Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 391/2018-T
Data da decisão: 2019-05-06  IRC  
Valor do pedido: € 224.372,66
Tema: Dedutibilidade dos Gastos; Contrato de swap.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 16 de Agosto de 2018, A..., S.A., NIPC ..., com sede..., União de Freguesias de ... e ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 5 de Abril de 2018, de demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e de demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 9 de Abril de 2018, todos relativos ao exercício de 2014, apurando um montante total de imposto a pagar de € 224.372,66.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

i.             A Liquidação Adicional cuja anulação requer foi emitida na sequência de um procedimento de inspecção que teve por objecto o IRC de 2014 da Requerente, no âmbito do qual a AT efetuou uma correcção ao lucro tributável da mesma, no valor de € 780.840,40, em virtude da desconsideração de uma variação patrimonial negativa que ascendeu ao montante de € 3.904.202,00 decorrente de IFD e reconhecida nos exercícios de 2010 a 2014 (inclusive), na proporção de um quinto;

ii.            Está em causa o Facility Agreement celebrado entre a Requerente, e outras sociedades do mesmo grupo económico, e o B..., o C... e a D..., ao abrigo do qual as mutuárias se obrigaram a celebrar com as mutuantes os Hedging Agreements;

iii.           Apesar de estes consubstanciarem swaps que, no plano contabilístico, não permitem proceder à respetiva contabilização como swaps de cobertura, em virtude de algumas das suas características, tal nunca obstará à sua dedutibilidade para efeitos fiscais;

iv.           Não sendo o IFD qualificado como operação de cobertura para efeitos do artigo 49.º do Código do IRC, nem por isso os ajustamentos de justo valor do derivado deixam de ser relevados em resultados no exercício em que ocorrem e de ser considerados fiscalmente (nos termos gerais do n.º 1 do mesmo artigo), sucedendo apenas que o ajustamento de valor no instrumento coberto não é relevado;

v.            Antes da transição do normativo contabilístico do Plano Oficial de Contabilidade para o SNC, não existia qualquer regra de mensuração ao justo valor, o que implicou a sua aplicação retrospetiva para efeitos de comparabilidade;

vi.           Ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 1 e 5, do Decreto-Lei, a Requerente fez concorrer para a formação do lucro tributável os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção do SNC;

vii.          Apesar da classificação contabilística que foi obrigada a reconhecer, ficou demonstrado pela Requerente que os Hedging Agreements constituíram uma imposição contratual, sem a qual, aliás, poderia haver lugar à declaração de incumprimento por parte das instituições financeiras mutuantes, se acordassem nesse sentido;

viii.         Os Hedging Agreements foram celebrados e mantidos precisamente para assegurar a cobertura do risco de taxa de juro associado ao Facility Agreement, cumprindo única e exclusivamente tal desiderato e nenhum outro, o que numa palavra significa que sem os mesmos não teria a Requerente obtido o financiamento necessário para o desenvolvimento da sua actividade;

ix.           Não decorre do artigo 49.º do Código do IRC qualquer limitação à dedutibilidade dos IFD materializados nos Hedging Agreements;

x.            Demostrou a ora Requerente a conexão óbvia entre tais IFD e a sua actividade, porquanto o destino dos fundos mutuados ao abrigo do Facility Agreement se insere inquestionavelmente no âmbito normal da actividade das mutuárias, de acordo com o respetivo objeto societário;

xi.           Os Hedging Agreements constituem, em si mesmos, uma fonte produtora de rendimentos tributáveis em IRC, o que demonstra que inexiste qualquer fundamento para a AT recusar a legítima dedução de um quinto da perda que os mesmos geraram;

xii.          A entender-se de outro modo, seriam postos em causa os princípios da igualdade, da tributação de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos e, ainda, da tributação pelo lucro real, em violação do disposto no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

 

3.            No dia 17-08-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. José Almeida Fernandes, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Jorge Carita.

 

5.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

6.            Na sequência de requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o Dr. José Pedro Carvalho, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

7.            Em 15-10-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

8.            Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-11-2018

 

9.            No dia 10-12-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., foi a Requerente sujeita a uma acção inspectiva interna de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2014.

2-            Em 29 de Setembro de 2017, a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos no âmbito do procedimento inspetivo interno instaurado, através do Ofício n.º 2017..., conjuntamente com um pedido de remessa à AT dos elementos comprovativos da dedutibilidade dos valores refletidos nos campos 704, 705 e 775 da sua declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2014.

3-            A Requerente respondeu ao referido pedido, em 11 de Outubro de 2017, prestando as informações solicitadas pela AT e constantes no processo de documentação fiscal da mesma por referência ao exercício de 2014.

