Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 295/2018-T
Data da decisão: 2019-05-31  IRC  
Valor do pedido: € 71.270,86
Tema: IRC – dedutibilidade de encargos – Arts. 23.º e 23.º-A, n.º 1, al. r) do CIRC – Tributação Autónoma – Art. 88.º, n.ºs 1 e 8 do CIRC – Ónus da prova.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Augusto Vieira e Dra. Magda Feliciano (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 30 de agosto de 2018, acordam no seguinte:

               

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, pertencente à área do Serviço de Finanças de Lisboa ..., adiante designada por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e inerentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2014, emitidas sob os n.ºs 2018..., de 7 de fevereiro de 2018 (€ 5.402,97), e 2018..., de 9 de fevereiro de 2018 (€ 6.411,32), respetivamente, cujas demonstrações de acerto de contas resultaram no valor total a pagar de € 71.270,86.

 

A Requerente peticiona ainda a atribuição de uma indemnização por prestação de garantia indevida nos termos dos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega os seguintes vícios, de ordem formal e material:

(a)          Extensão não fundamentada do âmbito do procedimento de inspeção tributária, em violação do disposto no artigo 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), dos artigos 151.º e 153.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e do artigo 77.º, n.º 1 da LGT;

(b)          Vício de violação de lei, por considerar que as comissões suportadas com a angariação de clientes chineses são dedutíveis, em virtude de consubstanciarem gastos efetivamente incorridos no âmbito da sua atividade, para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, cujo montante não é exagerado e que não apresentam caráter anormal;

(c)          Vício de violação de lei, derivado de a AT não ter atendido aos elementos probatórios apresentados pela Requerente, demonstrativos dos requisitos de dedutibilidade fiscal, não provando os pressupostos das liquidações, como se lhe impunha, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da LGT;

(d)          Falta de fundamentação dos atos de liquidação, não tendo a AT expressado as razões de facto e de direito que a levaram a não valorar os elementos facultados pela Requerente no decurso da ação inspetiva e em sede de audição prévia, como se extrai do disposto nos artigos 77.º da LGT e 153.º, n.º 2 do CPA;

(e)          Relativamente à liquidação de juros compensatórios, falta de prova de atuação culposa imputável à Requerente no retardamento da liquidação alegadamente devida.

 

                A Requerente juntou 27 documentos, requereu prova testemunhal e declarações de parte.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 28 de junho de 2018.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

                Em 10 de agosto de 2018, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 30 de agosto de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

                Em 8 de outubro de 2018, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), com as legais consequências.

 

Para tanto, considera a Requerida que:

(a)          Não se verifica falta de fundamentação quanto à alteração do âmbito da ação inspetiva e, mesmo que se verificasse, as correções de IRC não seriam afetadas, pois estavam englobadas no âmbito inicial que previa o IRC;

(b)          A Requerente não comprovou a realização material das prestações de serviços por parte da empresa sedeada em Hong Kong, sendo o descritivo da fatura n.º 319 genérico, não identificando a natureza do serviço prestado. Por outro lado, a contabilidade do exercício (2014) não reflete uma venda a que essa comissão possa corresponder, nem o gasto poderia ser aceite fiscalmente em 2014 em virtude do princípio da especialização dos exercícios, ínsito no artigo 18.º do Código do IRC;

(c)          A Requerente não demonstrou e continua a não provar a razoabilidade dos pagamentos, como impõe o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, que estabelece uma clara inversão do ónus da prova relativamente a saber se os gastos correspondem a operações reais, não possuem caráter anormal ou representam um montante exagerado;

(d)          O RIT explicita as razões pelas quais considera que os factos invocados pela Requerente não estão provados, pelo que, reconduzindo-se o alegado vício de incumprimento do ónus da prova ao vício de falta de fundamentação, este não se pode julgar verificado;

(e)          Não ocorre falta de fundamentação na liquidação de juros compensatórios;

(f)           Em conclusão, os gastos não foram comprovados e, em consequência, não são dedutíveis, para efeitos de IRC, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1 e 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código deste imposto e estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 35%, de acordo com o artigo 88.º, n.º 8 do mesmo Código.

 

A Requerida solicitou a dispensa de prova testemunhal, entendendo tratar-se de um ato inútil.

 

Por despacho de 11 de outubro de 2018, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas e declarações de parte, atenta a respetiva utilidade para apuramento da verdade material.

 

Em 5 de novembro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidos dois administradores da Requerente e quatro testemunhas. As partes foram notificadas para alegações escritas sucessivas, com a fixação do prazo de 15 dias, e a Requerente advertida para o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

                Ambas as partes apresentaram alegações e mantiveram as posições anteriormente assumidas, tendo a Requerente arguido ex novo o vício de preterição do direito de audição relativamente à liquidação de juros compensatórios.

                Por despachos de 18 de fevereiro e de 26 de abril de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a complexidade das questões suscitadas.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, enquadrada no regime geral de tributação em IRC, que exerce a atividade de construção de imóveis para venda e tem por objeto o exercício, por conta própria, da indústria de construção civil e o comércio de terrenos ou de prédios para revenda, utilizando-os, demolindo-os ou loteando-os, bem como o arrendamento de bens imóveis, urbanos e rústicos, para fins habitacionais ou comerciais, com o CAE 42990-R3 – “Construção de outras obras de engenharia civil” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do pa e certidão de registo comercial junta como documento 11.

 

B.            Durante os anos imediatamente antecedentes a 2014, o setor imobiliário em Portugal estava estagnado, com uma forte contração da procura, não tendo a Requerente conseguido vender qualquer imóvel no decurso do ano 2013 – cf. documentos 16 e 17 (demonstrações de resultados por naturezas), declarações de parte e depoimento das testemunhas.

 

C.            No referido período, a Requerente tinha um nível de endividamento muito elevado junto da Banca e defrontava-se com dificuldades em cumprir as suas obrigações, pelo que tinha urgência em concretizar vendas dos imóveis em carteira e obter o correspondente encaixe financeiro – cf. documento 17, RIT e declarações de parte.

 

D.           Com o objetivo de atrair investimento estrangeiro, o Parlamento português, sob proposta do Governo, aprovou a criação de uma disciplina jurídica conhecida por “Vistos Gold” ou “Golden Visa” com a Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto. Este diploma passou a permitir que cidadãos de países terceiros, i.e., não pertencentes à União Europeia, dispostos a investir em Portugal, acedessem a uma autorização especial de residência (“ARI” – autorização de residência para investimento) permitindo ao seu titular entrar e residir em território português e, bem assim, circular livremente nos países europeus aderentes ao acordo de Schengen.

 

E.            Uma das atividades de investimento através das quais se podia aceder àquele estatuto era a aquisição de imóveis em Portugal de valor igual ou superior a € 500.000,00 – cf. Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto.

 

F.            Neste contexto, tendo chegado ao conhecimento da Requerente existirem empresas especializadas na promoção de imóveis a clientes asiáticos interessados em aceder ao regime dos “Golden Visa”, aquela celebrou, em 15 de julho de 2013, um contrato denominado “Framework Agreement” com a B..., sociedade de significativa dimensão com sede em Hong Kong, cuja atividade consiste em assistir clientes chineses que pretendem obter vistos de residência em países da União Europeia e que foi distinguida pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa para o prémio de Mérito Empresarial – cf. documentos 13 e 18,  http://...B....com e declarações das partes.

 

G.           O contrato em apreço estabelecia uma relação de prestação de serviços de angariação de clientes chineses por parte da B... à Requerente que compreendia diversas tarefas e atividades com vista à promoção e venda dos imóveis da Requerente junto daqueles, incluindo a sua deslocação a Portugal, para realização de visitas aos apartamentos disponíveis e o acompanhamento até à conclusão do processo de venda – cf. documento 13, declarações das partes e depoimento das testemunhas (Dr. C...).

 

H.           Por questões culturais, de confiança e distância, muito dificilmente os clientes asiáticos chegariam a Portugal por outra via – cf. documento 12, declarações das partes e depoimento das testemunhas.

 

I.             Segundo o contrato “Framework Agreement” celebrado pela Requerente, apenas seria devida remuneração pelos serviços no caso de os clientes angariados pela B... efetivamente adquirirem um dos imóveis daquela. Assim, de acordo com o ponto 13 do contrato, se se realizasse a venda de um imóvel aos clientes angariados pela B..., era devida pela Requerente uma comissão de:

(i)           17% sobre o preço de venda dos imóveis, líquidos de impostos;

(ii)          17% sobre o valor do pacote de mobiliário/outros itens adicionais objeto de venda líquidos de impostos

– cf. documento 13, declarações das partes e depoimento das testemunhas (Dr. C...).

 

J.             Ainda de acordo com o “Framework Agreement”, a acrescer à mencionada comissão, por cada cliente que adquirisse um imóvel à Requerente, esta pagaria à B... uma quantia para custear as deslocações, de € 2.000,00 a € 4.000,00 – cf. documento 13, ponto 15).

