Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 366/2018-T
Data da decisão: 2022-02-09  IRS  
Valor do pedido: € 5.581.672,85
Tema: Reforma de decisão arbitral (anexa à decisão) - IRS. Caducidade do direito à liquidação. Inimpugnabilidade de atos consequentes.
*Substitui, quanto à matéria de direito, a decisão arbitral de 18 de junho de 2021.
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Sumário:

I – O alargamento do prazo do direito à liquidação, nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não exige uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas apenas uma mera coincidência factual objetiva;

II - Os atos de liquidação de imposto são atos consequentes relativamente à decisão de avaliação por métodos indiretos, não sendo impugnáveis com base em vícios imputáveis à decisão de avaliação por métodos indiretos, mas apenas por vícios próprios na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador.

 

 

Decisão arbitral

 

 

Acordam em Tribunal Arbitral

 

1. A Autoridade Tributária, requerida no presente processo, interpôs recurso de uniformização de jurisprudência para o STA da decisão arbitral de 21 de junho de 2021, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e anulou atos de liquidação adicional referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, e julgou improcedente o pedido arbitral quanto ao ato de liquidação adicional referente ao ano de 2008.

 

A decisão arbitral, para considerar procedente o pedido arbitral, baseou-se no entendimento de que, à data em que foram emitidas as liquidações relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007, havia caducado já o direito à liquidação, por se ter concluído que a decisão sobre a situação tributária dos Requerentes não estava condicionada pelo resultado do inquérito criminal instaurado na sequência das ações inspetivas e, sendo assim, não havia lugar ao alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação a que se refere o artigo 45.º, n.º 5, da LGT.

 

No recurso de uniformização de jurisprudência, a Autoridade Tributária invocou como acórdão fundamento o acórdão do STA de 2 de julho de 2008 proferido no Processo n.º 0343/08, transitado em julgado.

 

Por acórdão de 29 de setembro de 2022, proferido no Processo n.º 111/21, o STA, em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão arbitral recorrida na parte em que considerou inválidas, por caducidade, as liquidações relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, fixando a seguinte doutrina:

 

I - A aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não exige que se deva verificar uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas apenas uma mera coincidência factual objetiva.

II - Não constitui requisito para operar o alargamento do prazo de caducidade previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT que o direito à liquidação do tributo esteja condicionado pelo desfecho do processo de inquérito

 

O acórdão transitou em julgado em 26 de janeiro de 2023.

 

Em cumprimento do julgado, e dando como reproduzida a matéria de facto já fixada, cabe proceder à reforma da decisão arbitral, quanto à matéria de direito, o que se faz nos seguintes termos.

 

Impugnabilidade dos atos de liquidação

 

2. Os Requerentes vêm impugnar os atos de liquidação de imposto praticados na sequência do procedimento inspetivo que considerou verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indireta em aplicação do disposto no artigo 87.º, alínea f), da LGT.

 

Prevê esta disposição que há lugar à avaliação indireta em caso de “acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”. Por sua vez, o artigo 89.º-A, n.º 7, contempla especialmente a possibilidade de interposição de recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, e a tramitar como processo urgente, da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto.

 

Os Requerentes lançaram mão do recurso para impugnação da decisão de avaliação por métodos indiretos a que se refere essa disposição, que veio a ser decidido em definitivo pelo acórdão de 26 de maio de 2018 do TCA Norte. Aí se discutiram essencialmente as três seguintes questões: (a) o valor probatório de documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Requerentes, quando não foram obtidas através do procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT e os interessados não tiveram qualquer intervenção no processo penal e não puderam exercer os seus direitos de controlo e defesa; (b) o valor probatório da perícia efetuada à letra e assinatura dos Requerentes que concluiu que "podem ser" dos Recorrentes as assinaturas apostas em documentos bancários; (c) ) a suficiência da prova, que incumbia à Administração Fiscal, de que os Requerentes eram os beneficiários económicos da sociedade F..., S.A. nos anos de 2005 a 2008.

 

  No presente pedido arbitral, os Requerentes imputam aos atos tributários de liquidação de imposto as seguintes ilegalidades: a resultante de não ter sido adotado o procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, da LGT para aceder a informações e documentos bancários, a caducidade dos atos de liquidação, a falta de notificação prévia da ação de inspeção tributária, a violação do princípio da participação por não ter sido concedido o direito de audição antes da liquidação, o vício de falta de fundamentação e ainda o vício resultante da não ilisão pela Autoridade Tributária da presunção de que os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais.

 

  Este último fundamento é ininteligível no contexto da alegação em que é deduzido (artigos 121.º a 127.º da petição) e não tem qualquer correspondência com a factualidade tida como assente nem quaisquer outros elementos do processo, pelo que, não sendo possível depreender o alcance da ilegalidade que é invocada e o seu fundamento, dela não se poderá conhecer.

 

Todos os demais vícios invocados, à exceção da caducidade do direito à liquidação e à violação do direito de audição antes da liquidação, são imputáveis à decisão de avaliação por métodos indiretos, visto que se trata de vícios atinentes ao próprio procedimento inspetivo que originou o recurso a métodos indiretos para efeito das correções a efetuar à matéria tributável.

 

Ora, os atos de liquidação de imposto são atos consequentes relativamente à decisão de avaliação por métodos indiretos, na medida em que se trata de atos praticados na sequência desse outro ato e tomando como pressuposto a definição jurídica dele resultante.