4-            No decurso da referida inspecção a AT considerou verificarem-se irregularidades no apuramento do lucro tributável da Requerente, resultante da dedução indevida do montante de €780.840,40, referente a uma variação patrimonial negativa decorrente de instrumentos financeiros derivados (swaps), considerada e deduzida pela Requerente no campo 705 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2014.

5-            A quantia corrigida corresponde a um quinto da variação patrimonial negativa de €3.904.202,00, apurada pela Requerente e registada em resultados no período de tributação de 2010, em resultado da mensuração dos instrumentos financeiros derivados ao justo valor.

6-            Em consonância com a qualificação e o enquadramento fiscal dado aos contratos de swaps, em cada um dos exercícios de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, a Requerente procedeu à dedução de um quinto, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, na sequência da adopção do SNC.

7-            Em 5 de Março de 2018, através do Ofício n.º..., de 28 de Fevereiro de 2018, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária, o que fez em 19 de Março de 2018.

8-            Consta do Anexo I ao projecto de RIT, para além do mais, que:

i.             “Na transição para o SNC, a A... aplicou retrospectivamente o método de valorização ao justo valor, tendo reconhecido o justo valor negativo acumulado dos IFD contratualizados (um pela A..., outro pela fundida E...) à data da transição fiscal, a 30 de Setembro de 2010.

As entidades bancárias com que os contratos de IFD foram celebrados tem a possibilidade de cancelar/rescindir o contrato em qualquer momento, motivo pelo qual os IFD não cumprem os requisitos necessários para ser considerados de cobertura.

Redação do artigo 49° do Código do IRC:

"1 - Concorrem para a formação do lucro tributável, salvo os previstos no nº3, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros derivados, ou a qualquer outro ativo ou passivo financeiro utilizado como instrumento de cobertura restrito à cobertura do risco cambial. "

Tendo em consideração que os IFD não são considerados de cobertura, as variações de justo valor devem ser fiscalmente relevantes.

Assim, a variação patrimonial negativa ocorrida a 30.09.2010, que decorre da adopção pela primeira vez das IFRS, deverá concorrer para formação do lucro tributável nos termos do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 159/2009, i.e., no período de 2010 e nos 4 seguintes (1+4).”

ii.            “Na transição houve o reconhecimento do justo valor negativo dos swaps contratualizados pela Co. (um pela A..., outro pela fusionada E...).

De acordo com as informações obtidas, os swaps são de especulação, pois não cumprem os critérios para ser considerados de cobertura.

Nos termos do art. 49°, os gastos os rendimentos resultantes da aplicação do justo valor a IFO's concorrem para a formação do lucro tributável, salvo quando o objectivo exclusivo do derivado seja o de cobertura de fluxos de caixa, situação em que os rendimentos ou gastos gerados pelo IFO, na parte considerada eficaz, são diferidos até ao momento em que os gastos ou rendimentos do elemento coberto concorram para a formação do lucro tributável.

Uma vez que os swap são de especulação, as variações de justo valor associadas deverão concorrer para a formação do lucro tributável”

9-            Do RIT consta, ainda e para além do mais, que:

i.             “(...) ficou esclarecido e demonstrado documentalmente que as entidades bancárias com que os contratos de IFD foram celebrados têm a possibilidade de cancelar/rescindir o contrato em qualquer momento, conforme consta dos contratos e que se transcreve “Rescisão antecipada: término antecipado opcional: Aplicável”;

ii.            “Sendo swaps de especulação, conforme qualificação vertida em documento da própria Requerente, as variações negativas do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável por se tratar de gastos que não preenchem os requisitos da indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e, por nos termos do art.º 49.º do Código do IRC, “apenas os gastos relacionados com instrumentos financeiros de cobertura de risco a que se refere o art. 49.º do CIRC, poderão ser deduzidos fiscalmente, ficando arredados os swaps de caracter especulativo, sem relação com a actividade, sem relação directa com nenhum outro elemento que garanta a prossecução dos objectivos da sociedade.”

10-         A Requerente foi destinatária da notificação do Ofício n.º..., de 27 de Março de 2018, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., com o relatório final de inspecção tributária.

11-         A Requerente, foi notificada do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 5 de Abril de 2018, na demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e na Demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 9 de Abril de 2018, todos relativos ao exercício de 2014, apurando o montante total de € 224.372,66 a pagar, com data limite de pagamento no dia 17 de Maio de 2018.

12-         A referida notificação operou-se através da plataforma Via CTT, tendo sido disponibilizada no dia 12 de Abril de 2018.

13-         Em 21 de Junho de 2018, a Requerente efectuou o pagamento da Liquidação Adicional referida, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... 2018..., instaurado para cobrança coerciva do respetivo montante, pelo montante total de € 225.184,63.

