Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 592/2018-T
Data da decisão: 2019-04-12  IRS  
Valor do pedido: € 20.333,15
Tema: IRS - Conceito de residência (alínea b) do nº 1 do artigo 16º do CIRS); Convenção sobre dupla tributação entre Portugal e Espanha.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I-RELATÓRIO

1. A..., maior, portador do passaporte nº..., contribuinte fiscal nº ... e B..., maior, portadora do passaporte nº ..., contribuinte fiscal nº... ambos residentes na Rua ..., nº..., ...-... ... (doravante designados por Requerentes ou Sujeitos Passivos), apresentaram em 26/11/2018 pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nº 1, alínea a) do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRS nº 2017..., com referência ao ano de 2015, no valor de 20.333,15 €.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida nos termos legais em 2018-11-27.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2019-01-17 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº  alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2019-02-06, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-A/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2019-03-12, a Requerida apresentou a sua resposta, tendo nessa data procedido à junção do processo administrativo.

7. Através de despacho proferido em 2019-03-13, foram os Requerentes notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada pela AT no âmbito da sua resposta.

8.Tendo procedido à mesma em 2019-03-26.

9.Por despacho proferido nessa mesma data, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e a apresentação de alegações finais, foi indicado como data limite provável para a prolação e notificação da decisão final o dia vinte e dois de Abril de dois mil e dezanove.

10. A fundamentar o seu pedido, os Requerentes, invocaram em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

10.1. Os (...) Requerentes, durante o ano de 2015 e anteriores, viveram a trabalharam em Espanha (cfr. artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral);

10.2. na perspectiva futura de se mudarem para Portugal adquiriram um imóvel no concelho da ... a 26/06/2015 (cfr. artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral),

10.3. "Aquando da aquisição do imóvel, e durante todo o ano de 2015, a residência dos ora Requerentes situava-se em Espanha (...)" [cfr. artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral],

10.4. " O imóvel comprado em Portugal serviu tão só como casa de férias do casal até ao final do ano de 2015, que visitavam periodicamente (...)" [cfr. artigo 21º do pedido de pronúncia arbitral],

10.5. "(...) em 2015, os Requerentes estiveram presentes em Portugal apenas por 3 (três) vezes, nas seguintes datas:

1. De 29/12/2014 a 21/01/2015;

2. De 04/06/2015 a 02/09/2015;

3. 19/10/2015 a 26/10/2015 (cfr. artigo 22º do pedido de pronúncia arbitral);

10.6. "A 09/11/2016, os Requerentes submeteram uma declaração de rendimentos Modelo 3, no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (....) atinente ao ano de 2015" (cfr. artigo 31º do pedido de pronúncia arbitral);

10.7. "Posteriormente, a 23/06/2017, foi submetida uma declaração de substituição, relativa ao mesmo exercício da qual resultou a nota de liquidação nº 2017..., indicando como valor de IRS a pagar € 18.716,50 (cfr. artigo 33º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 13 com o mesmo junto);

10.8. "Os Requerentes, a 27/12/2017, reclamaram graciosamente deste ato tributário, tendo sido notificado do seu indeferimento no dia 30/05/2018 (cfr, artigo 35º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);

10.9. "Deste indeferimento os Requerentes interpuseram recurso hierárquico, no dia 28/06/2018 (cfr. artigo 36º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2 com o mesmo junto);

10.10. Procedem ainda os Requerentes a várias considerações de direito acerca do tema da residência fiscal e competência para tributação de rendimentos;

10.11. Concluem os sujeitos passivos, com se retira do seu pedido, requerendo: "1. A admissão deste pedido; 2. A anulação por ilegalidade da Liquidação nº 2017... no valor de €20.333.15. incluindo os respectivos juros de mora e outros encargos, referentes ao IRS de 2015, e a extinção do respectivo processo executivo em curso; 3. A condenação da Recorrida nas custas do processo, com as demais consequências legais"

11. Como referido, em 2019-03-12 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à junção do processo administrativo (PA) e apresentou a sua resposta, por excepção e por impugnação

 

11.1. Suscita e enumera a AT quatro excepções;

 

A- Da incompetência material absoluta do tribunal Arbitral para proceder à suspensão do processo executivo,

B- Da incompetência material do tribunal arbitral para a apreciação do estatuto dos requerentes de residentes não habituais, decorrente do acto de deferimento do pedido de reconhecimento daquele estatuto para o ano de 2015,

C- Da caducidade do direito de acção,

D- Da caducidade do direito à acção neste tribunal arbitral

 

Fundamenta, no essencial quanto à primeira das invocadas excepções que não cabe na competência do tribunal arbitral tributário, a apreciação de matéria do foro executivo, remetendo para tanto para os artigos 2º e 4º do RJAT e do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março, e convocando decisões arbitrais, para concluir pela incompetência deste tribunal.