 

O ordenamento jurídico português faz, hoje, referência aos atos consequentes para assumir que, mesmo que não tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, esses atos, dentro de certos condicionalismos, devem ser eliminados, reformados ou substituídos pela própria Administração, em execução de eventual sentença anulatória ou em execução de anulação administrativa do ato em que se baseiem, quando isso se mostre indispensável para reconstituir a situação que deveria existir se este último ato não tivesse sido praticado. É o que resulta do disposto no artigo 173.º, n.º 2, do CPTA, em matéria de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, cujo regime se estende, por força do artigo 172.º, n.º 2, do CPA, à execução das próprias decisões de anulação que sejam tomadas pelas autoridades administrativas. Mas nada disto afasta, naturalmente, a possibilidade que ao impugnante do ato antecedente assiste de proceder à impugnação, no momento próprio, dos atos consequentes cuja subsistência pode pôr em causa a satisfação dos seus interesses.

 

O ponto é que a impugnação de atos consequentes não pode servir para o impugnante voltar a discutir as questões de ilegalidade que sejam imputáveis ao ato antecedente e que foram já objeto de apreciação jurisdicional em sede de recurso próprio. Tem aqui aplicação, por analogia, a regra do artigo 53.º, n.º 3, do CPTA, pela qual “os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador”.

 

Com efeito, os atos consequentes possuem uma dimensão de natureza meramente confirmativa, na medida em que tomam como pressuposto a definição jurídica resultante de um ato anterior e só se tornam impugnáveis na medida em que produzem efeitos jurídicos novos, que surgem no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo ato anterior.

 

A única possibilidade de imputar ao ato consequente vícios próprios do ato antecedente seria a de invocar a nulidade deste ato. De facto, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (artigo 162.º do CPA), pelo que o interessado sempre poderia atacar o ato consequente com base em qualquer ilegalidade do ato pressuposto que a lei comine expressamente com essa forma de invalidade. Isso porque a nulidade do ato antecedente, desde que reconhecida judicialmente, iria determinar a anulação do ato consequente por erro nos pressupostos de facto ou de direito.

 

Estando em causa, no presente caso, a impugnação dos atos de liquidação de imposto com base em vícios imputáveis à decisão de avaliação por métodos indiretos mas que apenas poderão gerar a mera anulabilidade dessa decisão, esses vícios não podem ser apreciados no âmbito do pedido arbitral.

 

Não se toma conhecimento, por conseguinte, dos vícios de não adoção do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, da LGT para aceder a informações e documentos bancários, falta de notificação prévia da ação de inspeção tributária e falta de fundamentação.

 

Caducidade do direito à liquidação

 

3. A questão a decidir é a de saber se há lugar à caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, quando a Administração Tributária não deva aguardar o desfecho do processo crime para praticar os atos de correção tributária e tenha procedido à liquidação ainda na pendência desse processo.

 

  A questão foi decidida em sentido negativo pelo acórdão de uniformização de jurisprudência de 29 de setembro de 2022, tirado no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no Processo n.º 111/21.

 

Como resulta do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, o prazo geral de exercício do direito de liquidação de IRC é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário. E nos termos do n.º 5 desse artigo 45.º, reintroduzido pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

 

Poderia entender-se que o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos da referida disposição do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, está dependente de uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, de tal modo que pudesse afirmar-se que o direito de liquidação não poderia ser exercido nos termos corretos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.

 

O referido acórdão do STA de 29 de setembro de 2022, veio a considerar, no entanto, em consonância com o acórdão fundamento, que a interpretação do artigo 45.º, n.º 5, da LGT não pressupõe uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas uma mera coincidência factual objetiva, e, nesse sentido, a norma torna possível a existência de liquidações previamente à conclusão dos inquéritos crime e eventuais processos criminais que se lhes sigam, concluindo que não constitui requisito para o alargamento do prazo de caducidade que o direito à liquidação do imposto esteja condicionado pelo desfecho do processo de inquérito.

 

  Por outro lado, o acórdão do STA de 29 de setembro de 2022, com base na factualidade dada como assente na decisão arbitral, reconheceu a existência de uma “coincidência factual objetiva” entre os factos que originaram a correção tributária e os correspondentes atos de liquidação e aqueles que determinaram a instauração do inquérito criminal, considerando-se verificado, por isso, o pressuposto de que depende a extensão do prazo para a liquidação dos tributos.

 

  Com efeito, na alínea B) da matéria de facto da decisão arbitral, considerou-se que, na sequência de ações inspetivas realizadas às empresas de que os Requerentes eram administradores, “e por existirem indícios da prática de crimes de natureza fiscal, foi aberto o processo de inquérito que correu termos no DIAP de Coimbra e depois no DIAP do Porto sob o número de processo n.º .../08...IDAVR”. E no Relatório de Inspeção Tributária, que serviu de motivação à matéria de facto, refere-se que “no seguimento das ações inspetivas às empresas C..., S.A. NIF ..., D..., SA, NIF..., e E... SA, NIF..., e atendendo à existência de fortes indícios da prática de crimes de natureza fiscal e de impedimentos efetuados pelos responsáveis destas empresas no acesso a meios de prova, foi comunicado aos Serviços do Ministério Público de Ovar, em novembro de 2008, estes factos, tendo sido aberto o competente processo de inquérito a que coube o n.º .../08 ...DAVR.

 

  Há assim prova bastante, que se deu como assente, da correlação entre a instauração do inquérito e os factos analisados no procedimento inspetivo que originaram os atos de liquidação impugnados, encontrando-se verificado o condicionalismo que permite o alargamento do prazo de liquidação do imposto, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT.

 

Segundo o disposto no artigo 46.º, n.º 2, alínea a), da LGT, o prazo de caducidade suspende-se “em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”. Considerando que, no caso em presença, foi interposto, em 28 de maio de 2012, recurso para o tribunal tributário da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, e o trânsito em julgado do acórdão do TCA Norte de 26 de maio de 2018, que julgou em definitivo o litígio, apenas ocorreu em 11 de junho seguinte, haverá de concluir-se que, à data em que foram emitidas as liquidações, em 20 de julho de 2018, ainda não tinha decorrido, em relação a qualquer dos anos a que respeita o imposto, o prazo de caducidade do direito à liquidação.

