Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 476/2018-T
Data da decisão: 2019-03-19  IRC  
Valor do pedido: € 59.332,26
Tema: Contabilização e dedução de perdas por imparidades; dívidas de cobrança duvidosa; provas objetivas de imparidade; especialização de exercícios.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 06.12.2018, profere a seguinte decisão:

 

RELATÓRIO

 

1. A... LDA., (doravante “Requerente” ou “A...”), com o número de identificação fiscal..., com sede em Rua ..., ...-... ..., veio, em 26.09.2018, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a ilegalidade das correções à matéria tributável do período de 2014, no montante de 58.544,01 € (cinquenta e oito mil quinhentos e quarenta e quatro euros e um cêntimo) resultante de perdas por imparidade em créditos que foram contabilizadas no período de 2014, no montante de 242.522,45 € (duzentos e quarenta e dois mil quinhentos e vinte e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02.10.2018.

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado a 16.11.2018.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06.12.2018.

6. Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das correções à matéria tributável do período de 2014, no montante de 58.544,01 € (cinquenta e oito mil quinhentos e quarenta e quatro euros e um cêntimo), procedendo-se, consequentemente, à anulação dos atos tributários de liquidação de IRC sub judice e bem como em sede de juros compensatórios, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito, com as legais consequências.

7. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT), ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, apresentou em 22.01.2019 a sua resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, peticionando a final que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com devidas consequência legais. 

8. Por entender dever ouvir as três testemunhas apresentadas pela A..., o tribunal marcou a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, a qual teve lugar na sede do CAAD a 15.02.2019.

9. Nas suas alegações finais, apresentadas pela Requerente em 22.02.2019 e pela Requerida em 08.03.2019, as partes sustentaram no essencial as suas posições, não deixando de fazer referência a elementos probatórios trazidos à colação na mencionada reunião.  

 

Descrição dos factos

10. A Requerente foi submetida a uma ação inspetiva interna, de âmbito parcial, credenciada pela ordem de serviço interna n.º OI2017...respeitante ao período de tributação de 2014, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira apurado correções meramente aritméticas em sede de IRC – matéria coletável.

11. Durante o período de tributação de 2014 o sujeito passivo declarou perdas por imparidade no valor de 242 522, 45 €, na conta 6511, Perdas por Imparidade Clientes, por compensação da conta 219110100000, Dívidas de Clientes.

12. Neste âmbito, a Requerente foi objeto de uma correção meramente aritmética à matéria coletável no montante de 213.834,06 € (duzentos e treze mil oitocentos e trinta e quatro euros e seis cêntimos), em consideração ao seguinte:

i. Perdas por imparidade não aceites fiscalmente – no montante de 173.836,78 €;

ii. Insuficiência de mora para a constituição de imparidade e falta de reversão – no montante de 33.272,28 €;

iii. Redução de rendimentos indevida – no montante de 6.725,00€.

 

Argumentos das partes

13. Os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelas partes dizem respeito, fundamentalmente, ao regime de registo das imparidades e à legalidade das correções efetuadas à matéria coletável.

 

14. A Requerente alega que a AT não faz um correto enquadramento legal no que concerne às perdas por imparidade em créditos, alicerçando a sua tese, fundamentalmente, nos seguintes argumentos:

a)            A AT não fundamenta claramente a posição defendida, limitando-se a expor que a Requerente contabilizou perdas com imparidade no montante de 242.522,45€, não sendo a quantia de 173.836,78 € fiscalmente aceite por existirem factos que colocam em causa a dedutibilidade fiscal dessas perdas, nomeadamente que 1) em relação a alguns clientes já existem processos de execução ou insolvência, e, 2) em relação a alguns clientes já não existem relações comerciais há vários anos;

b)           Atendendo ao Relatório de Inspeção Tributária, a AT não fundamenta devidamente a posição assumida, limitando-se a considerar que as perdas por imparidade sub judice deveriam ter sido reconhecidas, isto é, contabilizadas e fiscalmente aceites noutros períodos;

c)            Até 2014, os contatos mantidos pela Requerente indicavam que o crédito seria satisfeito e, portanto, até então era elevada e real a expectativa de recebimento do mesmo – a Requerente não tinha assumido até então a incerteza no recebimento;

d)           Essa incerteza deveu-se à dificuldade de contactos entre a Requerente e clientes e/ou o conhecimento das dificuldades económicas dos segundos em honrarem os compromissos assumidos com a primeira;

e)           A Requerente mantinha a expectativa de cobrar os créditos face às permanentes diligências (telefonemas; contactos do departamento administrativo; contactos pessoais entre os gerentes da Requerente e do cliente, etc.) de cobrabilidade que ia levando a cabo, nos termos expostos nas seguintes tabelas:

 

f)            Dos vários contactos/diligências pessoais e telefónicas encetadas pela Requerente, tendentes à cobrabilidade dos créditos, os clientes transmitiam a intenção de pagar brevemente, propondo, muitas vezes, planos de pagamento;

g)            Só em 2014 é que a Requerente verificou que havia um risco inerente à cobrança dos créditos – risco este que não era evidente nos períodos anteriores a 2014; 

h)           A Requerente apenas contabilizou as perdas por imparidade em 2014, uma vez que só nessa data é que verificou que, contrariamente ao que havia sucedido até então, tinha perdido a expectativa do recebimento dos créditos;

i)             O ato tributário em causa que é fruto da arbitrariedade da AT, subsumindo-se no vício de falta de fundamentação gerador da anulabilidade;

j)             A AT está obrigada, por imposição constitucional e legal, ao dever de fundamentação, sob pena da anulação do ato tributário, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas;

k)            A AT, aquando da inspeção, ignorou toda a prova testemunhal que a Requerente podia oferecer para provar as diligências levadas a cabo para efeitos de cobrança dos créditos e melhor identificadas no quadro supra, não tendo demonstrado qualquer interesse em questionar os funcionários da Requerente, nomeadamente do departamento administrativo e de cobranças, para entender a razão pela qual a Requerente só em 2014 contabilizou as perdas por imparidade aqui em discussão.

 

15. Em sentido contrário, a AT veio sustentar a manutenção das correções à matéria tributável por ela efetuadas e dos atos tributários de liquidação de IRC impugnados, no essencial, com os seguintes argumentos: 

a)            Considera-se haver suficiente fundamentação quando esta permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não de outra; 

b)           Da leitura do Relatório da Inspeção Tributária (RIT) resulta que um ser humano médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão, verificando-se que as respetivas razões foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pela Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral que, de outra forma, não o teria apresentado, ou seja, esta compreendeu o iter cognoscitivo das correções impugnadas;

c)            Não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo;

d)           A fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente, por via do presente pedido de pronúncia arbitral, admite e demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, tentando rebater a sua atuação e assacando vícios aos argumentos da AT;

e)           A verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade;

f)            A fundamentação do SIT, assentou na única interpretação possível e por conseguinte correta, do art.ºs 28.º - A e 28.º- B do CIRC, sobre perdas por imparidade;

g)            Devem ser imputados ao resultado de cada período de tributação as perdas por imparidade que têm origem nesse período, à luz dos critérios definidos na lei fiscal, logo que verificados os eventos ou condições que determinam a existência de risco de incobrabilidade, em observância dos princípios da prudência e da especialização dos exercícios, nos termos do n.º 1 do art.º 28º - A e art.º 28-B, ambos do CIRC;

h)           Os parágrafos 23 e 24 da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros, impõem que, à data de cada período de relato financeiro, seja avaliada a imparidade de todos ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados, devendo ser reconhecidas as respetivas perdas se existir evidência objetiva (v.g. dificuldade financeira; quebra contratual, incumprimento ou não pagamento; probabilidade de falência ou reorganização do devedor; diminuição observada na estimativa de fluxos de caixa futuros);

i)             Pela análise às contas correntes dos clientes da Requerente, constatou-se que, em relação à maioria desses clientes, já existiam processos de execução ou insolvência ou, a antiguidade dos saldos excedia os 24 meses, a contar do vencimento e, não despiciendo, não existiam relações comerciais há vários anos;  

j)             Em 2010 a Requerente desenvolve próprias, diversas e sucessivas “démarches” no sentido de ver assegurada a cobrabilidade esses créditos, sendo que os SIT nunca negaram que tivessem sido levadas a cabo diligências junto dos clientes com esse objetivo;

k)            A Requerente, no que concerne aos créditos sobre clientes que constam da lista do quadro que apresenta, confirma que o período da mora decorrido desde o vencimento já ultrapassava os 24 meses, previstos na alínea d) do n.º 2 do art.º 28.º-B do Código do IRC e reitera que desenvolveu por variadas formas e em diferentes momentos contactos com os devedores relapsos e que, em face das justificações dadas, alimentou, até ao exercício de 2014, a expectativa de recebimento das quantias em dívida;

