Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2018-T
Data da decisão: 2019-04-11  IMI  
Valor do pedido: € 829,04
Tema: AIMI - incidência objetiva; terrenos para construção afetos a serviços.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 02.01.2019, profere a seguinte decisão:

 

RELATÓRIO

 

1. A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede atualmente na Rua ... n.º..., ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) nº..., no valor de 829,04 €, e não concordando com a mesma, vem, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e consequente pronuncia arbitral de declaração da ilegalidade da liquidação do AIMI em crise.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 19.10.2018.

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, a 10.12.2018.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 02.01.2019.

6. Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação de AIMI nº..., emitido pela AT ao abrigo do n.º 1 do artigo 135.º - G do Código do IMI (CIMI) procedendo-se, consequentemente à anulação do mesmo por padecer de erro de pressupostos de facto e de direito e que seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do AIMI pago relativamente à liquidação sub judice, no valor de 829,04 €, e a pagar juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso total da quantia devida e calculada sobre o imposto, nos termos dos artigos 43.º n.º 4 e 35.º n.º 10 da LGT, 61.º do CPPT, 137.º do CIMI, 559º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003 de 8 de abril.

7. A Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou em 06.02.2019 a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação, peticionando a final que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com devidas consequência legais. 

8. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 25.02.2019.

9. Nas suas alegações finais, apresentadas pela Requerente em 06.03.2019 e pela Requerida em 18.03.2019, a primeira sustentou no essencial as suas posições e a segunda remeteu para o teor da contestação.   

 

Descrição dos factos

10. A Requerente é proprietária de um lote de terreno para construção inscrito sob o artigo n.º... na freguesia de ... (...) com o valor patrimonial de 207. 260,00 €.

11. O referido lote destina-se à construção de um equipamento de lazer e desporto e encontra-se avaliado com o coeficiente de avaliação de “serviços”, não sendo possível atribuir-lhe outro fim, por força do loteamento aprovado e licenciado e como expressamente constará do alvará de licenciamento.

12. A Requerente detém como única existência afeta à sua atividade económica o lote em causa, que tem tentado comercializar, sem qualquer sucesso, estando a suportar os custos inerentes à sua titularidade, nomeadamente o IMI, com recurso ao suprimento dos seus sócios, atendendo a que não retira qualquer rendimento do ativo que possui, tratando-se ele de um lote para construção, sem qualquer rentabilidade como tal, e com uma afetação “serviços” que lhe retira a maioria do potencial de comercialização.

13. Enfrentando dificuldades de liquidez, a Requerente encontra-se em fase de liquidação, tendo embora procedido ao pagamento integral e atempado do imposto liquidado, em 22.02.2018. 

 

Argumentos das partes

14. Os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelas partes dizem respeito, fundamentalmente, à relevância da situação do imóvel para efeitos de tributação pelo AIMI. 

15. A Requerente alega que o ato de liquidação em crise é ilegal por erro na qualificação do facto tributário com argumentos que a seguir se sintetizam:

  1. A AT desconsiderou a situação de o imóvel em questão ser um terreno para construção destinado à construção de um equipamento de lazer e desporto e se encontrar avaliado com o coeficiente de avaliação “serviços”, não sendo possível atribuir-lhe outro fim, por força do loteamento e licenciado, e como expressamente consta do alvará;
  2. O AIMI foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A ao 135.º-K, que estabelecem o respetivo regime jurídico, passando a constituir o capítulo XV daquele normativo jurídico-fiscal, que entretanto teve mais dois aditamentos com os artigos 135.º - L e 135.º - M, introduzidos pela Lei n.º 214/2017, de 29.12;
  3. No artigo 135.º - B do CIMI são excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do n.1 do artigo 6º deste Código;
  4. Esta delimitação negativa de incidência dos prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e outros, como opção do legislador, tem subjacente o princípio de que os lotes de terreno que se destinem à construção desse tipo de edifícios e que como tal estejam avaliados com o coeficiente de afetação de uma dessas classificações — comerciais, industriais ou serviços, e não se destinem a habitação, também beneficiam obrigatoriamente da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º - B, em coerência com essa opção legislativa;
  5. Tendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o imposto a edifícios destinados a serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios;
  6. Numa perspetiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como "para serviços" como expressando uma intenção legislativa de excluir da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios;
  7. A interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, será materialmente inconstitucional, por incompatível com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP);
  8. A consideração da titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços como facto tributário e não a titularidade dos prédios neles construídos, consubstancia um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda;
  9. A aplicabilidade indiscriminada do AIMI a todos os "terrenos para construção" desconsiderando o critério legal da afetação do prédio, demonstra uma gritante inconsistência do regime legal em causa e configura um tratamento discriminatório, que promove uma desigualdade injustificada entre contribuintes que viola, sem mais, o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado nos artigos 13.º e 104.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 5.º e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT);
  10. Não pode deixar de considerar-se ilegal a liquidação objeto desta impugnação referente ao lote de terreno para construção de um equipamento para serviços, inscrito sob o artigo n.º 4703, da Freguesia da Azambuja, Concelho da Azambuja, pelo que se justifica a sua anulação, de harmonia com o n.º 1 do artigo 163.º do novo Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, subsidiariamente aplicável por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT.