 

K.            Diversas empresas com atividade de promoção imobiliária similar à da Requerente e com referência ao mesmo período (2013, 2014) contrataram os serviços de angariação de clientes chineses da B... e de outras empresas congéneres para promoverem a comercialização dos respetivos imóveis, com condições remuneratórias idênticas às acordadas pela Requerente, sendo o valor das comissões fixado entre 15% e 20% – cf. declarações das partes, depoimento das testemunhas, Acórdãos Arbitrais nos processos n.ºs 198/2017-T, de 21.11.2017; 369/2017-T, de 12.02.2018, e 33/2018-T, de 15.04.2019.

 

L.            A atividade das “agências” chinesas, entre as quais a B..., distingue-se da das agências imobiliárias portuguesas, pois consiste: na divulgação e promoção dos imóveis portugueses no mercado chinês; no estabelecimento de uma rede de parcerias com agências de emigração na China; na divulgação e promoção do regime “Golden Visa”, assegurando toda a documentação exigida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”) e as autorizações e diligências necessárias às transferências de dinheiro exigidas pelos controlos cambais vigentes na China; em assegurar toda a logística envolvida na deslocação dos potenciais clientes a Portugal, incluindo a contratação de intérpretes; e em acompanhar o processo de obtenção de residência em Portugal – cf. declarações das partes, depoimento das testemunhas.

 

M.          Em 2014, dezenas de potenciais clientes chineses angariados pela B... e acompanhados por representantes/funcionários desta empresa realizaram visitas aos imóveis da Requerente, entrando em contacto direto com os funcionários desta. Estas visitas materializaram-se em duas vendas efetivas de frações autónomas – cf. documentos 14, RIT, declarações das partes e depoimento das testemunhas.

 

N.           Com efeito, foi vendido um imóvel da Requerente, no valor de € 905.940,00, cerca de duas vezes o seu valor patrimonial, à Sra. J...– cf. documento 14, RIT.

 

O.           Venda que deu origem ao pagamento de uma comissão, pela Requerente à B..., de € 156.009,80, titulada por fatura emitida por B..., sob o n.º..., em 15.12.2014, com o descritivo “Marketing Consulting”. A dedução fiscal desta comissão e a não incidência de Tributação Autónoma foram aceites pela AT, após exercício do direito de audição pela Requerente – cf. RIT.

 

P.            Foi ainda vendido um segundo imóvel, no valor de € 800.000,00, ao Sr. D...– cf. documento 15, RIT.

 

Q.           Relativamente ao qual a Requerente suportou uma comissão, paga à B..., de € 140.000,00, titulada por fatura emitida por B..., sob o n.º 319, em 29.08.2014, com o mesmo descritivo “Marketing Consulting” – cf. RIT.

 

R.            A escritura de compra e venda deste último imóvel estava inicialmente prevista no contrato-promessa de compra e venda para 2014, tendo sido adiada para (até 28 de fevereiro de) 2015 por constrangimentos do cliente, com o correspondente aditamento ao contrato-promessa – cf. documento 15.

 

S.            O preço de venda do imóvel que antecede foi pago, na totalidade, no decurso do ano 2014 – cf. documento 15 (incluindo recibo de quitação).

 

T.            A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva ao exercício de 2014, ao abrigo da ordem de serviço OI2017..., datada de 18.07.2017, tendo os atos de inspeção sido iniciados em 21.09.2017 e findos em 04.12.2017. Esta ação foi motivada pela declaração de prejuízos em três exercícios consecutivos e pelo facto de a certificação legal de contas da Requerente incluir reservas ou ênfases – cf. RIT.

 

U.           A ação inspetiva foi iniciada com o âmbito de IRC-UNIVALENTE, tendo sido alterada para GERAL-POLIVALENTE, o que foi comunicado à Requerente em 04.12.2017 – cf. RIT.

 

V.           Em resultado desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada em 07.12.2017 do Projeto de Relatório de Inspeção, pelo ofício n.º..., datado de 06.12.2017, para exercer o direito de audição sobre as correções preconizadas à matéria coletável de IRC declarada naqueles exercícios, à Tributação Autónoma e aos respetivos juros compensatórios – cf. RIT.

 

W.          Por requerimento apresentado em 08.01.2018, após extensão do prazo para o efeito, a Requerente exerceu o direito de audição, em discordância com as correções projetadas. A AT manteve, no entanto, a proposta de ajustamento à matéria coletável de IRC, incluindo Tributação Autónoma, no que se refere a uma das comissões pagas à B..., em concreto a constante da fatura n.º 319/2014, aceitando a comissão da fatura n.º 505/2014 – cf. RIT.

 

X.            A Requerente foi notificada do Relatório Definitivo (“RIT”), sobre o qual recaiu despacho favorável da Chefe de Divisão, de 20.01.2018, e que, com referência ao exercício de 2014:

(a)          Desconsidera a dedução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, do valor de € 140.000,00, relativo a gastos contabilizados como trabalhos especializados, correspondentes a prestações de serviços da B... (fatura n.º 319/2014);

(b)          Sujeita o referido valor de € 140.000,00 a Tributação Autónoma, à taxa de 35%, acrescida de 10 pontos percentuais por se tratar de período de tributação em que a Requerente apresentou prejuízos fiscais, cifrando-se na importância de € 63.000,00, nos termos dos artigos 23.º-A, n.º 7 e 88.º, n.ºs 8 e 14 do Código do IRC;

(c)          Sujeita a Tributação Autónoma encargos com deslocações e estadias de € 9.297,72, que qualificou como despesas de representação, aplicando a taxa de 10%, acrescida de 10 pontos percentuais, conforme previsto no artigo 88.º, n.ºs 7 e 14 do Código do IRC, o que resultou no valor de imposto de € 1.859,54; e

(d)          Determina a contagem de juros compensatórios, nos termos dos artigos 35.º da LGT e 102.º do Código do IRC.

 

Y.            Os fundamentos detalhados destas correções constam do RIT, que se dá por reproduzido para os devidos efeitos, do qual se transcrevem os seguintes excertos mais relevantes:

“[…]

2.1.1.1.1 Análise de rendimentos

i) Vendas

O sujeito passivo registou na conta ... V/PROD.ACAB. M/NACIONAL os seguintes valores:

 

Data      Descrição            B             Nº Doc  Refª       CCusto Débito  Crédito

30-04-2014         FACTURA            8             ...            100414  5107                      169.591,00

31-12-2014         NOTA DE LANCAMENTO ...         8             ...                            5100                      905.940,00

                TOTAL                                                                                 1.075.531,00

No exercício em análise, de acordo com o sistema informático “IMI – Atualização da Matriz – Mod. 11 – Atos por outorgante”, o montante total das escrituras em que a empresa participou como vendedora coincide com o montante contabilizado.

[…]

2.1.1.1.2  Análise dos principais gastos

[…]

i) Serviços especializados

A A... SA contabilizou gastos com serviços especializados que incluem publicidade e propaganda no valor de € 296.009,80€.

Do total desta rubrica, conta SNC 62 02 02 000003 PUBL/PROPAG.-C/IVA ISENTO, o valor total, 296.009,80€, corresponde a faturação do fornecedor B..., LIMITED, com sede em HONG KONG, território constante da portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro (extrato desta conta a páginas 37 do anexo).

Considerando que este custo apenas deve ser imputado ao imóvel vendido a cidadão chinês e, sendo o rendimento derivado dessa venda, de 905.940,00€, resulta a margem direta de (296.009,80€/905.940,00€ = 33%).

Face ao facto acabado de descrever, procedeu-se à notificação da sociedade, nos termos do nº 8 do artigo 23.º-A do CIRC, na pessoa do seu responsável […], para no prazo de 30 dias (os quais vieram a ser acrescidos, a seu pedido, de mais dez)

«…apresentar documentos de prova efetiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 23º-A, nº 1, al, r) do CIRC, para efeitos de aceitação da dedutibilidade fiscal dos seguintes encargos suportados:

N.º doc (fatura) Data       Entidade Emitente          Conta SNC de registo     Valor

505/2014             29/8       B...         62 02 02 000003

 PUBL/PROPAG.-C/IVA ISENTO  156.009,80

319/2014             15/12                                    140.000,00

Deverá juntar prova de que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado, nomeadamente contratos celebrados com as entidades emitentes, descrição das prestações de serviços, cópia de documentos comprovativos da realização dos serviços, cópia dos documentos comprovativos do pagamento, entre outros considerados relevantes.

Mais se solicita que relativamente aos gastos associados aos documentos relacionados, identifique os rendimentos que lhe estão associados, bem como a sua indispensabilidade para a realização dos mesmos».

