Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 410/2018-T
Data da decisão: 2019-04-06  IRC  
Valor do pedido: € 1.788.275,87
Tema: Dedutibilidade de gastos; Ofertas; Deslocações; Menos valias por alienação de créditos.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de Agosto de 2018, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., ... - ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos tributários:

i.             Liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 14 de Maio de 2018, demonstrações de liquidação de juros n.º 2018... e 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 16 de Maio de 2018, relativos ao exercício de 2013, apurando o montante total de € 1.509.787,28 a pagar, com data limite de pagamento no dia 25 de junho de 2018;

ii.            Liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 18 de Abril de 2018, demonstrações de liquidação de juros n.º 2018... e 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 20 de Abril de 2018, relativo ao exercício de 2014, apurando o montante total de € 230.154,23 a pagar, com data limite de pagamento no dia 30 de Maio de 2018;

iii.           Liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 18 de Abril de 2018, demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 24 de Abril de 2018, relativo ao exercício de 2015, apurando o montante total de € 48.334,36 a pagar, com data limite de pagamento no dia 4 de Junho de 2018;

 no valor de total de € 1.788.275,87.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

a.            As despesas que efectuou, e deduziu para efeitos fiscais nos exercícios correspondentes, com ofertas de diversos bens a clientes e com deslocações e estadas são gastos relevantes para efeitos fiscais, nos termos do disposto artigo 23.º do CIRC;

b.            Além das mencionadas despesas terem sido gastos importantes para a prossecução da sua actividade, destinados a fidelizar Clientes e Fornecedores da Requerente, não cabe à AT julgar o mérito de tal investimento ou a pretensa "dispensabilidade" dos mesmos, numa óptica da gestão da empresa;

c.            Este entendimento tem sido largamente sufragado pela Doutrina e pela Jurisprudência, que entendem que a autonomia na gestão empresarial deve ser salvaguardada de qualquer sindicância quanto à "dispensabilidade" das despesas por partes da AT, sempre e inquestionavelmente inadmissível;

d.            Não tendo a AT validamente colocado em causa a veracidade das despesas ou o seu suporte documental, estas devem ser aceites como gastos para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC;

e.            Relativamente aos gastos incorridos pela Requerente com a alienação de créditos abaixo do respectivo valor nominal, ficou cabalmente demonstrado que as perdas por imparidade foram "repostas", ainda que para tal não tenha sido necessário nenhum movimento numa conta de rendimentos, por o mesmo não ser exigível à Requerente;

f.             Do que se trata é, na verdade, de menos-valias apuradas na sequência da alienação dos créditos, pelo valor condizente com as condições possíveis a que a Requerente conseguiu recuperar junto de uma entidade terceira independente os créditos que reconhecidamente admitia de cobrança muito difícil, obtendo ainda assim um rendimento na ordem das centenas de milhares de euros, ao invés de optar, como parece fazer crer a AT que teria sido a melhor opção, pela não cessão dos créditos em análise e consequente conformação com um elevado e crescente risco de uma perda total ao invés de uma perda de 95%...;

g.            Como tem vindo a ser preconizado pela Doutrina e pela Jurisprudência, o enquadramento da operação deve ser o do tratamento como uma menos-valia, não estando a dedutibilidade fiscal desta dependente de critérios como a verificação dos requisitos previstos nos artigos 35.º, 36.º e 41.º do CIRC, mas tão só e apenas dos requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC;

h.            Pois caso assim não fosse, estaria a Requerente a suportar uma dupla tributação sobre o mesmo montante, violadora dos princípios constitucionais da legalidade, da tributação de acordo com a capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real, enquanto emanação dos princípios da igualdade e justiça tributárias, contidos nos artigos 103.º e 104.º da CRP;

i.             As Liquidações Adicionais devem ser anuladas, por estarem feridas de ilegalidade - senão de inconstitucionalidade - as correcções fiscais que estão na sua base.

 

3.            No dia 29-08-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. António Moura Portugal, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Dr.ª Carla Castelo Trindade.

 

5.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

6.            Na sequência de requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

7.            Em 25-10-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

8.            Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 15-11-2018.

 

9.            No dia 27-12-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, e sustentando, em suma, a verificação dos fundamentos materiais que estão na base da desconsideração dos gastos suportados pela Requerente, que se prendem com a falta de preenchimento dos requisitos e condições previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC para a sua dedutibilidade, não enfermando as liquidações em apreço, nem as correções à matéria tributável, de qualquer vício, devendo manter-se na ordem jurídica.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas alíneas. c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no artigo 21.º n.º 1 do RJAT.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria

n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspecção tributária de natureza externa de âmbito parcial referente a IRC e IVA dos exercícios de 2013,2014 e 2015, com início em 17 de Outubro de 2017.

