Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 344/2018-T
Data da decisão: 2019-04-02  IMI  
Valor do pedido: € 1.394,61
Tema: AIMI – Incidência subjectiva: Sujeitos passivos casados.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua..., n.º..., em Lisboa, apresentou, em 17-07-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentado relativamente ao acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI – n.º 2017..., com referência ao ano de 2017.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-07-2018.

 

3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 06-09-2018 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 26-09-2018.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:

Ser casado no regime de separação com B..., contribuinte n.º... .

Em Agosto de 2017 foi notificado da liquidação de AIMI com o número 2017..., referente ao imposto por si alegadamente devido nesta sede, com referência ao ano 2017, da qual resulta um montante de imposto a pagar de 1.394,61 €, a qual incidiu sobre o valor patrimonial tributável global dos prédios urbanos destinados à habitação de que é proprietário, no montante total de 799.230,00 €.

A 28 de Setembro de 2017, conjuntamente com o seu cônjuge, dirigiu tempestivamente à Autoridade Tributária e Aduaneira uma Declaração de Opção pela Tributação Conjunta para efeitos de Adicional ao IMI e, em virtude da opção aí feita, foi ainda solicitada a anulação da liquidação de AIMI entretanto notificada e a correspondente emissão de uma nova liquidação de AIMI.

Não tendo recebido qualquer notificação referente à anulação da liquidação de AIMI inicialmente emitida ou referente à emissão de uma nova liquidação de AIMI, tomando em consideração a opção que foi exercida pela tributação conjunta nesta sede, deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de AIMI de que foi notificado, que veio a ser indeferida.

Sucede que a Administração fiscal indeferiu a reclamação graciosa apresentada sem fundamentar a decisão tomada, ou fazendo-o de forma manifestamente insuficiente, sendo que dever de a Administração fiscal fundamentar as suas decisões decorre do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e também da lei ordinária, nomeadamente pelo artigo 77.º, n.º 1, da LGT. Tal fundamentação tem de ser clara, congruente e suficiente.

No presente caso, a Administração fiscal ignorou os argumentos de ilegalidade e de inconstitucionalidade aduzidos pelo Requerente na Reclamação Graciosa, limitando-se a afirmar a sua discordância relativamente aos mesmos sem apresentar quaisquer justificações plausíveis para tal.

Para além da falta de fundamentação, a Administração fiscal invoca, erradamente, que o Requerente estaria obrigado a apresentar uma declaração no prazo alegadamente estabelecido na lei – 1 de Abril a 31 de Maio – para poder beneficiar da opção pela tributação conjunta.

Nos termos do artigo 135.º-D, n.º 1 do CIMI, o legislador limitou-se a prescrever que a tributação conjunta pode ser efectuada por opção dos sujeitos passivos casados ou unidos de facto, sem contudo, determinar de que modo ou em que prazo devem estes contribuintes proceder à mesma. Ou seja, na justificação apresentada, a AT confunde o regime previsto no artigo 135.º-D, n.º 1 do CIMI, aplicável ao presente caso, com o regime previsto no artigo 135.º-D, n.º 2 do CIMI, o qual nunca se poderia aplicar ao presente caso uma vez que o Requerente não é casado em comunhão de bens.

Não resulta da lei o modo e ou prazo para proceder à opção pela tributação conjunta, pelo que não colhe o argumento errado da Administração fiscal segundo o qual o Requerente teria exercido intempestivamente o respectivo direito de opção pela tributação conjunta.

No que respeita ao AIMI, sendo o Requerente uma pessoa singular, beneficia de uma dedução ao valor tributável no montante de 600.000,00 €, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 135.º-C do CIMI.

Em sede de AIMI, no âmbito dos sujeitos passivos pessoas singulares, o regime legal aplicável estabelece ainda outros dois meios de determinação do imposto devido, a saber:

- a opção pela tributação conjunta

- a declaração conjunta da titularidade de prédios para sujeitos passivos casados sob o regime de comunhão de bens.