Em resposta à notificação efetuada, veio o mesmo responsável da empresa informar, que tendo tido necessidade de solicitar ao prestador dos serviços o envio de alguns documentos e informação adicional, os mesmos não foram ainda recebidos, receando mesmo que o referido pedido não seja de todo atendido (nºs 4 e 5 do articulado).

Para fazer face à referida contrariedade, opta por juntar cópia das referidas faturas, bem como dos respetivos comprovativos de pagamento, informando que os pagamentos são suficientes para comprovação dos reviços que lhe foram prestados, pois sem a referida realização o seu pagamento não se justificaria.

Quanto à descrição pormenorizada, dos serviços prestados, informa ter contratado os serviços da empresa B..., LIMITED por forma a criar novas oportunidades de negócio, in casu, a venda de imóveis a cidadãos chineses, facto que diz que efetivamente se veio a verificar, conforme documento comprovativo que junta.

[…]

III.           DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MAT. COLETÁVEL

III.1        IRC

III.1.1    Correções à matéria coletável

III.1.1.1 Gastos não aceites fiscalmente

O n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, na redação aplicável ao exercício de 2014, estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis:

[…]

Por seu turno, o artigo 23.º - A aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que republicou este Código, e aplicável em 2014, determina:

[…]

Estas normas visam claramente combater uma espécie de operações evasivas ou fraudulentas, por meio de pagamentos a favor de entidades não residentes e estabelecidas em jurisdições de fiscalidade mais privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, e tradicionalmente avessos à colaboração no sentido de prestação de informações para efeitos fiscais.

A estatuição das mesmas determina de imediato o princípio geral de não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos.

Consagrando no entanto, uma cláusula de salvaguarda, que opera mediante a demonstração por parte do sujeito passivo do cumprimentos, cumulativo de duas condições:

- Os gastos corresponderem a operações reais;

- Não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

Trata-se duma dupla prova que cuja produção incumbirá ao sujeito passivo […].

Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.

A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT, apresentando-lhe os meios de prova da efetividade do gasto e do caráter normal e não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos.

Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte um «onus probandi» em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do n.º 1 do art. 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé «as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.» E se o contribuinte não lograr produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação.

(i)           Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável

Logo à partida há que determinar se a jurisdição de fiscalidade privilegiada se integra na previsão normativa do n.º 1 do artigo 23-A, do Código do IRC, vigente para o exercício de 2014.

O sujeito passivo contabilizou como gastos, em Trabalhos Especializados, fornecimentos da entidade B... com sede em HONG KONG

Ora, HONG KONG, é uma jurisdição constante do n.º 31 da Portaria n.º 292/2011, aplicável no exercício em análise 2014.

Ou seja, constando-se que estão a ser pagas importâncias a uma entidade, no caso a pessoa coletiva B..., residente fora do território português e situada numa jurisdição constante da citada Portaria, ocorre a condição que determina a verificação do pressuposto para a subsunção no conceito de regime fiscal claramente mais favorável.

(iii)         Quanto à exigência da realização efetiva das operações

Cabe ao contribuinte demonstrar que as operações envolvendo pagamentos a não residentes submetidos a um regime fiscal mais favorável foram efetivamente realizadas. Esta inversão do ónus da prova materializa-se na demonstração da efetividade da realização da operação a qual, se não for suprida, implica que que os encargos daqui resultantes não sejam dedutíveis.

Ora, da análise documental constatou-se que o sujeito passivo A... SA, possui a escritura de compra e venda do imóvel e ainda:

                – Faturas emitidas pelo referido prestador de serviços; e

                – Meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias.

No entanto, embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, falha que não foi preenchida pelos seguintes motivos:

                –             Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;

                –             Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto;

               –             A prova de que o serviço foi na realidade prestado mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidências dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte;

                –             E ainda que fossem exibidas as evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do Código do IRC;

                –             E que, para além do contrato, não foi evidenciada troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.

Não basta, pois, a existência de contrato (neste caso não exibido), faturas ou transferências bancárias; é necessário a evidência de todo um conjunto de ações, atuações ou por exemplo de campanhas concretas de publicidade, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, de forma a afastar de forma concludente fundadas dúvidas sobre a efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular.

Será, pois, necessário averiguar da eventual obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício, da publicidade (Marketing Consulting, tal como vem referido na descrição das faturas emitidas pela entidade não residente B...) em que a sociedade contabiliza como tendo incorrido, cujo montante, sem IVA, foi de 296.009,8€.

Neste contexto, e em obediência à formalidade do n.º 8 do artigo 23.º - A (para 2014) do Código do IRC, foi a sociedade notificada em 19 de setembro de 2017 para apresentar, no prazo de 30 dias (ampliado por mais 10, a pedido do sujeito passivo), documentos de prova efetiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos quanto à materialidade das operações e inexistência do seu carácter anormal e montante exagerado (Pagina 34 do Anexo ).

Decorrido o prazo concedido nas notificações, foi recebida resposta composta por 3 páginas de texto; Anexo nº 1 (cópia de faturas e meios de pagamento) e Anexo nº 2 (Demonstração de resultados por natureza 2013 e 2014), (páginas 36 a 45 do anexo a este relatório).

Da referida resposta consta nomeadamente que:

«…,

4º) … a requerente viu-se na necessidade de solicitar o envio de alguns documentos e informação adicional à sociedade B... .

5º) Contudo, tais elementos não foram ainda enviados e a requerente receia que o pedido efetuado, não seja de todo atendido.

6º) e 7º) Nestes parágrafos, refere juntar cópias e meios de pagamento, para que através dos mesmos se possam comprovar os encargos e a efetividade das operações.

8º) Neste item, a empresa relativamente à solicitada descrição pormenorizada dos serviços prestados, informa ter contratado os serviços da sociedade B... por forma a criar novas oportunidades de negócio, in casu, a venda de imóveis a cidadãos chineses, facto que efetivamente diz se ter vindo a verificar, conforme documento comprovativo que junta (Demonstrações de resultados de 2013 e 2014).

Nos números seguintes, vem demonstrar a causalidade entre os serviços contratados e o incremento das vendas.

Deste modo ficou então por demonstrar e identificar os serviços que efetivamente foram realizados pela empresa contratada, e em consequência, que os mesmos não têm um caráter anormal, nem que o seu montante não é exagerado.

Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material das prestações de serviços (de publicidade/comissões) por parte da empresa sediada em HONG KONG.

Aliás, as próprias faturas da referida empresa são parcas na designação por apenas referirem “Marketing Consulting”, sem qualquer discriminação ou alusão aos atos concretos de marketing alegadamente praticados.

Ora, salientando-se que nos termos da legislação já citada, assiste ao sujeito passivo demonstrar a evidência material que sustente terem sido efetuadas tais prestações de serviços e não tendo a mesma logrado fazê-lo, não se encontra preenchido este requisito de dedutibilidade.

(iv)         Quanto ao carácter anormal

Neste âmbito conclui-se que não tendo o sujeito passivo produzido qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a atividade negocial, não é possível aferir do seu carácter normal face à atividade desenvolvida.

Isto é, se o sujeito passivo não logrou provar a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem qualificado como publicidade e comissões ou “Marketing Consulting” tem carácter normal face à atividade desenvolvida.

Também aqui o sujeito passivo não cumpriu com o ónus que a lei lhe impõe.

(v)          Quanto ao montante exagerado

Para aferição desta característica, isto é de que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados, afigura-se que a relação custo-benefício será apropriada, considerando-se cumprida a condição desde que os rendimentos compensem os respetivos gastos, isto é, que os rendimentos futuros são de tal monta que justificaram o respetivo encargo, ressalvando os casos em que a tentativa de penetração noutros mercados não foi bem sucedida e o serviço inerente ao gasto foi efetivamente realizado.

Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:

                - identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;

                - evidência de reuniões, «surveys»;

                - deslocações;

                - se quem executou tem experiência profissional;

                - se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações.

Haveria igualmente que permitir aferir se o montante dos serviços cobrados é apropriado, tendo em conta o mercado e o risco da operação, por comparação com as que seriam aplicadas por outras entidades num contexto equivalente, em obediência e em cumprimento do princípio «at arm’s length», o que também não sucedeu, pois não foram apresentados quaisquer elementos pertinente dirigidos a este objetivo.

Em face do exposto, conclui-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado, conforme prevê o artigo 23.º-A (para 2014) do CIRC e, assim sendo, não pode o montante de € 296.009,80€, ser considerado gasto do exercício.

[…]

III.1.1.3 Correções ao imposto – Tributação autónoma

a)            Tributação autónoma-Fornecedor residente fora do território Português e aí sujeito a tributação mais favorável

Os gastos não comprovados, mencionados no capítulo anterior, e correspondentes a pagamentos efetuados a pessoas residentes fora do território Português e aí sujeitas a tributação mais favorável, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, tributação esta onerada em 10 pontos percentuais, nos termos do n.º 14, caso seja apresentado prejuízo fiscal.

