Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2018-T
Data da decisão: 2019-04-17  IMI  
Valor do pedido: € 119.793,84
Tema: AIMI – Incidência objetiva (artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI) – Inconstitucionalidade - princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL  

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs, (árbitro-presidente), Dr. Rui Rodrigues e Professor Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06 de março de 2018, acordam no seguinte:

 

1 - Relatório

1.1 – A..., S.A., doravante designada por «Requerente», contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 18 de novembro de 2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com os n.ºs 2017 ... e 2018 ..., relativas aos anos de 2017 e 2018, respetivamente, efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-08-2018 e 03-10-20189, no montante de 119 793,84 €, correspondendo 59 896,92 € a cada.  

 

1.3 - Requer ainda a condenação da “AT” ao reembolso do montante pago respeitante às referidas liquidações, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 19 de novembro de 2018.

 

1.6 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 10 de janeiro de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 30 de janeiro de 2019.

 

1.9 - A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 30 de janeiro de 2019, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.11 Em 6 de março de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, com a consequente absolvição do pedido.

 

1.12 - Caso assim não seja entendido, requer a notificação da decisão arbitral ao Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.

 

1.13 – Optou por não juntar o processo administrativo (PA).

 

1.14 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 10 de março de 2019, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, no prazo de 15 dias, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.15 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 30 de julho de 2019.

 

1.16 – A Requerente alegou em 25 de março de 2019, concluindo pela ilegalidade das liquidações impugnadas, por violação do disposto no artigo 135-º-B do CIMI, devendo as mesmas ser anuladas, com o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

1.17 – A Requerida apresentou as suas alegações em 9 de abril de 2019, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a consequente absolvição da instância.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que desenvolve a atividade no setor imobiliário, no âmbito da qual se encontra a edificar no terreno para construção inscrito na matriz predial da freguesia das ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., um edifício a denominar “...”, destinado a comércio e serviços. 

Que tal prédio constitui um fator de produção, ou seja, um bem intermediário que, conjugado com os demais fatores de produção, produz novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades -, pelo que deverá ser excluído do AIMI, já que não constituirá um facto demonstrador de riqueza nem um indicador suficiente de capacidade contributiva da Requerente, enquanto proprietária.

Por outro lado se as edificações destinadas a comércio, indústria ou serviços não podem ser consideradas como indiciadoras de uma especial capacidade contributiva para efeitos do AIMI - porque expressamente excluídas da incidência do imposto tendo em conta os objetivos tributários expressos pelo legislador -, então os terrenos para construção que se destinem à edificação de prédios afetos a comércio, indústria ou serviços também não o poderão ser, sob pena de incoerência do sistema jurídico e violação do princípio constitucional da igualdade vertido no artigo 13.º da CRP.

Citando José Casalta Nabais, refere “(…) o princípio da igualdade de tributação, assente no princípio da capacidade contributiva, diz-nos que as pessoas são tributadas em conformidade com a respectiva capacidade contributiva, o que significa, de um lado, que ficarão excluídos do campo da incidência dos impostos aquelas pessoas que não disponham dessa capacidade e, de outro lado, que face a detentores de capacidade contributiva, os contribuintes com a mesma capacidade pagarão o(s) mesmo(s) imposto(s) (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferentes capacidades pagarão diferentes impostos, seja em termos qualitativos, seja em termos quantitativos (igualdade vertical).

Pelo que, por uma questão de coerência do ordenamento jurídico e de aproveitamento dos atos legislativos, se impõe uma interpretação conforme à Constituição. Quanto a este método hermenêutico, cita Jorge Miranda e refere os acórdãos do STA de 30-05-2012 (processo n.º 0949/11) e 01-04-2003 (processo n.º 01837/02), referindo este que “Constitui princípio geral do nosso ordenamento jurídico que, quando uma norma suportar um interpretação conforme à Constituição e outra desconforme, se deve fazer aquela que se compatibilizar com os preceitos constitucionais (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 1406, 5611 e 6358, de 19/4/88, 27/6/95 e 11/7/96, respectivamente, e do STA de 11/2/93 (1.ª Secção-Pleno), BMJ 424-454 e de 14/1/98, recurso n.º 3 618 (2.ª Secção).”