 

Mostra-se, por isso, improcedente a alegada caducidade do direito à liquidação relativamente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.

 

Direito de audição antes da liquidação

 

4. Invocam ainda os Requerentes a violação do direito à audição antes da liquidação por não terem tido oportunidade de se pronunciaram, em contraposição ao disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, sobre a divergência existente entre os valores em dívida que constam dos atos de liquidação e as correcções aritméticas que foram determinadas na sequência do relatório de inspeção tributária.

 

A Autoridade Tributária explicita, no entanto, na sua resposta, que o rendimento global da liquidação resulta do englobamento das importâncias decorrentes das correções nos montantes que resultam da anterior liquidação de imposto, não havendo uma efectiva alteração dos valores que foram considerados no âmbito do procedimento inspetivo.

 

Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º da LGT, é dispensada a audição antes da liquidação se o contribuinte tiver sido ouvido em qualquer das anteriores fases do procedimento e, especificamente, antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. E o que se constata, no caso, é que os Requerentes tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre o projecto de relatório de inspeção, e, por outro lado, não é feita qualquer demonstração de que ocorreu uma efetiva divergência entre os valores constantes do relatório e da liquidação, não podendo considerar-se verificada a existência de factos novos que pudessem justificar uma nova audição antes da liquidação.

 

E, nestes termos, mostra-se ser improcedente o invocado vício de falta de audição antes da liquidação.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide

 

  1. Não tomar conhecimento dos vícios de não adoção do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, da LGT para aceder a informações e documentos bancários, falta de notificação prévia da ação de inspeção tributária e falta de fundamentação.
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral quanto aos atos de liquidação adicional n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4.683.525,89, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 59.058,00, que fica a cargo dos Requerentes.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 9 de fevereiro de 2023

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Luís M. S. Oliveira

 

O Árbitro vogal

 

 

Nuno Cunha Rodrigues

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 366/2018-T

Tema: Avaliação por métodos indirectos. Acto consequente. Caducidade do direito à liquidação.

 

*Substituída pela decisão arbitral de 09 de fevereiro de 2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. a…., com o n.º de identificação fiscal ………, e B…., com o n.º de identificação fiscal ………, residentes na Av. ………….., Mira, vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios, referentes aos anos de 2005 a 2008, no montante global de 4.683.525.89€.

 

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

Foram realizadas acções inspectivas aos Requerentes na sequência de ordens de serviço emitidas pela Direcção de Finanças de Aveiro, incidindo sobre os anos de 2005 a 2008, tendo sido elaborado relatório da inspecção tributária no qual foi proposta a correção da matéria coletável declarada através de métodos indiretos ao abrigo do disposto no artigo 89.º-A, n.º 5, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT).

 

A avaliação indirecta, com invocação do disposto no n.º 11 do artigo 89.º-A da LGT, assentou nos extratos bancários e outros elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito n.º ../08…DAVR a correr termos nos serviços do Ministério de Ovar.

 

Os actos de liquidação em causa estão eivados de ilegalidade por recurso a documentos bancários recolhidos em processo-crime sem que tivesse sido observado o procedimento previsto no artigo 63.º-A, n.ºs 3 e 4, da LGT, o que impediu os Requerentes de exercerem o seu direito de defesa.

 

Por outro lado, verifica-se a caducidade dos actos de liquidação por inaplicabilidade ao caso do n.º 5 do artigo 45.º da LGT. Segundo esta disposição o prazo para a liquidação de tributos quando respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. No entanto, o mencionado inquérito foi instaurado a fim de se investigar o crime de fraude fiscal eventualmente praticado pelas sociedades de que os requerentes eram administradores e que não tem por objecto os factos que serviram de base à liquidação adicional de IRS.

 

Além de que a Administração Tributária apenas pode aproveitar-se do alargamento do prazo de liquidação quando deva aguardar o desfecho do processo crime para praticar os actos tributários e não quando tenha procedido à liquidação ainda na pendência do processo penal.

 

Acresce que as liquidações são ilegais por falta de notificação prévia da inspecção. Com efeito, a Administração instaurou um procedimento de inspecção interno, mas não se limitou à análise formal e de coerência dos documentos, procedendo antes a uma acção de inspecção externa, de cariz investigatório, mediante o recurso a informação que se encontra na posse de terceiros, pelo que havia lugar à notificação prévia a que se referem os artigos 49.º, n.º 1 e 50.º, n.º 1, alínea a), do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.

 

  As liquidações sofrem ainda do vício de forma por violação do artigo 60.º da LGT por não ter sido permitido ao contribuinte exercer o direito de audição antes da liquidação, tendo em consideração que o conjunto dos rendimentos líquidos fixado no relatório de inspecção diferem dos montantes que constam das liquidações.

 

  As liquidações são ainda ilegais porque a presunção de que os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais (artigo 516.º do Código Civil) é ilidível mediante prova de que as respectivas partes são diferentes ou que só um dos titulares deve beneficiar de todo o crédito, prova que a Autoridade Tributária não logrou realizar.

 

  Os actos de liquidação em causa incorrem ainda em ilegalidade por falta de fundamentação, porquanto a fundamentação do acto impugnado não está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante das correcções que se teriam de operar.

 

  A Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a excepção dilatória inonimada decorrente da ausência de vinculação da Administração à jurisdição arbitral no que respeita a actos de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, por considerar que as liquidações controvertidas são meros actos tributários consequentes da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável e os Requerentes não podem utilizar a via arbitral para impugnar, ainda que de forma indirecta, aquela decisão de avaliação indirecta.

