Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2018-T
Data da decisão: 2019-04-17  IRC  
Valor do pedido: € 20.841,83
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos – Art.23.º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 10 de agosto de 2018, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018... e n.º 2018..., e respetivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, no montante de € 10.386,40 e de € 10.262,66, respetivamente, tudo num total de € 20.841,83 (vinte mil, oitocentos e quarenta e um euros e oitenta e três cêntimos), e consequentemente, a anulação das liquidações impugnadas.
  2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr.ª C... e Dr. D... .
  3. Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.
  4. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 19 de outubro de 2018, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  5. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 23 de novembro de 2018, a sua resposta, tendo apresentado a sua defesa por exceção, que o Tribunal entendeu conhecer apenas aquando da decisão final, e por impugnação.
  6. No dia 10 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou um requerimento no qual exerceu o direito ao contraditório relativamente à exceção invocada pela Requerida.
  7. Não existindo a necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no despacho que proferiu a 14 de dezembro de 2018, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 10 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.
  8. Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 19 de abril de 2019 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  9. No dia 4 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou um requerimento nos termos do qual juntou aos autos prova documental integrada num CD-Rom; junção esta que foi deferida, através do despacho de 8 de janeiro de 2019.
  10.  A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações, a 9 de janeiro de 2019 e a 18 de janeiro de 2019, respetivamente.
  11. No dia 12 de março de 2019, a Requerida apresentou um requerimento aos autos, no qual, e na sequência da exceção invocada, juntou a decisão arbitral proferida no processo n.º 379/2018-T, de 11.03.2019, junção que foi admitida, por despacho de 19 de março de 2019, concedendo-se um prazo de 10 dias para a Requerente se pronunciar ao abrigo do princípio do contraditório.
  12. No dia 29 de março de 2019, a Requerente apresentou um requerimento em resposta ao despacho indicado em 11 supra., em cumprimento do princípio do contraditório que o Tribunal Arbitral admitiu.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

  1. A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., e respetivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, no montante de € 10.386,40 e de € 10.262,66, respetivamente, tudo num total de € 20.841,83 (vinte mil, oitocentos e quarenta e um euros e oitenta e três cêntimos), e a sua consequente anulação, no seguinte:

 

  1. Invoca a Requerente o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por entender que «os Serviços de Inspeção tributária sublinharam igualmente a circunstância de, no decurso do procedimento inspetivo, terem notificado a Requerente para justificação e identificação dos serviços suportados em documentos emitidos pela E... (…) tendo a Requerente prestado os esclarecimentos que constituem o anexo 4 ao respetivos Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (…) juntando ao procedimento centenas de documentos comprovativos dos serviços prestados pela sociedade E..., Lda, no decurso dos exercícios de 2014 e 2015. (…) Mais concretamente, a Requerente reiterou, no direito de audição exercido, que a sociedade E..., Lda, prestou apoio continuado à Requerente nos referidos exercícios de 2014 e 2015, quer na assessoria, quer no apoio administrativo especializado em áreas diversificadas, recorrendo a trabalho técnico especializado próprio, ou a colaboradores externos contratados para o efeito, consoante os pedidos e as necessidades da Requerente. A Requerente frisou, igualmente, que os serviços prestados pela sociedade E..., Lda, permitiram desenvolver, em simultâneo, várias atividades geradoras de rendimentos tributáveis em sede de IVA e de IRC, atividades essas que, de outra forma, teriam sido impossíveis de realizar por falta de recursos humanos para a sua concretização.»
  2. Com efeito, mais refere a Requerente que «comprovando os serviços concretamente prestados pela sociedade E..., Lda, a Requerente juntou ao procedimento inspetivo diversos documentos extraídos da conta de correio eletrónico que foi criada como plataforma de trabalho para a execução das referidas atividades de apoio administrativo, técnico e de gestão de projetos (…) ».
  3. Esclarece a Requerente que «pretende, através do presente pedido de pronúncia arbitral, contestar os atos tributários supra identificados na parte em que os mesmos são consequentes da correção realizada ao IRC dos exercícios de 2014 e 2015, ou seja, na parte em que tais atos traduzem a desconsideração dos «(…) gastos suportados em faturas emitidas pela E..., Lda (…) que, nos exercícios de 2014 e 2015, totalizam € 43.500,00 e € 42.500,00, respetivamente», porquanto, «(…) a mencionada correção ao IRC dos exercícios de 2014 e 2015 da Requerente se fundamentou na circunstância de as faturas que consubstanciam os referidos gastos terem descritivos genéricos, ou seja, por não serem «especificados os serviços efetivamente realizados, nem as quantidades ou datas da sua conclusão(…), motivo que levou os Serviços de Inspeção Tributária a concluir pela inobservância «dos requisitos legais previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, leva(ndo) a Autoridade Tributária a não aceitar a dedução do correspondente IVA por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do CIVA e a não aceitação dos gastos associados por força do disposto no artigo 23.º do CIRC.»
  4. Na verdade, considera a Requerente que «a correção realizada assentou em erro sobre os respetivos pressupostos de direito, na medida em que atribuiu ao referido artigo 36.º do Código do IVA um alcance que, no caso concreto, não só se revela desconforme com o Direito da União (tal como este vem sendo interpretado e fixado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia «TJUE») como, bem assim, colide com a jurisprudência que tem vindo a ser firmada por esta instância arbitral.»
  5. Refere a Requerente «[e]m suma, permite-se concluir que tanto a jurisprudência comunitária, como a nacional, tem vindo a admitir que o incumprimento dos requisitos formais prescritos para a emissão de faturas (designadamente, a falta de identificação da «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados»), não é suscetível de prejudicar liminarmente o exercício do direito à dedução do imposto por parte do respetivos adquirente, devendo permitir-se a este último (alheio ao ato de emissão de fatura), a posterior comprovação dos requisitos de que depende o exercício de um tal direito à dedução através dos meios probatórios ao seu dispor.» Continua a Requerente no sentido de que «Ora, a apontada conclusão, ainda que firmada no domínio do IVA, pode ser linearmente transposta para o âmbito do IRC, na medida em que o artigo 23.º, n.os 4 e 6, do Código do IRC, faz depender a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC da posse de fatura emitida nos termos prescritos pelo Código do IVA (e, portanto, remetendo para a ponderação de interesses realizada pelo legislador a propósito da essencialidade dos requisitos formais aí exigidos).»
  6. Mais aduz a Requerente em prol da sua tese que «(…) sem prejuízo do caráter genérico dos descritivos constantes das duas faturas emitidas pela sociedade E..., Lda verifica-se que a Requerente juntou ao procedimento de inspeção tributária uma descrição detalhada dos serviços prestados por aquela entidade ( e implícitos nas faturas por ela emitidas), bem como centenas de documentos comprovativos da sua realização e conteúdo (…). Tais elementos terão permitido aos Serviços de Inspeção Tributária – como se julga curial admitir – comprovar a verificação dos pressupostos materiais de que dependia a admissibilidade de tais faturas já que possibilitaram a realização de uma análise detalhada do conteúdo dos serviços concretamente prestados e da sua relevância no contexto da requerente (máxime, da sua relevância para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, conforme exigido pelo artigo 23.º do Código do IRC. Com efeito, a Requerente comprovou o conteúdo dos serviços prestados pela sociedade E..., Lda da forma mais objetiva e circunstanciada que se poderá exigir a qualquer sujeito passivo de imposto, ou seja mediante a junção aos procedimento inspetivo não só do detalhe dos serviços adquiridos, mas igualmente, do resultado material da sua concreta execução (…) razão pela qual se impõe concluir que, devendo as faturas sob apreciação considerar-se admissíveis e idóneas para efeitos de dedução do respetivo IVA, deverão considerar-se igualmente admissíveis e idóneas para a comprovação dos correspondentes gastos dedutíveis em sede de IRC, nos termos prescritos pelo artigo 23.º, n.os 4 e 6 do Código do IRC.»
  7. Concluindo a Requerente no sentido de que « (…) tendo os Serviços de Inspeção Tributária desconsiderado liminarmente os elementos apresentados pela Requerente em sede inspetiva, considerando os correspondentes gastos indedutíveis, os mesmos incorreram em erro sobre os pressupostos de direito, inquinando a correção realizada ao IRC dos exercícios de 2014 e 2015 da requerente (e, nessa medida, os atos praticados aos seu abrigo, aqui contestados) do vício de ilegalidade.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