Estipula este normativo o seguinte:

[…]

Uma vez que o sujeito passivo não procedeu à comprovação atrás mencionada, as despesas em causa, ficam sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 1 e n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC.

Esta tributação está onerada em 10 pontos percentuais nos termos do n.º 14 do mesmo artigo, em virtude de ter sido apresentado prejuízo fiscal, pelo que se tem:

€ 296.009,80 x (0,35+10) = 133.204,41€

b)           Tributação autónoma-Despesas representação

Para além da conta «620606000003- ‘DESP.REPRE.-C/IVA ISENTO», foi ainda utilizada a conta «62.5.1.1.2 – Deslocações e Estadas (n/país)» (páginas 48 a 100 do anexo), para contabilizar encargos cujos documentos de suporte são faturas emitidas por cinemas-cascais (página 49 do anexo) restaurantes, concessionárias de auto estrada, e serviço de táxi, na sua quase totalidade na zona de Cascais e Lisboa, e hotéis, no algarve.

Deve aqui referir-se que a sede do sujeito passivo é RUA ..., Nº ... – ..., ...– ... LISBOA, e que o domicílio do seu presidente do conselho de administração é R ..., Nº..., ..., ...– ... CASCAIS, e que não são conhecidos à empresa quaisquer negócios na zona do Algarve.

Quanto às faturas emitidas por empresas de transporte de passageiros (Táxi), as mesmas não possuem requisitos essenciais, nomeadamente os locais de início e fim do transporte, bem como a identificação das pessoas transportadas.

Da definição do conceito de ajudas de custo ressalta que as referidas visam, compensar os colaboradores pelas despesas com deslocações e alojamento, em território nacional ou no estrangeiro, por motivos de trabalho.

As contas relativas à contabilização dos encargos com deslocações e estadas, destinam-se a despesas com transporte, alojamento e alimentação suportadas com trabalhadores dependentes da empresa, por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho, mediante a apresentação de um documento comprovativo.

Ora, como referido, a documentação analisada respeita a encargos com alimentação e outras, no Algarve, sem relação conhecida com a atividade exercida pela empresa, não constando, anexado aos mesmos, qualquer mapa ou outro elemento justificativo de deslocações, nem poderia existir, uma vez que não há uma verdadeira deslocação para fora do local de trabalho normal.

Por outro lado, as contas relativas a despesas de representação destinam-se a contabilizar despesas efetuadas para representação da empresa junto de terceiros, como clientes, fornecedores e outras entidades. Neste sentido dispõe o artigo 88.º, n.º 7 do CIRC, sujeitando este tipo de encargos a tributação autónoma.

Face ao exposto, concluímos que os encargos com refeições, viagens, passeios e espetáculos em causa não se enquadram no conceito de deslocação e estada, mas antes no de despesa de representação, pelo que, todos aqueles encargos anteriormente identificados como deslocações e estadas), deverão ser sujeitos a tributação autónoma, nos termos da citada legislação, face à sua natureza.

Assim, face aos valores contabilizados na conta 62.5.1.1.2 – Deslocações e Estadas (n/ país)» (páginas 48 a 100 do anexo), encontra-se em falta imposto no montante, que se seguida se quantifica

Conta SNC 62.5.1.1.2 – Deslocações e Estadas

Total contabilizado         Taxa (nº 7, artº 88º)       Agravamento por prejuízos        IRC/Tributação autónoma

9.297,72               10%        10%       1.859,54

[…]

Sobre as correções ora propostas serão igualmente liquidados os juros compensatórios que se mostrarem devidos, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária e do artigo 102.º do Código do IRC.

[…]

IX            DIREITO DE AUDIÇÃO

[…]

Da Intervenção da B...:

-A exponente vem nesta parte realçar o enorme contributo da empresa B..., nas parcerias com o sujeito passivo e com muitas outras empresas do setor imobiliário, a ponto, segundo afirma de serem já conhecidos pela AT, como consequências de várias inspeções já realizadas, quer o seu modo de funcionamento, que a forma como a mesma surgiu no mercado imobiliário português.

-Vem a dado ponto referir, que a atuação da referida empresa permitiu não só efetuar vendas de imóveis que se encontravam sobrecarregados com encargos elevados, para este tipo de empreendimentos (condomínios, encargos financeiros, impostos e outros), como vendê-los a preços da ordem das duas ou três vezes o valor patrimonial tributário.

-Averiguámos neste campo que o imóvel em causa, foi inscrito na matriz no ano de 2009, e que de facto assumem valores significativos as rubricas de encargos financeiros, imposto de selo daí derivado, IMI, despesas de condomínio.

-E averiguámos, que o valor patrimonial inicial era de 466.680,00€, tendo sido objeto de alteração para 401.330,00€ em 2016, pelo que poderá dizer-se que o valor da venda foi da ordem de duas vezes o valor patrimonial.

-Apresenta ainda o argumento de não ser conhecida alternativa à intermediação da B..., na penetração nos mercados em causa, nomeadamente pela importância das barreiras culturais e linguísticas, facto que lhe confere uma posição de ausência de concorrência.

Decorre assim do exposto pelo contribuinte que, em resumo, os serviços prestados pela B..., contrariamente ao descritivo das correspondentes faturas (marketing consulting), consistiriam na angariação de clientes de nacionalidade chinesa para adquirirem imóveis em Portugal.

Para dar substância a esta afirmação anexa cópia de um documento, datado de 15-07-2013, designado de “FRAMEWORK AGREEMENT” que regula as relações comerciais entre a A... e a B... e, nos termos do qual, a B... tinha/conhecia, clientes com intenção de adquirir imóveis em Portugal e estava preparada para os assistir na concretização das respetivas compras, por outro lado, pelos serviços prestados (angariação de clientes) a A... pagaria à B... uma “fee” correspondente a 17% do preço de venda de cada imóvel, acrescido do montante de € 2.000,00 relativo a custos de viagem, que no máximo poderiam atingir € 4.000,00.

Perante esta realidade passamos a analisar de que forma ela se ajusta ao que está refletido na contabilidade da A... .

Desde já salienta-se, conforme já referido, que o descritivo das faturas da B... menciona tratar-se de (marketing consulting) e que, por se tratar de uma descrição genérica cujo pagamento foi efetuado para território com tributação mais favorável, foi solicitado à empresa que produzisse a prova exigida pela alínea r) do nº 1 do artigo 23-A do CIRC. Deve também referir-se que não foi produzida evidência substantiva de quais os serviços de «marketing…» que a B... forneceu à A... .

No entanto, como o contribuinte agora vem dizer que se trataria de angariação de clientes, tendo em conta o princípio da substância sob a forma, vai-se analisar-se, se é efetivamente esta a realidade contabilisticamente refletida.

No ano de 2014 a A... contabilizou duas faturas emitidas pela B..., uma (319/2014) com data de 29-08-2014 no montante de € 140.000,00 e outra (505/2014) com data de 15-12-2014 no montante de € 156.009,80.

Em 16-12-2014 a A... vendeu um imóvel a uma cidadã chinesa pelo montante de € 905.940,00, admitindo-se que esta adquirente possa ter sido uma cliente angariada pela B... .

Em janeiro de 2015, a A... a pagou à B... o montante de € 156.009,80, valor que corresponde ao mencionado na referida fatura 505/2014 e que, por outro lado, corresponde a 17% do imóvel vendido, antes referido, acrescido de € 2.000,00 (156.009,80=905.940,00*0,17+2.000,00).

Conjugando os factos descritos verifica-se que, em 2014, terá sido angariada uma cliente chinesa e que o pagamento que a A... fez por conta dessa angariação está de acordo com o referido “FRAMEWORK AGREEMENT” resultando assim, desta realidade, evidência substantiva que, no caso da referida fatura 505/2014 terão sido prestados serviços conducentes à obtenção de rendimentos proporcionalmente aceitáveis e, nessa medida responde ao exigido pelos artigos 23 e 23-A do CIRC para ser considerado como gasto fiscalmente dedutível.

Considerando que a sujeição a tributação autónoma, nos termos do artigo 88º, nºs 1 e 8 do Código do IRC, decorre diretamente da qualificação em apreciação, a mesma não será, em consequência, devida relativamente à fatura nº 505/2014.

No que concerne ao pagamento do montante de € 140.000,00, em princípio correspondente à fatura 319/2014, continuam os elementos e esclarecimentos enviados pelo contribuinte a não ser suficientes para sustentar a qualificação como gasto fiscal, face ao exigido nomeadamente na al. r) do artigo 23º-A do CIRC, mantendo-se, por isso, o proposto no projeto de relatório, na parte que à mesma respeita.