 

  Suscita ainda a excepção do caso decidido e caso julgado relativamente às questões suscitadas pelos Requerentes, salvo quanto à caducidade do direito à liquidação que constitui um vício próprio dos actos de liquidação controvertidos.  Com efeito, os demais vícios reportam-se a factos anteriores à notificação da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável, e que poderiam ter sido suscitados no recurso interposto ao abrigo do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, havendo de concluir-se pela sanação de eventuais vícios existentes por força do caso julgado ou do caso decidido. Acresce que o vício de falta de fundamentação foi objecto de conhecimento pelo TCA Norte no acórdão de 21 de março de 2013, no âmbito do recurso previsto no artigo 89.º, n.º 7, pelo que se encontra coberto pelo caso julgado.

 

  Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária defende que não ocorreu a violação do disposto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, porquanto os documentos bancários em causa foram obtidos em execução de um mandato de apreensão, no âmbito do processo de inquérito e, no caso de documentos referentes a contas bancárias sediadas no estrangeiro, em resposta a carta rogatória enviada pelo Ministério Público, ainda no âmbito daquele processo de inquérito, sendo que não há lugar à derrogação do sigilo bancário em relação entidades bancárias que não estão sujeitas ao direito interno português.

 

  No tocante à caducidade do direito à liquidação, sustenta que o processo de inquérito n.º ../08…DAVR. foi instaurado no seguimento das acções inspetivas às empresas de que os Requerentes eram administradores por indícios da prática de crimes de natureza fiscal que implicavam igualmente os Requerentes. Com a instauração do processo de inquérito ocorre o alargamento do prazo para liquidação do imposto até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. E não existindo entre o processo penal e o processo tributário uma relação que justifique aguardar pelo termo do processo penal a fim de poder concluir-se quanto à situação jurídico-tributária dos sujeitos passivos, nada impedia que a Administração pudesse emitir os actos de liquidação com base na prova existente independentemente da decisão a proferir no processo penal.

 

  Acresce que o prazo para a liquidação sempre teria sido suspenso com a interposição do recurso a que se refere o artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir por efeito do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT.

 

  Quanto à alegada falta de notificação prévia da inspecção tributária, haverá de ter-se em consideração que um procedimento inspectivo não deixa de constituir um procedimento interno mesmo quando os documentos são facultados pelo sujeito passivo ou por terceiros a solicitação da Administração, sendo que, no caso, os documentos bancários foram obtidos junto do DIAP do Porto não implicando a prática pelos serviços de inspecção de qualquer diligência externa.

 

  Não se verifica ainda a preterição do direito de audição antes da liquidação, porquanto a audição é dispensada, nos termos da alínea e) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 60.º da LGT, quando o contribuinte tenha sido anteriormente ouvido, tendo sido esse o caso visto que os Requerentes foram notificados para o exercício do direito de audição no âmbito do procedimento de inspecção tributária.

  Não ocorre também o invocado vício de falta de fundamentação, visto que os actos de liquidação se encontram suficientemente fundamentados nos termos que constam do relatório da inspecção tributária e do despacho que sobre ele recaiu a determinar a avaliação indirecta da matéria colectável.

 

  No tocante ao vício relacionado com a presunção ilidível, a Autoridade Tributária considera não ser possível exercer o direito ao contraditório por não se afigurar perceptível quais os termos e alcance da ilegalidade que se pretende imputar aos actos de liquidação.

 

  Conclui pela procedência da matéria da excepção e pela improcedência do pedido quanto à apreciação de mérito.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento para alegações, também destinadas, no que se refere aos Requerentes, ao exercício do direito do contraditório quanto à matéria de excepção.

 

Em alegações, os Requerentes, quanto à excepção de incompetência do tribunal arbitral, argumentaram que o pedido de pronúncia arbitral não põe em causa a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, mas os actos tributários de liquidação, relativamente aos quais a Requerida se encontra vinculada à jurisdição arbitral nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/201, de 22 de Março. E quanto à excepção do caso decidido ou caso julgado, consideraram que o acto de liquidação apenas tem a natureza de acto subsequente de outro anteriormente praticado que fixa os pressupostos atinentes à existência dos factos tributários, e que, tratando-se de uma decisão instrumental, não impede que o contribuinte possa atacar o acto de liquidação com fundamento na ilegalidade acontecida a montante, sendo a impugnação o meio processual adequado para a apreciação dessa ilegalidade.

 

Quanto à matéria de fundo, as partes mantiveram as suas anteriores posições.

 

3. Por requerimento apresentado em 5 de Abril de 2019, os Requerentes vieram desistir do pedido com todas as legais consequências, sem que se encontrasse junta procuração que conferisse poderes especiais ao mandatário judicial.

 

Por acórdão de 19 de Abril seguinte, o tribunal decidiu (a) homologar a desistência do pedido e declarar extintos os direitos de anulação que os Requerentes pretendiam exercer em relação aos actos de liquidação adicional n.ºs 2018 ………, 2018 ………, 2018 ……… e 2018 ……… e (b) notificar pessoalmente os Requerentes da decisão homologatória, com a cominação de, nada dizendo, o acto ser havido como ratificado e a nulidade suprida.

 

Por requerimento de 27 de Novembro de 2020, os Requerentes vieram pedir a repetição da notificação da decisão homologatória da desistência do pedido, ao abrigo do artigo 291.º, n.º 3, do CPC, invocando não terem recebido as cartas de notificação que havia sido determinada no dispositivo dessa decisão.

 

Ulteriormente, por requerimento de 2 de Dezembro de 2020, vieram prescindir da apreciação do requerimento de 27 de Novembro, e, em 9 de Dezembro seguinte, vieram pedir a rectificação da decisão homologatória de desistência do pedido, de modo a que dela ficasse a constar a desistência do pedido de pronúncia arbitral e não a desistência do pedido de anulação das liquidações.