Já no que concerne à segunda das excepções invocadas sustenta, em breve síntese e com relevo que "a eventual sindicância judicial do deferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2015 (...) com fundamento na ilegalidade por eventual erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão administrativa queo havia anteriormente deferido, apresentado pelos Requerentes, apenas poderia ser feita através de acção administrativa."

Relativamente à caducidade do direito de acção, com especial enfase neste tribunal arbitral, defende a Requerida que estará ultrapassado o prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral subjacente face ao disposto no artigo 10º do RJAT.

 

11.2. Em sede de impugnação, invocou a Autoridade Tributária e Aduaneira, em breve síntese o seguinte:

 

11.3.que os Requerentes não provam que não fossem residentes em Portugal para efeitos fiscais em 2015,

11.4. que afirmaram que a aquisição do imóvel se destinava, de acordo com a declaração dos próprios a habitação própria e permanente dos mesmos,

11.5. que nesse sentido solicitaram, tendo-lhe sido deferida a isenção do pagamento do IMI, a coberto do artigo 46º, nº 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais,

11.6.que da consulta ao Sistema de Registo Cadastral dos Contribuintes verifica-se que o Requerente A..., encontra-se registado como residente em Portugal desde 2015-06-12, tendo tido desde 2012-11-21 até essa data como representante fiscal C...,

11.7. que a Requerente B..., encontra-se registada como residente em Portugal desde 2015-06-26, tendo tido desde 2012-11-21 até essa data como representante fiscal C...,

11.8. que virem agora contraditar o que foi requerido e asseverado pelos Requerentes configura uma conduta de má fé, configurando "venire contra factum proprium",

11.9.que ambos os Requerentes, em 2015, encetaram uma série de procedimentos com vista à obtenção de certos benefícios fiscais apenas reconhecidos a quem detenha uma conexão com Portugal (residência e permanência).

11.10. Conclui a Requerida o seu articulado de resposta pugnando no sentido que "devem ser julgadas procedentes as excepções dilatórias supra invocadas, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância, sem prejuízo, e caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente absolvida a Requerida dos pedidos, com as devidas e legais consequências."

12. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, n 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1 do RJAT.

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legitimas e estão devidas e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

14. O processo não enferma de nulidades, não existindo para além das referidas, quaisquer outras excepções de que deva conhecer-se.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

Com relevo para a apreciação das questões suscitadas, dão-se como provados os seguintes factos:

i. em 2015-06-26 os Requerentes celebraram na qualidade de compradores, um contrato de compra e venda e de mútuo com hipoteca, tendo por objecto o prédio urbano inscrito na matriz ..., sito na freguesia de ..., na Rua ..., nº ...,

ii. o prédio em causa e como resulta das respectivas escrituras destina-se à habitação própria permanente dos Requerentes (cfr. documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral),

iii. nos contratos em apreço os Requerentes indicaram como seu local de residência a Rua ..., nº ... lugar das ..., ...,

iv. nessa mesma data os Requerentes solicitaram, ao abrigo do disposto no artigo 46º, nº 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) a isenção do pagamento do IMI, que lhes foi concedido,

v. o Requerente A..., encontra-se registada como residente em Portugal desde 2015-06-12, tendo tido desde 2012-11-21 até essa data como representante fiscal C...,

vi. em 2016-07-19 foi reconhecido ao Requerente o estatuto de residente não habitual com efeitos a partir de 2015-01-01 a 2014,

vii. a Requerente B..., encontra-se registada como residente em Portugal desde 2015-06-26, tendo tido desde 2012-11-21 até essa data como representante fiscal C...,

viii. em 2016-08-10 foi reconhecido à Requerente o estatuto de residente não habitual, com efeitos de 2015-01-10 a 2014,

ix. em 2016-11-09 os Requerentes apresentaram declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, na qualidade de residentes em Portugal,

