

 

  1. Ora, “perante esta opção do legislador, os importadores desses veículos (…) reagiram junto de várias instâncias públicas (…)”, “no sentido de serem eliminados os tratamentos desiguais e discriminatórios dados aos veículos usados admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal”.

 

  1. Em consequência, “(…) a Comissão Europeia instaurou o processo por infração 2009/2296 contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do ISV”, “processo que foi encerrado após uma pertinente alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011”.

 

  1. Com esta alteração legislativa, ficou resolvida uma parte da ilegalidade, não ficando (…) sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1º ano de uso e após os 5 anos de uso” pelo que “face à manutenção desta divergência entre os cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros estados-membros (…), a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos com o nº C-200/15”.

 

  1. No âmbito do referido processo, foi “(…) proferido o respetivo Acórdão em 16.06.2016 (…)” nos termos do qual foi decidido que “a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta uma desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 110º do TFUE”.

 

  1. Adicionalmente, refere ainda o citado Acórdão que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.

 

  1. Ora, “na sequência deste acórdão (…), o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2006 de 27 de dezembro (…)”, “alteração concretizada através de uma nova redação do art. 11º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo” no sentido de “(…) alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-as até aos 10 e mais anos de uso”.

 

  1. Contudo, “(…), a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV” porquanto “(…) o legislador, com a nova redação dada ao art. 11º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (…)”.

 

  1. Ou seja, com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica, que tinha sido já objeto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro”.

 

  1. Assim, entende o Requerente que “a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, viola frontalmente o art. 110º do TFUE (…)” porquanto “(…) permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo”, “onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional”.

 

2.17.  Assim, defende o Requerente que “tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu (…), como tal, está ferida de ilegalidade”, vem aquele peticionar que “(…) a liquidação do ISV [seja] (…) corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 1.671,20 (…)” no que diz respeito à parte do imposto que incide sobre a componente ambiental, “devendo ser restituído (…) o montante de
€ 417,80 pago a mais
”, “acrescido dos juros indemnizatórios devidos (…)”.

 

2.18.  Adicionalmente, entende o Requerente que “esta violação apesar de ter sido já reconhecida pelo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça (…), deve fundamentar o reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado”, “o que (…) requer”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    Entende a Requerida que não assiste razão ao Requerente porquanto, “atendendo a que o veículo é um ligeiro de passageiros, usado, originário da Alemanha, a gasóleo, com emissão de gases CO2 de 120g/Km, a Autoridade Aduaneira efectuou (…) o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7º nº 1 a) com a redução por anos de uso prevista (…) para a componente cilindrada (…)”.

 

3.2.    Com efeito, defende a Requerida que “(…) o proprietário do veículo (…) não coloca em causa os factos apurados que sustentaram a liquidação ora impugnada”, sendo que “o que releva, em sede de regime de ISV, é que o veículo foi tributado (…) de acordo com as normas (…) do CISV, em vigor” porquanto, “atenta toda a documentação (…) resultam comprovados, face a lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, a liquidação de ISV que vem impugnada”.

 

3.3.    “Contudo, não é a matéria de facto que o ora requerente impugna mas sim matéria de direito respeitante exclusivamente a uma alteração de um preceito do CISV e sua razão de ser, que o requerente reputa de ilegal por violar preceito comunitário que se sobrepõe à lei nacional”.

 

3.4.    Entende a Requerida que “(…) não tem razão o Requerente (…)” porquanto “(…) a desvalorização dos veículos no mercado nacional (…) é calculada tendo por referência a desvalorização comercial média dos veículos, mediante uma tabela de reduções que varia em função do tempo de uso do veículo” e, “de acordo com a referida tabela, entendeu o legislador aplicar as percentagens de redução apenas ao imposto resultante da componente cilindrada, ficando de fora a componente ambiental, pretendendo-se, com isso, imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados”.

 

3.5.    “Entende o Requerente que o facto de não ser aplicada qualquer redução à componente ambiental do ISV, aplicável aos veículos usados admitidos, vai contra o direito comunitário, contraria o disposto no artigo 110º do TFUE” mas, para a Requerida, “o argumento utilizado centra-se no facto de a componente ambiental que incide sobre os veículos usados admitidos não ser objecto de qualquer redução (…)”.

 

3.6.    Assim, entende a Requerida que “não tem razão o requerente porque o modelo de tributação dos veículos usados (…), não pretende contrariar o direito comunitário, mas sim respeitar as orientações comunitárias em matéria da redução das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto” e, “estas duas vertentes, a da justiça fiscal e a da protecção do meio ambiente, constituem dois objectivos da prossecução de política fiscal a que se encontra obrigado o Estado Português (…)”.