l)             Em períodos anteriores a 2014 já se verificavam as condições legais determinantes da existência do risco de incobrabilidade, que justificavam plenamente a sua relevação contabilística e fiscal, a saber: (i) pendências de processos de execução ou de insolvência sobre alguns clientes; ou (ii) período de mora superior a 24 meses, existência de provas das diligências efetuadas para o recebimento das quantias em dívida e existência de prova objetiva de imparidade;

m)          A antiguidade das dívidas era, em geral, significativa, sendo algumas anteriores a 2010, aliada aos sucessivos incumprimentos das promessas feitas pelos devedores nos frequentes contactos que por diversos meios eram realizados com os mesmos, constituem elementos bastantes para “evidências objetivas de imparidade”;

n)           Só poderão deixar de ser consideradas num determinado período de tributação, quando, na data do encerramento das contas a que deveriam ser imputadas, estas sejam imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, conforme dispõem os nºs 1 e 2 do art.º 18º do CIRC, que não é manifestamente o caso;  

o)           A previsibilidade de incobrabilidade já era sobejamente conhecida da Requerente e a prova de que os contactos desenvolvidos por diversos meios com os clientes relapsos não surtiram os efeitos desejados reside justamente na permanência dos créditos nas contas daquela; 

p)           As questões relacionadas com a verificação das condições que determinam a existência de risco de incobrabilidade e com o momento em que esse risco ocorre, estão perfeitamente definidas na legislação fiscal (al. a) do nº 1 do art.º 28º-A e art.º 28º-B, todos do CIRC), de forma a não deixar tais questões ao livre arbítrio ou à subjetividade dos critérios de cada contribuinte e a harmonizar a faculdade legal de constituição das perdas por imparidades para cobertura de créditos de cobrança duvidosa, com o princípio da especialização dos exercícios e da inerente periodização do rendimento tributável;

q)           Perante as indicações quer da conjuntura económica financeira do país, quer do comportamento relapso prolongado dos devedores, competia à Requerente o reconhecimento das perdas por imparidade determinadas de acordo com os critérios definidos nos artigos 28.º-A e 28.º-B, do Código do IRC, observando concomitantemente o princípio da especialização dos exercícios.

r)            Não tendo a Requerente procedido dessa forma, o não preenchimento dos fatores que determinam a dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade reconhecidas no período de tributação de 2014, tem como consequência que os créditos em causa apenas poderão influenciar o resultado fiscal no período de tributação em que sejam declarados incobráveis, desde que verificados os termos e condições previstos no art.º 41.º do Código do IRC;

s)            O cliente CC..., Lda, terá cumprido o plano de pagamentos, tendo no final do ano a conta corrente apenas faturas vencidas há menos de 6 meses. Não obstante, além de não reverter as imparidades já constituídas em 2013, a Requerente ainda as reforçou em 2014.

 

Reunião arbitral do artigo 18º do RJAT

16. Por entender dever ouvir as três testemunhas apresentadas pela A..., o tribunal marcou a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, a qual teve lugar no dia 15 de fevereiro, tendo as mesmas oferecido os seguintes depoimentos:

a)            DD..., NIF..., escriturária da Requerente, exerceu, entre outras, funções de cobrança, adotando diferentes procedimentos de cobrança de créditos consoante as condições concretas de cliente, numa abordagem caso a caso, em função do relacionamento dos clientes com a empresa. Não falou com ninguém da administração tributária durante a inspeção. Confirmou que depois de 2014 foram cumpridos vários créditos, por exemplo, a B... Unipessoal está a fazer liquidações e a L... pagou na totalidade, na sequência de processo judicial. Salientou que a cobrança é um processo gradual e insistente, podendo envolver acordos verbais de pagamento, cabendo à gerência dar por incobráveis determinados créditos. O atraso no pagamento nem sempre impede a continuação das transações com os devedores.    

b)           EE..., NIF..., sócia maioritária desde março de 2017. Não falou pessoalmente com a administração tributária. Realizou funções de cobrança, insistindo por vários meios com os clientes – com muitos dos quais havia uma relação de proximidade quase familiar – ocorrendo que os mesmos iam adiando o pagamento, a partir de certa altura alegando as dificuldades resultantes da crise. Durante anos havia a esperança de que os créditos viessem a ser pagos. Esclareceu que em 2014 a empresa entendeu ser a altura de dar os créditos como perdidos. A L... pagou em 2018, por acordo, depois de ser demandada judicialmente, prática que a empresa tende hoje a adotar de forma mais expedita. 