  1. Inicia a Requerida a sua resposta com a arguição de uma questão de prejudicialidade, alegando para o efeito que «(…)na sequência das correções encetadas pela Requerida em sede de IVA, e tendo em conta que as facturas emitidas pela sociedade E..., não continham os requisitos legais no n.º 5 do Art.º 36.º do CIVA, foi correspondentemente não aceite o custo fiscal em sede de IRC, de acordo com a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC. Ora, a Requerente, no que concerne às liquidações de IVA, (…) intentou um pedido de pronúncia arbitral, o qual corre termos neste Centro Arbitral sob o n.º 379/2018-T (…) e no qual a também Requerida deduziu resposta a 2018-11-19.»
  2. Ora, na verdade, continua a Requerida no sentido de que: «os actos tributário aqui sindicados mais não são do que uma decorrência dos pressupostos consignados em sede de IVA, estatuindo a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do Art.º 23.º do CIRC, ou seja, os gastos devem estar comprovados documentalmente, e quando incorridos ou suportados com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos(…). Significa isto, portanto, que a não aceitação do gasto em sede de IRC, de acordo com a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC, mais não é do que uma decorrência do não cumprimento dos requisitos legais das facturas bem como da falta de prova de que tais prestações de serviços ocorreram. Logo, os presentes autos encontram-se numa relação de prejudicialidade relativamente ao Proc. n.º 379/2018-T.»
  3. Com efeito, entende a Requerida que «(…) basta para o efeito, confrontar os pedidos de pronúncia arbitral referente aos presentes autos com o do Proc. n.º 379/2018-T, para facilmente se constatar que os argumentos são idênticos, bem como a fundamentação de facto e de direito. (…) Recorta-se assim que a questão relevada nos presentes autos encontra-se numa relação de prejudicialidade relativamente ao Proc. n.º 379/2018-T, podendo levar a duas questões diametralmente opostas e divergentes quanto à mesma questão. Logo, a questão relevada nos presentes autos, constitui uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no Art.º 15.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi Art.º 29.º, n.º 1 al. b) do RJAT. Neste desiderato, impõe-se a este Tribunal Arbitral Singular a suspensão da presente instância, até que a questão em discussão da legalidade dos requisitos das facturas e da prova material das alegadas prestações de serviços seja dirimida no Proc. n.º 379/2018-T e consolidada na ordem jurídica.»
  4. Concluindo no sentido de que «[t]ermos em que se requer que seja suspensa a presente instância arbitral, com todos os efeitos legais, sobrestando na decisão até que seja decidida e consolidada na ordem jurídica no âmbito do proc. n.º 379/2018-T.»
  5. Por impugnação e em resposta ao alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito, defende a Requerida que: «[n]o âmbito dos presentes autos arbitrais, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos actos tributários de IRC supra melhor identificados, alicerçando a sua pretensão em erro sob os pressupostos de facto e de direito, ao atribuir ao Art.º 36.º do CIVA um alcance que é desconforme ao Direito Comunitário e à jurisprudência emanada pelo TJUE. »
  6. Mais refere a Requerida que: «[r]esulta do relatório de inspeção tributária que foram detectadas na escrituração da Requerente diversas facturas, de montantes consideráveis, emitidas pela sociedade E..., Lda (doravante E...) as quais têm datas compreendidas entre 2003 e 2016 e descritivos genéricos como “Apoio logístico”, “outros trabalhos” e “Contabilidade e gestão”. Nos exercício de 2014 e 2015, foram contabilizados na conta “62211-Trabalhos Especializados” gastos suportados em facturas emitidas pela E..., no valor de € 43.500,00 e € 42.500,00». Com efeito, «[t]endo em conta os descritivos da prestação de serviços com a menção “Outros trabalhos” e “Apoio Logístico”, os mesmos são manifestamente genéricos em face dos estatuído na alínea b) do n.º 5 do Art.º 36.º do CIVA e não permitem verificar da indispensabilidade à obtenção dos proveitos, em manifesta violação do disposto na alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC.»
  7. Acrescenta, ainda, a Requerida que «[e]m sede do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente reitera toda a argumentação, bem como a prova carreada em sede de exercício do direito de audição acerca da materialidade das operações, reiterando que, em face da prova apresentada, ficou demonstrado que a sociedade E... prestou apoio reiterado na assessoria e no apoio administrativo especializado em áreas diversificadas, recorrendo a trabalho técnico especializado ou com colaboradores externos, consoante os pedidos e as necessidades da Requerente», contudo, considera a Requerida que se conclui «(…) de forma clara e evidente a insuficiência de discriminação dos serviços efectivamente prestados nas facturas emitidas pela sociedade E... nos termos do disposto no Art.º 36.º do CIVA, a qual obsta ao controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução do imposto, previstos nos Art.º 19.º e 20.º do mesmo diploma legal.», alicerçando a sua posição na jurisprudência do TJUE e na Diretiva IVA.
