Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 447/2018-T
Data da decisão: 2019-07-17  IUC  
Valor do pedido: € 41.420,84
Tema: IUC – incidência subjetiva e exigibilidade do imposto.
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A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral constituído em 20.11.2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A... SUCURSAL EM PORTUGAL, adiante designada por Requerente, pessoa coletiva n.º..., domiciliada na Rua..., ..., Lisboa, área do ... Serviço de Finanças de Lisboa, domiciliado na Rua..., ..., Lisboa, na qualidade de incorporante, por fusão, da sociedade, entretanto extinta, B...– INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA (“A...”, doravante), anterior pessoa coletiva n.º..., que tinha sede na mesma morada, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral no dia 10.09.2018, o qual foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na qualidade de Requerida.

 

A Requerente contesta a legalidade do despacho de indeferimento, datado de 30.05.2018, da DF de Lisboa, que indeferiu o pedido de Revisão Oficiosa apresentado contra 602 liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios (JC) relativas aos anos de 2009 a 2014, inclusive, no total de € 41.420,84, bem como a legalidade destas mesmas liquidações.

A Requerente fundamenta o seu pedido, globalmente, no facto de as liquidações se referirem a viaturas cujo sujeito passivo de IUC já não era, no momento em que ocorreu o facto tributário, a A... (sociedade que incorporou).

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 31.10.2018, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20.11.2018.

 

No dia 18.12.2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

Através de despacho de 15.03.2019 – nessa data notificado às Partes -, este Tribunal comunicou às Partes a faculdade de apresentarem alegações escritas, tendo conferido à Requerente o prazo de 10 dias contados da notificação desse despacho e à Requerida o mesmo prazo contado da apresentação das alegações pela Requerente ou do termo do prazo para o efeito. Nesta data (30.04.2019) constata-se que ambos os prazos se encontram esgotados, pelo que poderá ser proferida decisão arbitral, cujo prazo termina a 20.05.2019 (prazo do qual as Partes foram advertidas em tempo oportuno, tal como, no caso apenas a Requerente, da necessidade de efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente).

 

Resumo da posição da Requerente

 

A Requerente defende que a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao proceder às liquidações impugnadas, se baseou unicamente na informação constante do Registo Automóvel (IRN – Instituto de Registos e Notariado, e IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), a qual não seria atual nos casos de falta de “averbamento” de qualquer locatário e de as viaturas ainda se encontrarem registadas em nome da A... nas datas da exigibilidade do IUC (datas de aniversário das viaturas) apesar de já terem sido alienadas nessas datas.

 

A Requerente informa que foram anexados ao pedido de Revisão Oficiosa os seguintes documentos:

- Documento n.º 1: Quadro resumo relativo às 602 Autoliquidações do IUC respeitantes aos veículos identificados pelo respetivo número de matrícula;

- Documento n.º 2: Dossier referente a cada uma das viaturas em análise que inclui cópia dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, bem como as faturas de venda, consoante os casos;

- Documento n.º 3: Quadro relativo às viaturas alocadas a contrato de locação financeira e a contratos de locação operacional com promessa de compra e venda;

- Documento n.º 4: Quadro relativo às viaturas que foram alienadas antes da data de exigibilidade do IUC.

 

Resumo da posição da AT

 

A AT entende, genericamente, que o entendimento propugnado pela Requerente decorre de uma enviesada leitura da letra da lei e da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

 

Sobre a jurisprudência invocada pela Requerente, a AT salienta que a mesma não tem valor de precedente vinculativo, mas meramente um valor persuasivo. Por outro lado, salienta que a jurisprudência mais recente dos tribunais arbitrais junto do CAAD tem seguido orientação diversa, citando exemplificativamente os processos n.º 126/2014-T e n.º 220/2014-T

 

A AT defende ainda o seguinte:

- A aplicação do artigo 3.º do CIUC deve ser conjugada com o disposto no artigo 19.º do mesmo código, no qual se estabelece que «para efeitos do artigo 3.º do presente código (…), ficam as entidades que procedam à locação financeira, locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados.» Deste modo, a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso seria concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a elisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC, conforme se retira do seu elemento literal (« para efeitos do artigo 3.º do presente código (…)»

- Quanto às liquidações referentes a veículos alineados antes da exigibilidade do imposto, o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

- O legislador tributário, ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

- Note-se que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. Em contrapartida, o normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros. Pelo que, se se entendesse que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção, praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas precisamente porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar tais regras contabilísticas

- Também o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afeta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

- À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efetivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada. E é uma interpretação errada na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel. E isto precisamente porque o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. 