Face ao que dispõe o artigo 135.º-D do CIMI resulta que:

  1. Quanto à titularidade de prédios de sujeitos passivos casados sob o regime de comunhão de bens, o legislador regulou detalhadamente que estes sujeitos passivos devem identificar a titularidade destes prédios através uma declaração conjunta (de modelo a aprovar por portaria) a apresentar exclusivamente no Portal das Finanças e no prazo que decorre entre 1 de Abril e 31 de Maio de cada ano;
  2. Quanto à tributação conjunta de sujeitos passivos casados em qualquer regime de bens ou unidos de facto, o legislador limitou-se a prescrever que esta pode ser efectuada por opção destes sujeitos passivos, sem, contudo, determinar de que modo ou em que prazo devem estes proceder àquela opção.

Não resultando da lei o modo ou prazo para proceder à opção pela tributação conjunta, outra conclusão não é passível de se retirar do caso concreto senão a de que o Requerente exerceu tempestivamente essa opção, aquando do envio do exercício da respectiva opção para o Serviço de Finanças.

Um entendimento diferente quanto ao modo e prazo de exercício da opção pela tributação conjunta, seria sempre violador do princípio da legalidade a que a AT se encontra sujeita por não ter correspondência nem resultar das disposições legais em apreço.

Ainda que se considerasse ser o disposto no n.º 3 do artigo 135.º-D do CIMI aplicável à opção pela tributação conjunta, o que não se concede por tal não decorrer da lei nos termos acima expostos, sempre se refira que este se limita a estabelecer que não sendo efectuada a declaração no prazo estabelecido, o AIMI é liquidado sobre cada um dos cônjuges sobre a soma dos valores dos prédios que já constavam da matriz na respectiva titularidade. Todavia, da lei não resulta que não fica precludido o direito do sujeito passivo de exercer a respectiva opção pela tributação conjunta a posteriori.

Com efeito, não estando expressamente consagrado em lei a preclusão de um determinado direito por exercício intempestivo ou a irreversibilidade de uma opção do sujeito passivo, não pode a AT vir arguir essa preclusão ou irreversibilidade, por estar sujeita ao princípio da legalidade.

Atendendo a critérios básicos de racionalidade económica de qualquer homem médio, resulta claro que só por lapso ou desconhecimento é que um sujeito passivo que possa beneficiar da tributação conjunta não exercerá a sua opção nesse sentido.

Uma norma que cria uma obrigação de opção, que apenas não será exercida por lapso ou desconhecimento do sujeito passivo, é susceptível de violar o princípio da confiança constitucionalmente protegido.

Conclui sustentando estar ferido de ilegalidade e de inconstitucionalidade o acto de indeferimento da reclamação graciosa ora contestado.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:

É manifesto que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada não padece do vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois resulta claro que um homem médio colocado na posição de destinatário consegue apreender o sentido da Informação prestada no procedimento.

Diversamente do alegado pelo Requerente, entende-se que a norma prevista no n.º 4 do artigo 135.º-D do CIMI é aplicável às situações consagradas no n.º 1 do mesmo preceito, não obstante o vocábulo "declaração" apenas surgir nos n.ºs 2 (declaração conjunta para identificação da titularidade dos prédios pertencentes a casados em regime de comunhão de bens que não optem pela tributação conjunta) e 3 (consequência da não opção pela tributação conjunta ou pela referida declaração conjunta).

Para que a AT pudesse proceder atempadamente à emissão da liquidação, considerando a tributação conjunta, sempre teria de haver informação nesse sentido, prestada pelos sujeitos passivos do imposto, e com base na qual a liquidação seria efectuada.

Pelo contrário, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que o Requerente, por via do presente pedido arbitral, admite e demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater a sua actuação. Deste modo, a opção pela tributação conjunta tinha necessariamente de constar de uma declaração apresentada pelos cônjuges ou unidos de facto, num determinado prazo, conforme resulta do artigo 135.º-D.

Se assim não fosse, isso implicaria que houvesse uma discriminação óbvia entre sujeitos passivos apenas em função do regime de bens do casamento, o que seria de todo inaceitável e inconstitucional por violação do princípio da igualdade.

Aliás, esta interpretação literal restritiva não pode colher qualquer mérito por força da Portaria n.º 90-A/2017, de 1 de Março, que expressamente refere, no seu artigo 1.º, que os modelos declarativos normativamente adoptados se aplicam à opção pela tributação conjunta prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D do Código do IMI.