Quanto às restantes correções mencionadas no projeto de relatório (Iva e tributação autónoma sobre deslocações e estadias), embora o contribuinte as refira na sua exposição, nada alega para justificar a sua não aceitação ou a não devida fundamentação, pelo que, também estas se mantêm conforme projeto.

Uma vez que tendo em conta os esclarecimentos que o contribuinte veio trazer no âmbito do direito de audição, levaram à aceitação como gasto fiscalmente dedutível o montante de € 156.009,80.

Deste modo, as correções propostas em sede de IRC, no para efeitos de relatório final, passam a ser as constantes dos quadros seguintes:

 

RESULTADO TRIBUTÁVEL             Declarado           Correção                             Corrigido

2014      -865.337,55         71.917,75            a)            -793.419,80

 

Tributação autónoma – valores de imposto        Declarado           Correção                             Corrigido

 

 

2014      Vários   7.156,61                                              7.156,61

                                                                              

                Fornecedor portaria 292/2011                   63.000,00             b)           63.000,00

                Deslocações e estadias                 1.859,54               c)            1.859,54

                SOMA   7.156,61               64.859,54                            72.016,15

a)            Proveniente de fatura 319/2014 B...– (VL 140.000,00€ - IVA 68 082,25€)

b)           Proveniente de fatura 319/2014 B...- 140.000,00€ x (0,35+0,1)

c)            Sem alteração em sede de direito de audição”

 

Z.            Na sequência da conclusão do procedimento de inspeção a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários:

a.            Demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., datada de 07.02.2018, incluindo tributações autónomas e juros, com valor a pagar de € 5.402,97, referente ao período de 2014;

b.            Demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., datada de 09.02.2018, no valor de € 6.411,32, reportada ao exercício de 2014. Este documento contém referências: (i) ao período de tributação “2014-01-01 a 2014-12-31”, (ii) à liquidação base de IRC “2018...”, (iii) ao valor base sobre que incidem os juros “64.859,54”, (iv) ao período de cálculo “2015-07-30 a 2018-01-16”, e (v) à taxa “(%) 4,000”;

c.            Demonstração de acerto de contas n.º 2018..., datada de 09.02.2018, que resultou no valor total a pagar de € 71.270,86, com data limite de pagamento de 21.03.2018 – cf. documento 1.

 

AA.        A Requerente prestou garantia bancária até ao montante de € 90.336,16, para suster o processo de execução fiscal n.º ...2018..., instaurado para cobrança das dívidas de IRC (incluindo Tributação Autónoma) e juros compensatórios constantes dos atos tributários acima identificados, tendo incorrido, até à data de propositura da presente ação arbitral, em gastos no valor de € 793,73 – cf. documentos 8 a 10.

 

BB.         Em discordância com as liquidações de IRC, Tributação Autónoma e juros compensatórios referentes ao exercício de 2014 supra identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 19 de junho de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados pela sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nas declarações de parte prestadas por E... e F..., bem como nos depoimentos das quatro testemunhas inquiridas, sendo duas delas funcionários de empresas de promoção imobiliária que, à semelhança da Requerente, foram clientes da B...– G... e H... .

 

As partes e as testemunhas depuseram com objetividade e conhecimento direto dos factos relatados e do mercado imobiliário. Confirmaram que a B... realizava a atividade de angariação de clientes chineses para imóveis portugueses e que a sua intervenção foi fundamental para a recuperação dos negócios, conseguindo, num dos promotores, intermediar cerca de 70 vendas de imóveis bem sucedidas, na sequência de um período de total estagnação. As empresas promotoras pagavam comissões que começaram em 2012 nos 15%, tendo depois subido para 20%. Num dos casos, o promotor português foi à China tentar angariar clientes diretamente, mas sem qualquer sucesso.

 

As testemunhas C... e I..., em ambos os casos funcionários da Requerente (um na área comercial, outro zelador do edifício em causa), foram consistentes e revelaram, de igual forma, conhecimento detalhado dos factos, atestando as visitas de clientes chineses ao edifício da Requerente, o modo como se processavam essas visitas, a situação do imóvel e a falta de vendas, à data.

 

                               FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

2.            DO DIREITO

 

2.1.        DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Discute-se na presente ação a dedutibilidade em IRC de uma comissão cobrada pela sociedade B..., com sede em Hong Kong, referente à venda a um cliente chinês, angariado por esta entidade, de um imóvel da Requerente.

 

O facto de o prestador de serviços B... estar sedeado em Hong Kong determina o enquadramento dos gastos incorridos pela Requerente no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, que estabelece uma regra de inversão do ónus da prova e a eventual incidência de Tributação Autónoma à taxa de 35%, acrescida de 10 pontos percentuais, conforme previsto no artigo 88.º, n.ºs 8 e 14 do mesmo Código.

 

De assinalar, ainda, que a liquidação controvertida comporta um valor de € 1.859,54 de Tributação Autónoma incidente sobre deslocações e estadias suportadas pela Requerente (não relacionadas com a prestação de serviços da B...) que a AT qualificou como despesas de representação – cf. artigo 88.º, n.ºs 7 e 14 do Código do IRC.

 

A Requerente suscita diversos vícios invalidantes dos atos tributários, que de seguida se apreciam, exceto na medida em que sejam prejudicados pelo conhecimento de outros:

(a)          Vícios procedimentais – relacionados com a ação inspetiva;

(b)          Vícios materiais – de violação de lei por erro nos pressupostos, de facto e de direito; e

(c)          Vícios formais – de falta de fundamentação e preterição do direito de audição, neste último caso, referente apenas à liquidação de juros compensatórios.

 

2.2.  VÍCIOS PROCEDIMENTAIS – EXTENSÃO NÃO FUNDAMENTADA DA INSPEÇÃO

 

A Requerente alega que a alteração da extensão do procedimento de inspeção, que inicialmente era parcial – limitado ao IRC – e foi alargado para “Geral-Polivalente”, não observou as formalidades legais, designadamente o artigo 15.º, n.º 1 do RCPITA, segundo o qual “[o]s fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução, mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada”.

 

Neste contexto, a Requerente invoca que não foi observado o dever de fundamentação, limitando-se a AT a referir que “no decurso do procedimento inspetivo confirmou-se a necessidade de efetuar a verificação global da situação tributária do sujeito passivo”, o que nada esclarece sobre a motivação e o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à alteração de âmbito da ação inspetiva, equivalente a falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 153.º, n.º 2 do CPA.

 

Segundo a Requerente, esta omissão da AT viola o disposto nos artigos 151.º do CPA, 77.º, n.º 1 da LGT e 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”), com a consequente invalidação dos atos subsequentes, decisórios do procedimento, em concreto, dos atos tributários de liquidação de IRC (incluindo Tributação Autónoma) e juros compensatórios, objeto desta ação arbitral.

 

Importa, antes de mais, notar que os atos tributários controvertidos se referem a um imposto, o IRC (incluindo a Tributação Autónoma) que já constava do âmbito inicial da ação inspetiva, tendo o alargamento incidido sobre os demais impostos que não constituem objeto desta ação. Deste modo, mesmo a verificar-se o vício invalidante de falta de fundamentação da decisão de alargamento do âmbito do procedimento inspetivo, este não é passível de afetar a ação inspetiva, no que se refere ao segmento do IRC, nem o ato decisório final de liquidação de IRC e de juros compensatórios inerentes, aqui em discussão.

 

Com efeito, e como atrás referido, este imposto (IRC) está, desde o início, abrangido pela Ordem de Serviço que determinou a inspeção, tendo sido devidamente comunicada a sua motivação e abrangência, pelo que não ocorreu, neste âmbito, a preterição de formalidade essencial, estando cumprido o objetivo do legislador de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspecionada, a ora Requerente.

 

Acresce que a preterição da formalidade consubstanciada na falta de fundamentação da alteração de âmbito respeitante a outros impostos não poderia ter qualquer influência no resultado a atingir em matéria de IRC.

 

Ou seja, só a parte afetada pelo alargamento, se ilegal, estaria viciada, pelo que apenas as conclusões relativas à ampliação do âmbito da inspeção ficariam feridas de invalidade, o que não tem qualquer efeito na situação sub iudice, pois os fundamentos e conclusões do Relatório de Inspeção, bem como os atos de liquidação subsequentes em discussão nestes autos, respeitam a IRC, matéria compreendida pelo âmbito do procedimento inspetivo desde o seu início, cuja delimitação originária de âmbito e respetiva notificação não enfermam de qualquer ilegalidade.

 

Esta posição é conforme à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), que considera que só as “conclusões referentes ao relatório de inspeção, relativas a tal alargamento são ilegais” – cf. o Acórdão (invocado pela Requerente) de 15.06.2016, proferido no processo n.º 1101/15, e, em sentido idêntico, o Acórdão de 19.09.2018, proferido no processo n.º 1460/17.

 

À face do exposto improcede o vício procedimental invocado pela Requerente, como fundamento de invalidade dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios vertentes.