x. em resultado de incoerências na declaração modelo 3 foi instaurado em procedimento de divergência,

xi. os Requerentes em 2017-06-23 apresentaram uma declaração de substituição que mantendo a divergência de valores declarados no modelo, esteve na origem da liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2015, no montante de 18.716,50 €,

xii. os Requerentes reagiram contra tal liquidação através da apresentação da respetiva reclamação graciosa a que coube o número,

xiii. em 2018-05-30 foram os Requerentes notificados do indeferimento da reclamação graciosa,

xiv. de tal indeferimento, apresentaram junto do Serviço de Finanças da ... recurso hierárquico em 2018-06-28,

xvi. os Requerentes não foram até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral notificados de qualquer decisão concernente ao recurso hierárquico,

xvii. em 2018-11-26 os Requerentes remeteram ao CAAD pedido de constituição arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 A.2. Factos dados como não provados

Não se dá como provado que a dívida provinda da liquidação de IRS subjacente, se encontre em cobrança coerciva sob o processo executivo nº ...2017..., inexistindo quaisquer outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o  dever de seleccionar  os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigos 607º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa, são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão (ões) de Direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

Assim sendo, tendo em considerações as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados, reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

-das excepções                 

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 16º do CPPT, 13º do CPTA e 101º do CPC subsidiariamente aplicáveis ex vi do nº 1 do artigo 29º do RJAT a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

Em consequência, tendo em conta que a procedência das excepções invocadas pela AT relativas à incompetência material a verificar-se, poderá obstar ao conhecimento das demais questões suscitadas, importa delimitar o âmbito da competência da jurisdição arbitral tributária, nas situações invocadas pela AT.

Assim,

 

Conforme já afirmado, a AT na sua resposta suscitou quatro diferentes (aparentemente) excepções, duas relativas à incompetência material do tribunal arbitral "A" e "B" e as restantes concernentes à caducidade, apresentadas sob "C" e "D" do seu articulado.

 

Estando conexionadas entre si, serão apreciadas em conjunto as respeitantes às invocadas incompetências materiais e posteriormente as relacionadas com as caducidades suscitadas.

 

(i) -Da incompetência material absoluta do tribunal arbitral para proceder à suspensão do processo executivo (cfr. artigos 19 a 29 da resposta)

(ii)- Da incompetência material do tribunal arbitral para a apreciação do estatuto dos requerentes de residentes não habituais, decorrente do acto de deferimento do pedido de reconhecimento daquele estatuto para o ano de 2015 (cfr. artigos 30 a 54 da resposta)

 

Os tribunais arbitrais encontram-se constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209º, nº 2 da CRP), e a arbitragem voluntária, em geral, encontra a sua base legal na Lei  nº 63/2011, de  14 de Dezembro, em vigor, que procedeu à revogação da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, onde se prevê que " o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se estas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado" (artigo 1º, nº 5).

A autorização legislativa constante do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem tributaria, como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

No uso dessa autorização, foi aprovada a Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro que disciplina a arbitragem em matéria tributária.

De acordo com o seu preâmbulo a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD foi fixada nos seguintes termos: encontram-se abrangidos pela "competência dos tribunais arbitrais,  a apreciação de declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, da autoliquidação, de retenção na fonte  e os pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação da valores patrimoniais, sempre que a lei não assegura a faculdade de deduzir a pretensão referida".

O âmbito material da arbitragem tributária está definido nas alíneas a) e b) do artigo 2º do RJAT:

Artigo 2º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1. A competência dos tribunais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de retenção na fonte e de pagamentos por conta,

b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de quaisquer tributos.

 

Esta competência dos tribunais arbitrais é, porém, limitada pelos termos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a expressar a sua vontade de se vincular a esta jurisdição, consubstanciada na Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março, portaria de vinculação esta que já decorria do disposto no artigo 4º do RJAT.

De acordo com o ensinamento do insigne Conselheiro Jorge Lopes de Sousa  a competência dos tribunais tributários [1]"restringe-se à actividade conexionada com atos de liquidação de tributos ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial oi de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais quanto dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT."

 

 

Face ao que vem de expor-se, claramente se conclui que não cabe na jurisdição dos tribunais arbitrais tributários a apreciação de matérias do âmbito das execuções fiscais, assistindo razão à AT neste segmento.