O nº3 da norma em causa apenas prevê o regime subsidiário de delimitação objectiva e subjectiva da base tributável quando os sujeitos passivos não apresentem as declarações para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 135.º-D.

A possibilidade legal de influenciar a liquidação do AIMI concedida aos sujeitos passivos constitui um direito subjectivo, cuja manifestação de vontade requer a declaração expressa de ambos os sujeitos nesse sentido, e em que o silêncio determina a aplicação do regime subsidiário, com base na informação matricial detida pela AT.

Nestes moldes, o prazo previsto no n.º 4 do artigo 135.º-D do Código do IMI tem aplicação na situação sub judice e, sendo de natureza substantiva, está sujeito ao regime de caducidade previsto nos artigos 298.º e 328.º e seguintes do Código Civil. Não pode, por isso, entender-se que a declaração expressa da opção pela tributação conjunta se revista de natureza meramente formal como aponta o Requerente, mormente porque não configura uma qualquer iniciativa de um procedimento administrativo.

A declaração em causa visa dotar a AT de uma informação a ter em conta na emissão da liquidação, mas não é indispensável à existência da mesma, uma vez que, como se viu, pode ser desencadeada a liquidação mesmo que a declaração seja inexistente.

Conclui a Requerida pela legalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação do imposto, que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Por despacho de 08-01-2019, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

 

II – Saneamento

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT)] - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é casado no regime de separação de bens com B..., contribuinte n.º ... (como resulta da escritura pública de compra e venda junta ao processo administrativo);
  2. O Requerente era, à data dos factos, proprietário de dois prédios urbanos (artigos ... e ...) e o seu cônjuge de um (artigo...), com os valores patrimoniais tributários de 16.290,00 €, 782.940,00 € e 36.893,50 €, respectivamente (doc 3 e 5)
  3. O Requerente foi notificado pela AT, em Agosto de 2017, da liquidação de AIMI, relativamente aos prédios descritos sob os artigos ... e ..., com o n.º 2017..., com referência ao ano de 2017;
  4. O Requerente, conjuntamente com o seu cônjuge, dirigiu à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 28-09-2017, uma “Declaração de Opção pela Tributação Conjunta para efeitos de Adicional ao IMI” e, paralelamente, pedido de emissão de nova emissão de liquidação de AIMI, em substituição da anterior (doc 4).
  5. O Requerente apresentou reclamação graciosa daquela liquidação a qual foi instaurada sob o n.º ...2018...;
  6. Na aludida reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento que foi notificado à Requerente, na pessoa do seu mandatário, em 19-04-2018;

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou, desdobrando em três níveis:

I - falta de fundamentação e fundamentação incongruente na decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

II - violação de lei, o que sustenta no facto de:

- por um lado, ter exercido tempestivamente a opção pela tributação conjunta em AIMI;

- por outro, no facto de a opção de exercício desse direito não precludir pelo seu exercício intempestivo, porquanto tal não está consagrado em lei;

III – ser violador do princípio constitucional da confiança, a obrigação do exercício expresso para benefício da tributação conjunta em AIMI, tendo aquela um carácter meramente formal.

 

I – Falta de fundamentação ou fundamentação incongruente

 

Invoca o Requerente, para este efeito, que a Administração Fiscal ignorou os argumentos de ilegalidade e de inconstitucionalidade por si aduzidos na reclamação graciosa.

 

No que respeita aos invocados argumentos de inconstitucionalidade é manifesto que tal matéria está excluída do âmbito de actuação da Administração Tributária, atendendo à sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconstitucionalidade da lei ordinária que lhe não cabe, nem pode fazer. O que, obviamente, é aplicável em todos os níveis do procedimento administrativo e, por isso, também na reclamação graciosa.

 

Quanto aos demais vícios invocados em sede de reclamação graciosa, afigura-se-nos que, contrariamente ao que sustenta o Requerente, a AT se debruçou de forma inequívoca sobre a reclamação apresentada, tendo, de forma clara, enunciado as questões que ali foram levantadas e tendo tomado posição expressa sobre as mesmas. Veja-se como, apreciando os argumentos suscitados, os apreciou e, em síntese, concluiu:

“- A lei exige a declaração expressa e formal da vontade de cada um dos cônjuges ou unidos de facto para a opção pela tributação conjunta do AIMI, o que não sucedei no caso em apreço.