  8. Na verdade, considera a Requerida que «impunha-se à Requerente que tivesse feito prova das condições substantivas exigíveis para a dedutibilidade do gasto em IRC (o ónus da prova das condições substantivas do direito à dedução recai sobre o sujeito passivo, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT), o que não se verificou, na medida em que a prova carreada pelo Requerente não é apta a demonstrar ou complementar a realização dos alegados serviços prestados.»
  9. Refere, ainda, a Requerida que «[a]prova carreada pela Requerente com vista a apurar a indispensabilidade do gasto com vista à obtenção dos proveitos, não permite corroborar as conclusões que aquele extrai daqueles documentos, nem permite demonstrar os serviços prestados. Isto porque, as facturas emitidas pela E... não contêm, os elementos previstos nos referidos normativos legais, não permitindo validar e justificar os serviços que foram elencados pelo Requerente, nomeadamente se foram facturados, porque valores, quantidade unitárias e respectivos valores unitários.»
  10. Mais aduzindo que «[t]ais elementos possuíam uma importância fulcral com vista a apurar se os valores totais que se encontram evidenciados nas facturas e se correspondem aos serviços que o Requerente alega terem sido prestados.»
  11. Acrescenta, ainda, a Requerida que «[d]os esclarecimento prestados, apurou-se ainda que os pagamentos efectuados à E... eram feitos ao longo do ano, ou pagos de forma faseada e em função do pagamento dos clientes, do crédito acordado e da disponibilidade de pagamento da Requerente, e eram assegurados pelo fundo de caixa que eram geridos pela contabilidade, com acertos de contas em continuidade ou no final do ano.»
  12. Menciona a Requerida que as faturas emitidas pela sociedade E... não identificam e quantificam, quer a avença do contabilista certificado da Requerente, quer os gastos obtidos com o grau académico de “Mestre” – os quais são transversais à atividade isenta e à atividade sujeita a IVA - . Aditando, ainda, que «[n]o que concerne aos emails enumerados no exercício do direito de audição e mencionados no pedido de pronúncia arbitral, os mesmos encontram-se associados, de acordo com o ali descrito, a tarefas ou trabalhos que têm nome como por exemplo “Projeto...”, “Formação”, “Telenovelas/TV...”, “I... /Grupo...”, “Tese Mestrado”, entre outros. Contudo, o rigor que transparece existir nos emails não é extensível às facturas, porquanto estas têm descritivos genéricos como “outros trabalhos” e “apoio logístico” e em nenhuma delas consta a referência a nomes como os indicados no direito de audição prévia e no pedido de pronúncia arbitral ou a serviços.»
  13. Aduz complementarmente que «as facturas de valores materialmente relevantes (que em 2014 ascendem a €43.500,00 e em 2015 totalizam € 42.500,00), são, de acordo com os registos contabilísticos, pagas a dinheiro, contrariando o disposto no n.º 3 do Art.º 63.º-C da LGT que refere que os pagamentos de valor superior a € 1.000,00 devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do destinatário.» Com efeito, «[f]oram consultados os documentos de contabilidade da E..., designadamente os extractos da conta corrente (…), tendo-se apurado que as facturas referentes a 2014 e 2015, foram registadas na contabilidade como tendo sido pagas de um só vez em dinheiro (crédito de caixa). Tais fluxos financeiros resumem-se a meros registos contabilísticos, uma vez que não é possível identificar o real beneficiário de tais importâncias.»
  14. Conclui a Requerida mencionando que «não contendo as facturas emitidas pela E... a descrição dos serviços prestados, bem como o respectivo preço quantidade e data da sua execução e não contendo a Requerente uma conta bancária escriturada na contabilidade e pagamentos, em dinheiro, de valores materialmente relevantes não permitem à Requerida o controlo das facturas designadamente ao nível da dedução do IVA bem como à correta imputação dos gastos a cada exercício. Logo a emissão de facturas por parte da E... com a menção de Apoio logístico” ou “Outros Trabalhos”sem observância dos requisitos legais previstos no n.º 5  artigo 36.º do CIVA, não permitindo verificar se os mesmos são indispensáveis para a obtenção dos proveitos, nos termos da alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC, (…)»
  15. Terminando a Requerida no sentido de que «(…) a Requerente não demonstrou com o manancial de documentação junta prova da efectividade dos serviços prestados em face das incongruências detectadas em sede do procedimento inspectivo. Os documentos anexos em sede de direito de audição e reiterados no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, não contêm informação complementar às facturas, não possuindo a Requerida os elementos adicionais necessários a verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício do direito à dedução.» pelo que, «[n]este conspecto, improcedem liminarmente os argumentos da Requerente.»