2-            No âmbito do procedimento inspectivo, verificou a Inspecção Tributária que estavam registados pela Requerente, na conta 6234 – artigos de oferta, gastos atinentes à aquisição de diversos bens destinados a ofertas sem que os documentos de suporte identificassem os respectivos beneficiários.

3-            Os valores constantes da referida conta ascendiam:

a.            2013 - €24.619,13 (0,2% do volume de negócios);

b.            2014 - €3.412,65 (0,04 do volume de negócios);

c.            2015 - €1.564,36 (0,02% do volume de negócios).

4-            Foram objecto de correcção por não preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende a dedutibilidade dos gastos enunciados no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, as seguintes importâncias despendidas com ofertas de cheques viagens, bilhetes de época para espectáculos da ..., Cartões Dá Valor (...), garrafas de vinho, ... Feminina:

a.            2013 - €21.545,00;

b.            2014 - € 2.383,50;

c.            2015 - € 1.330.95.

5-            Mais verificou a Inspecção Tributária que estavam registados na conta 6251 – Deslocações e Estadas – gastos que tinham como suporte documentos que indicam a realização de viagens de avião e estadas em hotéis no estrangeiro, sem que fosse apresentada documentação que evidenciasse quem realizou as despesas de viagens e estadas e com que finalidades.

6-            Julgando verificada a impossibilidade de avaliar se os referidos gastos preenchiam os requisitos do n.º 1 do art.º 23.º, a Inspecção Tributária a promoveu a desconsideração dos gastos como dedutíveis e a efectivação das seguintes correcções ao lucro tributável da Requerente:

a.            2013 - €38.327,04;

b.            2014 - €5.177,25;

c.            2015 - €4.235,59.

7-            No exercício de 2013, a AT promoveu, ainda, a desconsideração da dedutibilidade das perdas por imparidade associadas a créditos alienados por valor inferior aos respectivos valores nominais, no montante de €4.479.246,80, equivalente à diferença entre os valores nominais dos créditos e o valor pelo qual foram cedidos, conforme o seguinte quadro:

 

8-            Bem como a desconsideração, no exercício de 2014, da dedução fiscal de perdas no montante de € 1.867.733,65, resultante da alienação de créditos sobre clientes de €1.986.950,53, pelo valor de €119.216,90, conforme o seguinte quadro:

 

9-            A Requerente foi oportunamente notificada, para, querendo, exercer o correspondente direito de audição.

10-         Em requerimento datado de 3 de Abril de 2018, a Requente apresentou exposição ao abrigo do direito de audição.

11-         A AT manteve na íntegra, no Relatório de Inspecção, as correcções que havia proposto, e que se resumem ao seguinte:

a.            Não aceitação da dedutibilidade de despesas com artigos de oferta, como cheques viagem e cartões-oferta, no valor de € 25.259,45 nos três exercícios;

b.            Não aceitação da dedutibilidade de despesas com deslocações e estadas no valor de € 47.739,88 nos três exercícios; e

c.            A não aceitação do reconhecimento como gasto dos valores decorrentes da alienação, abaixo do seu valor nominal, de créditos detidos pela requerente, no valor de € 6.4346.980,26, nos três exercícios.

12-         Do Relatório de Inspecção Tributária consta, no que para o caso releva, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

             

13-         A AT levou, então, a efeito as seguintes correções:

 

14-         Tendo, em consequência, emitido os actos tributários objecto da presente acção arbitral.

15-         Os montantes de imposto aí liquidados foram pagos em 18 de Junho de 2018 (quanto à liquidação de 2013), em 30 de Maio de 2018 (quanto à liquidação de 2014) e em 7 de Junho de 2018 (quanto à liquidação de 2015),

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme é processualmente pacífico, são essencialmente três as questões a dirimir no presente processo arbitral, e todas elas relacionadas com a matéria da dedutibilidade de gastos, em três exercícios concretos: 2013, 2014 e 2015.

Na ordem em que são apresentadas pela Requerente, as questões dizem respeito à não aceitação da dedutibilidade de:

a)            encargos com ofertas;

b)           gastos com deslocações e estadas; e

c)            gastos inerentes à alienação, abaixo do valor nominal, de créditos detidos pela Requerente.