14-         Em 22 de Julho de 2008, foi celebrado um contrato de financiamento ("Facility Agreement") entre:

a.            a Requerente, em conjunto com outras sociedades do mesmo grupo, incluindo a E..., Lda., entretanto incorporada por fusão na Requerente'); e

b.            três instituições financeiras, o Banco B... S.A. ("B..."), o C..., S.A. ("C..."), e a D..., S.A..

15-         A Requerente era uma das mutuárias (Borrower) no âmbito do Facility Agreement, tendo contraído financiamento nos termos das cláusulas 4.1 e 6 daquele.

16-         Nos termos da cláusula 16, alínea j), do Facility Agreement, as mutuárias comprometem-se, entre outras obrigações, a celebrar com o B... e o C... e a manter, com plena eficácia jurídica, contratos de instrumentos derivados de cobertura do risco de taxa de juro ("Hedging Agreements"), por sua vez definidos no ponto 88 da cláusula 1,1 do Definitions Agreement como os contratos que têm de ser celebrados pelas mutuárias nas condições do Anexo III ao Facility Agreement.

17-         Nos termos da cláusula 24.1, alínea c), do Facility Agreement, a violação da referida obrigação constituía causa bastante para a declaração, pelas instituições financeiras mutuantes, de incumprimento pelas mutuárias do Facility Agreement.

18-         Por carta datada de 16-08-2018 e dirigida à Requerente, o banco C..., declarou, além do mais, que:

“Confirmamos que, de acordo com a Cláusula 16 (General Covenants), alínea (j), do Facility Agreement, uma das obrigações impostas à A..., S.A. como condição para a concessão do financiamento ao abrigo dos Contratos Financeiros foi a celebração de um contrato de cobertura de risco de taxa de juro - denominado Hedging Agreement -, de forma a que o mesmo estivesse em vigor de acordo com os termos definidos no Anexo III do Definitions Agreement.”

19-         Nos termos do Anexo III ao Facility Agreement, os Hedging Agreements exigidos às mutuárias, entre as quais a Requerente, deveriam consistir em contratos de swap de taxas de juro e cobrirão não menos do que 75 (setenta e cinco) porcento da exposição da taxa de juro relativa aos Contratos de Financiamento, até 31 de Março de 2019.

20-         Os referidos contratos de swap de taxa de juro foram formalizados através de ISDA Master Agreements de 22 de Julho de 2008, e cartas de confirmação da Swap Transaction de 24 de Julho de 2008.

21-         Nos termos dos referidos contratos a Requerente ficou obrigada a pagar o montante equivalente à aplicação de uma taxa de juro fixa (5,05% e 5,06%, respetivamente), por contrapartida do recebimento do montante equivalente à aplicação do referencial variável EURIBOR.

22-         Nos termos da cláusula 8 do Facility Agreement, as mutuárias obrigaram-se a remunerar o financiamento obtido a uma taxa de juro equivalente à soma do referencial variável EURIBOR e de uma margem.

23-         Nos períodos de tributação de 2012 a 2015, a mensuração dos Instrumentos Financeiros Derivados em apreço ao justo valor determinou o apuramento de ganhos sujeitos a tributação.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Conforme é consensual entre as partes, em questão na presente acção de processo arbitral, está a aferição da legalidade da correcção relativa à desconsideração da dedutibilidade fiscal da quantia correspondente a um quinto da variação patrimonial negativa de €3.904.202,00, apurada pela Requerente e registada em resultados no período de tributação de 2010, em resultado da mensuração dos instrumentos financeiros derivados ao justo valor, considerada e deduzida pela Requerente no campo 705 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2014, por aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

                Conforme jurisprudência sedimentada do STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional (...) que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.” , pelo que dever-se-á, antes de mais, partir-se da fundamentação imprimida no RIT, limitando-se assim, num primeiro nível, as questões a decidir.

                Visto o RIT, constata-se que os fundamentos de facto e de direito, das correcções operadas, se podem sintetizar da seguinte forma:

a.            A dedutibilidade dos gastos em questão não poderá validar-se face ao regime do art.º 49.º do CIRC aplicável;

b.            Essa dedutibilidade não poderá igualmente validar-se face aos requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos, uma vez que:

i.             estão em causa swaps “especulativos”;

ii.            a actividade da sociedade não consiste na prática da especulação, estando esta longe do seu objetivo empresarial e não contribuindo para o mesmo, pelo que os gastos não serão indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora.