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos e o processo administrativo.

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que tem como objeto social «prestação de serviços de informação para a saúde, colóquios, conferências e publicações, medicina no trabalho, atividade de segurança, higiene e saúde no trabalho” – cfr. procedimento administrativo -;
  2. A Requerente exerce a atividade de “outras atividades de Saúde Humana”, integrada no CAE 086906 e encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação desde 01.01.2009. – cfr. procedimento administrativo - ;
  3. A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária, realizada ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI 2017... e OI2017..., de 28.06.2017 e 07.07.2018 para os exercícios de 2014 e 2015, respetivamente, de âmbito parcial, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC); - cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral -; 
  4. No decurso de fevereiro de 2018, a Requerente foi notificada, através do ofício n.º DFLISBOA ..., de 12.02.2018 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária resultante da ação de inspeção referida em B. supra, e, para querendo, exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária – cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e processo administrativo - ;
  5. A Requerente exerceu o direito de audição prévia que lhe assistia, através do requerimento apresentado a 13.03.2018, após pedido de prorrogação do prazo admitido pela Direção de Finanças de Lisboa – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e processo administrativo - ;
  6. A Requerente foi notificada, no final do mês de março de 2018, através do ofício n.º ..., de 20.03.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, do Relatório de Inspeção Tributária, do qual resultam as correções já propostas no Projeto de Relatório de Inspeção, nomeadamente:

Descrição

(1)

Valores por exercício

2014

(2)

2015

(3)

  1. Resultado fiscal declarado

5.128,88 €

7.721,46 €

2 – Correções propostas (ponto III.2.1)

43.500,00 €

42.500,00 €

3 – Resultado fiscal corrigido (1+2)

48.628,88 €

50.221,46 €

 

 

  1. Consta do Relatório de Inspeção, no que às correções feitas em sede de IRC diz respeito, o seguinte:

«III.2. Correções propostas em sede de IRC

III.2.1 Gastos declarados para efeitos de tributação em sede de IRC

 

Analisadas as demonstrações de resultados dos exercícios em análise foi elaborado o seguinte mapa resumo:

Valores em euros

 

Demonstração dos Resultados por Natureza

Ano de Exercício

2014

2015

A5007 Fornecimentos e serviços externos

52.978,41

71.525,76

A5008 – Gastos com pessoal

7.278,25

9.912,19

A5015 – Outros rendimentos e ganhos

0,00

0,00

A5016 – Outros gastos e perdas

0,00

0,00

A017 – Resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos (A5001+A5002+…+A5005-A5006-…-A5013-A5014+A5015-A5016)

11.171,36

12.12259

A5018 – Gastos/reversões de depreciação e de amortização

6.042,48

5.903,35

A5020 – Resultado operacional (antes de gastos de financiamento e impostos) (A5017-A5018-A5019)

5.128,88

6.219,24

A5023 – Resultado antes de impostos (A5020-A5021-A5022)

5.128,88

6.219,24

A5024 -Imposto obre o rendimento do período

948,84

1.139,83

A5025 – Resultado líquido do período (A5023-A5024)

4.180,04

5.079,41

 

Dos valores mais relevantes identificados no quadro acima salienta-se a rúbrica fornecimentos e serviços externos, subconta 62211 – “trabalhos especializados”, onde foram registados gastos suportados em faturas emitidas pela E..., Lda. Assim, tendo por base as faturas seguidamente identificadas foram contabilizados naquela subconta gastos que, nos exercícios de 2014 e 2015, totalizam € 43.500,00 e € 42.500,00 respetivamente.

 

Documento

Valor sem IVA

(3)

IVA

(4)

Total fatura

(5)

Descrição do serviço

(6)

Período de dedução no utilizador

(7)

Total IVA deduzido

(8)

Tipo

(1)

Data

(1)

N.º

(2)

Fatura

29-01-2015

230

(a)43.500,00

10.005,00

53.505,00

Apoio logístico

2015-03T

10.005,00

Fatura

05-01-2016

341

(b)42.500,00

9.775,00

52.275,00

Consultoria e outros trabalhos

2016-03T

9.775,00

  1. Gasto imputado ao exercício de 2014; (b) Gasto imputado ao exercício de 2015.

 

Como se constata os descritivos dos serviços são genéricos, não permitindo verificar se os mesmos são indispensáveis à obtenção dos proveitos, pelo que foi infringido, em sede de IRC, o disposto no n.º 1 e na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do código do IRC.

Igualmente, como referido no ponto II.3.3.1.1.1., a A... não revela contabilisticamente a conta bancos e, na escrituração, as referidas faturas foram registadas como tendo sido pagas em numerário, de uma só vez, creditando a conta 111-“Caixa” e debitando as contas 243222-“IVA deduzido” e 281-“Gastos a reconhecer” (ver Anexo 2). Por estes factos foi infringido o Artigo 63.º-C, alíneas 1e 3, nas redações vigentes à data dos factos.

 

Da análise efetuada ao conteúdo das declarações de rendimentos modelo 22 submetidas no Portal das Finanças, com referência aos exercícios de 2014 e 2015, verificámos que as mesmas apresentam os seguintes valores no seu quadro 07:

Valores em euros

 

QUADRO 7-APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL

Ano de Exercício

2014

2015

701 – Resultado Líquido do Período

4.180,04

5.079,41

708-SOMA (campos 701+702+703-704-705+706-707)

4.180,04

5.079,41

A Acrescer

 

 

710-Correções relativas a períodos de tributação anteriores (art.º 18.º, n.º 2)

0,00

0,00

724-IRC, incluindo as tributações autónomas, e outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros [art.º 23.º-A, n.º 1 al. a)]

948,84

2.624,05

728 – Multas, coimas e demais encargos, incluindo juros compensatórios e moratórios, pela prática de infrações [art.º 23.º-A, n.º 1 e)]

0,00

0,00

 753-SOMA (campos 708 a 752)

5.128,88

7.721,46

A Deduzir

 

 

776-SOMA (campos 754 a 775)

0,00

0,00

 

 

 

778-LUCRO TRIBUTÁVEL (Se 753>776)

5.128,88

7.721,46

 

 

III.2.2. Quantificação das correcções propostas em sede de IRC-Exercícios de 2014 e 2015

 

Face ao exposto ponto III.2.1 deste relatório propõe-se, em sede de IRC, correções meramente aritméticas nos valores indicados no item 2 do quadro que se segue pelo que o resultado fiscal declarado será alterado para os valores indicados no item 3 do mesmo quadro.