 

3.7.    Assim, segundo a Requerida, “a alteração ao artigo 11º do CISV nos moldes acima mencionados encontra-se (…) em consonância com o disposto no artigo 1º do mesmo código, que consagra o Princípio da Equivalência (…)” nos termos do qual se refere que “o Imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária (…)”.

 

  1. Acrescenta ainda a Requerida que “(…) o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 16 de Junho, proferido no Proc. C – 200/15, não se pronuncia (…) sobre a matéria que constitui o objecto do (…) Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, mormente, quanto à questão da percentagem de redução aplicável a veículo usado, incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV”, “não podendo, por conseguinte, inferir-se, sem mais, deste acórdão, a declaração de violação grosseira do artigo 110º do TFUE no que tange à actual norma do artigo 11º do CISV, matéria que não foi objecto de análise no âmbito do acórdão suprarreferido”.

 

  1. Assim, defende a Requerida que “em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, forçoso se torna concluir que a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios supra-referidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que para tal se encontrem razões válidas”, reiterando que “a componente ambiental não deve, pois, ser objecto de qualquer redução, pois representa o custo de impacte ambiental, não devendo (…) ser entendida como contrária ao espírito do artigo 110º do TFUE pois tem como objectivo orientar os consumidores para uma maior selectividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor (…)”.

 

  1. Por último, entende a Requerida que “(…) não procedem definitivamente os argumentos do Requerente porque a lei oferece/contempla uma proposta alternativa de cálculo de imposto para as situações/os casos em que o sujeito passivo entende que o montante de imposto apurado nos termos do nº 1 do artigo 11º do CISV, não é o correcto (…)”, “(…) prevista no nº 3 do artigo 11ºdo CISV”, “não tendo o requerente requerido esta possibilidade”.

 

  1. Assim, e em conclusão, entende a Requerida que “(…) no caso concreto, quanto ao alegado vício de ilegalidade do artigo 11º nº 1 do CISV (…), improcede tal argumento (…)”, pelo que “(…) deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.4.    Quanto à competência do Tribunal Arbitral para proceder à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente refira-se que, neste âmbito, se verifica uma questão prévia de que cumpre conhecer.

 

4.5.    Com efeito, o Requerente pede, no seu pedido arbitral, que seja parcialmente anulado o acto de liquidação de ISV identificado, na parte relativa ao imposto incidente sobre a componente ambiental, porquanto entende que “a norma do artigo 11º do CISV, viola diretamente o disposto no art. 110º do TFUE”.

 

4.6.    A Requerida, nas suas alegações escritas, suscitou a excepção da incompetência relativa deste Tribunal Arbitral, em razão da matéria, porquanto entende que “(…) o presente meio processual não consente o escrutínio sobre a integridade das normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado, porquanto tal apreciação está excluída da jurisdição administrativa e fiscal”.

 

4.7.    Ora, o conhecimento da excepção da incompetência é prioritário, por força do disposto no artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT.

 

4.8.    Nestes termos, vide análise desta questão no Capítulo 6. desta Decisão, para o qual aqui se remete.

 

4.9.    Não foram identificadas nulidades no processo.

 

4.10.  Não existem outras excepções de que cumpra conhecer.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    Em 17-09-2018, foi apresentada na Alfândega de ..., a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., modelo ..., designação comercial ..., movido a gasóleo, nº de motor..., cilindrada ... cc, com a matrícula definitiva ..., atribuída na Alemanha em 17-02-2017.

 

5.4.    A referida DAV (à qual foi atribuído o nº 2018/...), foi apresentada pelo Requerente (através de representante indirecto), tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente da Alemanha, com 8.879 km percorridos.

 

5.5.    No Quadro E da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 0,0004 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 120g/Km.

 

5.6.    Tendo em consideração a data da 1ª matrícula (no país de origem), foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de um ano de uso (e até dois anos), para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 20%.

 

5.7.    No Quadro R da referida DAV, relativo ao cálculo do ISV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de EUR 6.356,75.

 

  1. Do valor total de imposto, EUR 4.267,00 são relativos à componente cilindrada e
    EUR 2.089,75 são relativos à componente ambiental.

 

  1. No que diz respeito à componente cilindrada, o valor de EUR 4.267,00 foi deduzido pela quantia correspondente a 20% do seu montante, ou seja, EUR 853,40, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados.