c)            FF..., NIF..., contabilista da empresa desde 2017, acompanhou as formalidades da inspeção tributária realizada à empresa, tendo fornecido prontamente todos os elementos solicitados, embora não tenha falado pessoalmente com ninguém da AT. Entende que a AT, como ele próprio, deve atender não apenas à mora, mas às diligências realizadas para cobrança e à prova objetiva da imparidade, nos termos da norma de contabilidade. Entende que o preenchimento dos requisitos da imparidade deve ser verificado com cuidado, caso a caso, visto que alguns dos critérios objetivos da imparidade (v.g. estar na iminência da falência) são de difícil conhecimento e de preenchimento também difícil e subjetivo. Confirmou que alguns clientes em dívida pagaram depois de 2014. Entende esta testemunha que as correções efetuadas ao resultado fiscal afetam, indiretamente, a contabilidade. Sendo extremamente difícil provar objetivamente os requisitos da imparidade, um erro nessa matéria poderia também desencadear uma reação negativa da AT.

 

SANEAMENTO

17. Tendo o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas à Requerente ocorrido a 09.07.2018, constata-se que a Requerente dispunha até ao dia 08.10.2018 de prazo para formular o pedido de pronúncia arbitral, pelo que o mesmo é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. 

18. Foi pela AT suscitada a questão prévia da restituição dos montantes pagos a título de coima.

19. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.º2, 6.º, n.º1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT)

20. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

21. O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Factos dados como provados

22. Com base nos documentos e depoimentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)            A Requerente deduziu ao lucro tributável de 2014, perdas por imparidade de créditos sobre clientes, que deveriam ter sido reconhecidas e imputadas ao resultado fiscal de exercícios anteriores, no montante de €173.836,78. (Documentos 1e 2).

b)           A Requerente foi submetida a uma ação inspetiva interna credenciada pela ordem de serviço interna n.º OI2017... respeitante ao período de tributação de 2014, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira apurado em acerto de contas correções meramente aritméticas em sede de IRC no montante de 58.544,01 € a pagar até 07.09.2018 – matéria coletável, tendo sido lavrado o correspondente Relatório de Inspeção Tributária.

c)            A Requerente apresentava diversos clientes com faturas em mora há mais de 24 meses no fim de dezembro de 2013, onde constam, nomeadamente, dívidas anteriores a 2011, 2010, 2009, 2007 ou 2006, algumas faturas de 2002 e dos anos 90 do século passado, tendo sido efetuadas diligências cobrança (i.e. 2008, 2009, 2010, 2011, 2012) ou a existindo alguns processos judiciais de execução (i.e. 2010, 2012) e de insolvência (i.e. 2010, 2011, 2012, 2013) (RIT, Documento 2).

d)           Neste âmbito, a Requerente foi objeto de uma correção meramente aritmética à matéria coletável no montante de 213.834,06 € (duzentos e treze mil oitocentos e trinta e quatro euros e seis cêntimos), em consideração ao seguinte:

i. Perdas por imparidade não aceites fiscalmente – no montante de 173.836,78 €; ii. Insuficiência de mora para a constituição de imparidade e falta de reversão – no montante de 33.272,28 €; iii. Redução de rendimentos indevida – no montante de 6.725,00€. (Documentos 1e 2).

e)           A Requerente recebeu pagamentos de clientes em dívida posteriormente a 2014; (Documentos. 3, 4 e 5)

f)            O cliente CC..., Lda, terá cumprido o plano de pagamentos, tendo no final do ano a conta corrente apenas faturas vencidas há menos de 6 meses; (Documentos 2, 6, 7, 8, 9, 10,11,12)

g)            Não obstante, além de não reverter as imparidades já constituídas em 2013 sobre o cliente CC..., Lda, a Requerente ainda as reforçou em 2014; (Documentos 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11,12)

 

Factos não provados

23. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

Motivação

24. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

25. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

26. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Questões decidendas

27. As questões decidendas prendem-se, desde logo, com a alegada falta de fundamentação do ato da AT e com a legalidade das correções à matéria tributável do período de 2014, no montante de 58.544,01 €.

 

3.4.1. A falta de fundamentação

28. A Requerente alega a ilegalidade do ato da AT por falta de fundamentação. Em seu entender, a AT não fundamenta claramente a posição por si defendida, limitando-se a expor que a Requerente contabilizou perdas com imparidade no montante de 242.522,45€, não sendo a quantia de 173.836,78 € fiscalmente aceite por existirem factos que colocam em causa a dedutibilidade fiscal dessas perdas, nomeadamente que 1) em relação a alguns clientes já existem processos de execução ou insolvência, e, 2) em relação a alguns clientes já não existem relações comerciais há vários anos. Para a Requerente, mesmo atendendo ao RIT, a AT não fundamenta devidamente a posição assumida, limitando-se a considerar que as perdas por imparidade sub judice deveriam ter sido reconhecidas, isto é, contabilizadas e fiscalmente aceites noutros períodos. Porém, tal alegação afigura-se difícil de sustentar.

