Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2018-T
Data da decisão: 2019-04-24  IMT  
Valor do pedido: € 24.216,40
Tema: IMT - insolvência pessoas singular – caducidade do direito de ação
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DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

 

1.            Em 31 de agosto de 2018, A..., contribuinte n.º..., residente em Lisboa, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª B... , e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª C... e Dr.ª D... .

3.            Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis (IMT), no montante de total € 24.040,68 (vinte e quatro mil, quarenta euros e sessenta e oito cêntimos) pela aquisição de um imóvel sito na freguesia das ..., concelho e distrito de Lisboa, no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, e solicitou, a final, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

4.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

5.            O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 8 de novembro de 2018, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

6.            No dia 12 de novembro de 2018, notificada para o efeito, a Requerida ofereceu a sua defesa, por exceção – invocando a caducidade do direito de ação/ intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral- e por impugnação.

7.            O Tribunal, no dia 14 de dezembro de 2018, tendo em vista assegurar o cumprimento do princípio do contraditório, notificou a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, sobre a invocada exceção, nada tendo sido dito.

8.            Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, por despacho de 14 de fevereiro de 2019, entendeu o Tribunal dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, conforme requerido pela Requerida na sua Resposta, bem como conceder um prazo sucessivo de 10 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.

9.            O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 8 de maio de 2019 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

10.          A Requerente apresentou as suas alegações, no dia 22 de fevereiro de 2019 e a Requerida no dia 4 de março de 2019.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

11.          A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis (IMT), no montante total de € 24.040,68 (vinte e quatro mil, quarenta euros e sessenta e oito cêntimos), pela aquisição de um imóvel sito na freguesia das ..., concelho e distrito de Lisboa, no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

a)            Esclarece a Requerente que «[e]m 15/06/2016, (…) adquiriu a fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao sexto andar, destinado a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito em ..., na Rua ..., números ... a..., freguesia de ..., Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo... . Esta aquisição ocorreu no âmbito de processo de insolvência de E... (contribuinte n.º...) que correu termos nos Juízos Cíveis de Lisboa, ... Juízo Cível, sob o n.º .../13....»

b)           Com efeito, na sequência dessa aquisição, «[f]oi concedida isenção de IMT à Requerente na referida aquisição, conforme documento de liquidação de 31/05/2016 com o n.º ...», e posteriormente, «[e]m 25/06/2018 foi emitida à Requerente a nota de cobrança n.º 2018... relativa à liquidação de IMT sobre a operação realizada em 15/06/2016, no montante de €24.040,68 (vinte e quatro mil e quarenta euros e sessenta e oito cêntimos)».

c)            Defende a Requerente que «(…) ao proceder à liquidação adicional de IMT, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) violou as suas legítimas expectativas e garantias anteriormente constituídas e, bem assim, o princípio da confiança e segurança jurídica, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroatividade da lei fiscal e da boa fé.», atendendo a que, segundo entende a Requerente «(…) a revogação da isenção concedida apenas poderia efetivar-se no prazo de um ano após a respetiva concessão.»

d)           Considera a Requerente que «(…) a isenção de IMT prevista no artigo 270.º do CIRE consubstancia um benefício fiscal e a sua concessão configura um ato constitutivo de direitos do beneficiário», pelo que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais «[o] acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado”.

e)           Mais refere, a Requerente que «[a]inda que se conceda que a AT tem fundamento para revogar a isenção concedida, o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, para além de representar uma limitação dos direitos adquiridos da Reclamante, tal revogação estaria sempre sujeita ao prazo legalmente previsto para o efeito.(…) Conforme disposto no artigo 168.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, o ato constitutivo de direitos apenas pode ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano.»

f)            Assim sendo, «[t]ratando-se a isenção de IMT concedida à Requerente de um ato constitutivo de direitos, o mesmo apenas poderia ser anulado pela AT dentro do prazo de um ano após a sua prática.» Ou seja, «(…) tendo a isenção de IMT sido concedida em 31/05/2016, a respetiva anulação apenas poderia ocorrer até 31/05/2017, pelo já há muito decorreu o prazo de um ano para a anulação do acto de concessão de isenção de IMT.»

g)            Concluindo no sentido de que «(…) tendo a AT revogado a concessão do benefício após o decurso do prazo de um ano, este ato de revogação e a respetiva liquidação adicional de IMT são ilegais, por violação do disposto no art. 168, nº 2 do CPA, o que determina a sua anulação.»

h)           Por último, vem requerer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