Descrição

(1)

Valores por exercício

2014

(2)

2015

(3)

  1. Resultado fiscal declarado

5.128,88 €

7.721,46 €

2 – Correções propostas (ponto III.2.1)

43.500,00 €

42.500,00 €

3 – Resultado fiscal corrigido (1+2)

48.628,88 €

50.221,46 €

 

 

Foram infringidos os artigos 23.º, n.º 4 do CIRC e 63.º-C, números 1 e 2 da LGT.»

 

  1. A Requerente foi notificada das Demonstrações de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, liquidação de juros e de acerto de contas referentes à compensação n.º 2018..., no montante de € 10.463,34, respeitante ao exercício de 2014 - cfr. Doc. n.º 2, 3 e 4 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral -;
  2. A Requerente foi notificada das Demonstrações de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, liquidação de juros e de acerto de contas referentes à compensação n.º 2018..., no montante de € 10.378,49, respeitante ao exercício de 2015 - cfr. Doc. n.º 2, 3 e 4 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral -;
  3. No dia 10 de agosto de 2018, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral.
  4. A Requerente juntou, quer no âmbito do procedimento de inspeção, quer no decurso do presente processo arbitral, um CD-Rom do qual resulta diversa informação/documentação complementar respeitante às ações desenvolvidas pela E... ao longo dos exercícios de 2014 e 2015 – cfr. Acordo das partes, uma vez que a matéria de facto não foi impugnada pela Requerida - .
  5. A Requerente, no dia 12 de março de 2019, juntou aos autos a decisão do CAAD proferida no Processo n.º 379-2018-T.

 

 

  1.  Factos dados como não provados.

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

VI- Do Direito

 

 

Questão prévia:

 

  1. A Requerida na Resposta que apresentou, suscitou, como exceção, uma questão de prejudicialidade referindo que «(…)na sequência das correções encetadas pela Requerida em sede de IVA, e tendo em conta que as facturas emitidas pela sociedade E..., não continham os requisitos legais no n.º 5 do Art.º 36.º do CIVA, foi correspondentemente não aceite o custo fiscal em sede de IRC, de acordo com a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC. Ora, a Requerente, no que concerne às liquidações de IVA, (…) intentou um pedido de pronúncia arbitral, o qual corre termos neste Centro Arbitral sob o n.º 379/2018-T (…) e no qual a também Requerida deduziu resposta a 2018-11-19.»

 

  1. Defendendo, para o efeito que «os actos tributário aqui sindicados mais não são do que uma decorrência dos pressupostos consignados em sede de IVA, estatuindo a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do Art.º 23.º do CIRC, ou seja, os gastos devem estar comprovados documentalmente, e quando incorridos ou suportados com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos(…). Significa isto, portanto, que a não aceitação do gasto em sede de IRC, de acordo com a alínea c) do n.º 4 do Art.º 23.º do CIRC, mais não é do que uma decorrência do não cumprimento dos requisitos legais das facturas bem como da falta de prova de que tais prestações de serviços ocorreram. Logo, os presentes autos encontram-se numa relação de prejudicialidade relativamente ao Proc. n.º 379/2018-T.»

 

  1. Com efeito, entende a Requerida que «(…) basta para o efeito, confrontar os pedidos de pronúncia arbitral referente aos presentes autos com o do Proc. n.º 379/2018-T, para facilmente se constatar que os argumentos são idênticos, bem como a fundamentação de facto e de direito. (…) Recorta-se assim que a questão relevada nos presentes autos encontra-se numa relação de prejudicialidade relativamente ao Proc. n.º 379/2018-T, podendo levar a duas questões diametralmente opostas e divergentes quanto à mesma questão. Logo, a questão relevada nos presentes autos, constitui uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no Art.º 15.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi Art.º 29.º, n.º 1 al. b) do RJAT. Neste desiderato, impõe-se a este Tribunal Arbitral Singular a suspensão da presente instância, até que a questão em discussão da legalidade dos requisitos das facturas e da prova material das alegadas prestações de serviços seja dirimida no Proc. n.º 379/2018-T e consolidada na ordem jurídica.»

 

  1. Notificada para o efeito, veio a Requerente exercer o direito ao contraditório refutando a argumentação tecida pela Requerida quanto a esta questão, e concluindo no sentido de que «[n]ão subsiste, porquanto, qualquer relação de prejudicialidade entre os presentes autos e o referido processo n.º 379/2018-T, tendo ambos os processos objetos perfeitamente delimitados por referência a impostos, regimes e objetivos distintos que não conflituam entre si, não podendo a decisão proferida num deles (como aquela que foi junta pela Administração tributária aos presentes autos) afetar o julgamento do outro.»

 

Ora,

 

  1. Na verdade, no dia 12 de março de 2019, a Requerida, através de requerimento, procedeu à junção da decisão arbitral proferida a 11 de março de 2019, no âmbito do supra identificado Processo n.º 379/2018 T, da qual resulta que a (aqui e ali) Requerente solicitou a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA, praticados em consequência das correções promovidas após procedimento inspetivo de âmbito parcial realizada sobre o IVA e o IRC, com referência aos exercícios de 2014 e 2015,

 

  1. … tendo o Tribunal Arbitral julgado totalmente improcedente o pedido formulado pela Requerente, por ter entendido que: «(…) as faturas padecem de vício de violação do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.»

 

  1. De referir que, não obstante, os fundamentos de facto serem os mesmos em apreciação neste e naquele Tribunal Arbitral, a verdade é que os fundamentos de direito são diferentes, uma vez que se aplicam normas legais diversas, ora do Código do IVA, ora do Código do IRC para efeitos de apreciação da legalidade dos atos em causa, em cada pendência.

 

  1. Concretizando: enquanto que, naquele processo arbitral, o que se encontrava em causa era o cumprimento dos requisitos do disposto no artigo 36.º do CIVA nas faturas emitidas pela sociedade E... à Requerente referentes aos exercícios de 2014 e 2015, para efeitos de dedução do correspondente imposto….