- Quanto aos documentos juntos aos autos pela Requerente para prova do peticionado, entende a Requerida que as faturas e as cópias de contrato de aluguer de veículo sem condutor não são suficientes. As faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes. A inequívoca declaração de vontade dos pretensos adquirentes poderia ser indiciada mediante a junção de cópia do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel, pois trata-se de documento assinado pelas partes intervenientes. Porém, a Requerente não juntou cópias do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel quando podia e devia tê-lo feito, ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior. Acresce que a falta do carácter sinalagmático das faturas poderia ser suprida mediante a prova do recebimento do preço nelas constante por parte da Requerente. A Requerente não juntou prova documental do recebimento do preço quando podia e devia tê-lo feito, ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazerem em momento ulterior, conforme s

- Quanto a juros indemnizatórios e custas, entende a AT não serem os mesmos devidos ou da sua responsabilidade na medida em que o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado e não de acordo com a informação gerada pela própria Requerida. Ora, não tendo a Requerente cuidado da atualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5.º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de fevereiro, e artigo 118.º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível. E ao não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, levou inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registral que lhe foi fornecida por quem de direito. Consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem. O mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pelas Requerentes.

 

Pelas razões expostas, a AT conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

A ação é tempestiva e o processo não enferma de nulidades.

 

Quanto à cumulação de pedidos efetuada pela Requerente, considerando a existência de uma relação direta entre as liquidações tributárias cuja legalidade é questionada no presente processo, nada obsta à apreciação conjunta dos atos tributários em causa, dado que, em face do que vem alegado e da documentação junta, se constata que, no essencial, a eventual procedência do pedido depende das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das normas legais relativas à incidência subjetiva do IUC. Assim, estará em causa essencialmente a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a aplicação das mesmas normas legais acerca da incidência subjetiva do IUC, sendo legal a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º do RJAT e 104.º do CPPT.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos provados

 

  1. A Requerente incorporou a A..., por fusão transfronteiriça, com transmissão global do património (ativos e passivos) da A..., afetação do mesmo património à Requerente (sucursal em Portugal) e consequente extinção da A... .

 

  1. A A... é uma Instituição Financeira que, no âmbito do seu objeto social, pratica operações permitidas aos Bancos, com a exceção da receção de depósitos.

 

  1. No âmbito do seu objeto social, a A... celebra com os seus clientes contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD) e contratos de Locação Financeira (leasing) de veículos automóveis.

 

  1. Tem também celebrado contratos de natureza diversa com os seus clientes, entre os quais se destacam os contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, contratos de locação financeira e contratos de financiamento.

 

  1. A A... adquire viaturas novas aos importadores nacionais C... e D... e por norma faz locações – leasing (locação financeira) ou ALD (aluguer de longa duração) – dessas mesmas viaturas a favor de terceiros.

 

  1. Após o termo de tais contratos, a A... procede à transmissão da propriedade das viaturas aos correspondentes locatários ou a terceiros, por um valor residual.

 

  1. Em casos excecionais, a A... concede crédito/financiamento a terceiros, para a aquisição  automóvel, reservando contudo a propriedade das viaturas.

 

  1. A Requerente foi notificada das liquidações impugnadas, relativas aos anos de 2009 a 2014, no valor total de € 41.420,84.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas, quer de imposto, quer de juros compensatórios, dentro do respetivo prazo limite de pagamento.

 

  1. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa relativamente às liquidações identificadas no ponto anterior, em 02.02.2017, o qual veio a ser processado sob o n.º ...-2017/... .

 

  1. O pedido foi indeferido por despacho de 2018-05-30 da Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.

 

  • Os veículos identificados no documento 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral estavam abrangidos por contratos de locação financeira ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda na data em que ocorreu o facto gerador do imposto.

 

  1. Os restantes veículos que deram origem a liquidações de IUC e juros compensatórios em causa neste processo e que constam da listagem reproduzida no documento 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral já tinham sido alienados pela Requerente na data em que ocorreu o facto gerador.