12.          Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se do seguinte modo:

a)            Por um lado, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, referindo que «[a] Requerente foi notificada da emissão da liquidação de IMT, conforme Ofício n.º..., de 09/01/2018 (…). Nessa notificação é expressamente referido que deve solicitar guias de pagamento no prazo de 30 dias, ou seja, esse é o prazo de pagamento voluntário.»

b)           Na verdade, menciona a Requerida que «(…) a Requerente não pagou o montante liquidado no prazo de pagamento voluntário, ou seja 30 dias depois da notificação da liquidação (11/01/2018), razão pela qual foi instaurado Processo de Execução Fiscal (…)».

c)            Com efeito, entende a Requerida que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), «(…) o termo inicial para contagem de prazo para apresentar a presente acção não pode ser a data do pagamento efectuado em 23/08/2018, pois o prazo de pagamento voluntário terminou em 12/02/2018»,

d)           Assim sendo, e tendo em consideração que «o prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral é de três meses e conta-se do “termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária legalmente notificada ao contribuinte” (…) ou seja, 30 dias depois de 11/01/2018», entende a Requerida que «(…) o prazo de três meses para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se de 12/02/2018, e terminou em 14/05/2018, pelo que a presente acção deu entrada depois de caducado o direito de acção», uma vez que o pedido arbitral «(…)foi apresentado em 31/08/2018».

e)           Concluindo no sentido de que «(…) tendo o pedido sido apresentado em 31/08/2018, considera-se largamente excedido o prazo referido pelo que a presente impugnação é manifestamente extemporânea.»

f)            Por impugnação, defende a Requerida que o n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevê a isenção de IMT, a qual «(…) abrange (…) todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou estabelecimento. (…) Ora, no caso em questão não há dúvida que a liquidação de IMT é legal por não se verificarem os pressupostos constantes no artigo 270.º do CIRE.»

g)            No que respeita à questão da alegada revogação ilegal do benefício fiscal por ultrapassado o prazo de um ano previsto nos artigos 140.º e 141.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), refere a Requerida que, ao contrário do que a Requerente defende «(…) não existiu qualquer acto constitutivo de direitos, porque o benefício constante do artigo 270.º do CIRE é um benefício automático nos termos do artigo 5.º do EBF.»

h)           Continuando, aduz a Requerida que «(…) Benefícios fiscais automáticos são os que resultam directa e imediatamente da lei, por contraposição aos benefícios dependentes de reconhecimento, que pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.». Com efeito, segundo a Requerida «(…) conclui-se que a isenção do art. 270.º do CIRE é automática, decorre directamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos de isenção, nem um verdadeiro acto constitutivo de direito à isenção. O que acontece é que o SP apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT fiscaliza, analisando a verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF.»

i)             Deste modo, explica a Requerida «(…)o documento emitido a fim de ser realizada a escritura pública de compra e venda, não é verdadeira liquidação nem um documento de isenção, pelo que não há, nesse momento, a constituição de um direito ao benefício fiscal.»(…)« ou seja, só depois de realizada a fiscalização é que foi aferido que não se verificavam os pressupostos, razão pela qual foi liquidado o imposto.»

j)             Concluindo, no sentido de que «(…) esta liquidação de imposto não pode ser considerada uma revogação de isenção (…). Por tudo o supra exposto, no caso, não se verificando os pressupostos legais para a requerente poder beneficiar da isenção de IMT, nos termos do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, a administração tributária não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitado o prazo de caducidade, que, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o IMT, se conta da data em que o facto tributário ocorreu.»

 IV. Saneamento

 

13.          O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

14.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

V. Matéria de Facto

 

15.          Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.           A Requerente, em 15 de junho de 2016, adquiriu a fração autónoma designada pela letra “M” correspondente ao sexto andar, destinado a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito em ..., na Rua ..., n.os ... a ..., freguesia de ..., Concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo... . – cfr. Acordo das partes - ;

B.            No dia 31 de maio de 2016 foi emitido o documento n.º ... relativo ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) proveniente da aquisição referida em A. supra, no montante de € 0,00 (zero euros), em virtude de ter sido concedido o benefício «60-Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - Transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente(Art.º 270.º, n.º 2 do DL 53/04), 100% sobre a matéria colectável»   - cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

C.            A aquisição referida em A. supra ocorreu no âmbito do processo de insolvência de E... que correu termos nos Juízes Cíveis de Lisboa, ... Juízo Cível, sob o n.º .../.... – cfr. Acordo das partes - ;

D.           Em 11 de janeiro de 2018, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 9.01.2018 do Serviço de Finanças de ..., para «no prazo de 30 dias após a receção desta notificação, nos termos dos n.os 2 e 4 do art.º 31.º do Código do Imposto Municipal sobre as transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) conjugado com o art.º 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), solicitar as guias para pagamento na quantia de € 24.040,68 de IMT, calculado com base na alínea a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT. A referida liquidação adicional teve por base a liquidação de IMT com o registo 2016/... . Foi concedido o benefício de IMT ao abrigo do art.º 270.º do CIRE (Código da Insolvência e da recuperação de Empresas), como tratando-se da aquisição efectuada a uma empresa, quando na realidade o alienante é pessoa singular.