 

Por acórdão de 1 de Fevereiro de 2021, o tribunal decidiu indeferir o pedido de reforma da decisão que homologou a desistência do pedido e determinou a notificação pessoal dos Requerentes dessa decisão homologatória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

 

Na sequência, por requerimento de 5 de Fevereiro seguinte, os Requerentes vieram desistir da instância, pelo que, por despacho arbitral de 8 de Fevereiro, em atenção ao disposto no artigo 286.º, n.º 1, do CPC, foi determinada a notificação da Autoridade Tributária para se pronunciar sobre esse pedido.

 

A Autoridade Tributária, por requerimento de 23 de Fevereiro, declarou opor-se à desistência da instância, e, na mesma data, comunicou ter deduzido impugnação, perante o TCA Sul, da decisão arbitral de 1 de Fevereiro de 2021, que havia determinado a notificação pessoal dos Requerentes da decisão homologatória da desistência do pedido. Por acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, o tribunal decidiu determinar a suspensão da instância e aguardar a decisão do TCA Sul quanto ao processo de impugnação.

 

Por acórdão do TCA Sul de 13 de Maio de 2021, não foi admitida a impugnação da decisão arbitral que ordenou a repetição da notificação da sentença homologatória do pedido.

 

Por acórdão de 23 de Maio de 2021, o tribunal arbitral, face à oposição da Autoridade Tributária à desistência da instância, e atento o disposto no artigo 286.º, n.º 1, do CPC, decidiu indeferir o pedido de desistência da instância e determinar o prosseguimento do processo para apreciação do objecto da causa.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10 de outubro de 2018.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Saneamento

 

Incompetência do tribunal arbitral

 

              5. A Autoridade Tributária invoca a excepção dilatória inonimada decorrente da não vinculação à jurisdição arbitral quanto às pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, fazendo alusão ao disposto no artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que exclui do regime de arbitragem tributária esse tipo de pretensões. Para assim concluir, a Requerida parte do pressuposto de que os actos tributários de liquidação impugnados são meros actos consequentes da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável e está vedado aos contribuintes utilizar a via arbitral para impugnar indirectamente a decisão atinente à determinação da matéria colectável por métodos indirectos.

 

              Ora, como parece claro, o pedido arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, que se encontra abrangido pela regra da competência definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. A circunstância de os requerentes poderem eventualmente suscitar, no âmbito do pedido arbitral deduzido contra actos de liquidação de impostos, vícios que afectam, não esses actos de liquidação, mas os actos antecedentes de avaliação por métodos indirectos, não significa que o tribunal arbitral passe a ser incompetente para conhecer desses actos de liquidação, mas tem apenas como consequência que o tribunal não pode apreciar os vícios que respeitem a esses actos antecedentes.

 

              Mas essa é uma questão que tem a ver não com a competência do tribunal arbitral, mas com a impugnabilidade dos actos consequentes que, como adiante melhor se verá, apenas poderão ser impugnados por vícios próprios e não por vícios que afectem o acto antecedente.

 

              O que importa reter, quando se analisa a competência do tribunal arbitral, é que o objecto do pedido arbitral é declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, que se inclui na regra de competência da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e não se enquadra na excepção do artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

              O que é suficiente para declarar a competência do tribunal e julgar improcedente a excepção dilatória invocada.

 

              Caso decidido e caso julgado

 

              6. A Autoridade Tributária suscita ainda a excepção do caso decidido quanto às questões respeitantes à decisão de avaliação por métodos indirectos, considerando que essas questões deveriam ter sido objecto do recurso para o tribunal tributário a que se refere o artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT. E invoca também a excepção do caso julgado quanto ao vício de falta de fundamentação, que terá sido objecto de conhecimento pelo acórdão de 21 de março de 2013 do TCA Norte, no âmbito do recurso interposto pelos Requerentes ao abrigo dessa disposição.

 

              Como se sabe as figuras do caso decidido e do caso julgado não são inteiramente coincidentes.

 

              A força jurídica do caso decidido é aplicável aos actos administrativos que definem a situação do caso concreto de forma estável por falta de oportuna impugnação judicial por parte dos interessados, contanto que se não trate de actos nulos (artigos 163.º, n.º 3, e 166.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo). Todavia, a consolidação dos efeitos inválidos do acto administrativo, por caducidade do direito à impugnação judicial, não significa que os actos fiquem sanados dos respectivos vícios, mas apenas que os seus efeitos se tornam definitivos.

 

Os efeitos do caso julgado material poderão projectar-se numa relação processual posterior por duas vias: ou através da invocação da força de caso julgado, que vincula o tribunal a aplicar a definição do direito já transitada em julgado relativamente a uma mesma questão que volte a suscitar-se numa outra acção (artigo 619.º, n.º 1, do CPC); ou através da invocação de uma exceção dilatória, que impede que o tribunal se pronuncie noutro processo sobre a questão de mérito já anteriormente decidida, e que conduzirá à absolvição da instância (artigo 577.º, alínea i), do CPC). No primeiro caso, o tribunal limita-se a adoptar o conteúdo da decisão anterior relativamente ao aspecto jurídico que se encontra coberto pelo caso julgado; no segundo caso, havendo total identidade do objecto do processo relativamente a um outro já anteriormente decidido (por estar em causa uma mesma pretensão), o tribunal não tem de emitir qualquer pronúncia e declara extinta a instância.

 

Como resulta do disposto no artigo 619.º do CPC, o efeito extraprocessual do caso julgado opera dentro dos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º que definem o conceito e os requisitos do caso julgado. Entende-se que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (artigo 581º, n.º 1, do CPC). São estes elementos que permitem, por sua vez, definir a extensão do caso julgado. A identidade de sujeitos processuais recorta os limites subjectivos do caso julgado, enquanto os limites objectivos são definidos pela identidade do pedido e da causa de pedir, ou seja, pelo objecto do processo. O caso julgado cobre assim apenas a pretensão do autor (pedido) à luz do facto invocado como seu fundamento (causa de pedir).