 

A.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção da árbitra fundou-se nas posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

B. DO DIREITO

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se os factos alegados pela Requerente consubstanciam motivos de exclusão de incidência subjetiva de imposto e se, em consequência, se deve considerar que os atos impugnados enfermam de erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstanciaria um vício de violação de lei determinante da respetiva anulação, com as consequências legais de restituição do imposto e juros pagos indevidamente.

 

A Requerente fundamenta o seu pedido no argumento de não se encontrarem preenchidos os pressupostos de incidência subjetiva previstos no artigo 3.º do CIUC porque, nas datas da exigibilidade do IUC respeitante às viaturas em causa, a A... ou (1) havia locado esses veículos a favor de terceiros, ou (2) não era sequer a proprietária dos veículos em questão, por já os ter vendido a anteriores locatários ou a terceiros.

 

Invoca o disposto no artigo 3.º do CIUC, nos termos do qual os responsáveis pelo pagamento do IUC são os proprietários dos veículos à data da exigibilidade do IUC, ou seja, na data da matrícula ou nas datas de aniversário em relação à data da matrícula (n.º 1 do artigo 3.º do CIUC), e ainda os “(…) locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” na mesma data, uma vez que estes são equiparados aos proprietários dos automóveis (n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma legal).

 

Sustenta que as vendas da A... a terceiros ocorrem na data da emissão das faturas pela A... a esses terceiros compradores – faturas, essas, que portanto titulam as vendas das viaturas – sendo o preço de venda pago à A... na data da emissão da fatura de venda.

 

Refere ainda que o princípio da equivalência – previsto no artigo 1.º do CIUC – é o princípio basilar da tributação em sede de IUC, decorrendo do mesmo que os contribuintes devem ser onerados na medida do impacto ambiental que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando-se, deste modo, o princípio do pagador-poluidor. Nessa medida, o encargo com a imputação do imposto não se pode compadecer com a mera aparência de que serão os causadores desse prejuízo ambiental – e viário – os alegados proprietários do automóvel. Ora, a A... nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, na medida em que se limitou a dar à locação os referidos automóveis e a vendê-los, nos casos em que os contratos de locação já tinham terminado.

 

(1) Veículos abrangidos por contrato de locação financeira, por contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda ou por contrato de aluguer de veículo sem condutor na data em que ocorreu o facto gerador do imposto

 

Foram considerados provados os factos alegados pela Requerente relativamente a este conjunto de liquidações, ou seja, que os veículos aos quais respeita o imposto liquidado através destas liquidações eram objeto de contrato de locação financeira ou equivalente na data em que ocorreu o facto gerador do imposto.

 

Entende a Requerida, contudo, que cabia à Requerente demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do CIUC. Entendemos, contudo, que esta alegação da AT visa sobrepor uma obrigação de cariz formal a uma realidade substancial por si mesma demonstrativa da condição da Requerente como entidade locadora nos contratos subjacentes. O facto de a obrigação prevista no artigo 19.º do CIUC não ter sido cumprida não tem como efeito obnubilar a existência de um contrato de locação nem a condição que dele decorre para as respetivas partes.

 

A este propósito, veja-se, a título de exemplo, o que vem referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 14/2013-T, de 15/10/2013: “o locatário financeiro é equiparado a proprietário para efeitos do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, o mesmo é dizer para ser sujeito passivo do IUC (cfr. n.º 2 do art. 3.º). [...] não dispondo o locador, por imposição legal e contratual, do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, [e reafirmando-se] a conclusão a que já tínhamos chegado de que [...] manda a ratio legis do CIUC que, nos termos do referido n.º 2 do artigo 3.º deste Código, seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes. À mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos locados no artigo 19.º do CIUC. Com efeito, nos termos do disposto neste artigo, as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos ficam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3.º do CIUC (incidência subjetiva), bem como do n.º 1 do artigo 3.º da Lei da respetiva aprovação, uma vez que nos termos desta norma da Lei n.º 22-A/2007, se a receita gerada pelo IUC for incidente sobre veículos objeto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, deve ser afeta ao município de residência do respetivo utilizador (sublinhados nossos). [...] [Mas, apesar dessa obrigação, tal não impede que,] na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigor[e] um contrato de locação financeira que tem por objeto um automóvel, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nºs. 1 e 2, do CIUC, [sendo que o] sujeito passivo do IUC é o locatário mesmo que o registo do direito de propriedade do veículo se encontre feito em nome da entidade locadora, desde que esta faça prova da existência do referido contrato.”