29. Em primeiro lugar, o artigo 77,º da Lei Geral Tributária (LGT) basta-se com uma sucinta exposição das razões de facto e de direito motivaram o ato, admitindo até uma mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Em segundo lugar, o legislador tributário acolhe a possibilidade de fundamentações sumárias, embora contendo sempre as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

30. Ora, estes elementos constam com clareza suficiente do ato em questão e do RIT em que o mesmo se apoia. Uma leitura pausada dos documentos em presença permite imediatamente concluir que o que está em causa, para a AT, é o não preenchimento dos requisitos objetivos definidos pelos artigos 28.º - A e 28.º - B do CIRC para o registo de imparidades, com os inerentes riscos de uma manipulação subjetiva e calculista das imparidades para a redução do lucro tributável em anos em que isso se possa relevar especialmente vantajoso. De resto, é sintomático que a Requerente, ao mesmo tempo que alega a falta de fundamentação por parte da AT, desenvolve a sua retórica argumentativa no sentido de refutar a respetiva posição expressa no RIT.

31. Também o presente tribunal, um dos destinatários da fundamentação , não teve qualquer dificuldade em compreender o discurso mental da AT. Na verdade, um exame ao RIT, para cujas informações a fundamentação do ato da AT pode remeter, está longe de apresentar uma fundamentação genérica ou sumária. Bem ao contrário, o RIT vai ao ponto de apresentar  a descrição dos factos e os fundamentos das correções meramente aritméticas efetuadas, referir as normas jurídicas infringidas, demonstrar a antiguidade dos créditos apresentar tabelas especificando um a um os clientes com faturas em mora há mais de 24 meses no fim de dezembro de 2013, onde constam dívidas anteriores a 2011, 2010, 2009, 2000, algumas faturas vencidas ainda nos anos 90 do século passado, juntamente com as diligência efetuadas para cobrança ou a existência de processos judiciais de execução ou de insolvência, como se pode verificar:

 

32. A Requerente exerceu o respetivo direito de audição, dispondo da oportunidade de carrear os elementos que considerasse relevantes, sendo a posição por ela sustentada objeto de resposta no RIT. É com base num relatório circunstanciado que a AT conclui que os créditos em causa deveriam ter sido contabilizados como imparidades nos anos anteriores a 2014 ou no ano em que se verificou a incobrabilidade dos créditos. Improcede, por isso, o vício invocado de ilegalidade do ato por falta de fundamentação. 

 

3.4.2. Contabilização e dedução de perdas de imparidades

 

33. A questão a decidir prende-se com a legalidade das correções à matéria tributável do período de 2014, no montante de 58.544,01 €. A alínea a) do n.º1 do artigo 28.º - A do CIRC, na versão que vigorou no exercício de 2014, dispunha que “[p]odem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”. 

34. Esta possibilidade de dedução  é indissociável dos princípios constitucionais da tributação de acordo com a capacidade contributiva e o rendimento real. A empresa pode deduzir perdas por imparidade relativamente a créditos resultantes da sua atividade normal que venham ser considerados de cobrança duvidosa. A dedução das perdas por imparidade é expressamente relacionada com o princípio da especialização de exercícios , ou seja, liga-se a um determinado período de tributação e à correspondente periodização do lucro tributável . A dedução das perdas por imparidade deve ocorrer no momento em que se torna claro que se está diante de uma dívida de cobrança duvidosa.

35. Nos termos os nºs. 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC,  os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica , sendo as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores imputáveis ao período de tributação apenas quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.  

36. A fim de evitar, ao nível do sujeito passivo, a livre densificação do que sejam créditos de cobrança duvidosa e limitar a possibilidade de redução artificial da base tributável,  o artigo 28.º- B, do CIRC, sob a epígrafe de perdas por imparidade em créditos, determina que para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º- A do mesmo diploma, se consideram créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado,  a saber, quando o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto, ou quando se esteja diante de créditos que tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral ou estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

37. Relativamente aos créditos em mora superior a seis meses, situação em que se encontravam todos os créditos da requerente mencionados nas tabelas supra, o n.º 2 estabelece as percentagens dos mesmos que limitam o montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos, as quais são de  25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses; 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses, 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses e 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses. Nos termos do preceito em causa, estas percentagens abrangem os juros pelo atraso no cumprimento das obrigações, em função da mora dos créditos a que correspondam. Como se pode observar, as percentagens aumentam à medida que a antiguidade do crédito aumenta, refletindo o acréscimo do risco de incumprimento e a redução da capacidade de cobrança. O legislador fiscal, no n.º 3 do artigo 28.º- B do CIRC, procede a uma delimitação negativa do que sejam créditos de cobrança duvidosa, excluindo do conceito determinados tipos de créditos, sendo que nenhum deles está em causa no presente processo.