 

16. Em sentido contrário, a AT veio sustentar a manutenção do ato tributário de liquidação do AIMI, com os seguintes fundamentos:

  1. O entendimento da Requerente não corresponde à corrente maioritária da jurisprudência arbitral e judicial;
  2. O texto da lei atualmente em vigor reflete de forma fiel e fidedigna as opções do legislador em determinado contexto histórico;
  3. O AIMI veio criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, de acordo com o princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social;
  4. O AIMI tem em vista a redução dos custos não salariais da mão-de-obra, o que pode explicar que não seja aplicado às pessoas coletivas detentoras de prédios destinados a atividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas coletivas estar normalmente associada ao exercício dessas atividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras;
  5. Tendo sido suprimida a alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, o teor literal revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação;
  6. A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações;
  7. Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios;
  8. Uma vez que na versão final aprovada e que encontra em vigor foi expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador;
  9. Não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final;
  10. O AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º- B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário;
  11. O facto de o terreno para construção em causa, se encontrar, segundo a caderneta fiscal, licenciado para uma dessas finalidades não é uma situação imutável.

 

SANEAMENTO

17. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  

18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos. 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

19. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

20. O processo não padece de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Factos dados como provados

21. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

  1. A Requerente é proprietária de um lote de terreno para construção inscrito sob o artigo n.º ... na freguesia de ... (...) com o valor patrimonial de 207. 260,00 € (documentos 2 e 3);
  2. O referido lote destina-se à construção de um equipamento de lazer e desporto e encontra-se avaliado com o coeficiente de avaliação de “serviços”, não sendo possível atribuir-lhe outro fim, por força do loteamento aprovado e licenciado e como expressamente consta do alvará de licenciamento (documentos 2 e 3);
  3. A Requerente foi notificada pela Requerida da liquidação do AIMI n.º..., no valor de 829,04 € (documento 1);
  4. A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado do imposto liquidado, em 22.02.2018. (documento 1).

 

Factos não provados

22. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

 

Motivação

23. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

24. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

25. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Questão decidenda

26. A questão decidenda prende-se com saber se a norma que exclui do AIMI os imóveis ou prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, deve ser interpretada de forma a abranger os terrenos em construção licenciados para fins comerciais, industriais ou de serviços, justificando, no caso concreto, a invalidade da liquidação AIMI nº..., no valor de 829,04€.

 

3.4.1. Origem, natureza e incidência do AIMI

27. A história do AIMI está feita e é sobejamente conhecida. No rescaldo da crise económica e financeira, ele foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017[1], por via do aditamento ao CIMI do artigo 135.º - A e seguintes até ao artigo 135.º - K, passando a constituir o capítulo XV do respetivo código, introduzindo uma tributação especial do património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.  O n.º 2 do artigo 1.º do CIMI foi alterado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2018, passando a enunciar:

 

2 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança e da previsão de deduções à coleta de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”

 

28. O objetivo, assumido pelo referido Orçamento de Estado, consistiu em alargar a base de financiamento da Segurança Social através de um imposto recaindo sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, numa lógica de reforço da progressividade global do sistema[2]. Não está em causa, para este tribunal, saber se o AIMI é um meio adequado à prossecução desse fim, nomeadamente se for verdade que o aumento da tributação do património tende a repercutir-se negativamente no respetivo valor, com potenciais efeitos noutros impostos[3]

29. Como se depreende do Relatório do Orçamento para 2017 (p. 60) - a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, pretende adequar-se ao princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

30. À semelhança do regime do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), são sujeitos passivos do AIMI, os “proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respetivos prédios”, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou coletivas, equiparando-se a estas "quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal" (n.º 1 e n.º 2 do artigo 135.º - A do CIMI).

31. Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente da qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, que o AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real, próximo do um imposto geral sobre o imobiliário (n.º 2 do artigo 135.º-A do CIMI).

32. O AIMI veio substituir a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. No entanto, com ele não se pretende onerar primeiramente a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado sobre que o AIMI objetivamente incide pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor. Nos termos do artigo 135.º - B do CIMI, “o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

33. A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600.000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

34. No entanto, na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação dos mesmos. Assim, a exclusão da incidência não foi levada a cabo com base na atividade económica empresarial a que os imóveis se encontram adstritos.  Nos termos do n.º 2 do artigo 135.º - B do CIMI, “são excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.” Ou seja, nos termos do teor literal, estão abrangidos pela incidência objetiva do AIMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6.º n.º 1 alíneas a) e c) do CIMI, e isto, no que a estes últimos diz respeito, independentemente da afetação potencial que lhes venha a corresponder.

35. No sentido de descortinar alguma racionalidade nesta solução sustentou-se que, tendo o AIMI em vista não agravar os custos não salariais da mão-de-obra, isso pode explicar a sua não aplicação às pessoas coletivas detentoras de prédios destinados a atividades comerciais, industriais e serviços, na medida em que a detenção de prédios desses tipos por pessoas coletivas está normalmente associada ao exercício dessas atividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras.[4]

36. Esta interpretação das normas de incidência do AIMI parece pressupor o objetivo de evitar a dupla tributação, entendida aqui como tributação do mesmo rendimento duas vezes na esfera jurídica da mesma entidade. Dizia-se, com efeito, que “não será completamente desprovida de explicação objetiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.” [5]

37. O artigo 135.º - C n.º 1 do CIMI dispõe que “[o] valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.” O número 2.º prevê, nas alíneas a) e b), a dedução ao valor tributável da importância de 600.000 € quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa. No caso das pessoas coletivas não está prevista qualquer dedução.