Face a tal fundamentação, verificada a posição das partes no presente processo arbitral, constata-se que as mesmas estão, fundamentalmente, de acordo relativamente a duas questões, a saber:

a.            A dedutibilidade dos gastos em questão não resulta unicamente do regime do art.º 49.º do CIRC; e

b.            Essa dedutibilidade tem de ser aferida também face aos critérios gerais do art.º 23.º.

Assim, e no que diz respeito ao primeiro ponto, que é o que ocupa a quase totalidade da fundamentação do RIT, e, portanto, onde a AT fez incidir mais o seu esforço de fundamentação, verifica-se que o mesmo acaba por ser aceite pela Requerente, na medida em que reconhece que:

i.             “se as operações não forem exclusivamente de cobertura de risco, aplica-se a regra base, qual seja a de que os rendimentos ou gastos influenciarão positiva ou negativamente a formação do lucro tributável nos termos gerais.” ;

ii.            A desqualificação de um instrumento financeiro derivado, como de cobertura, nos termos do art.º 49.º do CIRC aplicável, implica apenas a aplicação do regime geral de tributação .

iii.           “não decorrendo do artigo 49.º do Código do IRC qualquer limitação à dedutibilidade das perdas dos IFD materializados nos Hedging Agreements, tal limitação apenas poderia ser fundada numa pretensa desconexão entre tais IFD e a atividade da Requerente.”

Ou seja, e em suma: a Requerente aceita que, para efeitos do regime do art.º 49.º do CIRC aplicável, o IFD em questão não qualificável como de cobertura, pelo que não há lugar à aplicação do regime especial consagrado nos n.os 2 e 3 daquele normativo, tal como conclui no RIT a AT.

Todavia, no entendimento da Requerente, da referida constatação não resulta, ipso facto, a desconsideração de qualquer gasto com um IFD que não seja, nos termos daquela norma, qualificável como de cobertura, mas, antes, a aplicação do regime geral da dedutibilidade dos gastos resultantes da aplicação do justo valor a um IFD nos temos conjugados dos artigos 18.º, nº 9, alínea b), 23.º e 49.º, n.º 1 do Código do IRC.

Esta última asserção, não é também ela contestada pela AT, quer no RIT, quer em sede arbitral.

Assim, no RIT houve a preocupação de mencionar que:

“uma vez que a atividade da sociedade não consiste na prática da especulação, estando esta longe do seu objetivo empresarial e não contribuindo para o mesmo, estaremos perante gastos que, ao abrigo do art. 49º do CIRC, se consubstanciam em gastos não aceites fiscalmente por os mesmos não serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora. Assim, de acordo com aquele artigo, apenas os gastos relacionados com instrumentos financeiros de cobertura de risco, a que se refere o artigo 49.º do CIRC, poderão ser deduzidos fiscalmente, ficando arredados os swaps, de caráter especulativo, sem relação com a atividade, sem ligação direta com nenhum outro elemento que garanta a prossecução dos objetivos da sociedade.”

                Ou seja: está implícito no RIT que a não aplicação do regime especial do art.º 49.º não determina só por si o afastamento da dedutibilidade dos gastos que foram ali desconsiderados, e que tal afastamento se funda, igualmente, na ausência (na perspectiva do RIT) de relação daqueles com a actividade da Requerente.

Esta mesma posição é reiterada em sede arbitral, onde a Requerida, afirma, para além do mais, que:

a.            “Segundo a AT, os gastos não são aceites fiscalmente por não serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora.” ;

b.            “às perdas e variações patrimoniais apuradas nos IFD que não são abrangidos pelo art.º 49.º do Código do IRC aplicam-se as regras gerais, o que equivale a dizer as regras do art.º 23.º do mesmo Código.” ;

c.            “o que aqui releva é que as perdas traduzidas pela variação patrimonial negativa apurada na mensuração ao justo valor dos contratos de swaps não passam nem pelo crivo do princípio da indispensabilidade nem pela exigência de servirem para a obtenção ou garantida de rendimentos, uma vez que não se inserem no quadro da actividade empresarial prosseguida e estão associados a factores aleatórios e sob o controle de terceiros.” ;

d.            “às perdas e variações patrimoniais apuradas nos IFD que não são abrangidos pelo art.º 49.º do Código do IRC aplicam-se as regras gerais, o que equivale ficam sujeitos aos requisitos de dedutibilidade enunciados no art.o 23.º do Código do IRC, porquanto a alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do mesmo Código contém, tão-só, uma regra de periodização dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, dele não emanando qualquer critério ou condição de apreciação da dedutibilidade.” ;

e.            “não se vislumbra como podem considerar-se dedutíveis as perdas ou variações patrimoniais resultantes da mensuração dos swaps ao justo valor seja à luz do princípio da sua indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (na redacção do n.º 1 do art.o 23.º em vigor até 01.01.2014) seja ao abrigo da actual redacção desta norma referente a “gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.” .

