Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 437/2018-T
Data da decisão: 2019-04-22  IRS  
Valor do pedido: € 10.052,97
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias: valor de aquisição; encargos com a valorização dos imóveis – al. a) do art.º 51.º do CIRS – inutilidade superveniente da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua..., n.º ... –..., ... São Paulo, Brasil, cujo representante fiscal em Portugal é a sociedade B..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa (de ora em diante designado “Requerente”),  apresentou, no dia 04.09.2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, em termos mediatos, a anulação da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) que lhe foi notificada pela demonstração de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2013, no valor de € 10.052,97 (dez mil e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 20.09.2018, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação dos Senhores Dr. C... e Dra. D... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído a 14.11.2018.

 

  1. No dia 19.11.2018 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida não apresentou a sua Resposta nem juntou aos autos o processo administrativo.

 

B – Posição do Requerente

 

  1. O Requerente é uma pessoa singular, de nacionalidade brasileira, que residiu em Portugal até ao ano de 2009, ano a partir do qual passou a ser considerado não residente em Portugal.

 

  1. A 17.05.2010, o Requerente adquiriu, por € 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros) o prédio urbano sito do ..., situado na ..., ... Cascais, número ..., registado e descrito na ... conservatória do registo predial de Cascais sob o número ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., fracção autónoma identificada pela letra “B” (o “Imóvel”).

 

  1. A 11.04.2013, o Requerente alienou, por € 585.000,00 (quinhentos e oitenta e cinco mil euros) o “Imóvel”.

 

  1. O preço pelo qual o Requerente alienou o Imóvel foi superior ao respectivo Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) à data da alienação, mas inferior ao preço pelo qual o adquirira.

 

  1. Com a venda do Imóvel referida em 1.9., o Requerente realizou uma perda de € 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros) e não uma mais-valia.

 

  1. Em 2013, o Requerente era não residente em território português, pelo que o IRS incidiria unicamente sobre os seus rendimentos obtidos em território português, nos termos do n.º 2 do art.º 15.º do CIRS.

 

  1. À data a que se reportam os factos, seriam tributados à taxa autónoma de 28 % as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não fossem imputáveis a estabelecimento estável nele situado [art.º 72.º, n.º 1 alínea a)].

 

  1. O conceito de mais-valia, também à data dos factos, constava do art.º 10.º do CIRS: mais valias seriam os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultassem nomeadamente da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo o ganho sujeito a IRS constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

 

  1. Ora, o Requerente não realizou qualquer ganho com a alienação do Imóvel, antes registou uma perda de € 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros), pelo que não pode haver qualquer imposto a liquidar relativamente à dita alienação.

 

  1. Não tendo o Requerente auferido em território português qualquer rendimento em sede de IRS no ano de 2013, não tinha ele qualquer obrigação declarativa.

 

  1. O Requerente foi notificado, no dia 20.11.2017, da demonstração de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2013, no valor de € 10.052,97 (dez mil e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos), cujo prazo limite para pagamento terminava a 20.12.2017.

 

  1. Ainda que inconformado, o Requerente procedeu ao pagamento da quantia que lhe estava a ser exigida no dia 15.12.2017.

 

  1. No dia 06.02.2018 deu entrada nos serviços da Requerida uma reclamação graciosa pela qual o Requerente pedia a anulação da demonstração de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2013, no valor de € 10.052,97 (dez mil e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos), por entender que a alienação do Imóvel não gera, nos termos supra sumariados, nenhuma mais-valia susceptível de ser tributada em sede de IRS.

 

  1. Até à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária por parte do Requerente, a Requerida não se havia pronunciado sobre a mencionada reclamação graciosa, pelo que a mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 57.º da LGT se teve por tacitamente indeferida no dia 06.06.2018.

 

C – Posição da Requerida

 

  1. A Requerida, como se disse já, não apresentou a sua Resposta.

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

  1. O Requerente, por requerimento notificado no dia 03.12.2018, dá conhecimento ao Tribunal Arbitral de que a Requerida havia entretanto decidido favoravelmente a reclamação graciosa por si apresentada no dia 06.02.2018, pelo que, nos termos e para os efeitos da alínea e) do art.º 277.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, se verificava a inutilidade superveniente da lide conducente à extinção da instância.

 

  1. Convidada a pronunciar-se sobre o requerimento da Requerente, veio a Requerida, a 10.12.2018, informar o Tribunal Arbitral de que nada teria a opor à solicitada extinção da instância.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. Consideram-se provados os factos a que se referem os pontos 1.7. a 1.11. e 1.17. a 1.20. supra.

 

  1. O Requerente apresentou no dia 04.09.2018 o pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, em termos mediatos, a anulação da liquidação de IRS que lhe foi notificada pela demonstração de liquidação de IRS n.º 2017..., referente ao ano de 2013, no valor de € 10.052,97 (dez mil e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).

 

  1. A Requerida, já depois do termo do prazo de 30 dias a que se refere o n.º 1 do art.º 13.º do RJAT, decidiu favoravelmente a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente no dia 06.02.2018.

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base na apreciação e valoração dos documentos juntos aos autos pelo Requerente, nas posições por ele assumidas no pedido de pronúncia arbitral e, ainda, no vertido nos requerimentos apresentados pelas Partes.

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questão prévia a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que há uma questão prévia que importa apreciar e que pode prejudicar a necessidade de se proceder à análise da questão de fundo suscitada nos presentes autos: a da inutilidade superveniente da lide, o que de imediato se fará.

 

3.2.      A inutilidade superveniente da lide

 

Conforme resulta do facto dado como provado, a Requerida, já depois de apresentado o pedido de pronúncia arbitral, decidiu favoravelmente a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente no dia 06.02.2018, cujo indeferimento tácito constituía o objecto imediato dos presentes autos.

 

Sendo assim, ambas as Partes se mostram expressamente favoráveis à extinção da instância. Na verdade, torna-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, como se disse, de acordo.

 

Verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância [cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil].

 

Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, não tendo qualquer utilidade a decisão de mérito que pudesse ser proferida neste processo, pelo que não pode deixar de se constatar a inutilidade superveniente da presente lide.

 

Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pelo Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal Arbitral do acto sindicado, ficou prejudicada porquanto a supressão desse acto e seus efeitos na ordem jurídica foi alcançada por outra via, depois de iniciada a presente instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação da liquidação mediatamente impugnada (cfr. art.º 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessa liquidação se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação à liquidação posta em crise, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra a dita liquidação deduzida.

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário objecto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo do art.º 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide, com todas as consequências legais, julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.

 

  1. Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.052,97 (dez mil e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento.

 

A responsabilidade pelos encargos dos processos deve caber a quem houver dado causa ao pleito, entendendo-se que o dá a parte que nele vier a ser vencida. No caso presente, a Requerida não procedeu à revogação do acto de liquidação ora posto em crise no prazo a que alude o n.º 1 do art.º 13.º do RJAT, pelo que entende este Tribunal Arbitral que, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 536.º do CPC, é a Requerida quem deve ser integralmente responsabilizada pelas custas do presente processo.

 

 

Lisboa, 22 de Abril de 2019

 

 

 

O Árbitro

 

 

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(Nuno Pombo)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.