Todas as estas questões se reconduzem à problemática mais geral da dedutibilidade dos gastos em IRC, regulado, em primeira linha pelo art.º 23.º do CIRC, que, no período abrangido, foi regulado por normas legais de redacção distinta, conforme se passa a transcrever:

- Exercício de 2013: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:...”;

Exercícios de 2014 e 2015:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”.

Não obstante as distintas redacções, com consabidas repercussões, pelo menos, ao nível da clarificação das interpretações a operar na matéria, crê-se que o diferente teor das normas a aplicar aos distintos exercícios em questão, não contenderão com a solução a dar às questões a resolver.

Vejamos, então, cada uma delas.

 

*

A.

                Relativamente ao primeiro dos temas indicados, verifica-se que a AT entendeu, em suma, que uma vez que não foi possível identificar os beneficiários das ofertas, não poderão os gastos em questão ser aceites, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

                Conforme não é disputado nos autos, os encargos em questão relacionam-se com ofertas, ou seja, disposições gratuitas a favor de terceiros, efectuadas pela Requerente.

                E, conforme é consabido, os sujeitos passivos de IRC são, por regra e paradigma, sujeitos empresariais, cuja actividade principal visa a obtenção do lucro, o que, por natureza, é avesso à realização de disposições patrimoniais gratuitas.

                Por esse motivo, o CIRC, em ambas as redacções aplicáveis dispõe, no seu art.º 24.º/a), que não concorrem para a formação do lucro tributável “as variações patrimoniais negativas (...) que consistam em liberalidades”.

                Não obstante, nem todas as disposições patrimoniais gratuitas constituirão liberalidades, já que, para o que o sejam, será imprescindível que lhes assista o chamado animus liberandi.

                A este propósito dispõe o artigo 940.º n.º 2 do Código Civil que “Não há doação (...) nos donativos conformes aos usos sociais.”.

                Deste modo, não deverão ser consideradas liberalidades os donativos conformes aos usos sociais, na medida em que não lhes assiste o espírito de liberalidade, mas antes o ânimo de conformação com aqueles usos.

                Sendo que dúvidas não haverá que as ofertas comerciais constituem uma prática enraizada  e socialmente aceite e valorizada, pelo que se enquadrarão naquele conceito de donativos conformes aos usos sociais, não sendo, portanto e para efeitos de IRC, considerados liberalidades.

                Posto isto, e como também é reconhecido por ambas as partes no litígio, a consideração como custo dos encargos suportados com ofertas comerciais, em ordem a concorrerem (negativamente) para o cômputo do lucro tributável dos sujeitos passivos que as praticam, implica que estes cumpram os requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos.

                Relativamente ao ónus da prova nesta matéria, tem sido entendido pela jurisprudência nacional que:

“1. Só não são indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte”.

2. É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus probatório da indispensabilidade dos seus custos.

3. Contudo, se a administração tributária/at, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at.” .

                No caso, julga-se que se verifica a previsão do n.º 3 do sumário do Acórdão transcrito, ou seja, a AT suscitou fundadamente a dúvida sobre a relação justificada entre os concretos artigos declarados como ofertados pelo sujeito passivo, e a actividade deste.

                E, essencialmente, funda tal dúvida na não identificação dos beneficiários de tais ofertas.

                Não se podendo deixar de julgar sustentado tal fundamento, haverá que considerar que “necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at”

                A Requerente, embora prestando os esclarecimentos de que o RIT dá conta, não apresentou, como igualmente o RIT refere, qualquer documento, ainda que interno, ou outro elemento de prova, que indiciasse a identidade dos beneficiários das ofertas em causa, ou as concretas circunstâncias em que aquelas se deram.

                Relativamente a esta matéria, note-se, antes de mais, que o universo da prática de ofertas no âmbito da actividade comercial, compreender realidades que podem ir desde pequenos brindes (porta-chaves, esferográficas), até à oferta de bens de valor mais substancial (como ocorre no caso; por exemplo, garrafas de vinho no valor de €198,00 cada).

                E, naturalmente, que as circunstâncias próprias da realização de cada oferta poderão variar grandemente, em termos de não ser possível – e provavelmente por isso, não existirem – a formulação de regras específicas relativas à documentação, pelos sujeitos passivos, de tais práticas.