 

  1. Relativamente ao montante de EUR 2.089,75, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

 

  1. O Requerente foi notificado da liquidação nº 2018/..., de 17-09-2018, relativa ao montante de ISV liquidado pela Alfândega de ..., no valor total de EUR 5.503,35, tendo pago a totalidade do imposto na mesma data.

 

  1. Ao veículo identificado no ponto 5.3., supra foi atribuída, em Portugal, em 17-09-2018, pela Delegação Distrital de Viação de ..., a matrícula ... .

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.13.  No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos anexados aos autos, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.         MATÉRIA DE DIREITO

 

Questão prévia – Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

6.1.    Neste âmbito, conforme referido nos pontos 4.4. a 4.8., supra, o conhecimento da questão da incompetência é prioritário pelo que cumpre agora analisar previamente e decidir a eventual procedência da mesma.

 

6.2.    O Requerente pretende, com o pedido arbitral, que seja “(…) a liquidação do ISV (…) corrigida (…), devendo ser restituído (…) o montante de € 417,80 pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios devidos (…)” .

 

6.3.    Fundamenta o Requerente a sua pretensão referindo que “(…) considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)” porquanto entende que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação (…) viola o art. 110º do TFUE (…)”.

 

6.4.    A Requerida nas suas alegações escritas veio invocar a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da pretensão jurídica formulada pelo Requerente porquanto alega que “(…) o processo arbitral previsto e regulamentado no RJAT (…) apenas abrange os actos susceptíveis de impugnação judicial (…)”, pelo que entende que “(…) o presente meio processual não consente o escrutínio sobre a integridade das normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado, porquanto tal apreciação está excluída da jurisdição administrativa e fiscal”.

 

6.5.    Em sede de resposta à excepção invocada, o Requerente veio referir que, por um lado, a sua invocação é extemporânea, porquanto foi invocada pela primeira vez nas alegações e, por outro lado, não tem qualquer fundamento porquanto o Requerente, no pedido arbitral, “não pretende (…) ver declarada, com força obrigatória geral, nem tão pouco a suspensão, [a ilegalidade] da norma jurídica que esteve na base da liquidação que se impugna” “mas apenas a declaração de ilegalidade deste ato tributário em concreto”, defendendo assim a competência deste Tribunal para conhecer do pedido arbitral.[3]

 

6.6.    Ora, dado que a determinação da competência dos tribunais é uma matéria de ordem pública e o seu conhecimento dever preceder o de qualquer outra matéria, [conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do CPPT, do 13º do CPTA e dos artigos 96º e 99ºdo CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29ºdo RJAT], deverá a matéria de excepção ser analisada desde logo pois, caso seja julgada procedente, ficará prejudicado o conhecimento do mérito da causa, justificado com uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].

 

6.7.    Neste âmbito, e preliminarmente, refira-se quanto à extemporaneidade da arguição da excepção, invocada pelo Requerente na sua defesa quanto à mesma, a mesma não tem provimento atentos os seguintes argumentos.

 

6.8.    De acordo com o disposto no artigo 572º, alíneas a) a c) do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT, “na contestação deve o réu: a) individualizar a ação; b) expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação (…)” (sublinhado nosso).

 

6.9.    Adicionalmente, de acordo com o disposto no artigo 573º do CPC, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, sendo que “depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente” (sublinhado nosso).

 

6.10.  Ora, no caso, a Requerida deduziu a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido formulado pelo Requerente, a qual configura de acordo com o disposto no artigo 577º do CPC, uma excepção dilatória que, em conformidade com o previsto no artigo 576º, nº 2 do CPC, a proceder, obsta “(…) que o tribunal conheça do mérito da causa (…)” dando “(…) lugar à absolvição da instância (…)”.

 

6.11.  E tratando-se de uma excepção do conhecimento oficioso (artigo 578º do CPC), entende este Tribunal Arbitral que a mesma pode ser arguida em sede de alegações, em conformidade com o exposto no ponto 6.9., supra.

 

6.12.  Quanto à análise da procedência da referida excepção propriamente dita, refira-se que de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 97º do CPPT, “o processo judicial tributário compreende a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta” (sublinhado nosso).

 

6.13.  Como se escreve na Nota 18 ao artigo 97º do CPPT, na obra do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (“Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Volume II, Áreas Editora, página 53 e seguintes), “(…). Deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação (…), o meio adequado é o processo de impugnação. (…)”.