 

Assim, quanto a estas liquidações, por ter ficado provado que, efetivamente, nas datas em que ocorreram os factos geradores, os veículos sobre os quais incide o imposto estavam abrangidos por contratos em que a Requerente ocupava a posição de locadora, considera-se, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do CIUC assistir razão à Requerente, devendo os atos de liquidação ser anulados, por invalidade consequente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentou a liquidação.

 

(2) Veículos alegadamente alienados antes da data da exigibilidade do imposto

 

Quanto ao outro conjunto de liquidações, alega a Requerente que os veículos sobre os quais incide o IUC já tinham sido alienados na data em que o facto gerador do imposto se verificou, pretendendo provar tais factos através de elementos que junta com a designação “dossier de cada veículo” e que contêm as seguintes categorias de documentos:

  • faturas;
  • documentos internos com a designação “listagem de contratos terminados”, de onde constam o cliente, a matrícula, a data de entrega, a data de fim, o valor financiado, o valor faturado e o valor residual em euros e em escudos;
  • documentos com a designação “autorização de débito em conta”;
  • cópias de contratos-promessa de compra e venda de veículos automóveis e respetivas autorizações de débito bancário;
  • cópias de contratos de aluguer de veículo sem condutor;
  • cópias de contratos de aluguer de veículo sem condutor e prestação de serviços;
  • declarações de entrega de veículos;
  • declarações de renúncia ao período de reflexão associadas a contratos de compra e venda de veículos;
  • cartas indicando a receção de contratos de aluguer incompletos;
  • referências para pagamento via multibanco dos valores dos contratos;
  • boletins de adesão a veículos de substituição;
  • fichas de informação normalizada em matéria de crédito aos consumidores (informação pré-contratual).

 

Das faturas constam as seguintes indicações alternativas: “válido como recibo após boa cobrança” ou “documento produzido por computador pelo que não precisa de assinatura. Válido como recibo após boa cobrança. A regularização da presente fatura deverá ser efetuada à A... (Portugal), ..., ..., ...-... ..., cessionária deste débito” ou “agradecemos notem que nesta data efetuamos o seguinte lançamento a débito na vossa Conta-Corrente, referente à viatura em assunto. A regularização do presente documento deverá ser efetuada à A...– Sucursal Portugal, Avenida ..., ..., ...-... Lisboa, cessionária deste débito” ou “documento produzido por computador pelo que não precisa de assinatura. Válido como recibo após boa cobrança. Veículo usado vendido no estado em que se encontra e sem garantia” ou “agradecemos notem que nesta data efetuamos o seguinte lançamento a débito na vossa Conta-Corrente, referente à viatura em assunto. A regularização do presente documento deverá ser efetuada à E..., S.A., Av. ..., ... Lisboa, cessionária deste débito” ou “agradecemos notem que nesta data efetuamos os seguintes lançamentos a débito na vossa Conta-Corrente. A regularização do presente documento deverá ser efetuada à A... – Sucursal Portugal, Avenida ... ..., ...-... Lisboa, cessionária deste débito”.

 

Entende a AT que estas faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, por não revelarem uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

 

A Requerente invoca o disposto no artigo 3.º do CIUC, o qual, em seu entender, estabelece uma presunção implícita de propriedade dos veículos a favor de quem os mesmos se encontrem registados, presunção essa que, por força da aplicação da regra geral prevista no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, é ilidível mediante prova em contrário. Já para a Requerida, o artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção implícita, mas uma verdadeira ficção legal, inilidível.

 

À data dos factos geradores do imposto liquidado através das liquidações impugnadas, o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC estabelecia que:

“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.” 

 

A questão que se discute a propósito desta norma é a seguinte: deverá entender-se que o legislador utilizou a palavra “considerando-se” como poderia ter utilizado a palavra “presumindo-se” ou, pelo contrário, que o legislador quis estabelecer uma ficção legal, vedando a possibilidade de se realizar prova em contrário?

 

Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.” Por outro lado, o n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil esclarece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

 

No que diz respeito às presunções de incidência tributária, determina o artigo 73.º da Lei Geral Tributária que estas admitem sempre prova em contrário.

 

As “ficções legais” consistem, diferentemente, “num processo jurídico que considera uma situação ou um facto como distinto da realidade para lhe atribuir consequências jurídicas”.