 

2.3.  DEDUTIBILIDADE DA COMISSÃO DE ANGARIAÇÃO DE CLIENTES DEBITADA PELA  B...– ARTIGOS 23.º, N.º 1 E 23.º–A, N.º 1, AL. R) DO CÓDIGO DO IRC

               

QUADRO LEGAL

               

                A AT desconsiderou a dedução fiscal da comissão incorrida pela Requerente, em relação aos serviços prestados pela B..., com fundamento na falta de comprovação da efetividade do gasto, do seu caráter normal e de não ser de montante exagerado, atento o disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e 23.º–A, n.º 1, alínea r), ambos do Código do IRC, conjugados com o artigo 63.º–D da LGT e com o disposto na Portaria n.º 150/2004, de 13.02, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 08.11, que infra se transcrevem nas partes aplicáveis:

 

“Artigo 23.º do Código do IRC

Gastos e perdas

                1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. […]”

 

“Artigo 23.º–A do Código do IRC

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

                1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

                […]

                r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. […]”

 

“Artigo 63.º-D da LGT

Países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável

                1 – O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável. […]”

               

“Artigo 1.º da Portaria n.º 292/2011, de 08.11

Alteração à Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro

                Para os efeitos previstos na lei, a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, passa a ter a seguinte redação:

                […]

                31) Hong Kong;

                […]”

 

                Ressalta do cotejo das normas aplicáveis, a inversão do ónus probatório, ficando afastado o regime geral do artigo 74.º da LGT e a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes que consta do artigo 75.º da LGT. Passa, assim, a recair sobre os sujeitos passivos a comprovação da efetividade dos encargos e despesas devidos a entidades residentes em territórios com um regime de tributação claramente mais favorável, categoria na qual se enquadra Hong Kong, região administrativa especial pertencente à República Popular da China, onde se encontra estabelecida a sociedade prestadora de serviços B... .

 

                Estas normas encerram uma marcada finalidade anti-abuso e estabelecem requisitos adicionais, que se prendem com o caráter normal dos gastos e a razoabilidade do respetivo montante, cujo ónus impende, de igual modo, sobre o contribuinte.

 

                Interessa, pois, aferir se a Requerente satisfez este ónus de comprovação dos pressupostos da efetividade, normalidade e do valor não exagerado dos gastos suportados em relação à angariação de clientes que lhe foi debitada pela B... na fatura n.º 319/2014, com o valor de € 140.000,00.

 

EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS DE ANGARIAÇÃO PRESTADOS À REQUERENTE

               

                Resulta inequívoco da prova produzida nos autos que, no exercício de 2014, a B... prestou à Requerente serviços de angariação de clientes chineses, tendo em vista a aquisição dos ativos imobiliários daquela, realizando-se dezenas de visitas ao prédio cujas frações estavam a ser comercializadas, por parte de potenciais interessados de origem chinesa, que vieram a culminar em duas vendas efetivas que ascenderam a € 1.705.940,00, uma no valor de € 905.940,00, cuja escritura de compra e venda foi celebrada em 2014, e outra de € 800.000,00, cuja escritura se realizou já no ano 2015, embora estivesse prevista para 2014, tendo sido adiada por constrangimentos do cliente, que pagou a totalidade do preço ainda no decurso de 2014.

 

                Estes serviços assentam num acordo devidamente formalizado entre as partes e materializaram-se na divulgação e promoção do prédio da Requerente no mercado chinês junto de potenciais clientes com perfil e capacidade aquisitiva, na deslocação e acompanhamento desses potenciais clientes ao prédio da Requerente e nos procedimentos administrativos e burocráticos necessários à conclusão dos processos de venda dos imóveis, associados à obtenção de residência em Portugal.

 

                O descritivo “Marketing Consulting” que consta das faturas emitidas pela B..., não sendo o mais adequado à representação dos serviços prestados de angariação de clientes, tem de ser avaliado em conjunto com outros elementos de prova complementares, como o teor dos serviços descritos no contrato e as demais evidências que permitem concluir, sem dificuldade, que estamos perante uma atividade de angariação de clientes em contexto de intermediação imobiliária.

 

                Uma vez demonstrada a materialidade das operações, a eventual desconformidade (parcial) do descritivo, desconformidade que no caso nem sequer é imputável à Requerente, pois a emissão da fatura cabe ao prestador de serviços, configura o incumprimento de um requisito formal que não pode ter por efeito a desconsideração do gasto no cômputo da matéria coletável de IRC da Requerente.

 

                Como afirma RUI MORAIS “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 05.07.2012, processo n.º 658/11, e de 14.09.2011, processo n.º 433/11. Apesar de anteriores à Reforma do IRC de 2014, cremos que estas considerações se mantêm válidas .

 

                Convém, por outro lado, notar que no decurso do procedimento inspetivo, quando notificada nos termos do artigo 23.º-A, n.º 8 do Código do IRC, a Requerente veio logo clarificar e identificar a natureza dos serviços prestados referindo que contratou os serviços da B... para criar oportunidades de venda de imóveis a cidadãos chineses, explicação que reiterou mais tarde, em sede de direito de audição, e que se constata corresponder à realidade.

 

                É, pois, infundada a alegação da Requerida de que não tinha sido dado conhecimento à AT de que os serviços respeitavam à intermediação na venda de imóveis e de que, por isso, teria sido induzida em erro e ocorrido abuso de direito.

 

                Adicionalmente, não é razoável supor que o afluxo de clientes chineses, a milhares de quilómetros de distância de Portugal e com diferenças linguísticas e culturais assinaláveis, pudesse ocorrer sem a intervenção de agências de intermediação com presença no mercado chinês, que identificassem os potenciais interessados atendendo ao seu perfil de investimento, organizassem e assegurassem a respetiva vinda a Portugal, selecionassem os imóveis adequados às finalidades visadas (relembra-se que o investimento imobiliário mínimo para efeitos de “Vistos Gold” se cifrava em € 500.000,00) e apoiassem esses clientes nos trâmites jurídico-administrativos necessários à concretização das operações que, em regra, envolviam, também, a simultânea obtenção da ARI.

 

                Aliás, a AT acabou por reconhecer em sede de apreciação do direito de audição que os serviços estavam substanciados no que se refere ao primeiro imóvel alienado, não se compreendendo as razões de rejeição do segundo imóvel, aqui em discussão, uma vez que se trata de uma situação exatamente idêntica, cuja única diferença residiu no facto de a escritura de compra e venda ter sido postergada alguns meses a pedido do cliente.

 

                A Requerida argumenta na sua resposta que se trata de uma justificação “não referida em sede [de] procedimento de inspeção” e que a operação de venda do imóvel apenas foi realizada em 2015, posterior ao ano 2014 sobre o qual incidiu a inspeção. Conclui que, não estando essa venda refletida na contabilidade de 2014, não existe operação à qual a comissão da B... possa ser imputada ou corresponder.

 

                Para tanto, invoca o princípio da especialização dos exercícios e o disposto no artigo 18.º, n.º 6 do Código do IRC, segundo o qual “[a] determinação de resultados nas obras efetuadas por conta própria vendidas fracionadamente é efetuada à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, ainda que não sejam conhecidos exatamente os custos totais das mesmas.”

 

                Porém, a questão da periodização do lucro tributável, i.e., da imputação da comissão em apreço ao exercício de 2015 e não ao exercício de 2014, com a consequente desconsideração do gasto em 2014, não foi suscitada no procedimento inspetivo, nem consta da fundamentação dos atos tributários controvertidos vertida no RIT. Trata-se, por conseguinte, de um fundamento posterior à emissão dos atos de liquidação. A nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori, apenas se podendo considerar na apreciação da validade dos atos tributários, a fundamentação contextual destes, externada até ao momento da liquidação, e que integra os próprios atos, tendo sido por eles apropriada – cf. artigo 153.º, n.º 1 do CPA (anterior artigo 125.º, n.º 1) e a jurisprudência constante do STA, referindo-se, a título de exemplo, os Acórdãos de 04.10.2017, processo n.º 406/13; de 06.07.2017, processo n.º 1436/15; de 27.01.2016, processo n.º 43/16; de 16.09.2015, processo n.º 156/15; de 09.09.2015, processo n.º 1173/14; de 26.03.2014, processo n.º 1674/13, e de 23.04.2014, processo n.º 1690/13.

 

                Os únicos fundamentos que antecederam a liquidação de IRC aqui em causa referem-se à efetividade, ao caráter normal e ao montante dos serviços prestados à Requerente pela B..., nada tendo sido invocado relativamente ao momento em que a comissão foi contabilizada e à especialização dos exercícios. 

 

                Afigura-se, de igual modo, que a alegação de “desconhecimento” da AT não constitui argumento atendível e impeditivo da tomada em consideração da realidade material adquirida (processualmente) pelo Tribunal, para além de que não foi apontada pela AT qualquer atuação da Requerente violadora do dever de colaboração no decurso do procedimento inspetivo.