 

Ora, no caso vertente, a Requerida pretende que a decisão de avaliação por métodos indirectos se encontra coberta pelo caso decidido – isto é, tornou-se imodificável por falta de oportuna impugnação judicial – relativamente às questões que não foram objecto do recurso previsto no artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT. E quanto ao vício de fundamentação que pudesse afectar essa decisão, alega que se encontra verificado o caso julgado material, visto que essa questão foi decidida pelo Tribunal Central Administrativo no âmbito do recurso interposto pelos Requerentes ao abrigo desse mesmo preceito.

 

Ora, como se deixou já entrever, o presente pedido arbitral não tem por objecto a decisão de avaliação por métodos indirectos mas os actos de liquidação de imposto que foram produzidos na sequência dessa outra decisão. E sendo assim torna-se claro que os vícios que são imputados no presente ao pedido aos actos impugnados não podem considerar-se cobertos pelo caso decidido que tenha resultado de tais vícios não terem sido alegados no recurso do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT. Do mesmo modo que o vício de falta de fundamentação não pode encontrar-se coberto pelo caso julgado resultante da decisão judicial que se tenha pronunciado sobre essa matéria no recurso interposto nos termos dessa disposição.

 

Isso pela linear razão de que não há identidade de pedido. Aquele recurso teria em vista a declaração de ilegalidade da decisão de avaliação por métodos indirectos, enquanto a presente impugnação tem por objecto os actos de liquidação de imposto.

 

Por tudo o que se expôs, as excepções do caso decidido e do caso julgado mostram-se ser improcedentes.

 

 

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A) Nos anos de 2005 a 2009 os Requerentes eram administradores das empresas C…, S.A., D…, S.A. e E…, SA.;

B) Na sequência de acções inspectivas realizadas a essas empresas, e por existirem indícios da prática de crimes de natureza fiscal, foi aberto o processo de inquérito que correu termos no DIAP de Coimbra e depois no DIAP do Porto sob o número de processo n.º ../08...DAVR;         

C) Em 6 de fevereiro de 2012, a Direcção de Finanças de Aveiro abriu um procedimento inspectivo interno, credenciado pelas ordens de serviço internas com os n.ºs OI2012….., OI2012….., OI2012….. e OI2012….., para averiguação da situação tributária dos Requerentes, que incidiu sobre os exercícios de 2005 a 2008;

D) Em 4 de maio de 2012, foi elaborado o relatório de inspecção tributária que considerou verificados os pressupostos para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos e propôs a correção da matéria coletável declarada pelos Recorrentes nos seguintes montantes: €1.636.762,98 (2005), €1.727.614,99 (2006), €533.411,33 (20007) e 1.038.484,54 (2008);

E) Os Requerentes foram notificados por ofício datado de 12 de abril de 2012 para se pronunciarem sobre o relatório de inspecção tributária, não tendo exercido o direito de audição dentro do prazo previsto.

F) O relatório de inspecção tributária obteve a concordância do Director de Finanças de Aveiro, por despacho de 16 de maio de 2012, que fixou os montantes das correcções à matéria tributável;

G) Em 28 de maio de 2012, os Requerentes interpuseram recurso da decisão de avaliação por métodos indirectos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT;

H) Por sentença de 17 de agosto de 2012, o TAF de Coimbra considerou legítima a avaliação por métodos indirectos e anulou o despacho que fixou os montantes dos incrementos patrimoniais a tributar por vício de falta de fundamentação;

I) Em recurso jurisdicional, o TCA Norte, por acórdão de 21 de março de 2013, revogou a sentença na parte referente ao vício de falta de fundamentação, julgando-o improcedente, e mandou baixar o processo à primeira instância para serem realizadas diligências de prova necessárias ao apuramento da identidade dos beneficiários económicos das contas existentes no Banque Privée Edmond Rothschild Europe em nome da F…, S. A.;

J) Em reapreciação, por sentença de 11 de dezembro de 2017, o TAF de Coimbra considerou que os Requerentes eram os beneficiários económicos das contas existentes no Banque Privée Edmond Rothschild Europe em nome da F…., S. A. e julgou o recurso interposto pelos Requerentes totalmente improcedente, mantendo o despacho recorrido;

L) Em recurso jurisdicional, o TCA Norte, por acórdão de 26 de maio de 2018 negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida;

M) O acórdão do TCA Norte de 26 de maio de 2018 transitou em julgado em 11 de junho seguinte;

N) Em 20 de julho de 2018, foram emitidos os actos de liquidação adicional n.ºs 2018 ………, 2018 ………, 2018 ……….. e 2018 …………, referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, nos montantes de €1.477.128,86, €1.616.524.43, €693.971,39 e 895.901,21;

O) O processo de inquérito n.º 93/08…DAVR foi arquivado por despacho de 19 de dezembro de 2018.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e aos autos e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Factos não provados

Não existem factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

            Matéria de direito

 

Impugnabilidade dos actos de liquidação

 

        7. Os Requerentes vêm impugnar os actos de liquidação de imposto praticados na sequência do procedimento inspectivo que considerou verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta em aplicação do disposto no artigo 87.º, alínea f), da LGT.

 

Prevê esta disposição que há lugar à avaliação indirecta em caso de “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”. Por sua vez, o artigo 89.º-A, n.º 7, contempla especialmente a possibilidade de interposição de recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, e a tramitar como processo urgente, da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto.