 

 

3.4.2. AIMI, terrenos para construção e edifícios afetos a comércio, indústria e serviços  

38. A resposta à questão decidenda não se tem revelado isenta de controvérsia. Pelo contrário, a mesma desencadeou uma divergência significativa na jurisprudência do CAAD, exprimindo diferentes abordagens à interpretação e aplicação das normas legais de natureza tributária. Para uma primeira corrente jurisprudencial, o argumento literal é um arrimo hermenêutico inicialmente invocado a favor da tributação dos terrenos de construção, embora não seja necessariamente o ponto de chegada da interpretação jurídica. Com efeito, tem-se em vista o artigo 9.º do Código Civil onde se dispõe que:

 

“A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”

 

39. Todavia, para a orientação jurisprudencial em apreço parece ser muito importante o n.º 2 do mesmo preceito, que dispõe: 

 

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”

 

De acordo com o aí disposto, os apelos à ratio legis, à unidade do sistema jurídico e às circunstâncias em que a lei foi elaborada não podem prescindir de um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeita.  Ora, no entendimento jurisprudencial em análise, o preceito negativo de incidência do AIMI, do n.º 2 do artigo 135.º - B do CIMI, mantém a tributação dos prédios habitacionais e dos terrenos em construção referidos no artigo 6.º n.º 1 alíneas a) e c) do CIMI, apesar de ser muito fácil ao legislador proceder à sua exclusão expressa ou distinguir dentre as categorias de terrenos para construção, de acordo com a afetação, coisa que não fez[6].  Além do mais, sublinha-se que a estrutura normativa criada para o AIMI consiste numa regra de abrangência geral, sobrepondo-se aos imóveis sujeitos a IMI, seguida de um regime excecional de exclusão da incidência relativamente a determinado tipo de prédios[7].

40. Para esta orientação, o elemento literal sugere que não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação e à atividade económica das pessoas coletivas. Tendo sido suprimida a alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, parece inequívoca a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação.

41. Do ponto de vista do elemento literal-gramatical, considera-se relevante a distinção, para efeitos de incidência objetiva, entre imóveis já construídos e afetos a fins comerciais, industriais ou de serviços, por um lado, e terrenos para construção, por outro. A seu favor, esta orientação jurisprudencial sempre poderia invocar a ideias – em todo o caso pressupostas na argumentação expendida – de que, no exercício da sua autonomia conformadora e regulatória de natureza socioeconómica e fiscal, o legislador, em sede de incidência objetiva, procedeu à delimitação de duas categorias de imóveis, assegurando a uniformidade e igualdade de tratamento fiscal dentro de cada uma delas[8].

42. Nesta delimitação da incidência objetiva parece que o critério adotado pretendeu ser universalmente aplicável, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios, não havendo razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, antes, pelo contrário, a questão terá sido devidamente ponderada, tendo por isso sido abandonada na redação final.

43. Uma outra linha de raciocínio a favor da tributação dos terrenos para construção – que suporta a orientação jurisprudencial em análise – prende-se com a consideração do valor patrimonial. O mesmo remete a discussão para o elemento formal ou quantitativo do facto tributário. Parte-se do princípio de que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Tanto basta, de acordo com este ponto de vista, para justificar a tributação destes imóveis pelo AIMI. Na distinção clássica entre potência e ato, a potência já é facto tributário.

44. Esta argumentação não se assume como meramente conceitual ou formalística, invocando a seu favor a existência de um mínimo de racionalidade económica na opção do legislador, suscetível de redimir constitucionalmente a delimitação categorial em presença. Neste sentido, sustenta-se que se está perante factos tributários diversos. “Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um ativo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à atividade produtiva.”[9] De acordo com este entendimento, estar-se-ia aqui diante de uma delimitação categorial não arbitrária, dotada de fundamento material bastante[10]. Só não seria assim, poder-se-ia acrescentar, se essa delimitação servisse objetivos hostis ou opressivos – constitucionalmente suspeitos – relativamente a um sujeito passivo ou a uma determinada classe de sujeitos passivos[11].

45. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do deste artigo, o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

46. Segundo o estipulado no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, na fixação dessa percentagem são levadas em conta as características correspondentes ao coeficiente de localização, relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI). De acordo com este entendimento, a propriedade de um terreno para construção é em si mesma indicativa de capacidade contributiva, encontrando-se inteiramente justificada a sujeição a AIMI.