O mesmo se verificando quanto à incompetência material para conhecer de quaisquer alterações ao estatuto de residente ou residente não habitual, já que não obstante se tratar de uma questão tributária, não comporta a apreciação de qualquer legalidade relacionada com a liquidação aqui controvertida.

 

 

 (iii) - Da caducidade do direito de acção (cfr. artigos 55 a 62 da resposta) e,

(iv)- Da caducidade do direito à acção neste tribunal arbitral. (cfr. artigo 63 a 89 da resposta).

 

Em abono da sua tese, e de forma necessariamente sintética, aduz a Requerida, que os Requerentes não tendo feito qualquer referência quer ao despacho que indeferiu a reclamação graciosa, quer ao indeferimento tácito do recurso hierárquico nada peticionaram no presente pedido de pronúncia arbitral quanto ao mesmos, "nem lhes apontando qualquer vício", para daí concluir que se encontra ultrapassado o prazo para a impugnação em sede arbitral.

Baseia este entendimento tendo por base o disposto no artigo 10º do RJAT, que estabelece, relativamente aos actos de liquidação que o prazo para apresentação de pedido arbitral é de noventa dias, remetendo o mesmo normativo quanto ao momento do início da contagem para o que vem inscrito nos nºs 1 e 2 do artigo 102º no Código de Procedimento e de Processo Tributário, pugnando, consequentemente pela extemporaneidade do pedido subjacente atenta  o facto de o termo final inicial que refere como sendo o último dia do mês de Agosto de 2017 e o pedido de pronúncia arbitral ter sido requerido junto do CAAD em 2018-11-26, "muito tempo depois de ultrapassados os 90 dias para apresentação do pedido arbitral".

Os Requerentes vieram responder à excepção suscitada pela AT, afirmando, para o que aqui releva, que o prazo para decisão do recurso hierárquico terminou em 27/08/2018, concluindo que o pedido de constituição de tribunal arbitral submetido em 26/11/2018 é tempestivo por se conter no prazo estabelecido no artigo 10º, nº 1, alínea a), parte final do RJAT.

 

A questão que emerge da excepção suscitada tem a ver, em breves linhas, com o facto de, perante a circunstância de o contribuinte ter previamente intentado um meio gracioso (reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa) o mesmo não tenha sido expressamente referido no pedido no que toca à sua declaração de ilegalidade.

Tal questão tem sido alvo de diversas decisões, não coincidentes no âmbito da arbitragem tributária, sob a égide do CAAD.

A própria AT em suporte da sua tese, convocou diversas decisões arbitrais, que confirmariam a sua interpretação.

 Todas se fundando, essencialmente no facto de o tribunal exorbitar as suas competências, por excesso de pronúncia na circunstância de vir a pronunciar-se para além do que expressamente vem pedido pelo Requerente.

Reportando-nos à situação dos presentes autos, dúvidas não subsistirão quer, quanto ao conteúdo do pedido que aqui nos interessa, como sendo, a formulado pelos Requerentes nos presentes "anulação por ilegalidade da liquidação nº 2017..., no valor de  € 20.333,15 incluindo juros de mora e outros encargos, referentes ao IRS de 2015" quer quanto à ausência de qualquer pedido expresso relativamente à declaração de ilegalidade ou ao recurso hierárquico.

 

Antecipa-se desde já que não perfilha este tribunal da posição sufragada pela AT [2] subscrevendo que;

 

Nas situações similares às que emergem no presente processo, "resulta com clareza da norma do artigo 10º, nº 1. al a) do RJAT, que nas situações como a que se evidencia no presente processo, em que tenha havido reclamação graciosa e/ ou recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral conta-se da notificação da decisão naqueles proferia ou, sendo o caso, da formação de presunção de indeferimento tácito" [3]

Data venia, convoca-se o que vem dito na decisão arbitral proferida em 2015-12-15, no âmbito do processo nº 419/2014-T;

"Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de actos de liquidação, estes actos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10º,nº 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objecto do processo arbitral é sempre o objecto mediato que constituem os actos de liquidação, mantidos por actos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de actos de liquidação, que são os que, sendo susceptíveis de execução coerciva, afectam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os actos de segundo e terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.