 

           Os Requerentes lançaram mão do recurso para impugnação da decisão de avaliação por métodos indirectos a que se refere essa disposição, que veio a ser decidido em definitivo pelo acórdão de 26 de maio de 2018 do TCA Norte. Aí se discutiram essencialmente as três seguintes questões: (a) o valor probatório de documentos obtidos em sede de inquérito criminal, contendo informações bancárias dos Requerentes, quando não foram obtidas através do procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT e os interessados não tiveram qualquer intervenção no processo penal e não puderam exercer os seus direitos de controlo e defesa; (b) o valor probatório da perícia efectuada à letra e assinatura dos Requerentes que concluiu que "podem ser" dos Recorrentes as assinaturas apostas em documentos bancários; (c) ) a suficiência da prova, que incumbia à Administração Fiscal, de que os Requerentes eram os beneficiários económicos da sociedade F…, S.A. nos anos de 2005 a 2008.

 

              No presente pedido arbitral, os Requerentes imputam aos actos tributários de liquidação de imposto as seguintes ilegalidades: a resultante de não ter sido adoptado o procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, da LGT para aceder a informações e documentos bancários, a caducidade dos actos de liquidação, a falta de notificação prévia da acção de inspecção tributária, a violação do princípio da participação por não ter sido concedido o direito de audição antes da liquidação, o vício de falta de fundamentação e ainda o vício resultante da não ilisão pela Autoridade Tributária da presunção de que os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais.

 

              Este último fundamento é ininteligível no contexto da alegação em que é deduzido (artigos 121.º a 127.º da petição) e não tem qualquer correspondência com a factualidade tida como assente nem quaisquer outros elementos do processo, pelo que, não sendo possível depreender o alcance da ilegalidade que é invocada e o seu fundamento, dela não se poderá conhecer.

 

Todos os demais vícios invocados, à excepção da caducidade do direito à liquidação e à violação do direito de audição antes da liquidação, são imputáveis à decisão de avaliação por métodos indirectos, visto que se trata de vícios atinentes ao próprio procedimento inspectivo que originou o recurso a métodos indirectos para efeito das correções a efectuar à matéria tributável.

 

    Ora, os actos de liquidação de imposto são actos consequentes relativamente à decisão de avaliação por métodos indirectos, na medida em que se trata de actos praticados na sequência desse outro acto e tomando como pressuposto a definição jurídica dele resultante.

 

    O ordenamento jurídico português faz, hoje, referência aos actos consequentes para assumir que, mesmo que não tenham sido objecto de impugnação jurisdicional, esses actos, dentro de certos condicionalismos, devem ser eliminados, reformados ou substituídos pela própria Administração, em execução de eventual sentença anulatória ou em execução de anulação administrativa do acto em que se baseiem, quando isso se mostre indispensável para reconstituir a situação que deveria existir se este último acto não tivesse sido praticado. É o que resulta do disposto no artigo 173.º, n.º 2, do CPTA, em matéria de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, cujo regime se estende, por força do artigo 172.º, n.º 2, do CPA, à execução das próprias decisões de anulação que sejam tomadas pelas autoridades administrativas. Mas nada disto afasta, naturalmente, a possibilidade que ao impugnante do acto antecedente assiste de proceder à impugnação, no momento próprio, dos actos consequentes cuja subsistência pode pôr em causa a satisfação dos seus interesses.

 

    O ponto é que a impugnação de actos consequentes não pode servir para o impugnante voltar a discutir as questões de ilegalidade que sejam imputáveis ao acto antecedente e que foram já objecto de apreciação jurisdicional em sede de recurso próprio. Tem aqui aplicação, por analogia, a regra do artigo 53.º, n.º 3, do CPTA, pela qual “os actos jurídicos de execução de actos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador”.

 

    Com efeito, os actos consequentes possuem uma dimensão de natureza meramente confirmativa, na medida em que tomam como pressuposto a definição jurídica resultante de um acto anterior e só se tornam impugnáveis na medida em que produzem efeitos jurídicos novos, que surgem no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo acto anterior.

 

A única possibilidade de imputar ao acto consequente vícios próprios do acto antecedente seria a de invocar a nulidade deste acto. De facto, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (artigo 162.º do CPA), pelo que o interessado sempre poderia atacar o acto consequente com base em qualquer ilegalidade do acto pressuposto que a lei comine expressamente com essa forma de invalidade. Isso porque a nulidade do acto antecedente, desde que reconhecida judicialmente, iria determinar a anulação do acto consequente por erro nos pressupostos de facto ou de direito.

 

Estando em causa, no presente caso, a impugnação dos actos de liquidação de imposto com base em vícios imputáveis à decisão de avaliação por métodos indirectos mas que apenas poderão gerar a mera anulabilidade dessa decisão, esses vícios não podem ser apreciados no âmbito do pedido arbitral.

 

Não se toma conhecimento, por conseguinte, dos vícios de não adopção do procedimento previsto no artigo 63.º-B, n.ºs 3 e 4, da LGT para aceder a informações e documentos bancários, falta de notificação prévia da acção de inspecção tributária e falta de fundamentação.

 

Caducidade do direito à liquidação

 

            8. Sustentam os Requerentes que ocorreu a caducidade dos actos de liquidação por inaplicabilidade ao caso do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, considerando que o processo de inquérito que originou o procedimento inspectivo foi instaurado para investigação do eventual crime de fraude fiscal cometido pelas sociedades de que os requerentes eram administradores e não tinha por objecto os factos que serviram de base à liquidação adicional de IRS. Além de que a Administração Tributária apenas pode aproveitar-se do alargamento do prazo de liquidação quando deva aguardar o desfecho do processo crime para praticar os actos tributários e não quando tenha procedido à liquidação ainda na pendência do processo penal.

 

              A Autoridade Tributária alega que o processo de inquérito foi instaurado no seguimento das acções inspetivas às empresas de que os Requerentes eram administradores por indícios da prática de crimes de natureza fiscal que implicavam igualmente os Requerentes e que não existia entre o processo penal e o processo tributário uma relação que justificasse que se devesse aguardar pelo termo do processo penal para se concluir quanto à situação tributária dos sujeitos passivos

 

Como resulta do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, o prazo geral de exercício do direito de liquidação de IRC é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário. E nos termos do n.º 5 desse artigo 45.º, reintroduzido pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

 

O alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação está, por conseguinte, dependente de uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, de tal modo que se possa afirmar que o direito de liquidação não podia ser exercido nos termos correctos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.