Liquidação IMT

Valor declarado = €450.000,00x8%     = € 36.000,00

Parcela a abater                                                  = € 11.959,32

Imposto devido                                      = € 24.040,68

Da liquidação de IMT poderá, querendo reclamar no prazo de 120 dias (art.º 70.º do CPPT) ou impugnar no prazo de 3 meses (art.º 120.º do CPPT), com os fundamentos referidos no art.º 99.º do CPPT.

Não sendo efetuado o pagamento no prazo referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.º 3 do art.º 38.º do CIMT.» - cfr. documento n.º 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

E.            A 3 de agosto de 2018 a Requerente foi citada, pelo Serviço de Finanças de Lisboa..., da instauração, contra si, do processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança coerciva do montante total de € 24.216,40 (vinte e quatro mil, duzentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos), sendo que € 24.040,68 (vinte e quatro mil, quarenta euros e sessenta e oito cêntimos) corresponde a IMT, € 12,80 (doze euros e oitenta cêntimos) a juros de mora e € 162,92 (cento e sessenta e dois euros e noventa e dois cêntimos) a custas. – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

F.            No dia 23 de agosto de 2018 a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 24.216,40 (vinte e quatro mil, duzentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos) – cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

G.           Em 31 de agosto de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

16.          Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

VII. Factos dados como não provados

 

17.          Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

18.          Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelas partes, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 110.º do CPPT.

 

19.          De referir que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e d) do RJAT)].

 

20.          Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados em função de sua relevância jurídica a qual é estabelecida em função das soluções das questões de direito a descortinar. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

 

IX. Questão prévia

 

21.          A Requerida, na sua Resposta, invoca a título de questão prévia, a exceção de «caducidade do direito de ação» alegando para o efeito que «[a] Requerente foi notificada da emissão da liquidação de IMT, conforme Ofício n.º..., de 09/01/2018 (…). Nessa notificação é expressamente referido que deve solicitar guias de pagamento no prazo de 30 dias, ou seja, esse é o prazo de pagamento voluntário.»

 

22.          Mais aduz, a Requerida, quanto a esta matéria que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT «o prazo para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral é de três meses e conta-se do “termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária legalmente notificada ao contribuinte” (…) ou seja, 30 dias depois de 11/01/2018», entende a Requerida que «(…) o prazo de três meses para apresentar o pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se de 12/02/2018, e terminou em 14/05/2018, pelo que a presente acção deu entrada depois de caducado o direito de acção», uma vez que «(…)foi apresentado em 31/08/2018».

 

23.          Concluindo no sentido de que «(…) tendo o pedido sido apresentado em 31/08/2018, considera-se largamente excedido o prazo referido pelo que a presente impugnação é manifestamente extemporânea.»

 

24.          Notificada para exercer o princípio do contraditório relativamente à exceção invocada pela Requerida, a Requerente nada veio dizer.

 

Vejamos, se assiste razão à Requerida, quanto à exceção que invoca,

 

25.          Antes de mais, é relevante recordar os factos essenciais para solucionar a questão prévia suscitada sob a forma de exceção de «caducidade do direito de ação/intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral», designadamente os seguintes:

D)           Em 11 de janeiro de 2018, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 9.01.2018 do Serviço de Finanças de ..., para «no prazo de 30 dias após a receção desta notificação, nos termos dos n.os 2 e 4 do art.º 31.º do Código do Imposto Municipal sobre as transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) conjugado com o art.º 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), solicitar as guias para pagamento na quantia de € 24.040,68 de IMT, calculado com base na alínea a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT. A referida liquidação adicional teve por base a liquidação de IMT com o registo 2016/.... Foi concedido o benefício de IMT ao abrigo do art.º 270.º do CIRE (Código da Insolvência e da recuperação de Empresas), como tratando-se da aquisição efectuada a uma empresa, quando na realidade o alienante é pessoa singular.