De resto uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como  corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correcção, como impõe a alínea c) do nº 1 do artigo 18º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os actos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20º. nº 1 e 268º. nº 4 da CRP)"

Em sentido idêntico extrai-se da decisão arbitral de 27/10/2015, proferida no âmbito do processo nº 124/2015-T, que igualmente subscrevemos;

"Estamos uma vez mais naquele caso em que parece confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º do RJAT) e também e mais uma vez, se trata aqui da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos actos de segundo ou de terceiro grau. A problemática dos actos de segundo e terceiro grau na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelos menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária - em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa - ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência - e, se sim, em que medida - para apreciar um acto de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datada de 18 de Maio de 2011, proferido o âmbito do processo nº 0156/11 [1], admitindo que "(...) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os ´vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente  em crise (...)"

"(...) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário (....)"

Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação de IRS.

Questão diferente desta é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo, Aqui entende o Tribunal que o legislador arbitral foi claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

Assim é que quanto à competência ou âmbito material em que o objecto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação IRS.

Quanto ao prazo. o contribuinte pode recorrer à arbitragem, logo aquando da notificação dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação do indeferimento tácito.

Esta resposta encontra-se, por seu turno, no artigo 10º. Desta norma não se deve, porém, retirar a competência para apreciação directa dos actos de segundo grau.

Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita, portanto, ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

Com efeito, artigo 2º, nº 1, alínea a) determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar " a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta". Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do nº 1, do artigo 10º referir expressamente a "decisão de recurso hierárquico" e está  também, ao que se julga, o facto de o acto de segundo ou terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem.

Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os próprios actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recurso hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses actos de indeferimento poderão ser "trazidos" para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente pretende impugnar pela via arbitral.

Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferido no âmbito do processo nº 272/2014-T:

"65- O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no nº 2 do artº 102º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas-

66- Estando a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do  CAAD circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.

67- A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

68- O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual na medida em que procede à  reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais que, como já se referiu, têm as suas competência fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos."  

 

Subscrevendo sem quaisquer reservas a fundamentação e sentido decisório, quanto a este segmento que vem expresso nas decisões arbitrais supra referidas, [4] e sumariamente transcritas, verifica-se que o acto de formação do indeferimento tácito do recurso hierárquico promovido pelos Requerentes ocorreu em 27/08/2018 tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no CAAD em 26/11/2018,

Daqui resultando que o pedido de pronúncia arbitral apresentado junto do CAAD é tempestivo improcedendo, consequentemente, as excepções de caducidade do direito de acção neste tribunal arbitral, suscitadas pela AT.

 

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- do mérito

 

A questão a decidir consiste em saber se os Requerentes devem, ou não ser considerados residentes fiscais em Portugal no ano de 2015, ou seja, importará determinar se os Requerentes preenchem ou não, algum critério legal susceptível de determinar a sua residência fiscal em Portugal no período em causa, face ao previsto no artigo 16º, nº 1, alíneas a) e b) do CIRS, do eventual recurso à CDT celebrada entre Portugal e Espanha, e concluir (ou não) pela manutenção da liquidação de IRS em causa.

 

- quadro  normativo

 

Na redação ao tempo do circunstancialismo fáctico subjacente, dispunha o artigo 13º, nº 1 do CIRS quanto à incidência subjectiva do imposto que: "ficam sujeitos a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que nele não residindo, aqui obtenham rendimento".

Dispondo por seu turno o nº 1 do artigo 15º do CIRS (redação ao tempo) que "sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território"

Constata-se deste modo, desde já, e em uníssono com a doutrina e jurisprudência, que o conceito de residência torna-se fundamental de modo que, a verificar-se relativamente a um qualquer sujeito a imposto "legitima a tributação dos rendimentos numa base mundial, i.e. de todos os rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos ("world income principle")

De acordo com RUI DUARTE MORAIS, [5] " a residência é hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre as pessoas e Estado".

"(...) Ser residente de um determinado Estado implica, normalmente, ser aí sujeito a um imposto sobre a globalidade do rendimento (incluindo) o obtido fora das fronteiras desse Estado."

 

Para o que aqui releva, dispunham as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 16º do CIRS

 

Artigo 16º

Residência

1. São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim do ano em causa,

b) Tempo permanecendo por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual".