                Sendo que, de resto, pela própria natureza inerente aos “usos sociais”, incluindo comerciais, que legitimam as ofertas, não será, de modo algum, exigível que por cada oferta, ou por determinado tipo de oferta, ainda que de valor mais significativo, o sujeito passivo ofertante exija ao ofertado a emissão de recibo, ou qualquer outro tipo de declaração atestando a recepção da oferta.

                Sem prejuízo do referido, crê-se que do exposto não poderá decorrer a dispensa de um dever de os sujeitos passivos, relativamente aos encargos em que incorram com a realização de ofertas comerciais, se munirem de um mínimo de documentação, ainda que internamente elaborada, que releve, senão os beneficiários individuais, pelos menos as circunstâncias gerais e o contexto em que os artigos ofertados o foram , de modo a não esvaziar, completamente, a possibilidade de controlo da AT, dos pressupostos correspondentes à dedutibilidade dos respectivos gastos .

Ora, no caso, é isso que se passa.

A Requerente, embora prestando um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, ainda que testemunhal, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria.

Daí que, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente, não se poderá, julga-se, dar por assente, para lá de qualquer dúvida razoável, que as “ofertas” em causa foram efectivamente destinadas a clientes e/ou fornecedores daquela.

Estamos aqui, portanto, perante um caso análogo ao que foi objecto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25-09-2008, proferido no processo 00350/04.7BEBRG, “sabendo-se a origem, natureza e finalidade dos pagamentos, desconhecendo-se apenas a identidade do destinatário”.

Aqui, como ali, julga-se, haverá que concluir, nesta situação, pela “não aceitação do custo, (...) por via do não preenchimento do requisito da indispensabilidade das despesas efectuadas (...) para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23º do CIRC.”, que foi o que fez a AT.

Não podem, assim, deixar de se julgar transponíveis as considerações relevantes da jurisprudência referida, no que diz respeito à dedutibilidade dos gastos em questão.

                Refira-se ainda que se considera não se estar a ratificar aqui qualquer juízo de interferência da AT na gestão da empresa, já que o que está em causa não é saber se determinada oferta a determinada pessoa é apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC, mas se a saída do património da empresa de determinados artigos e/ou valores, sem que se conheça o beneficiário ou as concretas circunstâncias em que se deu, permite considerar, ainda, tal saída como apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC.

                Crendo-se que a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa, deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

*

B.

                A segunda questão a que cumpre dar resposta na presente acção arbitral, prende-se com a dedutibilidade de gastos contabilisticamente registados na conta 6251 – Deslocações e Estadas tendo como suporte documentos que indicam a realização de viagens de avião e estadas em hotéis.

                Relativamente a este matéria, começa o RIT por notar que “o sujeito passivo registou conta 6251 - Deslocações e Estadas, vários documentos referentes a gastos com viagens de avião e estadias em hotéis fora de Portugal”, pelo que “Como a atividade do sujeito passivo se desenvolve exclusivamente no território nacional foi o mesmo questionado (notificado) para nos indicar a razão destas despesas e a relação das mesmas com os proveitos obtidos nos anos de 2013, 2014 e 2015.”.

                No que diz respeito a estas considerações, note-se, desde logo, que, ao contrário do que refere a AT, a estadias desconsideradas por esta não dizem respeito, unicamente, a estadias fora de Portugal, encontrando-se, no elenco das facturas desconsideradas, várias facturas relativas a alojamentos em ..., e uma relativa a alojamento em ... .

                Prossegue o RIT, fundamentando a correcção em causa, referindo que “Como se verifica pela resposta do sujeito passivo, este não apresentou os motivos que levaram à realização das despesas em causa, nem apresentou justificação para os anos em análise, da necessidade das mesmas, ou correlacionou as mesmas com os rendimento obtidos”, e concluindo que “os valores descriminados no quadro abaixo por exercício, referente a gastos com deslocações e estadas não são aceites fiscalmente nos termos do artigo 23.º do CIRC, uma vez que o sujeito passivo não provou a indispensabilidade dos mesmos. ou que toram necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”.

                Conforme se referiu já anteriormente, está assente jurisprudencialmente que “É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus probatório da indispensabilidade dos seus custos.” .

                Como se indicou já, tal situação altera-se, quando a AT “despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo”.

                Ora, antes de mais, é isso que cumpre, in casu, verificar.

                E, compulsado o RIT, o que se constata é que a AT levantou a dúvida sobre a relação das despesas em questão com a actividade da Requerente, meramente porquanto estariam em causa “gastos com viagens de avião e estadias em hotéis fora de Portugal”, quando “a atividade do sujeito passivo se desenvolve exclusivamente no território nacional”.