47. Uma terceira linha argumentativa que se deteta nesta orientação jurisprudencial prende-se com a existência de diferenças fundamentais entre os edifícios afetos a atividades comerciais, industriais ou de serviços, por um lado, e os terrenos de construção, por outro lado, capazes de justificar a não tributação dos primeiros e a tributação dos segundos. A primeira diz respeito ao facto de um terreno para construção ainda não estar a ser utilizado para uma atividade produtiva, diferentemente do que normalmente sucede com um prédio urbano afeto ao comércio, indústria e serviços, relativamente aos quais se pode razoavelmente presumir que quem tem um prédio urbano classificado como comercial, industrial ou para serviços desenvolve uma atividade económica que, através dos descontos devidos pela entidade patronal, contribuindo já para o financiamento da segurança social[12]. Ainda que essa presunção possa não ter confirmação em todos os casos concretos, a mesma não deixa de ter subjacente uma dose suficiente de realidade.

48. A segunda diferença fundamental diz respeito ao facto de que, relativamente a essas empresas, o governo tem um interesse compreensível em “mitigar o impacto do AIMI sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”, com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais”[13]

49. Subjacente a esta orientação encontra-se o facto de que os impostos também podem desempenhar, pela negativa, uma função de despesa fiscal. O sistema fiscal pode ser utilizado para incentivar ou proteger determinadas atividades económicas, do ponto de vista da sua utilidade para a sociedade globalmente considerada. A não tributação os imóveis afetos a atividades comerciais, industriais e agrícolas surge aqui como uma espécie de despesa fiscal, compensada pelo facto de, presumivelmente, os seus proprietários, em sede empresarial, já contribuírem indiretamente para o financiamento da segurança social.

50. Os objetivos e propósitos da tributação incluem o uso intencional das formas de tributação para promover resultados económicos e sociais considerados politicamente desejáveis. Mesmo que este raciocínio não tenha sido levado às últimas consequências pelo legislador – já que este não garantiu, em todos os casos, que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica – ainda assim se pode afirmar que aquela presunção e esse interesse se podem fazer valer em termos tendenciais.

51. Por outro lado, e este é um outro nesta linha de argumentação, o facto de o terreno para construção em causa, se encontrar, segundo a caderneta fiscal, licenciado para uma dessas finalidades não é, em abstrato, uma situação imutável. O facto de o terreno para construção ter sido licenciado para comércio, indústria ou serviços retira-lhe a natureza de simples terreno para construção, fazendo-lhe corresponder um VPT passível de tributação pelo AIMI como património objetivo e autónomo, no momento do facto gerador, não sendo legalmente possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídica, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício e não antes dela. Um terreno para construção não é igual conceitual, formal, material ou economicamente idêntico a um prédio urbano para habitação ou classificado como comercial, industrial ou para serviços, não tendo por esse motivo que estar sujeito exatamente ao mesmo tratamento fiscal.

52. De acordo com este entendimento, o legislador detém uma razoável margem de manobra legislativa e regulatória em matéria económica, ficando o respeito pelos princípios da igualdade tributária plenamente assegurando com a aplicação uniforme e não discriminatória das normas tributárias aos proprietários dos prédios urbanos de cada uma das categorias, uma vez estabelecido que as mesmas não são arbitrárias. Juridicamente relevante para a tributação em AIMI, relativamente a terrenos para construção, independentemente da entidade que seja seu titular, é a realidade objetiva no momento do facto tributário e da exigibilidade do imposto em causa, até porque nem sempre é difícil alterar o destino previsto para a utilização do mesmo terreno para construção, o que a acontecer, constituiria uma forma de evasão, eventualmente planeada.

53. De acordo com este entendimento, a solução encontrada não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica e formal. O imposto que recai sobre os terrenos em construção independentemente da afetação para comércio, indústria ou serviços encontra-se devidamente tipificado, resultando claro do teor literal do preceito, sendo suscetível de atingir todos os particulares proprietários dos terrenos satisfazendo critérios legais de previsibilidade, igualdade, segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos.

54. A isto acresce que os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, sendo indiscutivelmente princípios estruturantes do sistema fiscal, não se aplicam de igual maneira a todos os impostos. Mesmo por razões de praticabilidade, o sistema não está em condições de assegurar uma igualdade material plena e perfeita em sede de IRS, IRC, IVA, IMI, IMT ou ISV, sem querer ser exaustivo[14]. O caso do IVA é paradigmático, na medida em que o mesmo acaba por ser, na prática, um imposto regressivo por incidir com especial impacto em consumidores mais pobres e por isso com maior propensão para o consumo e para quem todo o rendimento gasto tem elevada utilidade marginal. Em última análise, a avaliação da justiça do sistema fiscal dependerá não tanto da consideração de cada imposto individualmente considerado, mas da justiça do sistema globalmente considerado e da sua articulação com a despesa pública.

55. Esta orientação jurisprudencial – por nós aqui descrita e considerada com toda a seriedade e o máximo respeito que a mesma indiscutivelmente merece – não obstante poder invocar a seu favor argumentos de peso não negligenciável e reunir apoios doutrinais e jurisprudenciais entre nós e noutros quadrantes, tem sido rejeitada na jurisprudência arbitral nacional por uma outra, que lhe assaca a debilidade hermenêutico-jurídico de se basear numa conceção demasiado ampla da discricionariedade do legislador fiscal, resultante de uma correspetiva interpretação minimalista dos valores da igualdade tributária, da equidade horizontal e da atenção à capacidade contributiva ínsitos nos princípios constitucionais do Estado de direito e do Estado social. E o problema é tanto mais grave quanto é certo que a atividade tributária é de entre as funções do Estado uma das que pode produzir um mais intenso efeito intrusivo e ablativo na relação entre o Estado e os particulares, apresentando por isso especial delicadeza constitucional.