38. Importa considerar, neste âmbito, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 27 (NCRF 27). Nos parágrafos §§ 23 a 26 consagram-se as normas sobre o reconhecimento das imparidades de ativos financeiros à data de cada relato financeiro. Dispõe-se que havendo evidência objetiva de imparidade deve a respetiva perda ser reconhecida na demonstração de resultados. 

39. A evidência objetiva é descrita como uma realidade observável, suscetível de investigação empírica e validação intersubjetiva. Nos termos do § 24, a mesma inclui dados observáveis que chamem a atenção do detentor do ativo para eventos de perda como sejam, nomeada e sinteticamente, a significativa dificuldade financeira do devedor, o não pagamento ou incumprimento do juro ou da amortização da dívida, a existência de dificuldades económicas do devedor que levem o credor à concessão de condições que de outro modo não consideraria, uma observável diminuição de fluxos de caixa futuros. O § 25 acrescenta a possibilidade de outros fatores virem evidenciar a imparidade, tais como alterações significativas que possam ter efeitos adversos no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o devedor opere. 

40. As normas legais e contabilísticas acabadas de mencionar revestem-se de grande relevância para o caso concreto. As mesmas pretendem concretizar uma articulação razoável dos princípios da tributação do rendimento real, da periodização dos exercícios, da prudência na gestão empresarial e da proteção da base tributável . No seu conjunto, visam reduzir a margem de subjetividade na dedução de perdas por imparidades. Na verdade, elas impõem o registo das imparidades sempre que se trate de créditos de relacionados com a atividade normal da empresa, considerados de cobrança duvidosa e como tal evidenciados na contabilidade. 

41. É indubitável que se está, in casu, diante de créditos relacionados com a atividade normal da empresa , - associados à aquisição de bens produzidos ou comercializados pelo credor – resultando dos quadros acima apresentados que eles se referem a clientes da A..., alguns deles de longa data, com os quais estabelecia uma estreita relação pautada pela boa-fé. Por outras palavras, a motivação primária que esteve na base da formação dos créditos apresentava-se claramente ligada ao exercício da atividade comercial da empresa.

42. Também não está em causa o facto de se tratar de créditos empresariais suscetíveis de serem considerados de cobrança duvidosa (business bad debts), apresentando risco considerável de incobrabilidade, na medida em que se estava diante de créditos em mora há mais de 6 meses e nalguns casos há um número considerável de anos. A presença de provas objetivas de imparidade e a realização de diligências não pode ser dissociada do facto de que o registo da imparidade em 2014 esbarra no princípio da periodização económica do lucro tributário, na medida, nos termos do artigo 18.º n.º 1. e n.º 2 do CIRC, a regra é a de que as componentes negativas do lucro tributável devem ser imputadas ao período de tributação em que são suportadas, sendo a imputação das mesmas a outros períodos de tributação excecional e limitada a componentes negativas imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

43. Daqui resulta que para se proceder à imputação a 2014 de componentes negativas consubstanciadas nas imparidades por créditos de cobrança duvidosa era necessário que se estivesse diante de realidades imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, o que não é o caso. Na verdade, resulta dos dados objetivos disponíveis que o risco inerente à cobrança já existia nos anos anteriores a 2014. A tabela dos créditos acima apresentada dá conta da antiguidade considerável de um número elevado de faturas vencidas e da existência de diligências efetuadas para a sua cobrança, tendo sido verificado pela AT, em sede de RIT de inspeção tributária interna , que já existiam nalguns casos processos de execução e insolvência e inexistiam relações comerciais com alguns dos devedores, desde há alguns anos.  