 

6.14.  Ora, no que diz respeito à competência dos Tribunais Arbitrais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, esta compreende, no que agora interessa, “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.15.  Adicionalmente, determina o artigo 95º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”, podendo ser lesivos, por força do respectivo nº 2, nomeadamente, “a liquidação de tributos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.16.  Nesta matéria, resulta do quadro normativo acima transcrito que, em termos gerais, a pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poderá ser objecto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral.

 

6.17.  Por outro lado, tem também sido entendido, em sintonia com jurisprudência do STA que, na sequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios bem como, por força do artigo 171º, nº 1, do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida.

 

6.18.  Aqui chegados, e face ao acima exposto, está claro para este Tribunal Arbitral que este tem competência para conhecer da pretensão formulada pelo Requerente, ou seja, avaliar e decidir se a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo do imposto incidente sobre a componente ambiental, por violação do disposto no artigo 110º do TFUE, bem como para determinar a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, se aplicável, improcedendo assim a excepção dilatória da incompetência relativa do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, invocada pela Requerida.

 

6.19.  Assim, encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada (vide Capítulo 5. desta Decisão), de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.

 

6.20.  Nos autos, os pedidos formulados pelo Requerente foram no sentido de obter (i) a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV identificado e a sua consequente anulação parcial e (ii) a restituição do imposto pago, segundo o Requerente, indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante.

 

6.21.  Com efeito, no caso em análise, em resultado da apresentação da DAV para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros identificado no ponto 5.3., supra, foi liquidado ao Requerente o respectivo ISV pelo valor total de EUR 5.503,35, correspondendo EUR 3.413,60 à componente cilindrada (já com a redução de 20% incluída) e EUR 2.089,75 à componente ambiental (sem qualquer redução).

 

6.22.  Recorde-se que, apesar do Requerente ter pago o total do imposto liquidado, em
17-09-2018, não concordou com o valor de ISV respeitante à componente ambiental porquanto entende que deveria ter sido também aí aplicada uma redução resultante do número de anos do veículo, à semelhança do que sucedeu com a componente cilindrada, sendo esta a razão pela qual apresentou este pedido arbitral.

 

6.23.  Como vimos, o Requerente sustenta o seu pedido arbitral no facto de entender que a Requerida lhe liquidou ISV sobre o veículo identificado nos autos “tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu (…) que, como tal, está ferida de ilegalidade”, requerendo que “(…) a liquidação do ISV [seja] (…) corrigida (…)”, “devendo ser restituído o montante de € 417,80 pago a mais”, “acrescido dos juros indemnizatórios devidos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.24.  Por seu lado, a Requerida entende que “em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal (…)”, “a componente ambiental não deve (…) ser objecto de qualquer redução, pois representa o custo de impacte ambiental, não devendo (…) ser entendida como contrária ao espírito do artigo 110º do TFUE pois tem como objectivo orientar os consumidores para uma maior selectividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor (…)” (sublinhado nosso).

 

6.25.  Por outro lado, vem ainda a Requerida referir que “(…) não procedem definitivamente os argumentos do Requerente porque a lei oferece/contempla uma proposta alternativa de cálculo de imposto (…)”, “não tendo o requerente requerido esta possibilidade”.

 

6.26.  Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido e a posição de cada uma das Partes, de modo a decidir a qual das Partes assiste razão.

 

6.27.    Para o efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se a liquidação de ISV relativa à viatura usada identificada nos autos (ponto 5.3., supra) padece ou não de ilegalidade parcial, devendo em caso afirmativo mandar-se anular parcialmente aquele acto tributário (conforme defende o Requerente) ou se, pelo contrário, como defende a Requerida, deverá aquele acto de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, por não enfermar de qualquer ilegalidade.

 

6.28.  Em função do acima exposto, para apreciar a legalidade da liquidação efectuada, em sede de ISV, importa responder à seguinte questão de direito controvertida:

 

6.28.1.   A actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV está ou não em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE?

 

6.29.  Para decidir a questão acima enunciada importará aferir se a interpretação, levada a cabo pela Requerida, do artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 217º da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro), da qual resultou a liquidação de ISV em crise (cuja anulação parcial constituiu o objecto deste pedido arbitral), viola ou não o disposto no artigo 110º do TFUE e, em caso de dúvidas, aferir se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos sugeridos pelo Requerente.

 

6.30.  Com efeito, refira-se que, não obstante o Requerente entender que a alegada violação referido no ponto anterior “(…) ter sido já reconhecida pelo (…) Tribunal de Justiça (…)”, veio o Requerente peticionar que a mesma “(…) deve fundamentar o reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado”, não tendo formulado, no pedido, quaisquer questões a colocar àquele Tribunal.