56. Neste contexto, não pode ser descurado que os princípios da igualdade tributária, da equidade horizontal e do respeito pela capacidade contributiva (artigos 13.º, e 104.º, n.º 3, da CRP e 4.º n.º 1, 5.º e 55.º da LGT) pretendem constituir um parâmetro normativo de orientação e controlo da atividade do legislador fiscal[15]. A consideração da força normativa destes princípios no caso concreto requer, por isso, um esforço ulterior de densificação interpretativa, assente basicamente nos seguintes argumentos, ou, se se preferir, nos seguintes passos de um mesmo argumento fundamental.

57. Em primeiro lugar, deve começar por sublinhar-se o caráter inicial, incompleto e insuficiente do elemento literal de interpretação das normas legais e a consequente necessidade de se adotar uma interpretação teleológica, sistemática e em conformidade com a Constituição e o respetivo sistema de valores, princípios e regras.  A adotar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo inconciliável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a comércio, indústria e serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material suficiente, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.

58. Subjacente a este entendimento encontra-se a noção segundo a qual, ao estabelecer as normas positivas ou negativas de incidência objetiva do AIMI – como faz no artigo do 135.º- B do CIMI – o legislador não dispõe de uma margem de discricionariedade ilimitada para distinguir entre diferentes categorias de prédios urbanos (v.g. terrenos para construção; prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços), mesmo que trate os respetivos proprietários de forma igual dentro de cada categoria.  O princípio da igualdade perante os encargos públicos não se esgota num entendimento meramente formal da igualdade.

59. Esta linha de orientação obriga a que se proceda, num primeiro momento, à análise dos propósitos que estiveram na base da criação do AIMI e depois se pergunte se a distinção entre terrenos em construção e prédios urbanos afetos a comércio, indústria e serviços pode ser racional e proporcionalmente relacionada com esses propósitos. Como se viu anteriormente, a finalidade do AIMI consistiu em alargar a base de financiamento da segurança social minimizando o impacto na atividade económica, sendo à luz da mesma que se deve avaliar a racionalidade da distinção entre terrenos para construção e prédios urbanos afetos a comércio, indústria e serviços tendo em conta os princípios constitucionais da igualdade tributária –  no seu corolário de equidade horizontal – e da capacidade contributiva.

60. Um segundo argumento, plenamente derivado do primeiro, aponta para o facto de que a tributação deve obedecer a critérios de igualdade, equidade horizontal e capacidade contributiva, não podendo o legislador ignorar de forma arbitrária estes princípios quando procede à delimitação conceitual e categorial, para efeitos de determinação da incidência subjetiva ou objetiva dos impostos. Articulando os dois argumentos, pode dizer-se que as distinções categoriais efetuadas pelo legislador devem ser avaliadas pela jurisdição tributária à luz da finalidade por aquele prosseguida e da sua conformidade com os princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Insista-se, a igualdade perante os encargos públicos não pode ser entendida em termos meramente formais, devendo subordinar-se a princípios de justiça material. 

61. Isso não significa evidentemente, que se espere uma igualdade material plena e perfeita em sede de IRS, IRC, IVA, IMI, IMT ou ISV. No caso da tributação do património imobiliário, a dificuldade em garantir uma total equidade entre sujeitos passivos é geralmente reconhecida[16]. Também não se rejeita a ideia de que, num Estado social, a avaliação final da justiça do sistema financeiro público passa não apenas pela análise de cada imposto individualmente considerado, mas também pela avaliação do sistema fiscal no seu todo e da própria racionalidade, eficiência e justiça da despesa pública.

62. Não obstante, a verdade é que mesmo no seio de cada imposto as distinções categoriais efetuadas pelo legislador fiscal devem estabelecer uma relação proporcional com as diferenças fáticas existentes, sindicável, nos seus contornos, pela justiça tributária. Por exemplo, dificilmente esta poderia aceitar, do ponto de vista constitucional, uma opção legislativa que sujeitasse o caviar a uma taxa reduzida de IVA e submetesse o pão e as massas a uma taxa mais elevada, tendo em conta a inexistência de qualquer homologia funcional entre essas categorias de produtos, o seu diferente significado económico e social e o respeito devido aos princípios constitucionais de razoabilidade, justiça, igualdade material e capacidade económica.

63. A não ser sufragada esta interpretação, assistir-se-ia, na prática, ao enfraquecimento da normatividade substancial destes princípios, de consagração constitucional e legal explícita, à erosão do princípio da interpretação das leis fiscais em conformidade com a Constituição e ao substancial esvaziamento do controlo jurisdicional da atividade do legislador fiscal. Este gozaria de uma margem de discricionariedade e conformação quase ilimitada, ficando as categorizações económicas e fiscais por ele delineadas praticamente imunes a sindicância jurisdicional. A preterição dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva pelo legislador fiscal encontra um obstáculo não despiciendo no constitucionalmente estruturante princípio do Estado social, e nomeadamente dos seus corolários da justiça social e da economia social de mercado[17].