 

Ora, contrariamente ao que defende a Requerida, a análise do elemento literal, bem como dos elementos histórico e teleológico presentes na norma em questão conduzem à conclusão de que o legislador não pretendeu estabelecer qualquer ficção legal mas apenas e só uma presunção, ilidível mediante prova em contrário nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária. Tratando-se a norma de incidência prevista no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC de uma norma de incidência tributária, outro entendimento seria claramente contrário aos princípios que regem a relação jurídica fiscal.

 

Quanto ao elemento histórico, importa referir que o CIUC teve a sua génese na criação, através do DL 599/72, de 30 de Dezembro, do imposto sobre veículos, o qual já consagrava expressamente que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados . Por outro lado, o artigo 2.º do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”. 

 

É certo que, no CIUC, o legislador substituiu a expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se”, o que, na perspetiva da Requerida, traduziu a consagração de uma ficção legal, inilidível. Não consideramos, no entanto, que assim seja. A mudança de verbo não consubstancia uma alteração de fundo na norma de incidência, que, a nosso ver, continua a estabelecer uma presunção ilidível mediante prova em contrário – em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 73.º da LGT.

 

Como afirmam DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, na anotação ao n.º 3 do artigo 73.º da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.

 

Em suma, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante. A título de exemplo, refere JORGE LOPES DE SOUSA que no artigo 40.º, n.º 1, do CIRS, se utiliza a expressão “presume-se”, ao passo que no artigo 46.º, n.º 2 do mesmo Código se faz uso da expressão “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal.

 

Quanto ao elemento teleológico, importa referir que o princípio estruturante da reforma da tributação automóvel é justamente o da incidência da tributação sobre o verdadeiro utilizador do veículo, não se coadunando este princípio com a leitura “cega” da letra da lei, que poderia levar, afinal, a tributar quem não fosse proprietário e, dessa forma, quem não fosse o sujeito causador do “custo ambiental e viário” provocado pelo veículo, a que alude o artigo 1.º do CIUC.

 

Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel. 

 

Nesta conformidade, considerando os elementos de interpretação da lei referidos, somos conduzidos à conclusão de que a expressão “considerando-se” tem exatamente o mesmo sentido que a expressão “presumindo-se”, devendo, desta forma, entender-se que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma verdadeira presunção de propriedade e não qualquer ficção, sendo, por isso, tal presunção ilidível. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo.

 

Por último, cumpre atender, na presente análise, ao valor jurídico do registo automóvel. Assim, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1.º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Acrescenta ainda o artigo 7.º do Código do Registo Predial que “o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. O registo de propriedade automóvel não tem, portanto, natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade. Logo, a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário. E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408.º do Código Civil, salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo.

 

Em suma, o registo automóvel, na economia do CIUC, representa mera presunção ilidível dos sujeitos passivos do imposto. No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo; do mesmo modo, o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.

 

De notar ainda que as transmissões efetuadas são oponíveis à Requerida, apesar do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.” A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no n.º 4 do mesmo artigo 5.º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT. Assim, a AT não é terceiro para efeitos de registo.

 

Em consequência do que antecede, o proprietário registado de um automóvel pode fazer prova, para efeitos de tributação em sede de IUC, de que já não é o proprietário efetivo do veículo em causa, nomeadamente por ter procedido à respetiva venda. Para tanto, importa ter-se presente que estamos perante contratos de compra e venda que, sendo relativos a coisas móveis e não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais nos termos do artigo 219.º do Código Civil, operam a correspondente transferência de direitos reais nos termos do n.º 1 do artigo 408.º do mesmo código.

 

Por outro lado, a prova da existência de um contrato de compra e venda pode ser efetuada por qualquer meio, sendo a fatura um documento contabilístico idóneo para este efeito, como para muitos outros, nomeadamente fiscais. As faturas titulam vendas, transações ou prestações de serviços e, desde que emitidas na forma legal, constituem elementos de suporte de lançamentos contabilísticos sistematizados numa contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, sendo os dados que delas constem abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT. Neste sentido, não se aceita que se questione a sua força probatória apenas para o fim da prova da transmissão da propriedade do veículo, sob pena de cairmos no absurdo jurídico de, a partir do mesmo documento, se reconhecer que a transação existiu para efeitos de incidência de imposto sobre o rendimento, mas não existiu para efeitos de IUC.