 

6.31.  A questão respeitante à decisão do reenvio prejudicial, por razões de economia na exposição e fundamentação da presente decisão arbitral, será tratada em último lugar (e não a título prévio).

 

Breve resenha histórica

 

6.32.  Em 2007, a tributação automóvel foi objecto de uma profunda reforma em Portugal, com a Lei n° 22-A/2007, de 29 de Junho, a abolir o Imposto Automóvel, o Imposto Municipal Sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem, dando lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e ao Imposto Único de Circulação (IUC).

 

6.33.  Estas alterações, no âmbito da fiscalidade automóvel, foram promovidas ao encontro das preocupações da União Europeia, tendo por objetivo a clarificação e a simplificação do sistema fiscal, reduzindo a carga fiscal aquando da aquisição do veículo e inserindo preocupações ambientais na graduação das taxas dos impostos em função das emissões de CO2.[4] [5]

 

6.34.  Com efeito, com a introdução do ISV e do IUC, foi possível introduzir um elemento ambiental no cálculo do montante fiscal a pagar, em função, nomeadamente, do nível de emissões de CO2 emitidas pelo veículo e da cilindrada.[6]

 

6.35.  Como é sabido, o ISV e o IUC regem-se pelo princípio da equivalência ou do poluidor-pagador, ou seja, é atribuído ao contribuinte a responsabilidade principal pelos custos ambientais causados, tendo como objectivo compensar os custos ambientais, em vez de fazer recair esta responsabilidade sobre os construtores de automóveis, que são os que responsáveis originários da poluição atmosférica.[7] [8]

 

6.36.  Assim, pode afirmar-se que, em geral, a tributação automóvel inclui critérios de cariz ambiental nas diversas categorias de impostos, sendo que os impostos que incidem sobre os automóveis integram na sua base tributável aspectos ecológicos (tais como o fator de emissão de CO2 e o tipo de combustível), destinados a influenciar o consumo das pessoas e a serem mais selectivos nas suas escolhas

 

 

 

Enquadramento preliminar

 

6.37.  Em termos gerais, de acordo com o disposto no Código do ISV (versão em vigor), estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1).

 

6.38.  De acordo com o disposto no artigo 5º do Código do ISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional” (sublinhado nosso).

 

6.39.  No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b, “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3) (sublinhado nosso).

 

6.40.  No que diz respeito à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.

 

6.41.  De acordo com o disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do ISV, “os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos, sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar.

 

6.42.  As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV.

 

6.43.  Assim, no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

 

6.44.  Ao que a este caso interessa, ou seja, cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nº 1 e 2 do Código do ISV dispõe que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)” (sublinhado nosso).

 

6.45.  No que diz respeito à competência para a liquidação do ISV, de acordo com o disposto no artigo 25º, nº 1 do Código daquele imposto, esta “(…) é realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base na DAV (…), dentro dos (…) prazos (…)” previstos.

 

6.46.  Os nº 3 e 4 do referido artigo 11º do Código do ISV referem que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula (…) [aí] indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa (…) que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, sob pena de se presumir “(…) que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.

 

Direito Nacional e Direito da União Europeia - Breve resenha histórica

 

6.47.  Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.[9]

 

6.48.  Com efeito, essa legalidade foi muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.[10] [11]

 

6.49.  Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso.

 

6.50.  Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

 

6.51.  Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.52.  Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência têm entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório.[12]

 

6.53.  Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.54.  Mais se considerou que, quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.55.  Pode assim afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso “Gomes Valente” abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.[13]

 

6.56.  Mas, ao que ao presente caso interessa, refira-se que em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.

 

6.57.  Com efeito, o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental.

 

6.58.  Contudo, o referido Acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto” (sublinhado nosso).

 

6.59.  Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das “importações” provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

 

6.60.  Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

 

6.61.  Em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.62.    Ora, relevando que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, acima já referido.

 

6.63.  Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetiva competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).

 

6.64.  Neste âmbito, conforme se escreve na Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais” (sublinhado nosso).

 

6.65.  E, prossegue a mesma decisão referindo que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n. os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa” (sublinhado nosso).

 

6.66.  Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.

 

6.67.  Sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.

 

6.68.  Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

 

6.69.  E tanto assim é que em conformidade com o documento anexado pela Requerida com as suas alegações escritas se percebe que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:

 

O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

http://www.pgdlisboa.pt/leis/imagens/2008_l%2064-a-artigo894.gif

 

6.70.  Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um anos e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente), visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.71.  E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

 

6.72.  Assim, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.73.  A situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.