64. À luz destas considerações – respeitantes às finalidades do legislador e aos princípios constitucionais fiscais que conformam a sua atividade – a exclusão da incidência objetiva do AIMI dos prédios urbanos edificados afetos a comércio, indústria e serviços e simultânea tributação dos terrenos para construção a que tenha sido dada uma afetação comercial, industrial ou de serviços, não é racionalmente justificável, não assegura a equidade horizontal entre proprietários de imóveis destinados a comércio, indústria e serviços nem exprime devidamente a respetiva capacidade contributiva. 

65. E este é um terceiro argumento – de resto não ignorado pela AT – assente no facto de que o legislador, apesar de ter afastado da incidência do AIMI os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou de serviços, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas – mesmo das que já contribuem para a segurança social através dos descontos da taxa social única respeitante aos trabalhadores – como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

66. O argumento segundo o qual as empresas que já pagam taxa social única não devem por esse motivo pagar o AIMI dos prédios afetos a comércio indústria e serviços deveria valer para todos os prédios e não só para esses. Ora, a redação do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica.  Ou seja, o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica.

67. O problema é que não se percebe racionalmente quais foram os critérios utilizados na delimitação das categorias positivas e negativas de incidência objetiva, do ponto de vista dos fins prosseguidos pelo legislador e dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Se a preocupação foi a de “evitar o impacto deste imposto na atividade económica”, não se percebe por que não foram utilizados indicadores objetivos de capacidade contributiva, tendo antes o legislador aberto as portas à não tributação de empresas com maior capacidade contributiva e à tributação de empresas sem ou com muito reduzida capacidade contributiva. A ausência de critérios objetivamente inteligíveis é especialmente problemática, do ponto de vista do princípio do Estado de direito, na medida em que este alimenta uma exigência de racionalidade e proibição do arbítrio na atuação estadual.

68. Do mesmo modo, se o critério foi o da utilização efetiva do prédio para a atividade económica, também isso não corresponde à formulação legislativa adotada. A tentativa de justificar a solução literalmente consagrada no n.º 2 do artigo 135.º - B do CIMI dizendo simplesmente que um terreno para construção ainda não esta a ser utilizado para uma atividade produtiva, contrariamente ao que normalmente sucede com um prédio urbano afeto ao comércio, indústria e serviços, não se revela suficiente. Mesmo prédios edificados afetos a esses fins podem ainda não estar a ser efetivamente utilizados para atividade económica, se considerarmos que pode existir a edificação, mas estar ainda em fase de comercialização.

69. Com efeito, tanto um terreno para construção como um edifício comercial, industrial ou para serviços ainda em fase de comercialização não estão ainda ao serviço efetivo de uma atividade comercial, industrial ou serviços ainda que seja essa a utilização autorizada ou prevista. Na verdade, o legislador não adotou um critério de efetiva utilização ou indispensabilidade dos imóveis à atividade económica.

70. Esta dificuldade em discernir um critério racional e constitucionalmente adequado subjacente à opção do legislador é expressamente reconhecida por alguma jurisprudência arbitral, quando diz que “não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efetiva afetação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.[18]

71. Neste domínio, o legislador utilizou apenas uma distinção formalística, sem atender à substância socioeconómica e à relevância fiscal da afetação do imóvel, como indicador mensurável de capacidade contributiva de cada sujeito passivo.  Ele deu primazia à forma sobre a substância, diferentemente do que é geralmente preconizado em matéria fiscal, onde vale o princípio da primazia da substância sobre a forma. De acordo com a solução literal, empresas que já contribuem indiretamente para a segurança social por via da taxa social única dos trabalhadores podem não ser tributadas em AIMI por serem proprietárias de prédios afetos à atividade comercial, industrial ou de serviços, mesmo que os mesmos reflitam a existência de significativa capacidade contributiva, ao passo que outras empresas podem ser tributadas por terrenos para construção licenciados para essas atividades, ainda que tenham uma capacidade contributiva significativamente menor.

72. A inaptidão dos terrenos para construção para fornecerem um indicador satisfatório da capacidade contributiva dos seus proprietários foi assinalada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 250/2017, de 24 de maio, quando afirmou que “por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.” 

73. Esta realidade é particularmente relevante, além do mais, do ponto de vista do princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) e do imperativo legal de que os impostos devem “assentar essencialmente na capacidade contributiva” revelada, nomeadamente, através do rendimento ou do património (art. 4.º n.º 1 da LGT). Embora as expressões “fundamentalmente” e “essencialmente” apontem para alguma flexibilidade na compreensão das normas em análise, a verdade é que, na propriedade de empresas, os terrenos para construção “constituem bens destinados a ser transacionados, não sendo indício de capacidade contributiva mas uma condição necessária ao exercício duma atividade económica, à semelhança do que ocorre com uma sociedade que seja titular mercadorias de outro tipo, que detenha para comércio no âmbito da sua atividade”.[19] Trata-se aí, frequentemente, não de rendimento ou património, mas de fatores de produção economicamente orientados para a geração de rendimento[20]. Mesmo que se entenda não resultar daqui uma proibição absoluta de aplicação do AIMI a alguns setores de atividade económica, sempre há de resultar um especial cuidado – em sede de racionalidade, igualdade, proporcionalidade e consideração da capacidade contributiva – na delimitação e definição das suas normas de incidência e taxas.