Liquidação IMT

Valor declarado = €450.000,00x8%= € 36.000,00

Parcela a abater                                                 = € 11.959,32

Imposto devido                                  = € 24.040,68

Da liquidação de IMT poderá, querendo reclamar no prazo de 120 dias (art.º 70.º do CPPT) ou impugnar no prazo de 3 meses (art.º 120.º do CPPT), com os fundamentos referidos no art.º 99.º do CPPT.

Não sendo efetuado o pagamento no prazo referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.º 3 do art.º 38.º do CIMT.» - cfr. documento n.º 3 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

E)            A 3 de agosto de 2018 a Requerente foi citada, pelo Serviço de Finanças de Lisboa..., da instauração, contra si, do processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança coerciva do montante total de € 24.216,40 (vinte e quatro mil, duzentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos), sendo que € 24.040,68 correspondente a IMT, € 12,80 a juros de mora e € 162,92 a custas. – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral - ;

F)            (…)

G)           Em 31 de agosto de 2018, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

Ora,

 

26.          Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.» 

 

27.          Prevendo, o artigo 102.º do CPPT sob a epígrafe “Impugnação judicial. Prazo de apresentação” que:

«1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado pela alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.» (negrito nosso).

 

28.          Na verdade, face à conjugação do disposto no artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com aplicação nos presentes autos, deve ser apresentado 3 meses após o «termo do prazo de pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas aos contribuintes».

 

29.          Sendo de acrescentar, ainda, que segundo o artigo 20.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial - natureza de que se reveste o pedido de pronúncia arbitral - contam-se «nos termos do artigo 279.º do Código Civil».

 

30.          Sendo que o prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva, não se suspendendo em férias judicias, como se pode retirar do disposto no referido no artigo 20º do CPPT, ao contrário do que sucede com os prazos processuais,

 

31.          … contudo, se o seu termo ocorrer nesse período (férias), é o mesmo transferido para o primeiro dia útil seguinte, como preceitua a alínea e) do artigo 279º do Código Civil.

 

32.          Assim, regressando ao caso em apreço, atendendo a que a Requerente foi notificada, a 11.01.2018, através do Ofício n.º..., de 09.01.2018, do Serviço de Finanças de ...– alínea A) dos factos dados como provados, do ato de liquidação sindicado nos presentes autos,

 

33.          … o prazo dos 30 dias para o pagamento voluntário do imposto, teve início no dia 12.01.2018, em conformidade com o disposto na alínea b) do referido artigo 279.º do CCivil, e o seu término a 10.02.2018.

 

34.          Volvidos os 30 dias para o pagamento voluntário do imposto, é altura de dar início à contagem do prazo de 90 dias para a apresentação do presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral, previsto no artigo 10.º do RJAT.

 

35.          Assim, o prazo que a Requerente dispunha para apresentar o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral teria o seu início no dia 11.02.2018 e o seu término a 11.05.2018.

 

36.          Esclarece, com interesse, a decisão proferida no processo n.º 792/2014-T do CAAD, quanto à matéria da contagem dos prazos que:

“É pacífico que a contagem do prazo para deduzir a impugnação deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como expressamente resulta do disposto no n.º 1, do artigo 20.º do CPPT. A contagem do prazo ocorre em dias seguidos e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 144.º do CPC, cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais (adjetivos). Entendimento partilhado pela Jurisprudência dos tribunais superiores, bem assim como pela jurisprudência arbitral, vertida, entre outros, nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 35/2012-T; 83/2012-T; 188/2013-T, 353/2014-T, entre outros.

 

Assim, é entendimento deste Tribunal arbitral, à semelhança do vertido nas decisões arbitrais supra mencionadas, que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.”

 

37.          Face ao exposto, considerando que o termo do prazo para pagamento voluntário do tributo em causa ocorreu a 10.02.2018, que os 90 dias previstos para apresentação e impugnação judicial (ou pedido de constituição do Tribunal Arbitral) terminou no dia 11.05.2018, e que só a 31.08.2018 a Requerente apresentou o presente pedido junto do CAAD, é manifesto que não pode deixar de se julgar verificada a exceção dilatória de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral (Cfr. artigos 102.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT com as devidas consequências.

 

X- Decisão

 

 Assim, decide o Tribunal arbitral julgar verificada a exceção dilatória de caducidade do direito de ação /intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 24.040,68 (vinte e quatro mil, quarenta euros e sessenta e oito cêntimo) nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, de acordo com o que se fixam no montante de € 1.530,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 24 de abril de 2019

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O Árbitro

(Jorge Carita)