- Não sendo exercida a referida opção caduca o direito de opção pela tributação conjunta do AIMI.

- Não sendo efectuada a declaração no prazo estabelecido, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide, relativamente a um dos cônjuges sobre a soma dos valores dos prédios que já constavam na matriz na respectiva titularidade.

- Não tendo havido entrega dessa declaração no prazo estabelecido – 1 de Abril a 31 de Maio – a liquidação do AIMI é feita com base nas matrizes prediais vigentes a 1 de Janeiro do ano a que respeita o imposto e em relação a cada um dos sujeitos passivos nelas identificados.”

 

O que ocorrerá no caso em apreço – e é bem diferente - é que o Requerente não concorda com os fundamentos invocados pela AT, o que entronca no segundo vício ora invocado: violação de lei.

 

Com efeito, o Requerente pode não concordar com a fundamentação apresentada – questão que apreciaremos de seguida – mas é indesmentível que ela existe, é clara, não contraditória e congruente com a conclusão que levou ao indeferimento.

 

A fundamentação do acto de liquidação mais não é do que a forma de a “AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão” (Ac. TCA Sul de 25-01-2011 – Proc. 04410/10, o que é aplicável, com as devidas adaptações, ao despacho de apreciação de reclamação graciosa.

 

Como se diz no Ac. STA de 2-07-2014 - Proc. nº 01074/13: “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da CRP e acolhido nos artigos 124º do CPA e 77º da LGT. Ora, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto”.

 

Da análise do procedimento de reclamação graciosa e, designadamente da proposta de decisão para que o despacho de indeferimento remete, é manifesto que a AT cumpriu cabalmente tal dever de fundamentação que, diga-se, o próprio pedido arbitral revela que o Requerente apreendeu.

 

Sendo certo “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (…», in (Ac. STA de 0-01-2013 – Proc. n.º 0105/12).

 

Assim, estando o acto de indeferimento da reclamação graciosa devidamente fundamentado está apto a produzir os seus efeitos, improcedendo o pedido do Requerente neste ponto.

 

II – Violação de lei

 

A Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou supercifiários de prédios urbanos situados no território português”.

 

Determinando o artigo seguinte – 135º-B:

“1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”.

 

E, para efeitos de determinação do valor tributável, dispõe o art. 135º-C:

“1. O valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.

2. Ao valor tributável determinado nos termos do número anterior são deduzidas as seguintes importâncias:

a) € 600.000, quando o sujeito passivo é uma pessoa singular;

b) € 600.000, quando o sujeito passivo é uma herança indivisa”.

 

No que respeita aos sujeitos passivos casados ou em união de facto, face à dedução ao valor tributável prevista no art. 135º-C, n.º 2, a), há que ter presente o art. 135º-D, que estabelece:

“1. Os sujeitos passivos casados ou em união de facto para efeitos do artigo 14.º do Código do IRS podem optar pela tributação conjunta deste adicional, somando-se os valores patrimoniais tributários dos prédios na sua titularidade e multiplicando -se por dois o valor da dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior.

2. Os sujeitos passivos casados sob os regimes de comunhão de bens que não exerçam a opção prevista no número anterior podem identificar, através de declaração conjunta, a titularidade dos prédios, indicando aqueles que são bens próprios de cada um deles e os que são bens comuns do casal.

3. Não sendo efetuada a declaração no prazo estabelecido, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide, relativamente a cada um dos cônjuges, sobre a soma dos valores dos prédios que já constavam da matriz na respetiva titularidade.

4. A declaração, de modelo a aprovar por portaria e a apresentar exclusivamente no Portal das Finanças, deve ser efetuada de 1 de abril a 31 de maio.

5. A declaração apresentada nos termos do n.º 2 atualiza a matriz quanto à titularidade dos prédios.

6. A opção a que se refere o n.º 1 é válida até ao exercício da respetiva renúncia”.

 

Tendo presente os preceitos acima indicados e, de modo particular, o art. 135º-D, podemos concluir, em primeira linha, que no âmbito das regras aplicáveis aos sujeitos passivos pessoas singulares casadas, o regime fiscal estabelece dois meios de determinação do imposto: por um lado, a opção pela tributação conjunta e, por outro, a declaração conjunta da titularidade de prédios para sujeitos passivos casados sob o regime de comunhão de bens.