 

  1. … no presente processo, a questão que se coloca é a de saber se a Requerente logrou comprovar a indispensabilidade dos gastos que teve e que se suportam naquelas faturas e demais documentos que apresentou para efeitos de determinação da matéria tributável, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

 

  1. Nesta sequência, sem embargo, de já ter sido proferida decisão no âmbito do processo arbitral relativamente ao qual a Requerida considerava existir uma relação de prejudicialidade com o presente processo, entende o presente Tribunal Arbitral que tal relação, na realidade, não existe, porquanto, como refere, bem a Requerente, «(…) os dois impostos (i.e. o IRC e o IVA) se baseiam em matrizes distintas, obedecem a critérios de rigor e exigência diferentes e admitem, por esse motivo, análises totalmente autónomas.».

 

  1.  Razão pela qual, entende o presente Tribunal Arbitral não conceder provimento ao pedido de suspensão do presente processo arbitral formulado pela Requerida, pelo que, seguirá o mesmo os seus trâmites normais.

 

Da aplicação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC

 

 

  1.  Assim sendo, passemos, então, à apreciação da legalidade dos atos de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2014 e 2015, e à resolução da questão decidenda que se coloca, que é a de saber se a Requerente logrou comprovar a indispensabilidade dos gastos que teve e que se suportam em duas faturas emitidas pela sociedade E..., Lda, e demais documentos que apresentou, para efeitos de determinação da matéria tributável, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

 

Vejamos,

 

 

  1.  Invoca a Requerente que, no decurso do procedimento inspetivo prestou «(…)os esclarecimentos que constituem o anexo 4 ao respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (…) juntando ao procedimento centenas de documentos comprovativos dos serviços prestados pela sociedade E..., Lda, no decurso dos exercícios de 2014 e 2015. (…) Mais concretamente, a Requerente reiterou, no direito de audição exercido, que a sociedade E..., Lda, prestou apoio continuado à Requerente nos referidos exercícios de 2014 e 2015, quer na assessoria, quer no apoio administrativo especializado em áreas diversificadas, recorrendo a trabalho técnico especializado próprio, ou a colaboradores externos contratados para o efeito, consoante os pedidos e as necessidades da Requerente. A Requerente frisou, igualmente, que os serviços prestados pela sociedade E..., Lda, permitiram desenvolver, em simultâneo, várias atividades geradoras de rendimentos tributáveis em sede de IVA e de IRC, atividades essas que, de outra forma, teriam sido impossíveis de realizar por falta de recursos humanos para a sua concretização.»

 

  1.  Com efeito, mais aduz a Requerente, em prol da sua tese, que «(…) sem prejuízo do caráter genérico dos descritivos constantes das duas faturas emitidas pela sociedade E..., Lda verifica-se que a Requerente juntou ao procedimento de inspeção tributária uma descrição detalhada dos serviços prestados por aquela entidade ( e implícitos nas faturas por ela emitidas), bem como centenas de documentos comprovativos da sua realização e conteúdo (…). Tais elementos terão permitido aos Serviços de Inspeção Tributária – como se julga curial admitir – comprovar a verificação dos pressupostos materiais de que dependia a admissibilidade de tais faturas já que possibilitaram a realização de uma análise detalhada do conteúdo dos serviços concretamente prestados e da sua relevância no contexto da requerente (máxime, da sua relevância para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, conforme exigido pelo artigo 23.º do Código do IRC. Com efeito, a Requerente comprovou o conteúdo dos serviços prestados pela sociedade E..., Lda da forma mais objetiva e circunstanciada que se poderá exigir a qualquer sujeito passivo de imposto, ou seja mediante a junção aos procedimento inspetivo não só do detalhe dos serviços adquiridos, mas igualmente, do resultado material da sua concreta execução (…) razão pela qual se impõe concluir que, devendo as faturas sob apreciação considerar-se admissíveis e idóneas para efeitos de dedução do respetivo IVA, deverão considerar-se igualmente admissíveis e idóneas para a comprovação dos correspondentes gastos dedutíveis em sede de IRC, nos termos prescritos pelo artigo 23.º, n.os 4 e 6 do Código do IRC.»

 

  1.  Por seu turno, entende a Requerida que «a Requerente não demonstrou com o manancial de documentação junta prova da efectividade dos serviços prestados em face das incongruências detectadas em sede do procedimento inspectivo. Os documentos anexos em sede de direito de audição e reiterados no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, não contêm informação complementar às facturas, não possuindo a Requerida os elementos adicionais necessários a verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício do direito à dedução.»

Vejamos,

 

  1.  A Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro procedeu à reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas, e consequentemente, alterou diversas normas do Código do IRC, inicialmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro de 2013.

 

  1. Com interesse para os presentes autos, é de destacar a alteração ao artigo 23.º do Código do IRC, a qual teve impacto, não só, na noção de gasto fiscal, mas também quanto aos requisitos formais da sua comprovação.

 

  1. Com efeito, a redação do artigo 23.º do Código do IRC, anterior à reforma do IRC2014, era a seguinte:

«Artigo 23.º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

2 — Não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação.

3 — Não são aceites como gastos do período de tributação os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, quando detidas pelo alienante por período inferior a três anos e desde que:

a) As partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º;

b) As partes de capital tenham sido adquiridas a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação.

4 — Não são também aceites como gastos do período de tributação os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objecto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes gastos e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão.

5 — Não são, igualmente, aceites como gastos do período de tributação, os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, bem como as menos-valias resultantes de mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do n.º 9 do artigo 18.º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do n.º 9 deste artigo.»

 

  1.  Aí se previa a necessidade do preenchimento de dois requisitos essenciais para que um custo pudesse ser tido em conta para efeitos de determinação do lucro tributável, a saber: a comprovação e a sua indispensabilidade;

 

  1. … após a reforma, tais requisitos obtiveram alcances diferentes, sendo que, o da comprovação foi expressamente especificado nos n.º 3, 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC; o da indispensabilidade foi, simplesmente, eliminado. 