 

Tratando-se de uma presunção, nada impede a demonstração da sua falsidade ou inadequação face aos requisitos legais estabelecidos no artigo 36.º do CIVA. Trata-se, também neste caso, de uma presunção ilidível, sendo que o ónus da prova cabe à AT[1]. Contudo, a AT não impugnou, nem suscitou dúvidas quanto às operações tituladas pelas faturas apresentadas pela Requerente, tendo-se limitado a questionar a capacidade das mesmas para titularem vendas e fazerem prova das mesmas. É certo que, como alega a Requerida, as faturas juntas “não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”. Todavia, não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, e não tendo a Requerida arguido a falsidade das faturas juntas, limitando-se a tentar afastar a sua força probatória, terá, necessariamente, de se aceitar como prova do contrato de compra e venda a fatura emitida nos termos legais, como é o caso das faturas em causa nos presentes autos.

 

Também o facto de as faturas juntas expressamente referirem que apenas servem como recibo após boa cobrança e de não se encontrar demonstrado nos autos o pagamento do respetivo valor é irrelevante para os efeitos que aqui interessam. De facto, o que importa apurar nesta sede é a aptidão das faturas para demonstrarem a alienação do veículo e não a sua capacidade para servirem ou não como recibo ou quitação do recebimento do respetivo preço [o que nem sequer é um elemento essencial do contrato de compra e venda, mas sim um efeito do mesmo - conforme resulta do disposto no artigo 879.º c) do Código Civil].

 

Assim, consideram-se provadas as vendas alegadas pela Requerente, ocorridas em momento prévio ao da ocorrência do facto gerador. Fica, assim, ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel prevista no artigo 3.º do CIUC, devendo, portanto, proceder-se à anulação das correspondentes liquidações identificadas no documento 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos em que se suportam.

 

Nos termos do disposto no artigo 6.º, nº 3 do CIUC, o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no artigo 4.º, n.º 2 do CIUC. Nestas datas, a  Requerente havia alienado todos os veículos em causa nos presentes autos, pese embora as referidas alienações não estivessem ainda espelhadas no competente registo.

 

Assim, atento o facto de, conforme já exposto, a presunção resultante do registo ser ilidível mediante prova em contrário, prova essa que se considera efetuada com a apresentação das faturas de venda dos veículos, verifica-se que, relativamente aos veículos em causa nos presentes autos, a Requerente não era a sua proprietária à data do facto gerador do imposto, não sendo, por isso, sujeito passivo do IUC liquidado.

 

De onde resulta clara a inexistência de fundamento legal para os atos de liquidação impugnados, impondo-se, por isso, a sua anulação, bem como a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa datado de 30.05.2018.

 

Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente solicita, finalmente, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

 

O artigo 100.º da LGT prevê que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

 Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

No presente caso, a anulação das liquidações ocorre apenas por via da impugnação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 02.02.2017, pelo que lhe é igualmente aplicável o disposto na al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) - c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”  

 

A AT proferiu despacho de indeferimento do pedido de revisão em 30.05.2018, na sequência do qual a Requerente se apresentou perante este tribunal. Ora, conforme já decidiu o STA[2], o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito para além do prazo de um ano junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Verifica-se, portanto, in casu, o direito a juros indemnizatórios da Requerente, contados a partir do termo do prazo de um ano após apresentação do pedido de revisão oficiosa e até à data da restituição à Requerente dos montantes correspondentes às liquidações anuladas.

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral de anulação dos atos tributários supra identificados, relativos a IUC e juros compensatórios, no valor total de € 41.420,84;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa datado de 30.05.2018;
  3. Determinar a restituição à Requerente do montante pago a título de imposto e juros compensatórios;
  4. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde o termo do prazo de um ano após apresentação do pedido de revisão oficiosa e até à data da restituição à Requerente dos montantes correspondentes às liquidações anuladas.

 

V – Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 41.420,84 (quarenta e um mil, quatrocentos e vinte euros e oitenta e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI – Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 17 de julho de 2019

A Árbitra

(Raquel Franco)



[1] Neste sentido, cf., entre outras, Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/2013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, de n15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014, Proc., 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 289/2013-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 25.6.2014, Proc. 42/2014, de 6.7.2014, Proc. 52/2014-T, de 15.9.2017. Proc. 173/2017-T e de 4.10.2017, Proc 185/2017-T.

[2] Cf., a título exemplificativo, os acórdãos proferidos nos processos 0890/16 e 0926/17.