 

6.74.  Com efeito, a Comissão volta a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados “importados” de outros EM são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional.[14]

 

Competência da Comissão Europeia

 

6.75.  De acordo com o artigo 4º do TFUE, “(…) as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” (nº 1), sendo que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União” (nº4).

 

6.76.  E, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do TFUE, “a Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. (…)

 

6.77.  Com efeito, de acordo com o artigo 258º do TFUE, “se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”.

 

6.78.  Assim, se uma eventual infração à legislação europeia for identificada pela Comissão ou denunciada por queixa, esta última tenta resolver o problema que lhe está subjacente através do diálogo com o EM em causa, com o objetivo de encontrar uma solução rápida que esteja em conformidade com a legislação da UE e evitar assim o recurso a um processo formal por infração.[15]

 

6.79.  No caso de o EM não concordar com a Comissão ou não tomar medidas para retificar a eventual violação da legislação da UE, a Comissão pode abrir um processo formal por infração, sendo que este processo compreende várias etapas.

 

6.80.  Neste âmbito, a Comissão Europeia convida, através de notificação por carta, as autoridades nacionais do EM a pronunciarem-se sobre o problema de incumprimento identificado, no prazo máximo de dois meses, sendo que, em caso de ausência de resposta ou de resposta não satisfatória, a Comissão indicará as razões por que considera que o EM violou a legislação da EU e as autoridades nacionais dispõem de um prazo máximo de dois meses para dar cumprimento à legislação europeia.

 

6.81.  Não obstante, em caso de ausência de resposta ou resposta não satisfatória, a Comissão pode pedir ao TJUE que abra um procedimento contencioso ao EM incumpridor, decidindo o TJUE, em média, no prazo de dois anos, sobre a existência de uma infração à legislação europeia. [16]

 

6.82.  No caso, de acordo com a prova produzida pelo Requerente, está pendente de esclarecimentos por parte do Estado Português, o procedimento de infracção iniciado em Janeiro de 2019 pela Comissão no que diz respeito ao facto de Portugal não ter em conta nenhuma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros EM.

 

6.83.  Neste âmbito, refira-se que, em conformidade com o acima analisado, com a alteração legislativa verificada em 2016, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017, e à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental pretendendo-se com isso, segundo a Requerida, “(…) imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e usados” porquanto “(…) o modelo de tributação dos veículos usados, alterado através da Lei do OE/2017, não pretende contrariar o direito comunitário, mas sim respeitar as orientações comunitárias em matéria de reduções das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidade ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto”.

 

6.84.  E, reitera a Requerida que “(…) o princípio da protecção do ambiente está (…) consagrado no artigo 191º do TFUE ao estipular que a política da União contribuirá para a prossecução da preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente”, pelo que “(…) a interpretação do artigo 110º do TFUE tem de ser efectuada à luz do disposto no artigo 191º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade entre as duas normas”.[17]

 

6.85.  Não obstante a Requerida referir que “(…) o conteúdo do artigo 110º deste tratado proveio do artigo 90º do tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes as preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, tal afirmação não será de todo correcta porquanto o artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no já citado processo C-290/05.

 

6.86.  E, recorde-se, em conformidade com o que é defendido pelo Requerente, o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, refere que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.

 

6.87.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.[18]

 

6.88.  Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.28.1., porquanto de entende que a actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV não estão em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE.[19]

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.89.  Para o efeito, analisadas as matérias em presença e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos e fundamentos a seguir enunciados.

 

6.90.  O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos EM o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

 

6.91.  Por força do disposto no artigo 19º, nº 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o TJUE é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

 

6.92.  Os Tribunais nacionais são considerados como Tribunais comuns da ordem jurídica da União Europeia, dado o número considerável de normas e de actos comunitários, constituídos por disposições directamente aplicáveis ou com efeito directo, cabendo aos Tribunais nacionais dos Estados Membros aplica-las nos litígios que lhes sejam submetidos para apreciação, nem como o dever de aplicar o direito comunitário, mesmo contra disposições de direito interno.

 

6.93.  Os Tribunais Arbitrais integram o conjunto de Tribunais nacionais, como expressamente resulta do previsto no artigo 209º da CRP e, enquanto tal, no desempenho activo da sua função arbitral, e atendendo à natureza excepcional do recurso da decisão dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do diploma que aprovou o RJAT que “nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, pelo que se entende que, em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de Direito Europeu, o Tribunal Arbitral pode recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial.