 

  1.  Passou, assim, o artigo 23.º do Código do IRC, com a epígrafe “Gastos e perdas”, após a alteração legislativa de 2014, que se passou a aplicar aos exercícios de 2014 e seguintes, a dispor o seguinte:

«1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento
f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade; 

i) Provisões; 

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros; 

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;  

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

5 — (Revogado).

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.»

 

  1.   Com efeito, o requisito da comprovação vem, agora, especificamente previsto nos n.os 3, 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, particularizando-se, no n.º 3 que deve a mesma ser documental «independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.» ( n.º 3);

 

  1. … o n.º 4 prevê que no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o referido documento comprovativo deverá conter, pelo menos, os seguintes elementos:

«a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.»[1]

 

  1.  O n.º 6 do artigo 23.º dispõe no sentido de que, quando há obrigatoriedade na emissão de fatura, esta deverá ser o documento representativo do gasto efetuado, verificando-se, assim, uma aproximação, quanto às formalidades do documento, entre a dedutibilidade do gasto em sede de IRC e a dedutibilidade do IVA suportado.

 

  1.  Resumidamente, para que os gastos enumerados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, é necessário que se reencham dois requisitos fundamentais:
  1. que sejam comprovados documentalmente (nos termos dos n.os3, 4 e 6)
  2. que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

  1.  O n.º 1 do artigo 23.º- A do Código do IRC prevê, no entanto, um conjunto de encargos que, embora possam ser contabilizados como gastos do período de tributação, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

  1.  É o caso, por exemplo, como refere a alínea c) do referido preceito legal, dos «encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeito passivo cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º»

 

  1.  Curiosamente, esta alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, apenas exclui a dedutibilidade dos encargos cujos documentos não cumpram o estipulado nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º - não faz, contudo, qualquer referência ao incumprimento do estipulado no n.º 6 do mesmo artigo.

 

  1.  Na verdade, a reforma do IRC 2014, veio clarificar as condições de dedutibilidade dos gastos fiscais, referindo o seu Anteprojeto o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância. 

 

  1.  Assim, o princípio geral de que são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, é delineado por requisitos formais, devendo, consequentemente, o sujeito passivo possuir e deter documentos que os comprovem.

 

  1.  Documentos estes que devem conter os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes, valor e data, e, tratando-se de operações que suscitem a obrigação de emissão de uma fatura nos termos do Código do IVA, tais documentos devem revestir essa forma - de fatura-.

 

  1.  Na verdade, o dilema que se coloca é o de aferir qual a consequência que advém para o sujeito passivo do incumprimento dos requisitos formais, que no caso das faturas, depende da respetiva emissão por terceiro, o prestador dos serviços, assumindo a AT a posição de que, perante a insuficiência dos elementos constantes das mesmas, acarreta a desconsideração do gasto para efeitos de determinação da matéria coletável de IRC, por incumprimento de um requisito formal.

 

  1.  Ora, no caso em apreço, a Requerente contabilizou como custo, duas faturas emitidas pela sociedade E... que, segundo entende a Requerida, padecem de «insuficiência de discriminação dos serviços efectivamente prestados (…) nos termos do disposto no Art.º 36.º do CIVA (…)».

 

  1.  Sucede, no entanto, que, no decurso do procedimento inspetivo, a Requerente, notificada para o efeito, prestou vários esclarecimentos e «(…) veio a enumerar (v.d. Anexo 4), que os serviços prestados foram na área da consultadoria, apoio e investigação em vários projectos, designadamente:
  1. Artigos de Educação para a Saúde para a empresa-cliente:F..., Lda (Grupo G... : Revistas em papel e online Telenovelas e TV...);
  2. Actividades de educação para a saúde integraram também as actividades na H..., Lda e I..., S.A. com a disponibilização de conteúdos e formatação para materiais de promoção da saúde e segurança nos locais de trabalho;
  3. Apoio na produção e na revisão em continuidade de documentos técnicos, participando, também, na elaboração de sumários executivos dos projectos e à estratégia e consultoria documental para o processo de creditação da I..., SA pela Direção Geral da Saúde (DGS); elaboração de cuidados relatórios e assessoria de estratégias de infografia;
  4. Planificação de projectos de acção nacional de formação dos quadros da I..., S.A.» (Vide artigo 38.º da Resposta da Requerida)

 

  1.  Mais, referindo a Requerida quanto a esta matéria que «[d]os esclarecimentos prestados, apurou-se ainda que os pagamentos efectuados à E... eram feitos ao longo do ano, ou pagos de forma faseada e em função do pagamento dos clientes, do crédito acordado e da disponibilidade de pagamento da Requerente,, e eram assegurados pelo fundo de caixa que eram geridos pela contabilidade, com acertos de contas em continuidade ou no final do ano.» (artigo 66.º da Resposta)

 

  1.  Mais referindo a Requerida que «[n]o que concerne aos emails enumerados no exercício do direito de audição e mencionados no pedido de pronúncia arbitral, os mesmos encontram-se associados, de acordo com o ali descrito, a tarefas ou trabalhos que têm nome como por exemplo “Projeto ...”, “Formação”, “Telenovelas/TV...”, “I.../Grupo...”, “Tese de Mestrado”, entre outros. Contudo, o rigor que transparece existir nos emails não é extensível às faturas, porquanto estas têm descritivos genéricos como “outros trabalhos” e “apoio logístico” e em nenhuma delas consta a referência a nomes como os indicados no direito de audição prévia e no pedido de pronúncia arbitral ou a serviços. (artigos 70.º e 71.º da Resposta).

 

  1.  Efetivamente, no caso em apreço, face a todos os esclarecimentos prestados pela Requerente, no decurso do procedimento administrativo, e toda a panóplia documental junta aos autos, é manifesto que – conforme resulta da alínea k) dos factos dados como provados – consta dos autos diversa informação/documentação complementar respeitante às ações desenvolvidas pela E... para a Requerente ao longo dos exercícios de 2014 e 2015,

 

  1.  …designadamente, que a sociedade E... prestou apoio à Requerente na assessoria e no apoio administrativo especializado em áreas diversificadas, recorrendo a trabalho técnico especializado ou com colaboradores para a elaboração de artigos de revista,

 

  1.  … serviços esses que, segundo a Requerida, não se encontram devidamente contemplados nas faturas emitidas por tal sociedade à Requerente, as quais padecem de insuficiente descritivo, ao que acresce o facto de o seu pagamento ser efetuado em numerário.