Contempla ainda o artigo 16º, para além das convocadas, uma pluralidade de situações que nos dizeres da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 462/2015-T, de 05/04/2015 "faz surgir o perigo de duplas tributações, em virtude de o elemento de conexão residência, visto aquelas poderem tanto resultar de definições diversas nos espaços fiscais em causa como de definições iguais, desde que integradas por uma pluralidade de critérios que se repetem nas legislações desses espaços fiscais sendo a situação enquadrável em critérios diferentes"

"Para evitar os conflitos derivados de aplicação das normas tributárias em caso de situações com ligações a outros territórios assume especial importância a negociação e celebração de Convenções assinadas entre Portugal e outros Estados para Evitar a Dupla Tributação (CDT´S)".

Descendo ao caso concreto, e admitindo que os Requerentes não permaneceram no ano de 2015 mais de 183 dias, em território português não se podendo considerar como tal contribuintes fiscais domésticos face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 16º do CIRE, o mesmo parece já não se verificar relativamente à previsão da alínea b) do normativo.

A exigibilidade dos critérios para qualificação de uma pessoa singular como residente, tempo de permanência (corpus) e habitação (animus) de que a doutrina profusamente nos dá conta, (enfatizando nomeadamente que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo) afiguram-se nos presentes autos, no nosso entendimento, de fácil percepção e isentos de quaisquer dúvidas razoáveis.

            Assim:

-  em 2015-06-26 os Requerentes celebraram um contrato de compra e venda, e outro de hipoteca tendo por objecto um imóvel, sito em ..., destinado, conforme declaração dos mesmos a habitação própria e permanente (cfr. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

- nos contratos em questão os Requerentes declararam de forma expressa como seu local de residência a Rua ..., nº..., lugar das ..., ...,

- sobre o descrito imóvel e na mesma data da celebração das sinalizadas escrituras os Requerentes solicitaram a isenção de pagamento do IMI com fundamento no artigo 46º, nº 1 do Estatuto de Benefícios Fiscais (EBF), 

 - O benefício solicitado foi deferido aos Requerentes tendo em conta o disposto no artigo 46º, nº 1 do EBF.

Em suma, de forma expressa, os Requerentes confessaram-se como residentes em Portugal.

 

Conforme é sublinhado no processo nº 332/2016-T, de 2017/01/31, a alínea b) do nº 1 do artigo 16º do CIRS "impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: (i) a permanência em Portugal: (ii) a disposição de uma habitação: e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual"

Não se suscitando dúvidas quanto aos dois primeiros requisitos, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual, parece, no caso concreto não ser passível de quaisquer dúvidas.

Para tanto concorrerá desde logo o facto de os Requerentes, aquando da aquisição do imóvel em causa, terem declarado que o mesmo se destina à sua habitação própria e permanente, circunstância esta reforçada pelo pedido de isenção do IMI que formularam ( e lhes foi concedido) face ao disposto no nº 1 do artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que determina que "ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, nos termos do nº 5, os prédios ou parte de prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (....)"

Neste particular segmento, veja-se o Acórdão de 07/72/2012 do Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo nº 05350/12 "(...) dispunha, no dia 31 de dezembro, de habitação, relativamente à qual manifestou, expressa e inequívoca, intenção de ocupar e manter como residência habitual própria e permanente, mediante pedido de isenção de IMI que formalizou, junto das autoridades tributárias portuguesas em 27.11. 2007, é inatacável a conclusão de que aquele, no visado ano, tinha residência em Portugal, pelo preenchimento dos requisitos exigidos no artº 16º, nº1, al. b) CIRS"

Salvo melhor opinião, os factos descritos, consubstanciados nas declarações dos próprios Requerentes, são de molde a excluir quaisquer dúvidas com à intenção e materialização de manter e ocupar o imóvel aqui em causa, como sua residência própria e permanente.

Daqui resultando que, face ao disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 16º do CIRS os Requerentes eram residentes fiscais em Portugal em 2015.

 

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Relativamente à "Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento" (Resolução da Assembleia da República nº 6/95, aprovada em 29 de Junho de 1994),não poderemos deixar de subscrever - por manifesta similitude factual com o caso presente - a pertinente observação, que subscrevemos,  evidenciada no âmbito da decisão proferida no processo nº 634/2017-T:

"(...) importa, desde logo, clarificar a ordem de aplicação dos diversos instrumentos legais a que a Requerente e Requerida aludem neste caso, em particular entre o CIRS e a CDT celebrada entre Portugal e Espanha, por meio da realização de um exercício de delimitação do âmbito de ambos os regimes e relação entre eles.

Estando em causa o estabelecimento da (não) residência de uma pessoa singular, esta deve ser, prima facie, aferida à luz do disposto no artigo 16º do Código do IRS.