44. O RIT vai mesmo ao ponto de apresentar  a descrição dos factos e os fundamentos das correções meramente aritméticas efetuadas, referir as normas jurídicas infringidas, demonstrar a antiguidade dos créditos e apresentar tabelas especificando um a um os clientes com faturas em mora há mais de 24 meses no fim de dezembro de 2013, onde constam dívidas anteriores a 2011, 2010, 2009 ou 2000 e inclusivamente algumas faturas vencidas nos anos 90 do século passado, juntamente com a menção de diligências efetuadas para cobrança e a existência, nalguns casos, de processos judiciais de execução e insolvência. Os factos aí descritos, com as necessárias especificações concretas, reportam-se aos clientes cujas correções são questionadas pela Requerente, a saber, B... Unipessoal, C..., D..., I..., J..., K..., L..., O..., P..., Q..., R..., S..., T..., U..., X..., Y... e Z... . Diante desta realidade, é inteiramente razoavelmente concluir pela significativa dificuldade financeira dos devedores, de que se fala no § 24 alínea a) da NCRF 27. Estes elementos permitem que se conclua, razoavelmente, pela existência de provas objetivas de imparidade, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º- B do CIRC.

45. Acresce que as testemunhas ouvidas na audiência pública prevista no artigo 18.º do RJAT confirmaram que o processo de cobrança de créditos era gradual e insistente, seja pessoalmente ou por telefone, arrastando-se durante vários anos. O que significa, na prática, que existiam já em 2011, mas seguramente em 2012 ou 2013, provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas sucessivas e morosas diligências para o recebimento dos créditos. Se é verdade que, para a Requerente, a existência de contatos constantes com as empresas devedoras e a realização continuada e persistente das referidas diligências de cobrança é afirmada nos autos, confirmada pelas testemunhas e utilizada para demonstrar a existência de uma expectativa de recebimento dos créditos – alegadamente justificadora do protelamento da dedução de imparidades – também o é que para a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º- B do CIRC tais diligências constituem um dos pressupostos objetivos juridicamente relevantes de demonstração da presença de créditos de cobrança duvidosa , reduzindo a margem de subjetividade do sujeito passivo. 

46. De resto, a referência feita pelas testemunhas à realização de diligências de cobrança de créditos durante vários anos, sendo inteiramente relevante para o caso concreto, sempre deveria ser razoavelmente interpretada, em abstrato, de acordo com o critério do administrador diligente, com um sentido que impeça que um administrador relapso, desatento, indolente ou incauto – que de forma intencional ou negligente não tenha durante anos realizado as diligências objetivamente cabíveis para cobrar créditos antigos – acabe por ficar colocado na posição fiscalmente mais favorável de poder manipular temporalmente a dedução de perdas por imparidade e dessa forma contornar os princípios da especialização de exercícios, da prudência e da proteção da base tributária. 

47. Cabe ainda salientar que a crise financeira mundial – que dos Estados Unidos alastrou à Europa e afetou Portugal a partir de 2010 e que, a partir de certa altura, terá sido invocada pelos devedores para justificar o adiamento da satisfação dos seus créditos – pode na verdade ser vista como uma alteração significativa, anómala e adversa no ambiente económico e financeiro dos devedores.

48. Mas isso, por si só, não justifica o adiamento do registo das perdas por imparidade para 2014. Pelo contrário, trata-se aí de realidades que se enquadram nos critérios empírico-objetivos de identificação e prova da existência de imparidades previstos no artigo 28.º - B e na NCRF 27, nos § 24 e § 25, onde se alude a condições económicas nacionais adversas e alterações significativas com efeitos adversos no ambiente económico.  Com efeito, uma análise concreta da verificação dos pressupostos normativamente relevantes – na linha do designado teste de todos os eventos (all-events test),  indissociável do princípio e do método da periodização económica – obriga a concluir que todos os eventos reportados no RIT, e confirmados pela Requerente, respeitantes à significativa antiguidade das faturas vencidas, às diversas, constantes e insistentes diligências de cobrança, ao sucessivo incumprimento de promessas de pagamento feitas pelos devedores, aos processos de execução e de insolvência existentes, à rotura de relações comerciais com alguns clientes e às dificuldades criadas aos devedores e ao credor pela crise económica e financeira, constituem, no seu conjunto, evidência objetiva de imparidade anterior a 2014, para efeitos dos artigos  28.º - A e 28.º- B do CIRC e da NCRF 27.

49. Os princípios da especialização de exercícios e da prudência (due dilligence), objetivamente conformadores da atividade económica e do direito fiscal, obrigariam aqui ao registo das imparidades, pois de outra forma a contabilidade não espelharia a realidade patrimonial da empresa e o rendimento real. Na verdade, as regras constantes dos artigos 28.º - A e 28.º- B do CIRC, para além da sua relevância imediata em sede de compliance fiscal, produzem o importante efeito regulatório – que irradia a todo o sistema económico – de incentivar os administradores das sociedades comerciais a adotar uma postura atenta, diligente, proactiva, sistemática, organizada e competitiva de otimização da gestão de recebíveis (receivables management). Esta postura, além de propiciar um bom funcionamento da economia, não deixará de ter importantes consequências no adequado cumprimento das obrigações fiscais – tanto principal como acessórias – e na preservação da base tributável.