 

  1.  Com efeito, não questiona a Requerida a materialidade das operações em causa, i.e, não coloca em dúvida que efetivamente a sociedade E... tenha prestado aqueles serviços à Requerente, coloca, sim, em crise, que as faturas em apreço se refiram àqueles mesmos serviços em virtude do genérico descrito que delas consta.

 

  1.  Contudo, como podemos retirar do Relatório de Inspeção Tributária (pág. 19) os gastos suportados em faturas emitidas pela E..., Lda, foram registados, na contabilidade da Requerente, designadamente na «rúbrica  fornecimentos e serviços externos, sub conta 62211 – “trabalhos especializados”», não obstante, os mesmos terem sido «pagas em numerário, de uma só vez, creditando a conta 111-“Caixa” e debitando as contas 243222-“IVA deduzido” e 281 – “Gastos a reconhecer”.» (pág. 20 do Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos).

 

  1.  Assim, e complementarmente, do conjunto dos documentos referidos resultam os elementos essenciais de informação exigidos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que, não assiste razão à Requerida quando refere que os gastos não seriam dedutíveis, por incumprimento do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, sendo que o n.º 3 admite que a comprovação documental se efetue por qualquer meio, i.e., “independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. 

 

  1.  Nesta sequência, outra questão se coloca: a de saber se as operações cuja existência material ficou demonstrada, e que estão documentadas nos vários elementos que a Requerente juntou aos autos, os quais contém os elementos de identificação essenciais, não se encontrando titulados nas faturas emitidas pela E..., sob a forma exigida no Código do IVA, forma essa atualmente também recebida no Código do IRC, são ou não fiscalmente dedutíveis por aplicação do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

  1.  Sobre esta matéria já se debruçou o Tribunal Arbitral, designadamente na decisão do Tribunal Coletivo proferida no Processo n.º 217/2018-T que aqui faremos referência pela sua clareza de exposição e total adequação ao caso em concreto, a qual esclareceu o seguinte:

«A norma em apreço foi introduzida com a Reforma do IRC para resolver interpretações divergentes a propósito de questões de “documentação probatória”, como refere o Anteprojeto da Reforma, passando a ser obrigatória a posse de uma fatura para efeitos de dedução dos gastos em IRC. Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais. 

 

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de RUI MORAIS anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11. 

 

Tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efetivamente incorridos pelo Requerente no exercício da sua atividade, estão suportados por documentos (embora não por faturas) e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis. 

 

Desde logo, por um argumento literal, pois o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC não estatui a indedutibilidade dos gastos por falta de fatura. Por outro lado, o artigo 23.º-A, que enumera os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, opera uma remissão, na alínea c) do seu n.º 1, para os n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mas não para o n.º 6 que prevê a obrigatoriedade da fatura, o que não pode deixar de significar uma distinção no tratamento e efeitos que merecem os gastos não devidamente documentados, no sentido daqueles aos quais faltam elementos essenciais de identificação das transações (enumerados no n.º 4), e os gastos que estão comprovados por via documental com menção a todos esses elementos, mas não suportados em fatura, como sucede neste caso.»

 

  1.  Assim sendo, tendo em consideração que a Requerente logrou comprovar, através dos diversos documentos apresentados, a materialidade dos serviços prestados pela sociedade E..., quanto às operações realizadas no âmbito da sua atividade, nomeadamente com que esta sociedade prestou apoio continuado à Requerente, quer na assessoria, quer no apoio administrativo especializado em áreas diversificadas, recorrendo a trabalho técnico especializado próprio, ou a colaboradores externos contratados para o efeito, consoante os pedidos e as necessidades desta, e que tais serviços permitiram desenvolver, em simultâneo, várias atividades geradoras de rendimentos tributáveis em sede de IVA e de IRC,

 

  1.  … sendo possível aferir, do conjunto de documentos, os elementos essenciais exigidos pelo n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, nomeadamente o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e o do adquirente; os números de identificação fiscal do fornecedor do bens ou prestador do serviços e do adquirente; a quantidade dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, o valor da contraprestação e a data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados,

 

  1.  … e não se suscitando risco de fraude e evasão, entende o Tribunal Arbitral que o presente pedido é de proceder, face à interpretação que faz do disposto nos artigos 23.º e 23-A do Código do IRC, devendo, em consequência, os custos suportados pela Requerente ser considerados custos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2014 e 2015.

 

 

VII. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 - Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral;

 - Anular, por ilegais, os atos de liquidação de Imposto de Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018 ... e n.º 2018 ..., referentes aos exercícios de 2014 e 2015, e respetivos juros compensatórios, no montante de € 10.386,40 e de € 10.262,66, respetivamente, tudo num total de € 20.841,83 (vinte mil, oitocentos e quarenta e um euros e oitenta e três cêntimos).

 

 

VIII. Valor do processo:

 

Fixa-se o valor do processo em € 20.841,83 (vinte mil, oitocentos e quarenta e um euros e oitenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atendendo à soma dos valores constantes da demonstração de acerto de contas referente aos exercícios de 2014 e 2015, cujas liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas se encontra impugnado nos presentes autos.

 

IX. Custas:

 

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00.

Notifique-se

Lisboa, 17 de abril de 2019

 

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] O n.º 4 do artigo 23.º Código IRC decalca os requisitos das faturas previstos no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, embora de forma um pouco menos exigente, porquanto permite prova complementar externa de que as operações se realizaram. Ademais, é de referir, ainda, que no IVA, aquele documento externo engloba em si um direito – o direito à dedução do imposto -, no IRC, aquele documento é apenas comprovativo daquela operação. Nesta aceção é comummente referido que enquanto que no IVA o documento justificativo tem finalidade substancial, no IRC a sua finalidade é meramente probatória.