 

Ou seja, e em suma, Requerente e Requerida estão de acordo em que, nas palavras de uma, a desqualificação de um instrumento financeiro derivado, como de cobertura, nos termos do art.º 49.º do CIRC aplicável, implica apenas a aplicação do regime geral de tributação e em que, nas palavras da outra “às perdas e variações patrimoniais apuradas nos IFD que não são abrangidos pelo art.º 49.º do Código do IRC aplicam-se as regras gerais, o que equivale a dizer as regras do art.º 23.º do mesmo Código.”.

                Face ao exposto, e em primeira linha, haverá que concluir que não cumpre, na presente acção de processo arbitral, discutir ou apreciar se os gastos em causa são acolhidos pelo regime especial do art.º 49.º do CIRC.

Como se viu, ambas as partes estão de acordo que não o são.

Por outro lado, haverá também que concluir que não cumpre, igualmente, na presente acção de processo arbitral, discutir ou apreciar se os gastos em causa devem, ou não, ver a sua dedutibilidade aferida à luz dos critérios gerais da dedutibilidade dos gastos, tal como estatuídos no art.º 23.º do CIRC aplicável.

Também nesta matéria, estão as partes de acordo que devem.

Relativamente a esta matéria, e antes de prosseguir, cumpre deixar uma nota que é a seguinte: em parte alguma do RIT, a AT menciona expressamente o art.º 23.º do CIRC.

Não obstante, dever-se-á considerar que, para um destinatário normal colocado na posição do destinatário real da fundamentação imprimida no RIT, a remissão para tal norma está implícita, em termos de se poder considerar que o não preenchimento do regime daquele artigo integra um dos fundamentos do acto tributário, face, designadamente, à passagem do RIT acima transcrita, a esse propósito.

De resto, isto acaba por ser reconhecido pela própria Requerente, que refere que “a AT chegou a alegar que estariam presuntivamente em causa "gastos não aceites fiscalmente por os mesmos não serem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora"”.

Deste modo, julga-se que se deverá analisar a legalidade da correcção operada pela AT e contestada pela Requerente, tendo em conta o regime geral da dedutibilidade dos gastos, decorrente do art.º 23.º do CIRC aplicável.

 

*

Aqui chegados, desenha-se de forma definida e nítida a única e verdadeira questão que se apresenta a dirimir por este Tribunal Arbitral “à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional”, e que será, em suma, a de saber se os gastos em questão não deverão ser aceites, à luz dos critérios gerais da dedutibilidade dos gastos, porquanto:

                - se tratam de swaps “especulativos”; e/ou

                - a actividade da sociedade não consiste na prática da especulação, estando esta longe do seu objetivo empresarial e não contribuindo para o mesmo, pelo que os gastos não serão indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora.

                Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, julga-se que a resposta à concreta questão colocada não poderá deixar de ser negativa.

                Assim, e desde logo, do ponto de vista do regime geral da dedutibilidade dos gastos, os swaps não estão individualizados em nenhuma regra excepcional, e, menos ainda os swaps que, contabilisticamente não sejam qualificáveis como sendo de cobertura, pelo que deverão ser enquadrados e apreciados como qualquer outra relação contratual em que o sujeito passivo se obrigue, ou seja à luz de ter, ou não, sido incorrida “pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, tal como este conceito tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência.

Por outro lado, as empresas, por natureza, ao dedicarem-se ao comércio, têm sempre, no seu horizonte de actividade, em maior ou menor grau, a prática de “actividades especulativas”, desde que entendidas estas num sentido não criminoso ou derrogatório, como a própria Requerida reconhece ser o caso, referindo que:

“Menos se compreende ainda que seja afirmado (...) que a AT inscreve os contratos de swaps serem instrumentos de especulação, numa “concepção claramente depreciativa” que atribui à Requerente “uma conduta censurável”. (...) este tipo de juízo não transparece da pronúncia da AT em momento algum” .

Assim, e por exemplo, uma empresa que adquira imóveis, participações sociais, até matérias primas ou outro qualquer activo, poderá, legitimamente, fazê-lo com propósitos especulativos, ou seja, com a expectativa de que variações em circunstâncias externas que não controla lhe gerem ganhos, que serão naturalmente tributados, mas que podem gerar prejuízos, que a ocorrerem, serão, de igual modo natural, dedutíveis.