50. Uma propensão para a relativização da atuação concertada dos princípios da especialização de exercícios e da prudência, ainda que bem intencionada, pode ter consequências sistémicas deletérias, frustrando os objetivos prosseguidos pelo legislador fiscal .  O princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55º da LGT, não pode ser mobilizado para colmatar a passividade dos credores na gestão da cobrança dos seus créditos e na contabilização temporalmente adequada das correspondentes imparidades .

51. Com isto não se está a colocar em dúvida a capacidade de gestão da administração da empresa ou a questionar a sua liberdade de conformação estratégico-comercial. É certamente aos administradores que, no exercício e no âmbito da sua liberdade de iniciativa económica privada constitucionalmente consagrada , cabe definir e executar os planos de desenvolvimento da sua atividade de negócios, nomeadamente os que considerem mais oportunos e adequados para a cobrança dos créditos da empresa.

52. Reconhece-se, do mesmo modo, que os administradores das empresas são os principais interessados na cobrança de créditos e na realização das diligências adequadas e necessárias à obtenção desse resultado. É a eles que cabe decidir, nomeadamente, se procuram cobrar os seus créditos através de contactos pessoais, diretos ou indiretos, por telefone ou email, ou anuir a planos de pagamento especialmente concebidos para facilitar a gradual recuperação dos montantes em dívida. Incumbe-lhes assentar, por exemplo, quanto tempo vão conceder aos devedores para a satisfação total ou mesmo parcial dos seus créditos, se entendem optar por recorrer à via judicial ou se preferem celebrar contratos de factoring com instituições financeiras para obter liquidez imediata .

53. Contudo, o que está em causa, no processo em apreciação, não é a intromissão da AT no núcleo essencial da atividade empresarial da Requerente, mas tão só reconhecer a existência, na legislação tributária, de critérios objetivos para o registo das imparidades que retiram ao contribuinte o poder de livremente escolher o exercício em que pretende proceder à contabilização e dedução das respetivas perdas, minimizando os riscos de abuso fiscal de imparidade .

54. A existência destes critérios objetivos decorre da necessidade de o legislador proceder a um equilíbrio constitucionalmente adequado dos princípios jurídico-fiscais da tributação de acordo com a capacidade contributiva e o rendimento real, da especialização de exercícios, da prudência na gestão empresarial (due dilligence) e da prevenção da erosão da base tributária. Este equilíbrio é tanto mais importante quanto é certo que os sujeitos passivos são chamados a colaborar ativamente com a AT na efetivação da tributação e na prossecução das respetivas finalidades de interesse público constitucional  – cumprindo voluntariamente as suas obrigações fiscais em modo de auto-interpretação, -declaração, -liquidação e -tributação e sujeitando-se a um eventual e incerto controlo ex post facto pela AT –, havendo sempre o risco de essas finalidades poderem ser consideravelmente desvirtuadas e neutralizadas através de uma qualquer deriva de planeamento fiscal (tax planning drift) .  

55. Neste contexto, importa salientar que os critérios económicos, empresariais e contabilísticos, por um lado, e os critérios fiscais, por outro, não coincidem necessária e inteiramente. A não ser assim, o sujeito passivo poderia controlar livremente o timing das deduções, estando abertas as portas a um planeamento fiscal agressivo através da transferência de deduções (deduction shifting) temporalmente orientada para os exercícios em que as mesmas se revelassem fiscalmente mais vantajosas, em função da variação anual dos lucros e perdas, das taxas marginais de imposto ou dos benefícios fiscais . Embora cada caso concreto deva ser rigorosamente examinado no seu mérito intrínseco em função da sua especificidade factual e relevância normativa, a solução jurídica que lhe deve ser dada, em sede de interpretação e aplicação da lei fiscal, não pode abstrair das implicações sistémicas que dela necessariamente resultariam para a generalidade dos casos. 

56. As considerações expostas levam este tribunal a considerar não ter a AT, no caso em apreço, praticado as correções aritméticas em causa por via de um ato desprovido de base legal.

DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1.            Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

2.            Absolver a Requerida de todos os pedidos com as consequências legalmente devidas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 59.332,26, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerente em € 2.142,00 nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

Lisboa, 19 de março de 2019

 

O Árbitro

 

Jónatas Machado