74. Por outro lado, se a capacidade contributiva é determinada pelo valor do património, não fica clara a razão pela qual patrimónios de valor igual (v.g. 200.000€) podem ser fiscalmente tratados de forma tão distinta (v.g. um terreno para construção destinado ao comércio será sujeito a AIMI e um prédio urbano comercial será excluído do AIMI) ao passo que outros patrimónios de valor tão distinto (v.g. dois prédios urbanos afetos à atividade comercial, um no valor de 200.000 € e outro de 2.000.000 €) podem ser fiscalmente tratados de maneira igual, não pagando qualquer AIMI. Semelhante resultado dificilmente se deixará plausibilizar do ponto de vista dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva, proporcionalidade e proibição do excesso, sendo refratário a uma justificação materialmente convincente à luz de uma compreensão constitucionalmente adequada da unidade, coerência e justiça do sistema fiscal[21].

75. Sendo, no âmbito do AIMI, o facto tributário escolhido como indício de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não é de todo coerente, do ponto de vista da justiça do sistema, não aplicar o tributo a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios. Com efeito, no entendimento deste tribunal, não basta afirmar a existência de um mínimo de fundamento material suficiente para distinguir entre terrenos para construção e edifícios já construídos afetos a fins comerciais, industriais ou de serviços, nem é suficiente discernir a diferença substancial entre eles no facto de que estes últimos são suscetíveis de estar, ou de serem imediatamente afetados, às atividades a que se destinam, ao contrário dos primeiros. O respeito material pelos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva requer, além disso, que a diferença de tratamento fiscal seja proporcional às diferenças material-fácticas e económicas existentes dos dois tipos de prédios. 

76. Do ponto de vista da unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que tem valor hermenêutico e metódico decisivo, por força do princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica – conformada pelos princípios da igualdade tributária, equidade horizontal e capacidade contributiva – deve interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como comércio, indústria e serviços como expressando uma intenção legislativa objetiva de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.

77. Esta linha de orientação tem o mérito de reconhecer o caráter paramétrico dos princípios constitucionais de igualdade tributária, equidade horizontal e consideração da capacidade contributiva. De acordo com a mesma, as classificações categoriais empregues pelo legislador na delimitação da incidência subjetiva e objetiva dos impostos, têm que ser racionalmente adequadas, necessárias e proporcionais relativamente aos fins constitucionalmente legítimos por ele prosseguidos, devendo as diferenciações operadas entre contribuintes e imóveis corresponder, em termos proporcionais, às diferenças fácticas existentes em sede de capacidade contributiva. Este ponto é especialmente importante atendendo à intensidade intrusiva e ablativa do direito fiscal.

 

  3.4.3. Aplicação da orientação adotada ao caso concreto

 

78. O caso concreto permite observar os efeitos a que uma interpretação literal do artigo 135.º - B n.º2 do CIMI conduziria. Empresas, como a Requerente, que sejam proprietárias de lotes de terreno para construção destinadas a um equipamento de lazer e desporto e avaliado com o coeficiente de “serviços”, não sendo possível atribuir-lhe outro fim, por força do loteamento aprovado e licenciado e como expressamente consta do alvará de licenciamento, não apenas terão dificuldade prática em conseguir alienar o imóvel – o que em si mesmo já é economicamente equivalente a suportar um imposto sobre a propriedade[22] – como são adicionalmente oneradas em relação à generalidade das empresas, a pretexto de uma suposta capacidade contributiva, na realidade meramente presumida e aparente, como reconheceu o próprio Tribunal Constitucional.  

79. A Requerente afirma deter como única existência afeta à sua atividade económica o lote em causa, que tem tentado comercializar, sem qualquer sucesso, estando a suportar os custos inerentes à sua titularidade, nomeadamente o IMI, com recurso ao suprimento dos seus sócios, atendendo a que não retira qualquer rendimento do ativo que possui, tratando-se ele de um lote para construção, sem qualquer rentabilidade como tal, e com uma afetação “serviços” que lhe retira a maioria do potencial de comercialização. Uma qualquer empresa em situação semelhante, que enfrente problemas de liquidez e se veja obrigada à liquidação, constituirá certamente um exemplo de menor capacidade contributiva do que a evidenciada por uma outra qualquer empresa proprietária de um imóvel afetado à atividade comercial, industrial ou de serviços que esteja efetivamente a ser utilizado para a atividade económica produtiva.

80. Tendo em conta o caso concreto, mas sem deixar de considerar as refrações nos casos idênticos, entende este tribunal que a orientação jurisprudencial arbitral, sufragada num número considerável de casos, no sentido da interpretação extensiva da exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como comércio, indústria e serviço – como expressando uma intenção legislativa objetiva de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção de prédios destinados às mesmas finalidades – é a que melhor traduz o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição, no sentido de que, diante de várias interpretações possíveis, e no quadro de uma ponderação de bens razoável e proporcional, permite a efetivação dos princípios constitucionais, previne a sua desnaturação e dissolução hermenêutica e metódica, promove a finalidade do legislador de ampliação das fontes de financiamento da segurança social com redução do impacto do AIMI sobre a atividade económica e atende à diferenciada capacidade contributiva dos proprietários dos diferentes tipos de prédios urbanos, devidamente indiciada. 