Daí que, considerando os fundamentos os fundamentos invocados pela AT na fundamentação das correcções cuja legalidade ora se sindica, se haja de concluir não serem os mesmos susceptíveis de suportar as correções operadas, já que nem a circunstância de estarem em causa swaps, ainda que contabilisticamente qualificáveis como especulativos, é susceptível de afastar, de per si e face às regras gerais da relevância das perdas e ganhos, a relevância, para o cômputo do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC, das perdas ou ganhos que impliquem, nem, se pode simplesmente afirmar que àqueles, e à Requerente em concreto, esteja fiscalmente vedada a celebração de contratos por fim a obtenção de ganhos “especulativos”, entendidos estes da forma acima definida, que é a que está ora em causa.

                De qualquer das formas, ad abundantiam, sempre se dirá que face aos factos apurados nos autos, e dados como provados, não haverá dúvidas, que:

                i. a outorga dos contratos de swap foi uma condição da celebração do contrato de financiamento constante da matéria de facto;

                ii. aquele contrato de financiamento, pelo qual a Requerente se obrigou a outorgar os contratos de swap, foi celebrado “pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, ou seja, no quadro da actividade empresarial normal da Requerente.

Ora, face a tais factos, julga-se não se poder concluir de outra forma - não estando indiciado, nem sequer sugerido, um quadro de fraude ou evasão fiscal - que não pelo cumprimento do requisitos legais que condicionam a dedutibilidade do gasto ora em causa.

Com efeito, face aos factos dados como provados, haverá que concluir que a necessidade empresarial da outorga dos contratos de swap, no caso, é a mesma necessidade da outorga dos contratos de financiamento, uma vez que aqueles são uma condição deste.

Daí que os gastos com os contratos de swap deverão, salvo melhor opinião, ser considerados gastos com o próprio financiamento, constituindo, no fundo, uma parte do preço deste.

Grosseiramente comparado, a situação sub iudice será análoga à de uma empresa que adquire um imóvel para a sua actividade, mas em que o vendedor do imóvel só aceitou vender o mesmo conjuntamente com determinado mobiliário e/ou maquinaria.

Neste caso, julga-se, mesmo que o mobiliário ou maquinaria não sejam, por qualquer forma, em todo ou em parte, de qualquer utilidade empresarial para o adquirente, a parte do custo que seja imputável à sua aquisição não deverá ver a sua dedutibilidade preterida.

Efectivamente, independentemente de o mobiliário e/ou maquinaria serem, ou não, empresarialmente necessários ao adquirente, dever-se-á considerar que a sua aquisição foi, ainda, um custo da aquisição do imóvel cuja empresarialidade não é questionada.

Situação, de algum modo semelhante, foi já objecto do Ac. do TCA-Norte de 13-09-2013, proferido no processo 00595/06.5BEPNF, relativo à renúncia parcial de suprimentos, decorrente de um contrato de cessão de participações sociais.

No referido acórdão, julgou-se que “O que resulta impressivamente dos autos é que tal ato foi inserido num processo negocial complexo que envolveu cedências de parte a parte com vista à salvaguarda dos interesses próprios de cada contraente.”, mais se referindo que “a cessão de suprimentos e a alienação de participações sociais foram, por vontade dos contraentes, inseridas numa contrapartida global, constituíram um «preço global acordado» (...) a renúncia a uma parte de um crédito não constitui ipso facto uma liberalidade, devendo ser enquadradas as circunstâncias concretas que a determinaram”.

Ou seja, num caso em que estava - isoladamente considerada - uma aparente liberalidade, que é a epítome do acto anti-empresarial, o TCA considerou, em entendimento que se subscreve integralmente, que a situação deve ser encarada na sua globalidade, no sentido de apurar se o acto em questão se insere efectivamente, ou não, no quadro da actividade empresarial do sujeito passivo.

Assim, também no caso sub iudice, independentemente da questão de saber se os swaps “especulativos”, para efeitos contabilísticos e em abstracto, devem ou não considerar-se empresarialmente justificáveis, importará aferir, se em concreto e no contexto em que aqueles produtos foram subscritos, tal subscrição se deu, ou não, por razões empresariais.

Ora, sob este ponto de vista, não se afigura susceptível de grandes dúvidas, tendo em conta as circunstâncias concretas que os determinaram, e face à matéria de facto apurada, que os contratos de swap ora em causa se inserem "num processo negocial complexo que envolveu cedências de parte a parte com vista à salvaguarda dos interesses próprios de cada contraente.”, e que “foram, por vontade dos contraentes, inseridas numa contrapartida global, constituíram um «preço global acordado»”.