Quer isto dizer que a qualidade de (não) residente em Portugal, do Requerente, mesmo numa situação como aquela dos presentes autos, deve, única e exclusivamente, ser aferida à luz do disposto no CIRS, relevando o conceito de residência constante da CDT apenas para efeitos da referida CDT, como em seguida se analisará.

De facto, o conceito convencional de residência não comporta um valor próprio autónomo aplicável de forma independente, estando antes limitado, apenas, aos efeitos necessários e decorrentes da aplicação da CDT.

É a própria redacção do artigo 4º da referida CDT que o confirma quando estabelece que o conceito de residência ali estabelecido apenas releva "Para efeito desta (daquela) convenção (...)"

Quer isto dizer que o conceito de residência estabelecido naquela CDT (nas CDT´s em geral) vale, na generalidade dos casos, e certamente no caso português apenas para efeitos de aplicação da própria CDT, ou seja para efeitos de eliminação da dupla tributação (ou de outros aspectos relacionados com a CDT em causa  sem qualquer impacto no estatuto fiscal do sujeito à luz da lei doméstica.

Assim, a determinação da residência ou não num determinado país (neste caso Portugal) ao abrigo dos critérios da CDT, não tem qualquer efeito na qualificação como (não) residente fiscal do sujeito ao abrigo da lei doméstica. Da mesma forma, do facto de uma pessoa não se considerar residente em Portugal ao abrigo da CDT e para efeitos da CDT (por exemplo porque as regras denominadas tie-braker fazem prevalecer a residência no outro Estado) não pode resultar - não resulta - qualquer consequência legal quanto ao estatuto fiscal do sujeito em Portugal.

Ou seja, ainda que um determinado sujeito fosse de considerar não residente em Portuga ao abrigo da CDT, daí não decorreria qualquer conclusão quanto ao seu estatuto fiscal (de residente ou não residente) para efeitos da lei interna.

Poderia muito bem ser, assim, que uma pessoa que acabasse de ser qualificada como não residente para efeitos de aplicação da CDT continuasse, para efeitos da aplicação da CIRS e demais legislação interna, a ser considerado residente fiscal em Portugal (...)".

 

Acompanhando -se a posição expressa no excerto vindo de citar, e perante o já supra exposto, concluiu-se que em 2015 os Requerentes eram residentes fiscais em Portugal, à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 16º do CIRS, não existindo qualquer conflito positivo quanto à residência fiscal que suscite o recurso à CDT celebrada entre Portugal e Espanha.

 

III- JUROS de MORA

 

Os Requerentes formulam pedido de "juros de mora e outros encargos".

O reembolso das quantias aos mesmos respeitantes depende da procedência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação.

Consequentemente, improcedendo esse pedido, improcedem, necessariamente os de reembolso e juros.

 

IV-DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

a. julgar procedente a excepção de incompetência material deste tribunal para proceder à suspensão do processo executivo,

b. julgar procedente a excepção de incompetência material deste tribunal, para conhecer de quaisquer pedido de reconhecimento do estatuto de não residentes,

c. julgar improcedentes as excepções de caducidade do direito de acção,

d. julgar improcedente o pedido formulado pelos Requerentes, absolvendo-se do mesmo a Autoridade Tributária e Aduaneira,

e. manter na ordem jurídica o acto tributário objecto do presente processo,

f. condenar os Requerentes no pagamento das custas processuais.

 

V- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 206º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil,  aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º- A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo3º, nº 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 20.333.15 € (vinte mil, trezentos e trinta  e três euros, e quinze cêntimos)

 

VI- CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, ??? nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a esta anexo, fixa-se o montante de custas em 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros)

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redação da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.]

                                                                 

 

Doze de Abril de dois mil e dezanove.

 

O árbitro,

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 



[1] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, página 105 e seguintes.

[2] Revendo e actualizando o subscritor a posição tomada no âmbito do processo nº 274/2018-T de 13/11/2018.

[3] Cfr. processo nº 652/2015-T, de 4 de Março de 2016.

[4] Em sentido idêntico e ainda que a título meramente exemplificativo, poderão ver-se as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 282/2013-T, 161/2015-T, 652/2015- T, 140/2016- T,592/2016-T.

[5] Sobre o IRS, Almedina 2006, páginas 14 e seguintes.