 

6.94.  Assim, para se recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa, porquanto se o texto a interpretar é perfeitamente claro, não se trata já de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é competência do Tribunal incumbido da competência de julgar o caso concreto (aplicando a lei, nacional e/ou comunitária, se for esse o caso).

 

6.95.  Com efeito, o que se impõe a este Tribunal Arbitral é decidir em conformidade com a lei aplicável (nacional e/ou comunitária), dando plena aplicação a ambas, bem assim como aos princípios do sistema do ISV em presença, tendo em linha de conta a jurisprudência do TJUE, relevante no tratamento das matérias em questão.

 

6.96.  Nesta conformidade, face ao acima exposto, e dado que entendeu este Tribunal Arbitral não subsistirem dúvidas quanto à interpretação do artigo 110º do TFUE, foi decidido que não era necessário promover ao reenvio prejudicial ao TJUE (para interpretação de qualquer questão prejudicial), por ter à sua disposição todos os elementos necessários para proferir a presente decisão.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.97.  A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial da liquidação de ISV identificada no processo, o Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.

 

6.98.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.99.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.100. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[20] [21]

 

6.101. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.102. Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.103. Na sequência da declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV identificado, na medida do peticionado pelo Requerente, e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativos ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

 

6.104. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.105.  Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.106. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.107. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV identificada no pedido arbitral, determinando-se a sua anulação parcial e ordenando-se o reembolso ao Requerente da quantia paga em excesso, no montante de EUR 417,80;

7.1.2.     Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 417,80.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Abril de 2019

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, refira-se que, de acordo com o teor da referida Informação, a Comissão Europeia havia já, através de carta datada de 11/12/2009, solicitado esclarecimentos sobre a tributação de veículos usados, admitidos em Portugal, tendo a resposta dada pelo Estado Português sido insatisfatória, motivo pelo qual a Comissão informou este, por carta datada de 24/03/2010, que tinha intenção de propor a abertura de um processo por infracção quanto à matéria em causa.

[3] Refuta ainda o Requerente as citações efectuadas pela Requerida relativas às duas decisões judiciais proferidas na providência cautelar interposta [com o objectivo de obter “(…) a declaração de suspensão, com caráter geral, da norma jurídica incluída na Lei do Orçamento de Estado (…)”] porquanto naquelas decisões “(…) não chegou a ser proferida qualquer decisão de mérito”.

Com efeito, e transcrevendo parte do teor do Acórdão do TCAN de 14 de Setembro de 2017 (Processo nº 626/17.3 BEAVR), “as prescrições contidas no art. 11º do Código do Imposto sobre Veículos (…), na redação dada pelo art. 271º da Lei nº 42/2016 de 28.12, são normas, que não comportam qualquer acto administrativo, e estão contidas num acto praticado no exercício da função legislativa cuja impugnação está excluída do âmbito da jurisdição administrativa (…)”, tendo por isso sido decidido no referido Acórdão “julgar este tribunal incompetente materialmente (…), absolvendo da instância os requeridos” e “julgar prejudicada (…) a apreciação das demais questões”, ou seja, delas não conhecendo.

[4] Sérgio Vasques, “A reforma da tributação automóvel: problemas e perspectivas”, Fiscalidade, nº 10, Abril, 2002, p. 59-94.

[5] A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, “Imposto sobre veículos e Imposto único de circulação”, Códigos Anotados, Coimbra, Coimbra Editora, 2009.

[6] Manuel Teixeira Fernandes, “A reforma da tribulação automóvel”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano l, n.º 2, Junho, 2008, 165-178.

[7] De acordo com o disposto no artigo 1° do Código do Imposto sobre Veículos, “[o] imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

[8] Segundo José Casalta Nabais, “a quantificação dos custos ambientais torna-se impraticável” “dada a impossibilidade de medir ou mensurar a contraprestação específica que corresponda aos tributos bilaterais ou taxas ambientais”, inTributos com fins ambientais”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º 4, 2008, p. 132.

Ver igualmente Sérgio Vasques, in O Princípio da Equivalência como Critério de igualdade Tributária”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 338-340.

[9] Nesta matéria, vide teor da decisão arbitral nº 53/2016, de 5 de Julho de 2016.

[10] De acordo com o texto do artigo, “nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções”. O texto desde artigo 90º do Tratado de Roma é muito semelhante ao texto do artigo 110º do TFUE que dispõe que “nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares”.