 

É também claro que no que respeita aos sujeitos passivos casados sob os regimes de comunhão de bens que, caso não pretendam exercer a opção pela tributação conjunta, poderão identificar os que são bens próprios e os que são bens comuns. Nesse caso, a lei determina que aqueles devem identificar a titularidade desses prédios através de uma declaração conjunta (em modelo a aprovar por Portaria) a apresentar entre 1 de Abril e 31 de Maio de cada ano.

 

Por outro lado, tendo em mente a possibilidade de tributação conjunta, se a lei prescreve que a mesma pode ser efectuada por opção desses sujeitos passivos, é manifesto que, contudo, não determinou de que modo ou em que prazo têm de fazer tal opção.

 

O que o n.º 3 do art. 135º-D estabelece é que não sendo feita a declaração – reportando-se necessariamente à declaração conjunta de titularidade a que alude o n.º 2 – o imposto incide, relativamente a cada um dos cônjuges, sobre a soma dos valores dos prédios que já constavam na matriz na respectiva titularidade.

 

Decorre do que se expõe que existirá confusão entre o regime da tributação conjunta e o regime da declaração conjunta.

 

Acresce que, como se diz na Decisão Arbitral n.º 367/2018, de 25-01-2018, “é manifestamente improcedente o argumento da AT segundo o qual a «(…) interpretação literal restritiva do não pode colher qualquer mérito por força da Portaria n.º 90-A/2017, de 1 de Março, que expressamente refere, no seu artigo 1.º, que os modelos declarativos normativamente adoptados se aplicam à opção pela tributação conjunta prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D do Código do IMI». Com efeito, tal raciocínio ignora de forma grosseia o princípio da legalidade … se de facto a referida Portaria aplicasse o prazo a ambas as realidades, contrariando o disposto na lei, estaríamos perante uma Portaria com carácter inovatório, violando assim o princípio da legalidade a que a AT está adstrita”.

 

Mas, ainda que assim não fosse, estará o direito de opção pela tributação conjunta inelutavelmente precludido caso não seja exercido no prazo estabelecido? Tal conclusão tem de ter respaldo expresso na lei o que entendemos não ser manifestamente o caso.

 

Diga-se, aliás, que tal preclusão determinaria o aumento do montante do imposto devido pelo sujeito passivo, consubstanciando-se como uma verdadeira sanção fiscal para o contribuinte.

 

Que do não cumprimento daquela obrigação declarativa possa ser imputada ao sujeito passivo a prática de uma contra-ordenação, passível de ser punida com coima, nada a opor. Mas da violação daquela obrigação acessória nunca poderia resultar o agravamento do pagamento de imposto de modo irreversível, sem possibilidade de correcção.

 

É o que ocorre designadamente em sede de IRS, conforme decisão do STA quando determinou que “não decorrendo da lei a irreversibilidade da opção dos sujeitos passivos que vivam em união de facto pela declaração separada ou conjunta ou a impossibilidade de em declaração de substituição se alterar a opção inicialmente formulada, carece de fundamento legal a interpretação administrativa que considera ser irreversível a opção da composição do agregado familiar, designadamente nos casos de união de facto” (Ac. de 29-06-2016 – Proc. 099/16).

 

Não vislumbramos quaisquer razões para que o mesmo entendimento não seja acolhido em sede de AIMI e, por isso, para se considerar que o Requerente exerceu intempestivamente o direito de opção pela tributação conjunta.

 

O requerimento apresentado pelo Requerente e cônjuge, em 28-09-2017, denominado “Declaração de Opção pela Tributação Conjunta para efeitos de Adicional ao IMI”, desempenha o papel de “declaração de substituição” tendo em vista a anulação da liquidação efectuada e a sua substituição por uma outra que tenha em consideração os novos elementos.

 

Temos, pois, de concluir que a decisão de indeferimento de reclamação graciosa está ferida de ilegalidade, por violação da lei, devendo ser anulada.

 

Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado, concluindo-se pela anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, com os efeitos daí decorrentes
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 1.394,61 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 02 de Abril de 2019

 

O Árbitro

 

 

 

(António Alberto Franco)