Note-se ainda, a este propósito que nas suas alegações, a Requerida acaba por se pronunciar, de alguma forma, sobre estas questões, dando nota do seguinte:

a.            o carácter de essencialidade do Hedging Agreement para as entidades mutuantes;

b.            o facto de o Hedging Agreement ter sido celebrado com duas das entidades financiadoras- o Banco B... e o C...; e

c.            a possibilidade assegurada aos Bancos de cancelar/rescindir o contrato em qualquer momento;

para daí concluir que a “conjugação destes três aspectos torna forçoso concluir que a posição das mutuárias ficou fortemente condicionada pelo poder decisão e pela salvaguarda dos interesses das entidades mutuantes e contrapartes no Hedging Agreement.”.

                Ora, justamente, todas estas circunstâncias não fazem mais do que evidenciar a efectiva necessidade da outorga do Hedging Agreement para a Requerente “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

                Com efeito:

- tendo a Requerente necessidades – que são normais, de resto – de financiamento, e não sendo contestado ou por qualquer forma colocadas em causa pela AT tais necessidades de financiamento; e

- sendo essencial, da forma notada pela Requerida, a outorga do Hedging Agreement para as entidades que satisfazem aquela necessidade incontestadamente empresarial da Requerente;

dúvidas não se poderão gerar sobre a necessidade empresarial que a Requerente teve de outorgar aquele Hedging Agreement, e da consequente empresarialidade dos ganhos e perdas daí decorrentes.

Não deverá, assim e pelo exposto, com base nas regras gerais que presidem à dedutibilidade dos gastos, se afastada a dedutibilidade dos encargos que a Requerente suportou com tais contratos, enfermando a correcção operada pela AT, e ora contestada pela Requerente, de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, e devendo, como tal ser anulada.

Tendo sido estes os concretos fundamentos das correcções operadas, nada mais cumprirá a este Tribunal aferir, designadamente, no que diz respeito à aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, já que tal não foi questionado pela AT, ficando igualmente prejudicado o conhecimento das restantes questões formuladas pela Requerente.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta o acto de liquidação anulado é imputável, à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto anulado e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 5 de Abril de 2018, de demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e de demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 9 de Abril de 2018, todos relativos ao exercício de 2014;

b)           Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 224.372,66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 06 de Maio de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(José Almeida Fernandes)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Carita – com declaração de voto)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Apesar de acompanhar o sentido final da presente Decisão Arbitral, gostaria de referir o seguinte:

 

Está em causa no presente processo arbitral o enquadramento dos contratos designados de “swap” de taxas de juro, integrantes dos Anexos II e III do Relatório de Inspeção de 27/03/18, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., no nº 1 do artigo 5º do Decreto Lei nº. 159/2009, que determinaria que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade (NICs) adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19/7, que fossem considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorressem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se aplicassem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes Invocando essa norma legal a Requerente deduziria, segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT),  indevidamente, na declaração modelo 22 do exercício de 2014, no Campo 705 do Quadro 07, um quinto da variação patrimonial negativa resultante da adoção das NICs.

 

Tal artigo é uma norma transitória, visando enquadrar fiscalmente os ajustamentos resultantes do reconhecimento ou não reconhecimento de ativos ou passivos ou de alterações na sua mensuração consequentes da adoção das NICs.

 

Tais ajustamentos só seriam relevantes para efeitos fiscais na medida que os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais refletidas em capital próprio no balanço do primeiro exercício de aplicação das NICs fossem também relevantes fiscalmente, ou seja, concorressem para a formação do lucro tributável do respetivo exercício. Ficaria excluída a aplicação desse regime transitório aos instrumentos financeiros que, após a entrada em vigor das NICs, continuaram abrangidos, independentemente da variante, pelo regime de realização.

 

O artigo 49º do CIRC, aditado pelo art.º 3º do Decreto Lei nº. 159/2009, estabelece, no nº 1, concorrerem para a formação do lucro tributável, salvo os previstos no n.º 3, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros derivados, ou a qualquer outro ativo ou passivo financeiro não derivado, mas utilizado como instrumento de cobertura restrito à cobertura do risco cambial.

 

Tal norma legal é, assim, inaplicável aos derivados não mensurados pelo justo valor, caso em que os rendimentos ou gastos apenas concorrem para a formação do lucro tributável quando realizados.

 

 Também a mesma disposição ressalva expressamente do justo valor as operações cujo objetivo exclusivo seja o de cobertura de fluxos de caixa ou de cobertura do investimento líquido numa unidade operacional estrangeira, nas quais, segundo o nº 3, são diferidos os rendimentos ou gastos gerados pelo instrumento de cobertura, na parte considerada eficaz, até ao momento em que os gastos ou rendimentos do elemento coberto concorram para a formação do lucro tributável, ou seja, no caso específico de “swaps” de taxas de juro com exposição à variabilidade dos juros de empréstimo bancário, até ao momento em que estes sejam refletidos em resultados.