 

Nesse sentido, o acórdão de 18 de janeiro de 2012 do TCA Norte (Processo n.º 00670/08) refere que “para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à liquidação em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal” (…) “o que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos”.

 

Essa interpretação – como se sublinhou na decisão arbitral proferida no Processo n.º 7/2016-T - é aquela que melhor salvaguarda o interesse público da cobrança de tributos e o interesse da segurança jurídica e da garantia dos contribuintes e encontra apoio nos trabalhos preparatórios e, especialmente, na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2006 (in http://www.parlamento.pt/OrcamentoEstado/Documents/pec/pec2005-2009.pdf), que reintroduziu a referida disposição, onde se consigna:

 

No Orçamento de Estado para 2006 foi alterado o regime da caducidade do direito à liquidação dos tributos (em regra, nos impostos periódicos, 4 anos a contar do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário e nos impostos de obrigação única, a contar da data da ocorrência do facto tributário) no sentido de se prever que, estando o correcto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal, aquele prazo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da respectiva sentença, acrescido de um ano. Com tal alteração visa-se, no essencial, prevenir que aqueles que são indiciados ou até acusados da prática de ilícitos criminais de natureza tributária não beneficiem, por virtude do decurso do prazo de caducidade, da não liquidação de imposto, com a inerente desobrigação de proceder ao seu pagamento, por virtude da prática daqueles ilícitos. Pretende-se, assim, a moralização do ordenamento jurídico-tributário e um mais eficaz combate à fraude e evasão fiscal.

 

É de concluir, tal como se afirma na decisão arbitral proferida no processo n.º 199/2015-T, que “só operará a extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, a que se refere o artigo 45.º, n.º 5, da LGT, caso se demonstre que aquele direito estava – efectivamente e em concreto – condicionado pelo resultado da investigação criminal”.

 

No caso vertente, independentemente da questão de saber se o objecto do processo de inquérito se relaciona com a situação factual que originou o procedimento inspectivo e a correcção da matéria tributável, o certo é que a Autoridade Tributária emitiu os actos de liquidação na sequência do trânsito em julgado do acórdão do TCA Norte de 26 de maio de 2018, proferido no âmbito do recurso interposto contra a decisão de avaliação por métodos indirectos, ao passo que o despacho de arquivamento do processo de inquérito apenas ocorreu em 19 de dezembro desse ano. O que permite concluir que a decisão sobre a situação tributária dos Requerentes não estava condicionada pelo resultado do inquérito e pôde ser emitida ainda antes de se conhecer o desfecho do processo.

 

Não há lugar, por isso, ao alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação com fundamento na invocada norma do artigo 45.º, n.º 5, da LGT.

 

Todavia, nos termos do artigo 46.º, n.º 2, alínea a), da LGT, o prazo de caducidade suspende-se “em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”

 

Ora, no caso em presença, foi interposto, em 28 de maio de 2012, recurso para o tribunal tributário da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT. O recurso tem efeito suspensivo e o trânsito em julgado do acórdão do TCA Norte de 26 de junho de 2018, que julgou em definitivo o litígio apenas ocorreu em 11 de junho seguinte.

 

Dado que o recurso incidiu sobre o acto pressuposto de que dependia a emissão das liquidações adicionais e tinha efeito suspensivo, opera a suspensão do prazo de caducidade a que se refere o citado artigo 46.º, n.º 2, alínea a), da LGT.

 

E sendo assim, tendo em consideração que o prazo de caducidade do direito à liquidação começa a correr a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário, impõe-se concluir que à data em que foram emitidas as liquidações havia caducado já o direito relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007, visto que haviam decorrido mais de quatro anos desde o termo do ano a que respeitam as liquidações e a data em que foi interposto o recurso a que se refere o artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT.

 

Não se encontra, no entanto, caduco o direito à liquidação referente ao ano de 2008.

 

Direito de audição antes da liquidação

 

9. Invocam ainda os Requerentes a violação do direito à audição antes da liquidação por não terem tido oportunidade de se pronunciaram, em contraposição ao disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, sobre a divergência existente entre os valores em dívida que constam dos actos de liquidação e as correcções aritméticas que foram determinadas na sequência do relatório de inspecção tributária.

 

A Autoridade Tributária explicita, no entanto, na sua resposta, que o rendimento global da liquidação resulta do englobamento das importâncias decorrentes das correções nos montantes que resultam da anterior liquidação de imposto, não havendo uma efectiva alteração dos valores que foram considerados no âmbito do procedimento inspectivo.

 

Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º da LGT, é dispensada a audição antes da liquidação se o contribuinte tiver sido ouvido em qualquer das anteriores fases do procedimento e, especificamente, antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. E o que se constata, no caso, é que os Requerentes tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre o projecto de relatório de inspecção, e, por outro lado, não é feita qualquer demonstração de que ocorreu uma efectiva divergência entre os valores constantes do relatório e da liquidação, não podendo considerar-se verificada a existência de factos novos que pudessem justificar uma nova audição antes da liquidação.

 

E, nestes termos, mostra-se ser improcedente o invocado vício de falta de audição antes da liquidação.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação adicional n.ºs 2018 ………., 2018 ……… e 2018 ………, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral quanto ao acto de liquidação adicional n.º 2018 ………, referente ao ano de 2008.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4.683.525,89, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 59.058,00, que fica a cargo da Requerida na proporção de 3/4 e dos Requerentes na proporção de 1/4.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Junho de 2021

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Luís M. S. Oliveira

 

O Árbitro vogal

 

Nuno Cunha Rodrigues