Deste modo subscreve na íntegra a decisão proferida no processo arbitral n.º 668/2017-T, segundo a qual “Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o tributo a edifícios destinados a serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.

Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «para serviços» como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.

De qualquer forma, a adoptar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.

Em situações de injustificado tratamento discriminatório, traduzido na imposição de um dever ou encargo com violação do princípio da igualdade, o que é ilegítimo é, em princípio, o acto de imposição do dever apenas a alguns dos contribuintes, devendo a desigualdade ser resolvida com eliminação dos deveres ou encargos para quem com eles foi discriminatoriamente onerado.”

Que esta orientação interpretativa tem sido seguida em várias decisões arbitrais, de que são exemplo as proferidas nos processos 675/2017-T, 681/2017-T, 688/2017-T e 8/2018-T.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e consequente reembolso dos montantes indevidamente cobrados, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que o adicional ao IMI, criado pelo artigo 219º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135- A a 135º K, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.

Como se refere na decisão arbitral n.º 420/2018-T “O que o legislador pretendeu com o Adicional ao IMI foi criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.(...)

Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados», compagina-se com o objetivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

A semelhança do regime do IMI, são sujeitos passivos do AIMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas "quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal”, cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 135-A.

Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, no que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas, assume a natureza de imposto real, cfr. n.º 2 do artigo 135.º-A do CIMI.

Deste modo, como bem refere a doutrina, «Assim, relativamente a pessoas coletivas, o AIMI não se destina, na verdade, a tributar as entidades com mais elevados índices de riqueza, porque se tributam todos os valores patrimoniais dos prédios sujeitos, sem limite mínimo nem qualquer dedução. Também, por essa razão, o AIMI que incide sobre as pessoas colectivas se aproxima mais de um imposto geral sobre o património imobiliário», cfr. JOSÉ MARIA PIRES, O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, p.42).

Assim, estão sujeitos ao adicional de IMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6.º do CIMI, independentemente da afetação potencial que a estes venha a caber, uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção.

Quanto à violação do princípio constitucional da igualdade, alegada pela Requerente, cita o Professor Doutor José Casalta Nabais, quando refere «[…] o princípio da igualdade fiscal tem sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos e quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção dessa diferença (igualdade vertical), (in Direito Fiscal, Almedina; 2012, 7a Edição, pág. 155).”

Bem como o acórdão n.º 563/96, de 16 de maio, do Tribunal Constitucional, quando refere “[…] O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, "razoável, racional e objectivamente fundadas", sob pena de, assim não sucedendo, "estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes", no ponderar do citado acórdão nº 335/94. in, Gomes Canotilho, in - Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).»

Os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

Que a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art.º 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento e que no campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira, cfr. SOUSA FRANCO, Finanças públicas e direito financeiro, vol. II, 4- ed., p. 181.

Assim, como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, ou seja, podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.

E ainda que os imóveis tributados pudessem revelar-se instrumentais da atividade económica, os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.

Conclui-se assim, que a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

Não se vislumbra, deste modo, que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para "comércio e serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-B do CIMI, colida com os princípios da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas nestes artigos, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário.

No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, entende a Requerida não enfermarem o ato impugnado de qualquer vício que determina a sua anulação.

Por outro lado a AT, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de legalidade ou constitucionalidade, o que, por sua vez determina, a falta de suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios, cfr. jurisprudência do STA de que são exemplos os acórdãos tirados nos Processos n.ºs 01529/14 e 399/15, respetivamente de 03-04-2015 e 04-05-2017.

Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, ou, caso assim não se entenda, requer, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral.

 

 

2 - Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 - O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas outras exceções além da já referida caducidade do direito de ação.