 

                Obiter dictum, assinala-se ainda que a interpretação do artigo 18.º, n.º 6 do IRC defendida pela Requerida, no sentido de que o gasto com a comissão apenas poderia ser considerado em 2015, não é inevitável, pois tendo o pagamento integral da operação de venda do imóvel ocorrido ainda em 2014 e faltando apenas a formalização do contrato (escritura de venda) por falta de agenda do adquirente, poderia concluir-se pela afetação económica (“entrega”) daquele ao adquirente em momento anterior ao da formalização do contrato translativo do direito de propriedade, vg. no momento do pagamento integral do preço. Neste contexto, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 20, sobre o rédito, no ponto 14, não exige que o reconhecimento da venda ocorra apenas com a transferência jurídica da propriedade do bem, alicerçando-se, antes, na transferência para o comprador dos riscos e vantagens significativos da propriedade, entre outros critérios. Por outro lado, mesmo não estando a venda contabilizada em 2014, tal não significa que não o devesse ter sido, pelo que, a priori, não se pode corroborar a tese da Requerida.

 

                À face do exposto, verifica-se que os serviços de angariação de clientes chineses foram realizados pela B..., que os gastos incorridos pela Requerente tiveram lugar com a concretização das vendas dos imóveis e em razão destas, e que tais vendas representaram rendimentos de aproximadamente 1,75 milhões de euros, numa conjuntura económica afetada por anos de contração da procura e de estagnação do mercado imobiliário. No ano anterior, 2013, a Requerente não tinha conseguido vender nenhum imóvel, apesar de estar fortemente endividada junto da banca e de suportar substanciais encargos financeiros, representando estas vendas um encaixe financeiro essencial à viabilização e continuidade da sua atividade. 

                Acresce referir que os fluxos financeiros relativos aos pagamentos e transferências monetárias são coincidentes com os valores das operações e das faturas declarados pela Requerente.

 

                A realização efetiva das operações não significa, como sustenta a Requerida, que os gastos incorridos se traduzam na obtenção de rendimentos, embora na situação vertente não subsistam dúvidas de que o foram.

 

                A efetividade é uma condição distinta, que se prende com a prestação real e materializada dos serviços e não com o sucesso ou insucesso do contributo dos mesmos para os objetivos visados. Tal aceção implicaria que a AT pudesse apreciar as decisões de gestão dos sujeitos passivos, o que contenderia com o princípio de “liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo” – cf. Acórdão do STA (pleno), de 15.06.2011, processo n.º 49/11.

 

                Conclui-se, portanto, pela demonstração de que tais encargos, i.e., a comissão debitada pela B... à Requerente, correspondem a operações efetivas e de que existe um nexo causal entre os respetivos serviços prestados e a atividade imobiliária desenvolvida, como postulam os artigos 23.º, n.º 1 e 23.º–A, n.º 1, alínea r), ambos do Código do IRC. 

 

CARÁTER NORMAL DOS SERVIÇOS

 

                A comercialização de imóveis situados em Portugal junto de clientes asiáticos implicou a prestação de serviços de intermediação e de agenciamento internacional, que no caso foram realizados pela B..., existindo, para além da Requerente, diversos promotores imobiliários portugueses que utilizaram os serviços daquela empresa (e de outras similares) para lograrem vender os seus imóveis a clientes chineses. Como já mencionado, não se afigura viável que a angariação de clientes chineses fosse realizada por mediadoras nacionais, que não tinham presença, nem representação na China, pois dificilmente poderiam alcançar potenciais clientes e trazê-los a Portugal propiciando vendas.

 

                Importa não esquecer a conjuntura económica que se viveu em Portugal nos anos antecedentes, de retração da procura e de falta de liquidez, com as empresas do setor imobiliário alavancadas (endividadas), sob pressão e com enorme premência na comercialização dos imóveis detidos para conseguirem cumprir os compromissos financeiros assumidos.

                Nestas circunstâncias, o recurso a empresas intermediárias como a B..., angariadoras de clientes internacionais com capacidade aquisitiva para comprarem os imóveis que os promotores não estavam a conseguir escoar, não só é normal, como uma prudente medida de gestão, em especial, como no caso da Requerente, quando não comporta a assunção de quaisquer custos fixos, apenas sendo devidos pagamentos aos angariadores na hipótese de concretização de vendas. Anormal seria que perante as circunstâncias económicas desfavoráveis que tinham perdurado nos anos anteriores, as empresas do setor imobiliário não tentassem revertê-las e dinamizar as vendas de ativos essenciais à sua solvência.

 

                No mesmo sentido ajuíza a Decisão Arbitral proferida no processo do CAAD n.º 198/2017-T, de 21.11.2017 , num caso similar, conforme o seguinte excerto ilustrativo:

 

“Não se justificam dúvidas sobre a realização desta atividade, não só porque foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B… relativa a essas atividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto direto com essas atividades.

Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indireta, mas convincente, de que houve uma eficiente atividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente atividade de angariação.

Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efetivamente realizadas.

Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efetividade da atividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efetuados apenas em função dos resultados.”

 

                As condições contratuais constantes do contrato celebrado com a B... apresentam-se equilibradas, sendo reais as vantagens auferidas com a sua celebração por banda da Requerente que, após a contratação dos serviços da B..., conseguiu encaixar 1,75 milhões de euros com a venda de dois imóveis a clientes chineses, quando no ano anterior não tinha comercializado um imóvel sequer. Os encargos assumidos, i.e., a remuneração dessas vantagens, têm uma relação direta com os benefícios resultantes da prestação de serviços, pois constituem uma percentagem [17%] do valor de comercialização dos imóveis junto dos clientes angariados, de harmonia com os critérios enunciados no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) de 19.02.2015, proferido no processo n.º 8126/14 .

 

                Conclui-se, portanto, que os encargos incorridos são comuns e habituais no âmbito da contratação de serviços de intermediação imobiliária internacional e têm uma conexão direta com os benefícios auferidos pela Requerente em relação aos serviços adquiridos à B... .

 

MONTANTE NÃO EXAGERADO

 

                No que se refere ao quantum da remuneração suportada pela Requerente em relação aos serviços prestados pela B..., constata-se que se situa no intervalo de comissões praticadas por empresas com atividade similar de angariação de clientes chineses para imóveis comercializados em Portugal que se situavam, à data, na ordem dos 20%, como resultou provado. Assim, a Requerente incorreu em gastos comparáveis, até ligeiramente inferiores, àqueles suportados por empresas do mesmo setor que adquiriram serviços idênticos de agenciamento de clientes chineses. 

 

                Interessa assinalar que não estão em causa partes relacionadas, nem tal foi invocado na fundamentação da AT.

 

EM SÍNTESE,

 

A Requerente demonstrou que os gastos desconsiderados pela AT foram incorridos no decurso e no âmbito da atividade desenvolvida, em conformidade com o interesse social, preenchendo os requisitos de dedutibilidade constantes do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Adicionalmente, satisfez o ónus da prova que sob si impendia, de acordo com o disposto no artigo 23.º–A, n.º 1, alínea r) do Código do IRC, relativamente à demonstração da efetividade, normalidade e do caráter não exagerado dos encargos/comissão suportados com os serviços de angariação de clientes prestados pela B..., constantes da fatura n.º 319/2014.

 

Deste modo, a desconsideração da dedução fiscal, para efeitos de IRC, destes gastos enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo os atos tributários referentes ao exercício de 2014 anuláveis neste segmento, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT .

 

2.4.  TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA

 

Para além da desconsideração (da dedução) fiscal da comissão paga à B..., a AT sujeitou-a a Tributação Autónoma, ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.ºs 8 e 14 do Código do IRC, que dispõe nos termos seguintes:

 

“Artigo 88.º do Código do IRC

Taxas de tributação autónoma

[…]

8 – São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

[…]

14 – As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC. […]”

 

                Como se extrai da leitura do n.º 8 deste preceito, os pressupostos da incidência de Tributação Autónoma são idênticos aos previstos no artigo 23.º, n.º 1, alínea r) do Código do IRC acima escrutinados, pelo que, tendo-se concluído que a Requerente fez prova da efetividade das operações [serviços de angariação de clientes] e do caráter normal e não exagerado das “despesas” pagas, tais pressupostos não se encontram reunidos e, em consequência, a correspondente Tributação Autónoma também não é devida.

 

Todavia, importa referir que a AT liquidou Tributação Autónoma sobre um conjunto de outras despesas não relacionadas com a prestação de serviços da B..., contabilizadas como deslocações e estadias, no valor global de € 9.297,72, qualificando-as como despesas de representação, às quais aplicou a taxa de 10%, acrescida de 10 pontos percentuais, conforme previsto no artigo 88.º, n.ºs 7  e 14 do Código do IRC, cifrando-se o imposto em € 1.859,54. Relativamente a esta matéria, a Requerente não deduziu qualquer alegação de facto ou de direito que coloque em causa a sua validade e que justifique a anulação (parcelar) dos atos tributários.