 

Com todo o respeito, e que é muito, que nos merece a argumentação expendida na presente Decisão Arbitral, entendemos que fora do campo de aplicação desse nº 1, ao contrário do que aqui defende o Tribunal Arbitral, não é aplicável o nº 1 do artigo 49º do CIRC.

 

Assim, caso se considerassem as operações em causa como de cobertura, não estariam abrangidas pelo regime transitório do nº 1 do artigo 5º do citado Decreto Lei, o que é, aliás, a posição da AT expressa no Manual de IRC, editado pela Direção de Serviços de Formação, Lisboa, 2016, pág. 241.

 

É de referir que a própria Requerente sustenta a natureza de cobertura das operações em causa, posto que assim as não tivesse contabilizado, que o contrato de “swap” é perfeitamente compatível, sem que do facto exclua a sua natureza de cobertura, com cláusula que preveja a denúncia unilateral por qualquer das partes, independentemente do interesse da outra no prosseguimento da relação contratual (Maria Clara Calheiros, “O contrato de “swap”, Coimbra, 2000, págs., 176 e 177), que a inexistência de uma função de cobertura não é compatível com a dependência da concessão do crédito da condição da subscrição dos derivados referidos, que resulta expressamente dos contratos juntos, e que se tivessem sido observadas as disposições sobre a contabilidade de cobertura esse nº 1 do artigo 5º do Decreto Lei  nº. 159/2009 não seria de modo algum aplicável.

 

Por outro lado, somos de opinião que o processo tributário não se rege pelo princípio do dispositivo, mas pelo princípio do inquisitório, não estando, por isso, o Tribunal Arbitral vinculado à qualificação dos factos efetuada por Requerente e Requerida.

 

Em caso de inexistência da função de cobertura, por a mensuração pelo justo valor não abranger a exposição à variabilidade da taxa de juro de instrumentos de dívida mensurados ao custo amortizado, em especial empréstimos bancários, como resulta da alínea a) do Parágrafo 12º e da alínea a) do Parágrafo 14º, aplicáveis “ex vi” da alínea b) do Parágrafo 16º da NCRF 27, continuaria, mesmo assim, a não ser aplicável o nº 1 do artigo 5º do Decreto Lei nº. 159/2009.

 

O citado Relatório da Inspeção não se fundamentaria, no entanto, nas disposições legais citadas, que abstratamente poderiam justificar a correção, mas no caráter pretensamente especulativo dos contratos. O nº 1 do artigo 49º do CIRC seria, assim, apenas aplicável à instituição de crédito contratante do “swap” de taxas de juro, mas não aos seus clientes.

 

Segundo a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, expressa no Acórdão de 3/05/2016, Proc. 7/14.5TVPR, nada obsta a que os contratos de “swap” de taxas de juro sejam utilizados com finalidades puramente especulativas, partilhadas ou não pelas partes, com base na previsível evolução dessas taxas e sem ligação a qualquer outro contrato.

 

A aplicação do nº 1 do art.º 49º do CIRC não depende, assim, do caráter não especulativo do contrato, que pode ser uma finalidade de apenas uma das partes, ou de ambas, ainda que uma destas seja o cliente da instituição de crédito.

 

Importa referir que o próprio STA tem defendido que a qualificação como custo depende de a operação contratada ser do interesse do sujeito passivo do IRC, desenhado no seu objeto social.

 

Não, assim, dedutíveis os gastos com operações efetuadas exclusivamente no interesse de terceiros.

 

À luz dessa jurisprudência, o interesse do sujeito passivo não pode ser meramente de facto ou reflexo, dependendo de uma conexão económica direta entre a despesa e a obtenção de rendimentos, que, no caso, não seria evidenciada.

 

Não ficou demonstrado que, por natureza, os referidos instrumentos derivados fossem contratados no interesse exclusivo das instituições de crédito. O interesse foi mútuo e, por isso, geraram variações patrimoniais positivas e negativas para as partes envolvidas.

 

Nessa medida, ainda que as variações patrimoniais negativas não tivessem enquadramento na alínea b) do nº 1 do art.º 23º do CIRC, por não serem a contraprestação da aquisição de qualquer serviço, seriam sempre menos-valias latentes, fiscalmente relevantes quando mensuradas pelo justo valor.

 

Por outro lado, o contencioso tributário é meramente de anulação e não de jurisdição.

 

Não pode o tribunal substituir a fundamentação do ato impugnado, sob pena de invadir, fora dos casos previstos na lei, o âmbito da função administrativa.

 

Entendo, assim, com todo o respeito, que a presente Decisão Arbitral, mesmo no sentido da anulação, poderia ter sido fundamentada diferentemente.

 

Lisboa, 06 de Maio de 2019

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Carita)