 

2.3 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no setor imobiliário, cfr. artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e nota n.º 1 de rodapé; 
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente, em 01 de janeiro de 2017, era proprietária do terreno para construção inscrito na matriz urbana da freguesia das ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário (VPT) de 14 974 230,00 €, cfr. documento n.º 3 junto pela Requerente;
  3. Nesse terreno encontra-se em construção um edifício a denominar “...”, destinado a comércio e serviços, cfr. artigo 25.º do ppa, não contestado pela Requerida;
  4. Em Agosto de 2018, a Requerente foi notificada da liquidação de AIMl n.º 2017..., de 09-08-2018, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") com referência ao ano de 2017, no montante total de 59 896,92 €, com prazo de pagamento no mês de setembro de 2018, relativamente ao referido terreno para construção e com base no respetivo VPT, cfr. documento n.º 1 junto pela Requerente;
  5. Em Outubro de 2018, a Requerente foi notificada da liquidação de AIMl n.º 2018..., de 03-10-2018, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") com referência ao ano de 2018, no montante total de 59 896,92 €, com prazo de pagamento no mês de novembro de 2018, relativamente ao referido terreno para construção e com base no respetivo VPT, cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente;
  6. Em 26-09-2018, a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado respeitante ao ano de 2017, cfr. documento n.º 4 junto pela Requerente;
  7. Em 26-10-2018, a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado respeitante ao ano de 2018, cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente;
  8. Em 18-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou o processo administrativo nem questiona quaisquer dos factos alegados pela Requerente, pelo que se considera assente que se trata de terreno para construção com os fins aí indicados.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se o terreno para construção referido nos autos, enquanto substrato da atividade económica da Requerente ou face à sua potencial edificabilidade para fins “comerciais, industriais ou serviços”, está abrangido pelas normas de incidência objetiva do AIMI, previstas no artigo 135.º-B do CIMI.

 

Questão a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da (i)legalidade da liquidação impugnada -

Refere a Requerente que o ato tributário é ilegal por se encontrar sustentado em norma materialmente inconstitucional que, por incidir sobre imóvel que integra o ativo de uma empresa de escopo imobiliário e deste modo essencial para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica, é violadora dos mais basilares cânones da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

Antes de entrarmos na análise das referidas inconstitucionalidades, importa tecer algumas considerações sobre o sentido e alcance das normas convocadas.

 

A. Quanto à ilegalidade da liquidação por erro de interpretação das normas aplicáveis

O SP defende que o prédio em causa se encontra diretamente afeto à atividade económica (ramo imobiliário) que desenvolve, pelo que não se encontra abrangido pelo âmbito de incidência do adicional ao IMI criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, através do aditamento dos artigos 135.º-A e segs. ao Código do IMI, pelo qual o legislador pretendeu instituir um novo tributo sobre a fortuna imobiliária.

Num outro plano de análise, o SP considera igualmente ilegal a tributação de terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços no ponto em que se trata de prédios potencialmente afetos a essas atividades económicas, e, como tal, cobertos pela cláusula de exclusão do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI.

O adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.

No artigo 135.º-A define-se a incidência subjetiva do imposto, estabelecendo-se que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”.

Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objetiva, estatuindo o seguinte:

“Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.

A remissão feita no n.º 2 do artigo 135.º-B para o artigo 6.º do Código do IMI tem em vista caracterizar o que se entende como prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.

Assim, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, e os artigos subsequentes definem, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).

Por seu turno, o artigo 6.º estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuandos e os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

Atento o exposto e quanto à primeira questão, diga-se, desde já, que a literalidade dos artigos 135.º-A/1 e 135.º-B/1 e 2 do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica.

Com efeito, afigura-se claro que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a pretender remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.

Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, cuja jurisprudência passamos a seguir, por com ela concordarmos, “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins.

Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

“O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.”

É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.

Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

“(…), tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

“«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. ( [1] )

No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.”

No mesmo sentido se pode ler no Acórdão Arbitral, relativo ao processo n.º 664/2017-T, atrás referido: “Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto através de conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).

Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”

Não assiste, desta forma, razão ao SP quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afetos a atividades económicas, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social.

Com efeito, tal interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei nem tão pouco decorre do elemento racional e sistemático. Resulta claro da leitura e interpretação das normas em causa que a opção do legislador não foi no sentido preconizado pelo SP. Uma tal opção pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da afetação do imóvel, em termos práticos, a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva. O que se demonstra não ter acontecido.

Em suma, repete-se, o critério relevante eleito pelo legislador, no âmbito da sua ampla margem de conformação, foi a classificação dos prédios face ao artigo 6.º do CIMI e não a afetação dos mesmos à atividade económica da Requerente, quer como elemento do ativo fixo tangível ou do ativo circulante, como mercadorias (prédios destinados a venda) ou matéria-prima (terrenos destinados a construção).