                Ora, por um lado, como se viu já, não estavam em causa, entre os gastos questionados pela AT, unicamente estadias em hotéis fora de Portugal,

                Por outro lado, da circunstância de um sujeito passivo desenvolver a sua actividade exclusivamente em território nacional, num determinado período temporal, não decorre qualquer incompatibilidade, lógica, ou em função da normalidade das coisas, de este efectuar deslocações e estadias no estrangeiro.

                Deste modo, não é susceptível de considerar fundada a dúvida suscitada pela AT, relativamente à relação entre as despesas em questão e a actividade do sujeito passivo.

                Neste ponto, será de trazer à colação o Acórdão do STA de 23/09/2015, proferido no processo 01034/11, onde se determina que “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.

                Por outro lado, crê-se não poder deixar de entender-se que o artigo 23.º do CIRC , elenca nas suas alíneas uma série de situações exemplificativas do requisito erigido no seu corpo, que não deverão, na linha do que o Prof. Teixeira Ribeiro entendia à luz do CCI , ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas, devidamente documentados, estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, correspondentemente, o contribuinte da correspondente prova, sendo, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão «nomeadamente»).

                À luz destes critérios e considerações, não se poderá concluir de outra forma que não a de que, nesta circunstância concreta, incumbia à AT demonstrar que os gastos em questão não foram incorridos em ordem a assegurar ganhos tributáveis em IRS, como que não logra aquela Autoridade, por qualquer forma, fazer essa prova.

                Note-se que, a AT não questiona, no RIT, que não foram trazidos ao procedimento elementos que permitam esclarecer que pessoas concretas realizaram as viagens e as estadas e as razões que as motivaram.

                Fosse esse o caso, e a solução a dar ao presente caso, porventura, poderia ser outra, designadamente na linha da fundamentação explanada relativamente à questão precedente.

                No entanto, o que a AT questiona no RIT, e será a isso, em obediência à jurisprudência do STA atrás citada, que o Tribunal se deverá ater, é que a Requerente exerce exclusivamente a sua actividade em território nacional, e as viagens e estadias em causa se reportam ao estrangeiro (o que, como se viu, não é integralmente verdade).

                Ora, daí não decorre, como se viu, qualquer antinomia indiciária entre a actividade empresarial da empresa e a realização de tais viagens e estadias, nem, muito menos, permite concluir pela dispensabilidade dos gastos em questão, ou que os mesmos não foram necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

                Assim, não tendo sido cumprido o ónus probatório da AT, subjacente à correcção operada, de demonstrar a dispensabilidade dos gastos em questão, ou que os mesmos não foram necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, não poderá, nesta parte, o pedido arbitral deixar de proceder.

 

*

C.

                A última questão que está em causa nos autos é o enquadramento fiscal a dar à cessão de créditos parcialmente incobráveis feita pela Requerente à B... .

Em termos factuais, será de relevar, na matéria em causa, o seguinte:

- Os créditos resultam do desenvolvimento da actividade normal do sujeito passivo;

- O requisito temporal, à data do encerramento das contas, foi cumprido em relação à mora das dívidas dos clientes;

- O sujeito passivo efectuou diligências para recebimento das dívidas;

- Os créditos foram vendidos a uma entidade independente do sujeito passivo;

- A adquirente dos créditos é uma entidade especializada no mercado na aquisição de activos;

- A venda dos créditos foi feita por um valor de cerca de 5% do seu valor nominal

- Não houve qualquer “dupla” dedução ou benefício para a Requerente por via da alienação, ou, dito de outra forma, a Requerente não beneficiou da dedução do gasto como perda por imparidade e da dedução da menos-valia pela alienação do crédito por valor abaixo do valor nominal.

Contabilisticamente, a Requerente registou inicialmente uma imparidade, que não relevou para efeitos fiscais, e que reverteu aquando da venda dos créditos incobráveis, realizando uma menos-valia contabilística.

Verifica-se, assim, que as operações descritas visaram obter um reembolso imediato de créditos, ainda que por um valor inferior ao que valeriam em condições normais, gerador de menos-valia.

Segundo a Requerente, esta menos-valia é dedutível inteiramente nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea l) do CIRC aplicável.