81. Pelos motivos expostos, conclui o presente tribunal que deve ser interpretada extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º- B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como comércio, indústria e serviços, como expressando uma intenção legislativa objetiva de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção de prédios com a mesma afetação.

3.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

82. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

83. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

84. Apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

85. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

86. No caso, a ilegalidade da liquidação não resulta de inconstitucionalidade, mas sim da interpretação que se deve fazer do n.º 2 do artigo 135.º-B e do n.º 3 do artigo 135.º- C do CIMI, não tendo aqui aplicação o argumento da inexistência de direito a juros indemnizatórios nos casos em que a ilegalidade da liquidação deriva de inconstitucionalidade. A ilegalidade desta liquidação imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar. Os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Declarar a ilegalidade do ato tributário de liquidação do AIMI nº..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do nº 1 do artigo 135.º- G do CIMI, procedendo-se, consequentemente, à anulação do mesmo, por padecer de erro nos pressupostos de facto e de direito;
  2. Julgar procedente o pedido de restituição à Requerente da quantia de 829,04 €, paga relativamente à liquidação n.º..., bem como o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente aquela quantia acrescida de juros indemnizatórios sobre ela calculados, à taxa legal, desde a data do pagamento até emissão da respetiva nota de crédito.

 

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 829,04 €, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em €306,00 nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de abril de 2019

 

O Árbitro

 

 

Jónatas Machado

 

 

 

 



[1] Nos termos do artigo 218º Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, o artigo 1.º n.º 2 do CIMI passou a dispor: “O adicional ao imposto municipal sobre imóveis, deduzido dos encargos de cobrança, constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”

[2] Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15.01.2019.

[3] John A. Swai, “The Taxation of Private Interests in Public Property: Toward a Unified Theory of Property Taxation”, 2000 Utah Law Review, 421 ss., sublinhando que “the property tax can be viewed as a tax on the value of the use of taxable property during the tax year”.

[4] Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15.01.2019.

[5] Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15.01.2019.

[6] Neste sentido, Acórdão Arbitral n.º 654/2017 –T, de 03.09.2018.

[7] Neste sentido, Acórdão Arbitral n.º 667/2017 – T, de 05.09.2018.

[8] Neste sentido, Acórdão Arbitral n.º 654/2017 –T, de 03.09.2018.

 

[9] Acórdão Arbitral n.º 664/2017 -T, de 26.06.2018.

[10] Acórdão Arbitral n.º 664/2017 -T, de 26.06.2018., onde é esclarecido este entendimento: “Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é suscetível de ser objeto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edifício para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa atividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).”

[11] Este complemento doutrinal pode colher-se nalguma jurisprudência constitucional fiscal norte-americana, William B. Baker, “The Three Faces of Equality: Constitutional Requirements in Taxation”, 57, Case Western Reserve University, 2006, 1 ss.

[12] Neste sentido, Acórdão Arbitral n.º 654/2017 –T, de 03.09.2018.

[13] José Maria Pires, O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, 50

[14] Sublinhando este ponto, Acórdão Arbitral n.º 667/2017 –T, de 05.09.2018.

[15] John A. Swai, “The Taxation of Private Interests in Public Property: Toward a Unified Theory of Property Taxation”, 2000 Utah Law Review, 421 ss. e 435 ss., sublinhando que o sistema fiscal deve ser avaliado com base em critérios de equidade horizontal e vertical, a que acrescenta a eficiência económica e a praticabilidade administrativa, sublinhando a inevitabilidade de um compromisso entre a equidade e os custos administrativos.

[16] Darien Shanske, “Revitalizing Local Political Economy Through Modernizing the Property Tax”, 68, New York University Tax Law Review, 2014, 143 ss., 148 ss.

[17] Cfr. artigo 3.º n.º 3 do Tratado da União Europeia.

[18] Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 05.01.2018

[19] Sublinhando este ponto, Acórdão Arbitral n.º 603/2017 –T, de 27.06.2017.

[20] Neste sentido, Acórdão Arbitral n.º 668/2017 –T, de 24-04-2018.

[21] Cfr. Acórdão Arbitral n.º 603/2017 –T, de 27.06.2017. Em sentido convergente, no âmbito da tributação da propriedade, Amnon Lehavi, “The Taking/Taxing Taxonomy”, 88, Texas Law Review, 2010, 1235 ss., 1275, sublinhando o indeclinável papel do controlo jurisdicional da observância, pelo poder de tributar, dos princípios constitucionais de igualdade, proporcionalidade e proibição do arbítrio, tendo em vista “extirpar decisões arbitrárias e caprichosas”, que se apresentam “sem qualquer justificativa razoável ao serviço de um objetivo governamental legítimo”, de forma a evitar os abusos daquele que é, doutra forma, um poder legítimo.

[22] Sublinhando este ponto, William K. Jaeger. “The Effects of Land-Use Regulations on Property Values”, 36, Environmental Law, 2006, 105 ss.