Acresce que tal afetação não consta da lei nem da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, de 13-10-2016, na redação introduzida pela Proposta de Alteração de 18-11-2016, constante da exposição de motivos dos partidos políticos, nomeadamente do Partido Socialista, não obstante na redação inicial da referida Proposta de Lei bem como do Relatório OE2017, de outubro de 2016 (Estratégia de Promoção do Crescimento Económico e de Consolidação Orçamental - IV.2.3. Orientações de Política Fiscal) e ainda do ponto 1.4.2.1 – “Medidas fiscais para 2017” da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, de 31-10-2016, estar prevista a afetação à atividade produtiva”.

Incidindo o AIMI sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular e dividindo-se estes, face ao disposto no artigo 6.º/1 do CIMI, em habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; e outros, e que, nos termos do artigo 135.º-B/2 do CIMI, apenas estão excluídos do AIMI os prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI. Donde resulta de forma inequívoca a conclusão de que os demais prédios, ou seja, os habitacionais e os terrenos para construção estão sujeitos ao AIMI.

Assim sendo, o facto de o SP deter os imóveis referidos nos autos no âmbito das suas atividades económicas não fasta a incidência do AIMI.

 

Também não assiste razão ao SP quando refere “Com efeito, tem vindo a ser entendido que, se as edificações destinadas a comércio, indústria ou serviços não podem ser consideradas como indiciadoras de uma especial capacidade contributiva para efeitos do AIMI - porque expressamente excluídas da incidência do imposto tendo em conta os objectivos tributários expressos pelo legislador – então os terrenos para construção que se destinem à edificação de prédios afectos a comércio, indústria ou serviços também não o poderão ser, sob pena de incoerência do sistema jurídico e violação do princípio constitucional da igualdade vertido no art. 13.º da CRP.

De facto, não se alcança em que medida é que um contribuinte proprietário de um edifício destinado a serviços revelará menor capacidade contributiva que um contribuinte proprietário de um terreno para construção cuja edificação permitida seja (também) destinada a serviços, como é o caso em apreço”. (artigos 21.º a 23.º do ppa).

Acontece que o SP parte, desde logo, como já ficou demonstrado, do pressuposto errado quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do AIMI, segundo o qual por ter sido intenção do legislador subtrair à tributação os prédios afetos às atividades económicas, deve considerar-se igualmente excluída do âmbito de incidência do adicional ao IMI os terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com os fins “comerciais, industriais ou serviços”.

Constituindo a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil).

Esta tese, além de partir de um pressuposto errado (na pretensa intenção do legislador de desonerar os terrenos afetos à atividade económica), não tem na letra do preceito qualquer suporte. De facto, o artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.

Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.

Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é que não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”

Finalmente, esta interpretação não configura qualquer tratamento discriminatório e violador do princípio da igualdade porquanto estamos a falar de realidades diversas desde logo porque os terrenos para construção não são assimiláveis a prédios urbanos já edificados, como será analisado mais adiante.

Não assiste, assim, qualquer razão à Requerente, devendo improceder o respetivo pedido.

 

 

 

B. Quanto às questões de inconstitucionalidade

As questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente já foram abordadas em sentido negativo por diversas decisões arbitrais, cuja jurisprudência passamos a reproduzir, por facilidade de exposição.

Quanto ao princípio da igualdade e da capacidade contributiva, como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2017-T, reproduzindo a Decisão Arbitral n.º 664/2017-T “O Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição.

É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. Essa exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal: de acordo com o n.º 1 do artigo 104.º, o imposto sobre o rendimento pessoal visa «a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».

A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em proporção superior ao incremento da matéria coletável.

Consequentemente, a Constituição exige uma progressividade com a virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos (sobre todos estes aspetos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/13, n.ºs 97, 98 e 99).

A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material.

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152).

Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º e 104º da Constituição (ob. cit., pág. 152).

Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., pág. 154).

Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa, relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 306/2010 e 695/2014)”.

Aplicando o exposto ao caso em análise, realça-se, em primeiro lugar, tal como se pode ler no Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60), que a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

Segundo a doutrina, também se tem entendido que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projeção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).