A AT reconhece esta factualidade, mas faz um diferente enquadramento jurídico: sustenta que é necessária a aplicação ao gasto com a alienação dos créditos dos requisitos de dedutibilidade enunciados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, levando em conta os critérios particulares definidos nos artigos 35.º, 36.º e 41.º (exercício de 2013) e nos artigos 28.º-A e 28.º-B e 41.º (exercício de 2014), do mesmo Código, para a apreciação do risco de incobrabilidade e consequentemente determinar a dedutibilidade/não dedutibilidade do gasto.

Assim, e conforme consta do RIT, é entendimento da AT que “a aplicação do requisito da indispensabilidade dos gastos obriga a ter em conta a própria situação dos ativos (créditos) que são objeto de alienação. O que significa que a sua aceitação depende relevantemente da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade.”.

Nesta sequência conclui também a AT que: “Em conclusão: verifica-se que o sujeito passivo alienou créditos que detinha sobre clientes abaixo do respetivo valor nominal, gerando gastos que só poderiam ser aceites se fossem cumpridas as disposições previstas nos artigos 23º, 28º-A (Redação do exercício de 2014 e seguintes) e 28º-B (Redação do exercício de 2014 e seguintes), 35º e 41º todos do Código do IRC”.

Nos termos já assinalados, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.

Nesta perspectiva, ter-se-á de concluir, desde logo, que não assiste qualquer razão à AT quando afirma, no RIT, que os gastos em questão “só poderiam ser aceites se fossem cumpridas as disposições previstas nos artigos 23º, 28º-A (Redação do exercício de 2014 e seguintes) e 28º-B (Redação do exercício de 2014 e seguintes), 35º e 41º todos do Código do IRC”.

Este tratamento fiscal, como é sabido, é aplicável às perdas por imparidade em créditos, sendo que, pela similitude económica que detecta entre as duas operações, a AT defende a sua aplicação às menos-valias realizadas.

Ora, e como é bom de ver, há uma diferença manifesta entre as realidades abrangidas por uma figura e por outra.

Singelamente as imparidades são gastos resultantes da desvalorização de um activo relativamente ao valor contabilístico: em virtude dos diversos acontecimentos, o valor realizável torna-se inferior ao valor recuperável.

Já as menos valias serão alienações de activos por um valor inferior ao contabilístico, isto é, para que seja reconhecida um gasto com uma menos-valia, o activo tem de deixar de estar na esfera jurídica do sujeito passivo. As menos-valias são sempre resultado de uma alienação de um activo.

E, para essas duas situações diferenciadas, o legislador, dentro da sua liberdade de conformação do sistema fiscal, achou por bem consagrar regimes jurídicos diferenciados no que aos requisitos da sua consideração como gastos diz respeito.

Como se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral n.º 717/2016T do CAAD :

“ Resulta do teor literal do artigo 23.º o conceito de perdas por imparidade relativas a créditos não corresponde ao de menos-valias realizadas com a sua alienação.

            Como bem diz a Requerente, «a própria terminologia subjacente ao registo de imparidades ou ao desreconhecimento de créditos incobráveis por oposição à  terminologia  subjacente  às  mais-valias decorrentes da venda de determinado ativo confirmam este entendimento: enquanto no  primeiro caso, do que se trata é de aferir a validade sobre o juízo quanto ao “valor realizável”;  no  segundo  caso  trata-se  apenas  de  confirmar  qual  o  “valor  realizado” daquele bem».

            A distinção entre as duas situações é clara e é correctamente efectuada pela Requerente, com suporte no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29-11-2013, proferido no processo n.º 1666/07.6BEPRT, junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 15, em que se refere, na página 60:

“Créditos incobráveis” e cedência de créditos a um valor inferior ao contabilizado são realidades diferentes com tratamentos fiscais distintos. Uma coisa é ter um “crédito perdido”, cuja incobrabilidade sabe-se que é definitiva por resultar de um qualquer daqueles processos judiciais previstos no artigo 39.°[3]. Outra, é ceder um crédito por valor inferior ao contabilizado. Estes casos pressupõem que a dívida é cobrável, mas a empresa decide ceder o crédito com perda.

Às dívidas incobráveis aplica-se o artigo 39.° do Código do IRC: só se admite directamente o custo se verificados os requisitos previstos na lei.

À segunda situação aplica-se o artigo 23.° do Código do IRC. O que significa que nestes casos o contribuinte terá que fazer a prova da indispensabilidade do custo. Não o pode, naturalmente, fazer invocando a incobrabilidade do crédito. E como acima já ficou expresso na consideração e preenchimento conceito de indispensabilidade, a análise de um concreto custo terá de ser feita em fruição da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa.