 

Deste modo, os atos tributários são inválidos e anulados na parte em que incide Tributação Autónoma, ao abrigo do artigo 88.º, n.ºs 8 e 14 do Código do IRC, sobre a comissão de € 140.000,00 suportada pela Requerente (cf. artigo 63.º, n.º 1 do CPA), mantendo-se, porém, no que respeita à Tributação Autónoma incidente sobre despesas de representação, ao abrigo do 88.º, n.ºs 7 e 14 do Código do IRC, no valor de € 1.859,54, e juros compensatórios que lhe correspondam, improcedendo neste segmento o pedido anulatório da Requerente.

 

2.5.  FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – ÓNUS DA PROVA

 

Segundo a Requerente, a AT não indicou as razões pelas quais não valorou os elementos de prova e os argumentos aduzidos na ação inspetiva e no direito de audição, violando o dever de fundamentação consagrado nos artigos 77.º, n.º 2 da LGT, 153.º, n.º 2 do CPA (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT) e 268.º, n.º 3 da CRP. Acrescenta que a AT se limitou a concluir e a julgar sem fundamentar e, desta forma, negligenciou o alcance prático dos artigos 60.º, n.º 7 e 70.º da LGT, violando os princípios da certeza e segurança jurídica e da confiança.

 

Afigura-se que, neste ponto, não assiste razão à Requerente. Resulta do RIT que a AT indicou as razões factuais e jurídicas para o entendimento que preconizou, permitindo que a Requerente as conhecesse, acompanhasse o iter cognoscitivo, controlasse a sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e acedesse à garantia contenciosa. De igual modo, não se alcança qual o suporte para a alegada violação dos princípios da certeza, da segurança jurídica e de proteção da confiança, que é insubsistente.

 

                 Improcede, pelas razões expostas, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente, que não se confunde com a discordância da fundamentação que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014).

 

2.6. JUROS COMPENSATÓRIOS

 

                A Requerente sustenta, sem razão, que a liquidação de juros compensatórios não está fundamentada.

 

Com efeito, constata-se que, embora de forma sucinta como é permitido pelo artigo 77.º, n.º 2 da LGT, o RIT refere de forma expressa que serão liquidados os juros compensatórios devidos, nos termos do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária e do artigo 102.º do Código do IRC.

 

Adicionalmente, o documento de liquidação de juros compensatórios contém as menções essenciais exigidas pelo artigo 35.º, n.º 9 da LGT, pois evidencia com clareza (i) o valor da prestação sobre que incidem (valor base de IRC – € 64.859,54), (ii) o próprio montante de juros, e (iii) o correspondente apuramento que resulta da aplicação da taxa anual referida no documento, de 4%, pelo período decorrido (de 30.07.2015 a 16.01.2018).

 

A jurisprudência do STA tem consolidado o entendimento de que a mínima fundamentação exigível para os atos de liquidação de juros deve indicar a quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo – vide por todos o Acórdão do STA, de 09.03.2016, no processo n.º 805/15.  Considera este aresto que está “cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo […]) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.”

 

Relativamente ao requisito da culpa, convém notar que a fundamentação e consequente imputação se consideram satisfeitas se, como sucede in casu, for estabelecida a relação entre a situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a AT a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte, conforme refere o Acórdão do STA (Pleno), de 22.01.2014,  proferido no processo n.º 1490/13 e, bem assim, o Acórdão do TCA Sul, de 19.09.2017, no processo n.º 7964/14.

 

Preconiza o STA, no aresto citado, que a existência de culpa é de aferir em abstrato  e que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, sufragam a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infração tributária, sem prejuízo de este juízo de censura poder ser afastado quando ocorram circunstâncias que o justifiquem.

 

Nestes termos, conclui-se que a liquidação de juros compensatórios não enferma de vício formal de falta de fundamentação, pois contém os elementos necessários à sua aferição, nem de vício relativo à falta de imputação dos factos à Requerente a título de culpa.

 

                No que se refere à preterição do direito de audição, trata-se de vício que não é de conhecimento oficioso e que foi invocado pela Requerente, de forma extemporânea, em fase de alegações, não podendo ser conhecido por este Tribunal Arbitral, atento o princípio da preclusão que enforma o direito processual português e postula a concentração das alegações constitutivas da causa de pedir no articulado inicial (cf. artigos 10.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, 108.º, n.º 1 do CPPT, 78.º, n.º 2, alínea f) e 91.º, n.º 3, alínea e) do CPTA e 552.º, n.º 1, alínea d) e 604.º, n.º 3, alínea e) do CPC).

 

                Interessa, no entanto, recordar que os juros compensatórios apenas são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido”.

 

Ora, na situação vertente, concluiu-se que, à exceção do valor de imposto (Tributação Autónoma) de € 1.859,54, as demais correções eram inválidas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, gerador de anulabilidade. Assim, com ressalva do mencionado valor de € 1.859,54, sobre o qual é devida a contagem de juros, no remanescente não se verifica o pressuposto constitutivo de qualquer obrigação de juros compensatórios, pois não foi retardada a liquidação de imposto que fosse devido. 

 

                Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios deve ser parcialmente anulada por vício de violação de lei, subsistindo apenas relativamente ao segmento da Tributação Autónoma, na importância de € 1.859,54, incidente sobre despesas de representação. 

 

2.7. INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA

 

A Requerente, ancorada nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, peticiona o pagamento de uma indemnização, uma vez que, conforme ficou provado, prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das quantias de IRC e de juros compensatórios liquidadas.

 

O artigo 171.º do CPPT estabelece que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda (n.º 1) e que a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (n.º 2).

 

O processo de impugnação judicial abrange, desta forma, a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

 

Constituindo o processo arbitral um meio processual alternativo à impugnação judicial, no qual é discutida a legalidade do ato(s) tributário(s) subjacente(s) à dívida exequenda, sempre que os contribuintes optarem pela via arbitral, é neste processo que deve ter lugar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

                Neste sentido se pronuncia a jurisprudência consolidada dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD que afirmam ser a ação arbitral o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cf. as decisões arbitrais proferidas em 04.11.2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18.05.2016, no processo n.º 695/2015-T, em 02.01.2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28.06.2017, no processo n.º 508/2016).

 

Dispõe o artigo 53.º da LGT, que rege o direito a indemnização por garantia indevida, nos seguintes moldes:

“Artigo 53.º da LGT

Garantia em caso de prestação indevida

                               1.            O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

                               2.            O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                               3.            A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                               4.            A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

                A situação vertente é     enquadrável no n.º 2 deste artigo, dependendo o direito à indemnização por prestação de garantia indevida da constatação de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, como pressuposto constitutivo.

 

Neste sentido, conforme preconiza o Acórdão do STA, de 21.11.2007, no processo n.º 633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.

 

Assim, demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal resultante do não pagamento da prestação tributária ilegalmente liquidada, assiste ao contribuinte o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia.

 

Compulsados os autos, foi o que ocorreu na situação vertente, tendo a Requerente sido alvo de liquidações ilegais de IRC (incluindo Tributação Autónoma) e de juros compensatórios, da exclusiva iniciativa da AT, sem ter contribuído para que os mesmos fossem praticados, com exceção da quantia de € 1.859,54 de Tributação Autónoma incidente sobre despesas de representação, que se afigura devida ao abrigo do 88.º, n.ºs 7 e 14 do Código do IRC e inerentes juros compensatórios.

 

Por outro lado, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária para sustação da execução até ao montante de € 90.336,16.

Deste modo, procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida até ao respetivo cancelamento, exceto na parte relativa ao valor de € 1.859,54 de Tributação Autónoma adicionada dos juros compensatórios correspondentes . Isto, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3 da LGT.

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

 

IV.          DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

(a)          Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IRC – Tributação Autónoma, no valor de € 63.000,00;

(b)          Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de juros compensatórios na parte em que estes incidem sobre o valor da prestação tributária anulada (de € 63.000,00);

(c)          Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização à Requerente, a liquidar em execução da presente decisão, pelas despesas suportadas com a prestação indevida de garantia bancária, até ao respetivo cancelamento, na parte proporcional do valor de IRC e de juros compensatórios anulados, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3, da LGT; 

 

                tudo com as legais consequências.

                VALOR DA CAUSA - fixa-se ao processo o valor de € 71.270,86, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                CUSTAS no montante de € 2.448,00, sendo € 2.374,56 a cargo da Requerida (97%) e € e € 73,44 a suportar pela Requerente (3%), na proporção do respetivo decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 31 de maio de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Augusto Vieira

Magda Feliciano