[11] Esta questão veio a ser apreciada algum tempo mais tarde no acórdão do TJCE, de 09.03.95, proferido no âmbito do processo C-345/93, em que foi impugnante Nunes Tadeu.

[12] Note-se que, na sequência da referida jurisprudência, foi efectivamente adoptada uma redação no âmbito do antigo Imposto Automóvel (IA) que veio a ser transposta em termos sensivelmente iguais para o Código do ISV (para o mencionado artigo 11º), mas não pode ser ignorado que já na vigência deste Código, o legislador através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (de resto mitigando uma anterior alteração feita pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro), introduziu importantes alterações na construção do imposto, designadamente pelos efeitos projetados pelo factor ambiental no seu cálculo e na sua correlação com o valor real dos veículos.

[13] Neste âmbito, concluiu a jurisprudência nacional (STA) que a lei portuguesa não estava em conformidade com o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma, pelo que nenhuma autoridade nacional, administrativa ou jurisdicional poderia aplicar a lei nacional, a qual deveria ser desaplicada, e em sua substituição, deveria ser aplicado diretamente o referido artigo 95º.

Para o efeito, considerou que ao ser aplicada uma lei que violava o direito comunitário, a respectiva alfândega incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, pois partiu do pressuposto que a lei nacional era válida, quando ela era inválida por violar normas de hierarquia superior, tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional e a aplicabilidade direta, no caso, do direito comunitário. Não importaria verificar se o imposto apurado, em concreto, pelo acto de liquidação impugnado, tinha sido ou não superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes já matriculados em Portugal, pois independentemente do resultado concreto, no caso, as normas nacionais não poderiam ser aplicadas, por desconformes com o direito comunitário, se não garantissem que nunca, em nenhum caso, independentemente do que acontecesse, o imposto resultante da sua aplicação fosse superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes matriculados em Portugal.

[14] Neste âmbito, refira-se que, para efeitos pretendido no pedido arbitral, não são ilustrativos do agravamento em ISV (e consequentemente, dos efeitos discriminatórios daí decorrentes) os exemplos apresentados pelo Requerente no ponto 61 do pedido porquanto não se tratam de comparações entre a carga fiscal incidente, em sede deste imposto, sobre viaturas usadas, nacionais e viaturas oriundas de outro EM (com as mesmas características), mas incidente sobre viaturas usadas oriundas de outro EM, matriculadas em Portugal até 31.12.2016 e após essa data, sendo que se alcança o natural agravamento verificado (em virtude da actualização anual do ISV e da desconsideração das percentagens de redução de imposto sobre a componente ambiental, cuja legalidade é aqui questionada).

[15] Refira-se que no caso, e no que a ele diz respeito, existe pelo menos uma queixa (e que foi apresentada pelo Requerente) junto da Comissão, de acordo com a documentação anexada.

[16] Neste âmbito, refira-se que, nos últimos anos, mais de 85% dos casos foram resolvidos sem recurso a um procedimento contencioso.

[17] Recorde-se que o artigo 191º do TFUE dispõe que:

1. A política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objetivos:

— a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente,

— a proteção da saúde das pessoas,

— a utilização prudente e racional dos recursos naturais,

— a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas.

2. A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.

Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de proteção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União.

3. Na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta:

— os dados científicos e técnicos disponíveis,

— as condições do ambiente nas diversas regiões da União,

— as vantagens e os encargos que podem resultar da atuação ou da ausência de atuação,

— o desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões.

4. A União e os Estados-Membros cooperarão, no âmbito das respetivas atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes. As formas de cooperação da União podem ser objeto de acordos entre esta e as partes terceiras interessadas.

O disposto no parágrafo anterior não prejudica a capacidade dos Estados-Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais”.

[18] À semelhança do que entende a Comissão Europeia, entende-se que a legislação portuguesa não é, desde 1 de Janeiro de 2017, compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Com efeito, no cálculo do imposto, a parte do ISV que incide sobre a componente ambiental é, desde 1 de Janeiro de 2017, igual para todos os veículos usados, com a mesma cilindrada, adquiridos noutro EM, independentemente da sua antiguidade, gerando-se assim as consequências já assinaladas.

[19] Assim, face ao concluído, e tendo em consideração o teor do ponto 5.2., fica prejudicado o conhecimento do argumento deduzido pela Requerida, na sua Resposta no sentido de que o Requerente não requereu a alternativa de cálculo de imposto para as situações/os casos em que o sujeito passivo entende que o montante de imposto apurado, nos termos do nº 1 do artigo 11º do Código do ISV, não é o correcto.

[20] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).

[21] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).