E as razões para o tratamento distinto daquelas perdas por imparidade e menos-valias realizadas são bem evidenciadas pela Requerente ao dizer que «nos  casos  dos  art.ºs  35.º,  36.º  e  41.º  do  Código  do  IRC,  estamos  perante perdas meramente potenciais, ainda não realizadas e que, por esse motivo, carecem do preenchimento  de  requisitos  objetivos  de  validação  por  uma  entidade  externa  ao próprio sujeito passivo (seja o devedor que não cumpre depois de interpelado para tal, no caso das imparidades, seja o tribunal que decreta a insolvência do devedor, no caso dos créditos incobráveis).

 

Assim, no caso em apreço, sendo realizadas no exercício de 2012 menos-valias com a alienação de créditos relativamente aos quais não haviam sido anteriormente considerada qualquer relevância fiscal a título de perdas por imparidade, a dedutibilidade daquelas menos-valias como gastos daquele exercício apenas está dependente dos requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, designadamente serem comprovadamente «indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Como vem sendo jurisprudência pacífica, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, basta que os gastos sejam efectuados no interesse da empresa e estejam conexionados com a sua actividade, independentemente de com eles terem, sido ou não obtidos proveitos ou se ter confirmado a sua relevância para a manutenção da fonte produtora.”

Não se descortinam fundamentos para divergir, aqui, do quanto ali se expendeu, tanto mais que, tendo o acórdão arbitral citado sido submetido a apreciação do STA, por alegada oposição de julgados, aquele alto Tribunal, não obstante rejeitar o recurso, fez questão de confirmar que: “a questão jurídica em análise centra-se na dedutibilidade fiscal da menos-valia realizada pela Recorrente com a alienação de créditos abaixo do par, sem qualquer perdão ou redução do valor em dívida.” .

Isto mesmo havia já sido afirmado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão de 13-11-2014, proferido no processo 05295/12, onde se pode ler que “Em rigor, as perdas associadas à alienação dos créditos em causa não são custos do exercício, mas apenas menos-valias, decorrentes da alienação dos créditos e das participações sociais, por preço inferior ao seu valor nominal.”.

O mesmo Tribunal, veio no seu Acórdão de 15-09-2016, proferido no processo 09691/16, consignar que:

“9. Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas. Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al.i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

10. Segundo a doutrina a menos-valia pode definir-se como uma perda de valor económico de um activo empresarial devido a causas físicas (deterioração), técnicas (obsolência) ou económicas, sendo estas derivadas de uma baixa de preço no mercado. Em sede de I.R.C., o legislador dispõe que são consideradas menos-valias realizadas (por contraposição às menos-valias latentes) as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.). As menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (cfr.artº.43, nº.2, do C.I.R.C.). O valor de realização é definido nas diversas alíneas do nº.3, do artº.43, do C.I.R.C.

11. A questão da prova da dispensabilidade do custo depende do caso concreto, consubstanciando um processo dialógico. Num primeiro momento, o contribuinte afirma a indispensabilidade do custo através da sua contabilidade (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.; artº.76, nº.2, do C.P.T.), sendo que a A. Fiscal o coloca em causa. A partir daqui, a intensidade dos deveres de prova do sujeito passivo varia com as circunstâncias do caso e o grau de normalidade da situação. Se estivermos perante um custo que indicie confusão de esferas patrimoniais ou outro tipo de fraudes, a intensidade de prova é maior para o contribuinte do que para a Fazenda Pública. Caso contrário, não se verifica qualquer acréscimo de intensidade dos deveres probatórios do sujeito passivo.”

É, assim, exclusivamente à luz dos critérios da dedutibilidade dos gastos e perdas decorrentes de menos-valias, consagrados no art.º 23.º do CIRC (n.º 1/l até 2013, e n.º 2/l), de 2014 em diante), que se deverá aferir a dedutibilidade dos gastos sub iudice, enfermando, por isso, desde logo, as correcções operadas pela AT, e fundadas no RIT, de erro de direito, ao considerar que aqueles gastos só poderiam ser aceites se fossem cumpridas [cumulativamente] as disposições previstas nos artigos 23.º, 28.º-A (Redação do exercício de 2014 e seguintes) e 28.º-B (Redação do exercício de 2014 e seguintes), 35º e 41º todos do Código do IRC, não sendo as quatro últimas normas, como se viu, aplicáveis ao caso.