Ora, neste contexto, não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica.

Com efeito, os imóveis por si detidos estarão afetos a atividades livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à promoção imobiliária.

Como se pode ler no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (…)”; no mesmo sentido, pode ainda ver-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2017-T.

Também como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 675/2017-T, “a titularidade de um património imobiliário de valor elevado evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).

Por isso, a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”

Além de que, na linha do que se entendeu no Acórdão Arbitral, de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, “haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa.

Afigura-se assim existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”

Em suma, é possível descortinar um fundamento material bastante para distinguir entre esses diferentes factos tributários para efeito da tributação do património não havendo igualmente qualquer tributação desproporcionada.

O princípio da igualdade tributária foi mobilizado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “por se ter entendido que a inclusão no âmbito de incidência da norma de um terreno para construção a par de um prédio habitacional já edificado não reflecte a diferente capacidade contributiva dos respectivos proprietários, sendo essa a razão determinante do juízo de inconstitucionalidade. No caso vertente, ao contrário, para efeito da exclusão do Adicional ao IMI, pretende-se estabelecer a equiparação entre terrenos para construção e prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços na perspectiva inversa de que os terrenos para construção potencialmente utilizáveis para esse fins não se distinguem dos prédios já edificados que se encontrem classificados como comerciais, industriais ou para serviços.”

Termos em que, ante o exposto, improcedem o pedido formulado pela Requerente, sendo de manter a liquidação impugnada na ordem jurídica.

 

 

No mesmo sentido, além das decisões arbitrais supra referidas, foram proferidas outras nos seguintes processos a funcionar sob a égide do CAAD, que acompanhamos na íntegra: 654/2017, de 03-09-2018; 667/2017, de 05-09-2018; 678/2017, de 06-09-2018; 682/2017, de 20-07-2018; 683/2017, de 12-07-2018; 684/2017, de 06-09-2018; 685/2017, de 06-09-2018; 690/2017, de 06-09-2018; 692/2017, de 11-05-2018; 693/2017, de 03-09-2018; 696/2017, de 23-07-2018; 6/2018, de 26-07-2018; 291/2018, de 28-02-2019; 306/2018, de 28-12-2018; 310/2018, de 10-12-2018; 324/2018, de 22-01-2019; 356/2018, de 11-01-2019; 401/2018, de 22-01-2019; 420/2018, de 15-01-2019; e 456/2018, de 28-02-2019. 

 

 

 

C. Pedidos prejudicados

Face à solução jurídica do caso, fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas a título de adicional ao IMI e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

 

***

 

5 - Decisão

Termos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis com os n.ºs 2017... e 2018..., relativas aos anos de 2017 e 2018, respetivamente, efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-08-2018 e 03-10-20189, no montante de 59 896,92 €, cada; e

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 119 793,84 € (cento e dezanove mil, setecentos e noventa e três euros e oitenta e quatro cêntimos).

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3 060,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 17 de abril de 2019

 

Os Árbitros,

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

(Rui Rodrigues)

 

 

(Paulo Jorge Nogueira da Costa)

vencido conforme declaração anexa

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Votei vencido, no presente Acórdão, pelos argumentos constantes, designadamente, do Acórdão proferido no processo arbitral n.º 686/2017-T, que subscrevemos, e no qual se sustenta o seguinte:

Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o tributo a edifícios destinados a comércios, indústria ou serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.

Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica (2)[BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 191], deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «para serviços» como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.

De qualquer forma, a adoptar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a comércio, indústria e serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda”.

Deste modo, uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e que seja conforme com a Constituição (com o princípio da igualdade) conduz a uma interpretação extensiva da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços», excluindo-se também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.

Termos em que, não obstante o maior respeito pela argumentação constante do presente Acórdão, entendemos que são ilegais os atos de liquidação de AIMI objeto do pedido de pronúncia arbitral, pelo que este deveria ser julgado procedente relativamente à declaração de ilegalidade e anulação das referidas liquidações.

 

Paulo Nogueira da Costa (Árbitro Vogal - Vencido)

 



[1] BAPTISTA MACHADO, João, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, p. 182.