A própria Requerida, nos autos, parece, de resto, reconhecer isso mesmo, ao referir que “Assiste razão à Requerente quando afirma que não estão em causa perdas resultantes da anulação ou abate de créditos considerados incobráveis por se verificarem as situações previstas no art.º 41.º do Código do IRC” .

É certo que, na mesma passagem, adiciona a Requerida que a Requerente “incorre em erro ao considerar que a menos-valia apurada na cessão de créditos não tem de ser justificada e avaliada à luz dos critérios gerais de dedutibilidade dos gastos.”.

Sem prejuízo de não se descortinar, de entre as alegações da Requerente, alguma que corresponda a semelhante (e obviamente infundada) pretensão, não se pode deixar de notar que é, precisamente, esse esforço de justificação e avaliação “à luz dos critérios gerais de dedutibilidade dos gastos.” que está omisso no RIT que constitui a fundamentação das liquidações impugnadas.

Com efeito, no que diz respeito à aplicação do artigo 23.º do CIRC, tem sido pacificamente entendido que, em termos gerais que “O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.” ;

E no que diz respeito à aplicação do critério em questão às menos-valias, refere o STA que:

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.

IV - Ademais, esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.” .

Compulsado o relatório de inspecção tributária (RIT), é visível que a AT procedeu a um exercício descritivo e cronológico dos factos (pp. 19 a 22), seguido de um exercício compartimentado de subsunção dos mesmos às normas que entendeu serem relevantes para o caso: artigos 23.º, 28.º-A (ano 2014), 28.º-B (ano 2014), 35.º, 36.º e 41.º, evidenciando, como se viu, uma incorrecta enunciação do problema – o problema é de análise da dedutibilidade de um gasto proveniente de uma menos-valia (alienação abaixo do valor nominal), e não de uma imparidade de créditos.

Por outro lado, verifica-se, igualmente, que, induzida pelo enquadramento legal que aplicou ao caso, a AT passou ao lado da análise do problema em função dos requisitos gerais de dedutibilidade dos gastos constante do artigo 23.º do CIRC, focando-se no regime da incobrabilidade de créditos, que, como se viu, é inaplicável, in casu.

E é efectivamente neste último domínio que se deve apurar a dedutibilidade do encargo, como a própria Requerida o reconhece , e a resposta não poderá deixar de ser positiva.

Ora, da fundamentação plasmada no RIT não é possível extrair um único argumento que permita pôr em causa a dedutibilidade do encargo à luz dos requisitos gerais do artigo 23.º (indispensabilidade e ligação à fonte produtora) .

Encontrando-se preenchidos todos os requisitos para que o custo seja dedutível (e, no caso, todos eles estão e são reconhecidos no RIT, a saber: existência, contabilização, requisito temporal, comprovação, ligação aos ganhos sujeitos a impostos), não poderá utilizar-se a indispensabilidade (no caso, para o exercício de 2013) como um conceito que permita à AT imiscuir-se na condução dos destinos do contribuinte.

Se a cedência era necessária ou não, só ao sujeito passivo competia avaliar no momento em que foi formulada a decisão de ceder o crédito nas condições em que o foi.

Do que não resta dúvida, compulsada a documentação junta aos autos, é que o negócio não foi efetuado entre partes relacionadas, não houve abuso de formas, nem qualquer benefício de terceiros ou saídas de dinheiro a favor dos sócios, sendo que nem sequer a própria AT questiona alguma ou algumas daquelas circunstâncias.

Ou seja, voltando aqui às palavras do Acórdão do STA atrás citado, nada resulta do RIT no sentido de que a operação de cessão de créditos em causa foi realizada pelo contribuinte “não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios”, nem que o que se verifica é que, relativamente à operação em questão  “se não põe em causa que (...) se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado”, sendo, ainda, que “Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.

Assim, não restarão dúvidas que o enquadramento feito pela AT que origina a não dedutibilidade da menos-valia realizada enferma de erro de facto e, consequente, erro de direito, pelo que, devendo considerar-se o custo dedutível na totalidade, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea l) CIRC aplicável, violado pela correcção operada e ora em apreço, deverá, nesta parte, proceder o pedido arbitral.

Em face do assim decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente, na matéria.

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos parcialmente anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

 

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação adicional na parte correspondente aos gastos com deslocações e estadas; e

b)           Anular os actos de liquidação adicional na parte correspondente aos gastos com a alienação, abaixo do valor nominal, de créditos detidos pela Requerente.

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra-fixados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.788.275,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Abril de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Moura Portugal)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Carla Castelo Trindade)